quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ANO NOVO

Uma boa entrada de Ano para todos os que passarem por aqui.

Mal Li, E Achei Uma Merda

Dia desses, caiu-me nas mãos a mais nova publicação dos estúdios Maurício de Sousa.
A turma da Mônica ficou jovem, pior: teen.
A Mônica não é mais dentuça, usou aparelho ortodôntico; o Cebolinha não troca mais o "r" pelo "l", foi ao fonaudiólogo; a Magali vive em dieta; e a coisa por aí segue.
Não existem mais a Mônica, o Cebolinha e etc, existem personagens crescidos - espichados no pior de todos os estilos de desenho, o mangá - e que mantiveram os nomes dos antigos.
As peculiaridades que davam a identidade a cada um da turma da Mônica foram extirpadas, agora todos são iguais a todos.
Cadê a tão propalada diversidade? A conscientização para a aceitação das diferenças? O combate ao preconceito, tão necessário hoje para uma juventude isenta de valores?
Maurício de Sousa prefere não enveredar por essas trilhas, torna a todos iguais e pronto, resolvido o problema.
Resolvido porra nenhuma.
A criança gordinha sempre vai ser o gordo-baleia, o rolha de poço, o pudim de banha, o supositório de elefante; a que usa óculos será sempre a quatro-olhos; o muito magro será o palito, o pau de virar tripa, vara de cutucar estrela, grilo, canela de sabiá; o muito baixo, o muito alto, o espinhento, o com orelha de abano, a peituda precoce, a sem-peitos tardia...
Não adianta. Todas as diferenças serão cruelmente realçadas na infância e adolescência.
Saber lidar com a adversidade, mais até que com a própria diversidade, e seguir em frente, é que forjará caráteres e personalidades, que acabará dando fibra e brio ao indivíduo: atributos também ausentes nessas novas gerações de iguais.
A solução não é fingir que todos são iguais, como na Turma da Mônica Jovem, não é homogeinizar, não é tornar tudo um só pastiche, não é pôr todos no mesmo liquidificador, bater e servir um suco cinzento; essas novas gerações são cinzentas.
Não é à toa que o gibi da Mônica Jovem é impresso em preto e branco, não há cores, não há distinção.
O interessante seria um quadrinho em que o cara que chama o gordo de rolha de poço percebesse que ele também é um cara legal (ou não) e ficasse amigo dele. Mas Maurício de Sousa, mais uma vez, foge disso.
Opta por entrar na onda da inclusão, onde todos são considerados iguais. Muito cômodo por sinal, afinal negar as diferenças é se abster de tratá-las, a cada uma, com um cuidado especial. É muito mais fácil, dá muito menos trabalho.
É a merda do politicamente correto!!!
Já imaginaram se essa onda teen se alastrar pelos outros títulos de Maurício de Sousa?
O Chico Bento, por exemplo, não roubaria mais as goiabas do nhô Lau, trabalharia varrendo o pomar ou capinando um terreno para recebê-las em paga, não mais pescaria com o Zé Lelé porque é época de piracema, não sairia mais à caça da onça-pintada porque o IBAMA decretou que é crime inafiançável.
Uma chatice só. Um porre. E sem álcool.
Só torço, nisso tudo, para que o Bidu não esteja mais vivo. Se estiver, logo, logo, passará por uma cirurgia de retirada das cordas vocais. Para seu latido não incomodar aos vizinhos.
A Turma da Mônica Jovem é a coisa mais velha que eu já vi. Velha no sentido de rançosa, preconceituosa.
No que depender de mim, meu filho não lerá a Mônica Jovem.
E acho que vetarei até a série clássica da Turma da Mônica.
Em protesto.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Divagações Sobre Faraós, Presidentes E Construtores

A última e mais importante obra de um faraó, aquela via qual seria imortalizado e sempre referido, era a sua pirâmide. Quanto maior e opulenta, melhor.
O filme "Lula, o filho do Brasil", talvez sua última obra como presidente (assim espero, pelo menos), é a pirâmide de Lula.
Grandiosa obra de propaganda que faria corar os Estados totalitários de Stalin e Adolfinho, versão oficial de sua trajetória ao Planalto, imagem pela qual Lula quer ser lembrado.
Ninguém podia saber dos segredos das pirâmides, de seus labirintos de túneis e corredores que davam acesso à câmara principal onde eram guardados a múmia do faraó, seus tesouros e segredos; finda a construção, todos os envolvidos, de escravos a engenheiros, eram enterrados juntos com o faraó.
Fábio Barreto foi o construtor da pirâmide de Lula, cineasta de "Lula, o filho do Brasil".
Um filme desse, por mais rastaquera, envolve grande volume de pesquisa, leitura de arquivos confidenciais, entrevistas, depoimentos e etc de pessoas que conheceram Lula antes dele ser O Lula, pessoas que sabem do homem e não do presidente. E o homem é sempre perigoso ao presidente.
Certamente, apenas uma pequena fração do material colhido foi maquiada e usada para os propósitos do filme, mas Fábio Barreto se tornou o homem que conhece os segredos da pirâmide.
Findo o filme, Fábio Barreto sofre um acidente automobilístico.
O construtor da pirâmide de Lula está à beira da morte.
Coincidência?
Ainda que seja, Fábio Barreto a mereceu.
Um cara, um cineasta de considerável talento, um fazedor de arte, prestar-se ao papel de propagandista do Estado, bem que merece levar um tranco brabo.
A pirâmide ficou pronta. E seu construtor, provavelmente, será o primeiro sepulto em suas câmaras ocultas.
Quantos já não estarão enterrados em seus alicerces?

domingo, 27 de dezembro de 2009

Ela É Quem É A Louca?

Susana Maiolo, 25 anos, franco-suiça, tentou empurrar o Papa.
Pena que não conseguiu.
Foi declarada internacionalmente desequilibrada pela imprensa.
Ser considerada assim, será até vantajoso para ela, há de ter pena mais branda, perdão mais fácil.
Mas a declaração imediata da loucura da moça serve (sempre) aos interesses da própria igreja.
Admitir que pessoas em pleno juízo sejam capazes de atacar ao Papa, ainda mais em pleno período natalino, começaria a levantar suspeitas sobre a igreja, sem dizer que abriria precedentes para que outros que se consideram em perfeito juízo (e todos se consideram, inclusos os loucos) começassem também a fazê-lo.
Um Papa condensa todos os ideais e história da igreja.
A igreja católica promoveu genocídios em suas cruzadas, onde mulheres eram varadas por espadas e crianças recém-nascidas eram giradas pelos pés e tinham suas cabeças esmigalhadas contra paredes; a santa igreja queimou, talvez, tanta gente em suas fogueiras quanto Hitler em seus fornos crematórios, quem sabe daí venha a simpatia da igreja pelo nazismo à época da segunda guerra, se não apoiando aos atos da suástica, ao menos fazendo-lhes vista grossa e tendo seu silêncio muito bem pago com ouro judeu, que até hoje abarrota os cofres do Vaticano, não à toa esse Bento XVI fez parte da juventude hitlerista.
Hoje, a igreja continua a orquestrar um genocídio, com ares, inclusive, de limpeza étnica, bem próprio do nazismo.
O continente africano é o atual agraciado das bençãos da igreja.
A igreja combate o uso de camisinhas no continente mais contaminado pelo HIV, não só combate como tenta dificultar o acesso ao produto e, em esse chegando a alguma aldeia, um pelotão de freiras negras-africanas-católicas é destacado para acorrer a tal localidade e promover a queima dos preservativos - sempre a fogueira santa -, condenando silenciosamente milhares à morte pela AIDS.
Pois bem, essa moça Susana, atacou a personificação de tudo isso, ela é franco-suiça, tem ótima educação, sabe das coisas.
Foi um ataque ingênuo, romântico, limitado pelo seu pequeno, ou quase nenhum, poder de fogo.
Mas quem é o louco?
Ela que ataca o ícone de toda essa lamentável história ou os milhões que ficam aclamando a passagem do Papa, agitando bandeirinhas, ansiosos por um olhar que lhes seja dirigido pelo filho da puta e ávidos pela sua benção feita de sangue e peste?
Pena ela não portar uma arma.
Até nisso o filho da puta do Papa tem sorte, sorte pelos opositores da igreja não serem tão sanguinários como é a organização cujo comando ele ocupa.
Feliz Natal, Susana Maiolo.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Pequeno Conto Noturno (8)

Ele checa os molares superiores, todos intactos e firmes, idem com os inferiores, nenhum quebrado ou vacilante.
O interior da bochecha, ao contrário, está em panderecos, a mucosa aberta em dois cortes desbeiçados, o sangue tinge os entredentes, mas Rubens gosta de seu gosto doce-ferruginoso, sempre gostou; não cospe o sangue, sorve, não quer desperdiçar tão vital substância.
Não há água oxigenada em seu armário de remédios para a assepsia, há vodka em sua geladeira, Rubens enche a boca e faz um bochecho.
Dor ardida e excruciante, parece cortar mais que o murro que quase o nocauteou, mas é dor bem-vinda.
Se arde é porque está matando os germens, se dói é porque está sarando, sempre ouviu dizer de sua mãe e avós, a cura via dor e sofrimento, purgação, catolicismo aplicado à medicina, Rubens não é católico, mas a dor católica a lhe tomar as bochechas o conforta.
Ele mantém a vodka na boca, até a dor ser trocada lentamente pela anestesia, pela dormência que o álcool impõe aos tecidos.
Não cospe a vodka. Engole-a. Cheia de sangue, o verdadeiro Blood Mary, pensa Rubens.
Há noites em que nada pode prestar, nas quais todos os indícios gritam para que fiquemos em casa.
São as noites às quais Rubens não consegue resistir.
Rubens sabia que era dessas noites quando resolveu pôr pé à rua, sabia que era dessas noites quando abordou a dona que se oferecia a ele à luz de um blues, sabia que era dessas noites quando entrou no apartamento da dona e começaram a meter, sabia que era dessas noites quando a dona, cavalgando seu pau, pediu para que lhe batesse na cara e ele bateu e a dona uivou, lanhando as próprias coxas com as unhas longas, sabia que era dessas noites quando a dona perguntou se também podia lhe bater e ele concedeu.
A dona calçou um soco inglês, estrategicamente oculto por debaixo dos lençóis, e lascou-lhe uma porrada, no capricho, agarrou-lhe pelas orelhas, colou sua boca a dele e tomou-lhe o sangue, a buceta da dona mascou o pau de Rubens, ela gozou e desmaiou, de gozo, sangue e excesso de álcool.
Rubens não podia ficar no prejuízo, pôs a dona desfalecida de bruços e varou-lhe pelo cu, igualando os estragos causados em sua boca. Em revanche, em justiça, em punição.
Mulher maluca, lembra Rubens.
Faz ainda dois ou três bochechos de vodka, volta a garrafa para a geladeira, se deita e adormece fácil.
Adormece o sono limpo que só têm os bebês, e os justiceiros.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O Necessário (E Inalcançavel) Vazio

O mais belo e categórico texto jamais escrito seria uma folha em branco; ou uma tela em branco, vá lá, façamos essa concessão.
Tal texto exprimiria, com precisão nunca dantes atingida e de forma definitiva, a verdadeira natureza e espírito humanos, o vazio.
O átomo tem 99,9% de sua massa concentrada no núcleo, sua região central, e os outros 0,01%, espalhados pela sua eletrosfera; a magra eletrosfera, no entanto, é de 10 mil a 100 mil vezes maior que o núcleo, ou seja, o átomo é puro vazio, o átomo é pura página em branco.
Tudo no universo conhecido é composto pela combinação de átomos, logo todo o universo é muito mais um vazio que firme terreno. Nós mesmos somos muito mais vazio que pessoas.
O vazio é regra e equilibrante do universo.
O vazio não existe para ser preenchido, sim para continuar vazio.
Não deve ser preenchido por nada, muito menos, e desgraçadamente, por atividades humanas, sejam elas artísticas ou de qualquer outra índole.
É por medo do vazio que o ser humano tenta recheá-lo.
Porém não pelo medo natural, e justificável se esse fosse o caso, do desconhecido, como é de uso afirmar por aí.
É pelo medo de se descobrir - e de se reconhecer - também vazio.
Nunca daremos descanso ao vazio - e nem a nós mesmos, por conseguinte - pelo medo de nos sabermos e admitirmos vazios, como todo o universo circundante, comuns, sem nenhuma habilidade além.
O que mais nos apavora não é a imensidão imaterial: é a nossa total ausência de especialidade.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Os Eleitos Da Bala Soft

Hoje, cheguei à conclusão de que eu e toda minha geração, os recém-passados dos 40 anos, fomos uma linhagem do mais duro cerne, pétreos, verdadeiros vikings em comparação com essas gerações atuais de crianças moloides, frouxas e obesas.
Essa molecada não aguenta nada, já nascem doentes. Nós suportávamos a tudo, raramente adoecíamos.
Nossos brinquedos e brincadeiras detonariam, hoje, um infanticídio generalizado.
Todos nossos carrinhos, ou bonecas, no caso das meninas, eram coloridos com tintas à base de chumbo, cádmio e que tais, e eram avidamente mascados e roídos por nós, isso quando esses metais pesados também não se prestavam a corantes de nossas guloseimas. E estamos aqui.
Tive o "Forte Apache", toda a sétima cavalaria (incluindo o Rin-tin-tin) e a corja do Touro Sentado eram bonecos feitos de chumbo, o forte era de madeira que facilmente se desfazia em farpas, que viviam a entrar sob nossas unhas, os cantos do forte apache eram fixados por pregos, de metal, finíssimos, pontiagudos e sempre enferrujados. E estamos aqui.
Fui ainda possuidor de um laboratório de química dos brinquedos Guaporé, o tal continha 25 reagentes, entre o quais, três compostos de enxofre (hipossulfito de sódio, sulfocianeto de amônio e sulfeto de sódio) e dois plumbosos (iodeto e nitrato de chumbo), contava ainda com tubos de ensaio de vidro, fino e cortante, bem como uma lamparina a álcool destinada a aquecer misturas. E estamos aqui.
Andávamos sobre muros (e até caímos, as vezes), entravámos em córregos sem nem saber de suas profundidades, ateávamos lindos fogaréus em terrenos baldios (e nem nos mijávamos na cama, como reza o dito popular), jogávamos "bets" na rua, toureando os automóveis, engolíamos água das enxurradas, até leite com manga, tomávamos. E estamos aqui.
Alguns dos remédios clássicos de nossa infância tiveram sua formulação alterada, mantiveram praticamente só os nomes de fantasia, por serem extremamente danosos à saúde, a exemplos, merthiolate, hipoglós, mercurocromo, lactopurga. E estamos aqui.
Fomos, segundo os atuais "peidagogos" de plantão, massacrados pelo sistema educacional de nossa época, nossa escola se valia de práticas didáticas quase medievais, imaginem só ter que decorar conjugação de verbos e tabuada, onde já se viu tamanha judiação?
E sabem o mais curioso, peidagogos filhos de puta? Estamos aqui. Ninguém ficou traumatizado e até que fomos muito bem alfabetizados e sabemos fazer conta "de cabeça" até hoje.
Mas só tomei conhecimento do pior inimigo, do mais cruel algoz de minha infância, hoje.
Inimigo ardiloso, lobo em pele de cordeiro, insuspeito à época: as criminosas e mortais balas SOFT.
(Balas soft, quem as conhece não esquece jamais, quem não, dê uma olhada na foto ao ínicio dessa postagem.)
Numa dessas conversas de velhos desocupados, comentei que elas não mais eram fabricadas, fato estranho, pois eram largamente consumidas. Aí fiquei sabendo de toda a sua maldade, as balas soft foram responsáveis pelas mortes de várias crianças, que se engasgavam com elas.
Eu e meus amigos nos engasgamos várias vezes, nunca supomos o quão perto da morte já estivemos... fiquei a ponderar.
A luz do discernimento banhou-me de imediato, explicado estava o grande sucesso evolutivo de minha geração.
Fomos moldados, lapidados e postos à forja pelas balas soft.
Os que a elas sobreviviam, estavam aptos a passar incólumes por todas as outras agruras, podíamos até beber merthiolate, tranquilamente.
Nem Darwin teria pensado nisso.
As gerações seguintes não passaram pela triagem da bala soft, pelo seu crivo impassível. E deu no que deu, no que está dando: levas e mais levas de humanos de bosta.
Sou a favor - ocorreu-me agora - da reativação de todas as fábricas de bala soft, elas deveriam voltar a ser fabricadas e distribuídas na merenda escolar como poderoso e eficaz agente de seleção. Os "manés" seriam prontamente eliminados, e os que restassem, seriam alunos capazes de, ao menos, juntar lé com cré; poderiam também, as balas soft, serem incluídas nas cestas básicas dos professores, concursos teriam de ser urgentemente abertos.
Um brinde a mim e aos meus amigos, a nós, os eleitos da bala SOFT
.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pequeno Conto Noturno (7)

- O que são esses papéis espalhados?
- Tem tudo quanto é tipo de papel espalhado por aí - responde Rubens, a olhar para seus pentelhos recobertos da secreção de Laura, resolvendo se vai tomar um banho ou, simplesmente, deixar tudo secar e, depois, esfarelar com os dedos e bater tudo para o chão.
- Aquelas em cima da mesa.
- São começos de uma carta para um amigo antigo.
- Cartas?
- Sim, aqueles papéis cheios de palavras, de preferência organizadas em frases, que se põe num envelope, leva-se aos correios e despacha-se.
- Sei o que é uma carta, mas quem é que ainda manda cartas hoje em dia?
- Eu.
-Posso fumar aqui no teu quarto?
- Há uma lei antifumo, agora.
- Você não tem cara de ser homem que segue leis.
- É porque sigo a todas.
- E?
- Pode fumar.
Rubens vai nu até a cozinha - optou por deixar a gosma de Laura secar nele -, volta com uma garrafa de vinho, serve-se primeiro de uma talagada e passa para Laura.
- E recebe outras cartas em resposta, desses amigos?
- Isso é só um detalhe.
- Posso dar uma olhada?
- Não são pra você.
- E manda muitas?
- Devo ter umas duzentas ou mais, guardadas em caixas.
- Mentira - espanta-se Laura -, ninguém manda ou recebe tantas cartas assim.
- Você tem o quê? Uns vinte e poucos anos?
- É, vinte e BEM poucos.
- Pois eu já mandava cartas antes de você nascer.
- E e-mail? Não manda e-mails?
- Mando, mas é diferente, e-mail é frio, rápido demais, não cria expectativas, não há a sensação tátil, olfativa, não há a caligrafia - parte da alma de quem escreve; também não dá para escrever um e-mail de três ou quatro páginas.
- Você já escreveu cartas de três ou quatro páginas? - Laura dá mais uma entornada (gotas fugitivas de vinho aterrisam em seu peito direito) e faz cara de quem nunca escreveu não só uma carta de três ou quatro páginas, mas de quem nunca escreveu três ou quatro páginas durante a vida toda.
- Sim, várias, a maioria delas - e Rubens quase solta um suspiro de desalento, mas olha pros peitos de Laura e resolve que compensa.
- Mas me diz - insiste Laura -, qual a diferença entre carta e e-mail, que eu ainda não percebi?
- Entendamos assim: a diferença entre enviar um e-mail e postar uma carta é a mesma que entre trepar com uma boneca inflável e com uma mulher de verdade, gostosa, ávida por vara.
-Ah!!! E eu, Rubens? Sou o quê? Um e-mail ou uma carta de três páginas?
- Boa pergunta.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ô Pesquisinha Furada

Meu amigo Nariz me enviou uma notícia sobre um estudo feito com 354 pacientes com câncer terminal, no Instituto do Câncer Dana-Faber, Boston, Massachusetts.
Esse estudo concluiu que pessoas com fortes crenças religiosas são a maioria entre as que lutam com mais intensidade contra a morte.
Primeiro que não confio em pesquisas, são sempre tendenciosas, ainda mais nos Estados Unidos. Nada impede que a divulgação desse tipo de resultado tenha por intuito arraigar a religião, mantendo o falso puritanismo estadunidense, sem contar que uma pesquisa feita com 300 e poucas pessoas não tem a menor validade estatística.
Segundo que a razão dos crentes do cu quente lutarem mais contra a morte, pode vir do fato deles perceberem que não viveram nada do que desejaram, de que se privaram dos pequenos e mundanos prazeres, castrados pela religião, e queiram viver um pouco mais, quem sabe dando algum tipo de reparo ao tempo perdido nas igrejas.
Terceiro, eles lutam não porque a religião tenha lhes dado um maior apego à vida, não que eles realmente acreditem na vida como algo sagrado. Nada disso. A crentaiada filha da puta luta pra ficar viva porque sabe que vai pro inferno, que vai sentar no garfo do capeta. Não querem morrer é por medo do capeta.
Por último, uma vez que 95% das pessoas do mundo se declaram religiosas de alguma forma, é lógico que, em qualquer amostragem tomada, a chance de encontrar pessoas que lutem mais pela vida e que tenham crenças religiosas é maior do que a chance de encontrar pessoas que também lutem pela vida, mas que não as tenham; por exemplo, se num grupo de 3oo pessoas, 100 lutarem desesperadamente para se manter vivas, pelo menos umas 90 dessas serão religiosas.
Ou seja, pessoas com crenças religiosas não são apenas maioria entre os que mais lutam pela vida ou deixam de lutar, são maioria também entre os honestos, entre os desonestos, entre os assassinos, entre as prostitutas, entre os médicos, entre os professores, entre os bons pagadores, entre os inadimplentes, entre os leais, entre os traidores, entre os políticos... são a maioria entre a população global.
É óbvio. E ululante.
Ô pesquisinha furada.
Mais furada que as mãos do Cristo.

Budista Light

Publicado na Folha de São Paulo, 14/12/2009

Autor: LUIZ FELIPE PONDÉ

"O "ASSUNTO Deus" é complicado. Em jantares inteligentes, é mais fácil você confessar que faz sexo com dobermans, prova de que seu gosto ultrapassou formas sexuais conservadoras. Mas, se falar sobre Deus, há risco grave de que não te convidem mais.
E aí nunca mais aquela cozinha vietnamita.
Melhor se dizer um budista light.Mas a mania que muito religioso tem de achar que tudo na vida se deve a Deus (ou similares) é um saco! Isso fala mais de sua preguiça e medo do que de Deus.Entendo o bode dos ateus com essa gente. Para mim, essa conversa é semelhante ao papo de que você tem câncer porque não resolveu adequadamente seus conteúdos emocionais.
Ora bolas, isso quer dizer que, se todo mundo um dia for feliz, ninguém vai ter câncer? Ou que, pior, além de ter câncer, você é um babaca responsável pelo câncer porque não fez terapia? Conheço gente que se diz ateia (e com isso se acha mais inteligente, como de costume) e acredita nessa baboseira de que o amor cura câncer.Mas, desculpe-me, ateísmo é coisa banal. Quando eu tinha oito anos era ateu.
O ateísmo é óbvio (por isso comecei a desconfiar dele), diante do lamentável estado da vida: somos uma raça abandonada (Horkheimer). Ateísmo não choca mais ninguém (pelo menos quem já leu uns três livros sérios na vida), porque ateus já são vendidos às dúzias em liquidações. E mais: ser ou não ateu não diz nada acerca de como a pessoa se comporta com os outros (ao contrário do que muitos ateus e não ateus pensam).
Existem canalhas de ambos os lados do muro.Deus, como se diz em filosofia, "é uma variável sem controle epistemológico", isto é, não se testa Deus em um laboratório.
Mas, antes, uma pequena heresia.
Mais chocante hoje é alguém confessar que não crê no aquecimento global, pelo menos na versão que aconteceu nesse espetacular concílio bizantino em Copenhague, reunindo toda a gente legal do mundo.
Confesso minha fraqueza: sou um herege, não acredito que meu pequeno carro aqueça o planeta, mas já estou pagando mais imposto por isso e tenho certeza de que outros virão. Acho essa história uma mistura de ego inflado (disputamos com o Sol para ver quem aquece mais?) e tédio (que tal salvar o planeta? A vida está tão chata na Dinamarca!). Meu cachorro anda triste? Deve ser o aquecimento global.
Sei que dizem que é fato científico, mas, para mim, que sou um medieval, só acredito na ciência quando vem no formato de resultados de exames do Fleury ou do Delboni, e não quando tem a ONU no meio e gente ganhando milhares de euros salvando o planeta.
Para mim, Copenhague foi aquele tipo de concílio onde se discutia se a roupa de Jesus era dele ou não. Temperamentos autoritários gozaram de tesão em Copenhague.
E o ateísmo? A constatação de que o mundo é péssimo e, por isso, Deus não deve existir é razoável. A primeira vez que isso me ocorreu foi quando descobri que existiam colegas mais felizes do que eu na escola, e aí eu julguei o mundo injusto. Se Deus, como todo mundo me dizia, era bom, por que eu não era o cara mais forte do mundo? Decidi que Deus não existia. Ou não era bom.
O ateísmo é uma conclusão óbvia, não há nenhuma grande inteligência nisso. Qualquer golfinho consegue ser ateu.Anos mais tarde, fosse eu uma dessas pessoas legais que creem no marketing do bem, concluiria que o mais justo seria que todos fossem igualmente felizes, e aí Deus teria sido democrático. Graças a Deus nunca passei pelo ridículo de pensar assim.
Quanto a Deus ser mau, concluí que melhor seria mesmo considerar o universo indiferente e cego e mecanicamente cruel. Naquele dia, tornei-me um trágico (antes de ler Nietzsche ou Darwin).Poucos ateus não são descendentes de uma criança infeliz e revoltada (e, veja, 110% das crianças, esses pequenos lindos monstros malvados, são infelizes porque sempre existem crianças mais felizes do que você).
A prova disso é que ateus gostam de falar mal da igreja (nunca superaram aquela freira azeda), de Deus (esse malvado que não me fez mais forte), ou do pai judeu (que me obrigou a só namorar judias).Ou acham que, se formos todos ateus, o mundo será melhor. Se você é assim e tem orgulho de ser ateu, você é um rancoroso.
Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer besteira (Chesterton): na Natureza, na História, na Ciência, na Dinamarca, em Si Mesmo. Essa última crença, eu acho, é a pior de todas. Coisa de gente cafona".

domingo, 13 de dezembro de 2009

O Homem Cinza

Fazia tempo que eu conhecia o Homem Cinza.
Roupas cinza,
Cabelos cinza, barba cinza,
Dentes e riso cinza.

Humores e amores cinza,
Sonhos e frustrações cinza,
Andar e gestos cinza.

- Por que tantos cinza? - perguntei-lhe um dia.
- Não são TANTOS cinza
-respondeu-me com cinza voz -,
São SÓ cinzas.

sábado, 12 de dezembro de 2009

BONITO, NÉ?

Hermes, filho de Zeus (pra variar) e da ninfa Maia, deus da fertilidade, protetor dos rebanhos, mensageiro dos deuses, protetor das estradas e viajantes, condutor das almas ao Hades, deus da fortuna, da eloqüência e do comércio, patrono dos ladrões e inventor da lira.
Inventor da lira, instrumento que confeccionou a partir das próprias tripas.
Informação extraída do dicionário chicobuarqueano: "... um deus sonso e ladrão, fez das tripas a primeira lira, que animou todos sons."
Puta que o pariu!!!!
Ou isso tudo é bonito a não mais poder, a não mais caber, ou sou eu que estou ficando velho, com a marreta mole.
Ou sou eu que, hoje, estou especialmente vulnerável.

Um Deus Sonso E Ladrão...

É o Chico. Dizer mais o quê?
Choro Bandido
(Edu Lobo / Chico Buarque)
Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons.
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão.
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons
*se quiserem ouvir/ver, é só dar uma clicadinha aqui, no meu poderoso Marretão

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Poderoso Rola-Bosta

Eu me criei lendo gibis de super-heróis, consumi-os, contumaz e frequentemente, dos doze aos trinta e cinco anos, depois os fui lendo mais esporadicamente e posso dizer que, hoje, não mais os leio.
Curiosamente - ou talvez seja apenas impressão minha -, os quadrinhos foram "amadurecendo" comigo. No início, eram roteiros e desenhos bem simples, argumentos maniqueístas, desenhos em preto e branco. Foram se tornando mais elaborados, tornaram-se graphic novels, argumentos mais complexos, desenhos mais caprichados, escritores ingleses, passaram a ser chamados "quadrinhos de adulto".
E pararam por aí, amadureceram, mas não entraram na velhice.
Até entraram... mas numa fase de velhos bobos, cinquentões em adolescência tardia, os quadrinhos de hoje são velhos babões.
Eu envelheci dignamente, os quadrinhos não me acompanharam.
Abandonei-os.
Mas sou extremamente grato a eles, guardo a todos em caixas, tenho perto de 2000 exemplares.
Quis - e quem não ? - ter várias das habilidades dos superseres que desfilavam pela adolescência dos quadrinhos e pela minha, também.
Voar, ficar invisível, explodir em raiva verde ante uma situação de perigo, empunhar um escudo indestrutível, um martelo ordenador de tempestades, uma prancha cósmica, encarnar um morcego e infundir medo no coração dos homens ou ser uma sombra e saber do mal que existe neles, lançar rajadas de laser, respirar sob a água e falar telepaticamente com os peixes, inflamar-me em uma tocha humana e me lançar aos ares, encolher, esticar...
O besouro rola-bosta tem um superpoder especialíssimo.
Sua fêmea faz pelotas com fezes de animais e deposita nelas seus ovos, as enterra e as deixa lá. Parte do estrume da pelota é consumida pelas larvas do besouro quando eclodem dos ovos, mas parte é reabsorvida pelo solo e se tornam novamente nutrientes.
Um único besouro rola-bosta é capaz de enterrar 12 toneladas de estrume/ano.
O besouro rola-bosta tem o superpoder de transformar merda em algo não só útil como essencial, ele converte a merda em vida nova.
Sou professor, disponho da mesma matéria-prima que o rola-bosta.
Quão oportuno me seria adquirir também seus superporderes...
Já tenho o uniforme e máscara planejados.

Um Autorretrato (3x4) Verbal

UMA AMEBA NUM CISTO,
SOU E NÃO EXISTO.

SOU CÉU E NÃO SOU VOO
SOU BERRO E NÃO SOO
SOU BRAVIO E NO ZOO.

UM BOSTA,
UM GRANDE BOSTA É O QUE SOU.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

É A Podridão, Meu Velho

Vozes da Morte
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
É a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas , vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!
(AUGUSTO DOS ANJOS)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Dias De Furia (Contida)

Havia uma pilha de colchões em embalagens plásticas do lado direito e externo à porta principal do hipermercado.
Ela estava encostada na pilha, postura largada, deselegante, loira tingida, calça de cós baixo mostrando o ínicio de sua cloaca, overdose de batom, piercing no umbigo, manuseando um telefone celular com a destreza que só os semianalfabetos têm, iluminada por um sol intrasigente.
Odeio hipermercados, mulheres deselegantes, loiras biscates, batons pega-moscas, piercing no umbigo, celulares, semianalfabetos e sóis exibicionistas. Abomino.
Ela de quatro naquela pilha de colchões, eu a jogando de quatro naquela pilha de colchões. Meter tudo e de uma única tacada, no cu, a palo seco, dar duas ou três bombadas, arrancar o pau pra fora e esguichar nas costas dela, esperar cessar os espamos do gozo, chacoalhar o pau, eliminando as últimas gotas a exemplo da miccção, limpar o pau - da porra e do esgoto - nas nádegas dela, guardá-lo nas calças e a deixar lá, a acomodar seus intestinos, a empurrar as tripas de volta para dentro.
Quando passo por ela e cruzo os batentes da loja, já estou bem mais calmo.
Tais pensamentos me apaziguaram os ânimos.
Vingaram-me, por ora, dos hipermercados, das biscates, dos semianalfabetos com celulares e das estrelas impiedosas.

sábado, 5 de dezembro de 2009

O Pensamento e a Evolução/A Evolução do Pensamento/Ou, ainda, de gafanhotos e louva-a-deuses

Quando se quer dizer da Evolução às pessoas médias, alguns exemplos, alguns paradigmas, são clássicos. Ainda que esses modelos não sejam inteiramente factuais, ainda que sejam mostrados em apenas um aspecto de seus inúmeros, são extremamente úteis didaticamente. Dos meus preferidos, é o dos insetos cujo desenho do corpo assemelha-se a folhas, sobretudo gafanhotos e louva-a-deuses.

Ao povaréu - é consenso comum -, parece que tal bichinho, vendo o ambiente que o cercava, resolveu imitá-lo, já sabendo que assim melhor se ocultaria; outros, lamarckistas sem nunca terem ouvido falar de Lamarck, garantem que de tanto viver em contato com aquela folhagem, esses insetos acabaram por adquirir suas “feições”. Como aqueles casais que, depois de anos de convivência, tornam-se um a cara do outro. Será que isso é o tal do “achar sua cara-metade”? Fujamos desse assunto, por ora.

Voltemos aos insetos e mais ganharemos. Será que esses lamarckistas intuitivos nunca pensaram o inverso? Por que, já que a convivência é o fator da mudança, não temos por aí folhagens com aparência de insetos? Bastaria-lhes esse raciocínio para toparem com a idiotice de sua certeza. Aliás, o raciocínio, o pensamento, são os culpados de todo esse preâmbulo, essa encheção de linguiça, logo chegaremos a eles. Outros, pouca coisa mais atualizados na genética, dizem que mutações levaram àquela forma, mas ainda tem arraigada a convicção de que essa mutação foi direcionada, que algum tipo de sensor no DNA do inseto detectou uma pressão ambiental e correu em socorro de seu portador.

Nada disso. Características novas são dadas, também, por mutações. Mas nunca, jamais, em tempo algum, elas foram, são ou serão direcionadas, “pensadas’. O provável, no caso desses insetos, é que mutações em algum óvulo, espermatozoide ou zigoto tenham gerado alguns indivíduos com uma certa deformidade.

Sim, deformidade. Aquela asa folhosa era inicialmente uma deformidade, um erro. Por acaso, e por sorte desses aleijadinhos, sua deformidade assemelhava-se a componentes outros de seu ambiente, a vegetação, nesse caso. Esses aleijadinhos melhor puderam se esconder de predadores, viviam, em média, mais que os “normais” e produziam mais descendentes ao longo de sua mais longa vida. Porque aleijado ou não, para se fazer filho sempre se arruma um jeito. Por sua vez, os descendentes desses aleijadinhos eram, em sua grande parte, também aleijadinhos, que por sua vez também viveram mais e deixaram mais e mais aleijadinhos. Esse processo, ad infinitum, fez com que todos os indivíduos daquela espécie, milheiros de anos depois do primeiro aleijadinho, passassem a apresentar tal característica. O “normal” desapareceu daquele ambiente.

Portanto, novas características surgem por erros, ao acaso, e, se vantajosas, levam alguns milhares de anos para migrar do indivíduo à espécie. E o que tem a ver o pensamento com isso? Vamos lá.

O pensamento, o racional, o sistemático, o metódico, o feito em exercício, é uma característica nova na espécie humana. Recentíssima. Basta observar que a maioria recusa-se ao pensamento, são, inclusive, agressivos se chamados a ele. Isso porque a espécie humana não é ainda adaptada ao pensamento. Penoso o é, para a grande massa, o pensamento. Besteira achar que a espécie como um todo é dele portadora. Mas sair dizendo isso aos quatro cantos é correr o risco de ser taxado de nazista, eugenista e outros istas. Risco que corro e assumo com o maior prazer.

O pensamento, como instituição, não é dado a toda espécie. Justamente por ser tão recente seu surgimento. Não houve tempo hábil à sua incorporação. E nem haverá.
Pensemos, nós que o temos: o pensamento propicia vantagens aos seus portadores? Sim. Essas pessoas viverão mais tempo? Sim, na média, sim. Via pensamento, essas pessoas aprimorarão certas habilidades, terão melhores condições sociais, financeiras, alimentarão-se melhor, terão mais numerário para tratar-se de doenças... Sim. O pensamento aumenta a longevidade do indivíduo que o ganhou no jogo de dados da genética. Portanto, daqui a alguns milhares de anos, todos serão pensantes? Todos os Homo serão sapiens? Errado. Isso não ocorrerá. Estou me contradizendo? Também não.

O ser humano, como não podia deixar de ser, subverteu mais uma lei natural, avacalhou com a evolução. É simples: para que uma vantagem seja incorporada à espécie não basta que seus portadores vivam mais, eles têm também de deixar mais descendentes. E é aqui que a coisa enrosca. Um ser humano verdadeiramente pensante, nas condições atuais do planeta, deixa um número mínimo de descendentes. Quanto mais pensante, quanto mais esclarecido, menos filhos. Com isso, a característica “pensar” tem chance de se propagar a um reduzidíssimo número de indivíduos. Em contrapartida, os acéfalos não fazem melhor outra coisa, reproduzem-se feito bactérias em placas de Petri, e a característica “não-pensar” continua sendo transmitida a um maior, muito maior, número de indivíduos, que, por sua vez, gerarão proles e mais proles de não-pensantes, que gerarão proles e mais proles de, justamente, proletariados. O não-pensar é que será mantido pela espécie.

O pensamento nunca se tornará característica intrínseca à espécie humana. Nunca lhe será bagagem genética garantida.
O pensamento está fadado a ser, eternamente, uma deformidade de poucos.

Um brinde de rum a nós, os deformados.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ÁCAROS NO COLCHÃO

Os amores são ácaros que dão nas camas,

Amores descamam,

Amores desfolham,

Amores descoram,

Amores entortam...

Que pena!

Amores são rotas que empenam.

A VOZ DO BAÚ (2)

Silvio Santos cada vez mais abalado com a morte do amigo Lombardi.
E preocupado. Com o cu na mão, para ser mais exato.
Diz que o Lombardi já chegou no céu e fica cantando: "Silvio Santos vem aí, lá, lá, lá, lá, lá, lá, Silvio Santos vem aí..."
No que o capeta retruca lá das profundas: "O Silvio Santos é coisa nossa, o Silvio Santos é coisa nossa, mas que vai, vai, mas que vem, vem, mas que vai, vai..."

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A VOZ DO BAÚ

Morreu Lombardi, locutor oficial do Programa Silvio Santos por mais de quatro décadas.
Morreu a Voz do Baú.
Silvio Santos se diz abalado com a morte do amigo. O motivo do estremecimento de Senor Abravanel, porém, já dizem à boca pequena, não é propriamente o passamento de Lombardi e, sim, as últimas palavras dele.
Lombardi, em seu leito de morte, com Sílvio Santos postado a seu lado, teria apontado para o "patrão" e dito antes de seu suspiro derradeiro: "Agora é você, Silvio!!!"
Piadas à parte, e elas virão às baciadas, a morte de Lombardi, acredito, não abalará somente a pessoa de Silvio Santos, também o Programa Silvio Santos oscilará à falta da Voz do Baú, e por que não dizer todo o SBT?
O livro gráfico "V de vingança", escrito por Alan Moore e ilustrado por David Lloyd (e tragicamente adaptado para o cinema), mostra uma Londres totalitária, sob um regime de controle e vigilância absoluta da população, parecido com o 1984, Orwell.
Um dos trunfos do regime da Londres de Moore é a "Voz do Destino", locutora da rádio oficial - e única - dessa Londres quase fictícia. Não havia um nome, não havia um rosto, só havia a Voz do Destino.
Segundo o livro, voz que reunia uma combinação única e ideal de timbres, entonações, modulações e etc que fazia qualquer comunicado do regime parecer verossímel, essas qualidades fonéticas aliadas ao costume, gerações e gerações nasceram naquela Londres narrada pela Voz do Destino, tornavam aquela voz inquestionável e também tudo o que fosse dito por ela.
"V", um subversivo que pretendia pôr todo o regime abaixo, antes de qualquer outro ato, matou o dono da Voz do Destino.
Tentaram substituí-la por outra, houve estranhamento e desconfiança da população. Sem a Voz do Destino e o conforto que ela transmitia, as notícias oficiais começaram a perder a credibilidade, e a perda da credibilidade é o início da queda de um regime, seja ele qual for. E a história segue em diante. Se quiserem, que comprem e leiam.
Será que a morte da Voz do Baú demarcará o início da ruína do império Abravanel?
Será que Silvio Santos e SBT ruirão sob o peso do silêncio de Lombardi?
Espero que sim.
Espero que não.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Esse Nosso Mundo De Formigas

Em o "Cavaleiro das Trevas" - de Frank Miller, 1986, a melhor história de super-herói feita até hoje, passada num futuro de data indeterminada - , os super-heróis foram obrigados a se aposentar por determinação do Decreto Keane, que proibiu a ação dos vigilantes uniformizados. Teve a permissão assegurada, somente o Superman, usado como arma estratégica pelos EUA, foi mantida a Guerra Fria na minissérie; ainda assim o escoteiro-azulão-bundão agia apenas na surdina, não tinha sua existência oficialmente reconhecida.
Seria de se supor uma revolta imediata dos super-heróis ante a promulgação de tal decreto, no entanto, houve uma pacifíca aceitação por parte dos fantasiados, o decreto trouxe-lhes, estranhamente, alívio.
Estranhamente? Até que não.
A humanidade é composta preponderantemente de pessoas pequenas, minúsculas, ridículas, elas são a maioria esmagadora. E esmagadora, aqui, não é figura de linguagem. A choldra ignóbil esmaga mesmo os que não são pequenos, os que têm habilidades e talentos especiais, seja em que área for. A gentalha, que fica espalhando a fedentina de seus suores e hálitos cariados pelos pontos de ônibus, teme e inveja os hábeis e, feito hienas, só esperam uma distração desses para esmagá-los e devorar seus ossos.
A aceitação da aposentadoria compulsória, por parte dos heróis, veio do fato de que eles poderiam sumir, abandonar suas máscaras, serem desconhecidos e, principalmente, não mais alvo da inveja dos sem poderes.
O único a se opor foi Bruce Wayne, o mais fraco deles, o único sem poderes mágicos, e que depois de 10 anos de inatividade (a minissérie começa ser narrada desse ponto), resolve voltar a ativa, envergar mais uma vez o manto do morcego. E o fez com grande estardalhaço, com fulgurantes pirotecnias. Ele lembrou aos anões da existências dos gigantes. Foi a sua desgraça. Começou, a partir daí, uma caçada ao morcego, ele se tornou um risco político.
"A cada ano que passa, eles ficam cada vez menores. Não devem ser lembrados de que gigantes caminham entre eles. Mas você tinha que estragar tudo, né, Bruce?", diz um Clark Kent cansado a um Batman em êxtase pela volta, um Superman exausto, também desejoso de se aposentar, com o azar de ser poderoso demais para usufruir tal privilégio. O resto da história, vocês que leiam.
Sou professor, há 15 anos, e a cada ano que passa, os alunos - e seus pais, acho que até mais os pais - ficam cada vez menores. A cada ano, cada vez mais tacanhos, medíocres, desinteressados, burros, catatônicos e, o pior, cada vez mais orgulhosos de sua ignorância.
Eu mesmo, como professor, apenas ligeiramente acima da média, sofro com fofocas e maledicências de alguns meus "pares", um bando de fihos das putas que não tem minha habilidade e nem tem como me atacar no aspecto profissional, partem para as falácias, inveja do pequeno; o professor fica menor a cada ano, também.
Acabei de ter um filho.
A tentação de ser pequeno é enorme. O pequeno é feliz, é sempre bem-vindo, é convidado para as festas, sempre aparece rindo nas fotos, não morre de infarto.
Acabei de ter um filho.
E lutarei junto com ele contra suas eventuais fraquezas em querer ceder à tentação de ser pequeno, lutarei com ele contra as "vantagens" que um mundo cada vez mais globalizado (cada vez menor, por conseguinte) oferece aos medíocres, aos desprezíveis, aos consumidores em massa, lutarei junto com ele contra a felicidade fácil do burro.
Meu filho será um homem de elevada estatura, ensinarei-o a desprezar e se precaver contra os pequenos.
Meu filho será portentoso.
É o legado que pretendo deixar a ele.
Esperando que não se torne também a sua maldição.

sábado, 28 de novembro de 2009

Pequeno Conto Noturno (6)

O que você tem?

Nada.

Nada? Tá estranho...

Então é tristeza. Essa resposta te satisfaz mais?

E por quê?

Por nada.

Tem que haver um motivo.

Já ouviu dizer de pessoas que implodem em combustão espontânea?

Já.

Pois então.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Com Que Rosto Que Eu Vou ?

Dois procedimentos legais, quero ainda tomar.
Um é providenciar meu desbatizado, outro - nem sei se é possível ou previsto em lei - é lavrar um documento em cartório impedindo que meus familiares realizem meu velório. Não quero ser velado. Uma vez dado como morto, quero também que me eviscerem, aproveitem para doação ou ração de cachorro os órgãos que ainda se prestarem a uma coisa ou outra, pois eviscerado não haverá chance de um erro médico me fazer acordar sepulto.
Não quero velório. Não quero ficar exposto ao público. Não sem ter controle.
Eu-defunto seria o ponto de convergência do evento meu velório, mas não controlaria nada, seria o centro das atenções e não seria nada.
Seria só meu rosto e meu rosto, per si, não é nada. Meu rosto é somente a base para todas as máscaras que desenhei, para cada tipo de situação, cada tipo de pessoa, me apresento com uma máscara.
Tenho máscaras temíveis e horrendas... bem como máscaras belíssimas e suaves.
Eu, morto, só ostentarei meu rosto, tela em branco onde cada passante de meu funeral projetará em mim a ideia que tinha a meu respeito.
Dirão, uns e outros, que até fui uma pessoa boa, justa... Nunca fui bonzinho, sempre quis que meu inimigo (e por inimigo, entenda: quem não pensa igual a mim) se fodesse.
Não quero velório, não gosto do cheiro da vela queimando, não quero cravos e crisântemos me cobrindo, enfiados nos meu cu, não quero uma imagem de cristo atrás do meu caixão, quero que cristo se foda (aliás, ele já se fodeu).
Ninguém tem o direito de me ver uma imagem alheia à que eu tenho de mim.
Ninguém tem o direito de olhar para mim e não se arriscar a receber meu olhar de volta, no funeral, o morto é julgado sem poder julgar.
A morte é triste, sobretudo a minha.
A morte é - talvez - o evento mais triste na cultura ocidental.
Pudera,
a morte não é o fim da vida, é o fim da mentira, sustentáculo da civilização.
Pudera,
A morte é o fim de todas as máscaras.
E nada é mais triste que isso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ao Anônimo

Há um anônimo que volta e meia faz comentários de minhas postagens. Adoro os anônimos.
Acerca do meu "Pequeno Conto Noturno (5)", ele disparou: "Dá menos aporrinhações e nenhum tesão também... é a lei da compensação???"
Caro anônimo (seja você lá quem for), vamos por partes, como diria o Jack.
"É a lei da compensação?", você pergunta.
Sim. É. Claro que é.
Pense em suas relações, misterioso anônimo, nas profissionais, nas familiares, nas amorosas, nas escusas, nas inconfessáveis, qual delas não se pauta pela lei da compensação? Nenhuma, não é?
Não há incondicionalidade nas relações humanas, deixe de ingenuidade. Ou de burrice.
"Dá menos aporrinhações e nenhum tesão também...", você afirmando algo que eu não escrevi no conto.
Nenhum tesão? Quem disse?
A conversa entre Rubens e Calil é cheia de provocações, sarcasmos, defesas de pontos de vista (ainda que de futilidades, mas o que não é?) e até argumentações físicas, ou seja, é um diálogo repleto de tesão.
Não de tesão sexual, não da parte de Rubens, pelo menos, que conheço bem e é macho de verdade, Calil conheço menos, não ponho a mão no fogo. Deixe de maniqueísmos, de reles dicotomias, caro anônimo. Existem os mais variados tipos e graus de tesão.
Você me parece uma pessoa de visão limitada, tacanha, capaz de entrever um único aspecto de cada questão (isso quando muito), amplie sua visão, amigo anônimo.
Conselho do Azarão: leia os grandes pensadores, os filósofos, procure uma terapia, fume maconha, sei lá.
Devo, antes, confessar a inutilidade do conselho sugerido em minha própria pessoa: comecei a ler os filósofos e não encontrei nada que já não tivesse observado ou deduzido por conta própria; comecei a fazer terapia e também não descobriram nada de mim que eu já não houvesse desbravado; maconha, oficialmente, nunca provei, mas acredito que não me apetecesse.
Sou meu próprio filósofo, próprio bandeirante da minha psiquê e meu próprio THC.
Foi inócuo para mim, mas pode funcionar para você, siga meu conselho.
Abraços, caro anônimo, nos vemos por aí.
(mas nem iremos nos reconhecer... e não é isso que é o legal?)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pequeno Conto Noturno (5)

- Ainda tem cerveja na geladeira? - Calil pergunta a Rubens, cansado, entretido com um livro.
- Tem.
- Quantas?
- Umas quatro.
- Das normais ou daquelas grandes?
- Das grandes.
- 'Cê já reparou quantos ml tem essas porras, Rubens?
- Meio litro, sei lá.
- Algumas até têm, mas a maioria tem 473 ml, de onde tiraram isso, 473 ml?
- Nem imagino.
- 'Cê não pensa nessas coisas, não?
- Não, só bebo.
- Tenho certeza - se empolga Calil - que é mais uma daquelas merdas de medidas inglesas, saca, né?, aquelas porras de libra, milha, jarda...
- Não, não saco.
- Escuta o que eu tô dizendo, Rubens, inglês é tudo doido, Jack Estripador, a família Real inteira, aqueles museus de cera, aqueles ônibus de dois andares, os caras gostam de Duran Duran e Elton John, puta que o pariu, viver numa ilha dá nisso, cara.
- Pode ser.
- Minha teoria é que parte da loucura dos ingleses vem dessas medidas fudidas que eles usam, medir é uma coisa exata, certo? Para a inglesada, não. Uma polegada é 2,541 cm, uma libra, 0,4536 kg, um pé, 30,48 cm, uma jarda, 0,9144 m, tem até uma tal de onça, que é 28,352 g, tem uns xampús e produtos de beleza que usam essa porra. Já pensou medir usando essas merdas? Deixa qualquer um doido. Imagina o moleque querendo medir o pau pra ver se cresceu... 4,32 polegadas, até o moleque entender, o pau já murchou, deve ser por isso que os ingleses são dos povos que menos trepam. Esses 473 ml devem ser uma doideira dessas, vou lá pegar uma, tá?
- Não.
- Não?
- Você já matou a meia garrafa de rum que eu tinha, se quiser cerveja, vá comprar.
- Ei, já são quase três da madrugada...
- O Posto da Forquilha fica aberto direto, e só tá a uns 3 quarteirões daqui.
- É que não sou muito bem visto por lá...
- Caloteiro não é bem visto em lugar nenhum - e Rubens fecha o livro, desistindo da leitura.
- Que merda é essa que 'cê tá lendo?
- Que eu tava tentando ler.
- Que seja.
Rubens vira o livro e mostra a capa a Calil.
- Só podia... não sei o que 'cê vê nessa merda de Bukowski, o cara só fala de bebedeira, buceta e cu.
- E do que mais há para se falar?
- Muitas coisas, não lembro nenhuma agora, mas muitas coisas. Taí, Rubens, o Bukowski negaria cerveja a um amigo?
- Bukowski não tinha amigos, e ainda que os tivesse, seria capaz de negar-lhes a própria merda recém-saída do rabo. E você não é meu amigo.
- Puta ingratidão, Rubens, eu tô aqui nesse seu momento de necessidade...
- Eu nunca te chamo pra vir aqui, você é quem sempre aparece sem avisar e sem cerveja, e não estou com porra de necessidade nenhuma.
- Como não tá? Olha, até admiro esse tipo durão que 'cê faz, mas a Andréa foi embora, não foi? Te deu um pé na bunda, certo? Todo mundo que toma um pé na bunda quer companhia.
- Se você tivesse um fornido par de mamas, isso seria verdade, só que não é o caso. Além disso, Andréa ter me dado um pé na bunda é só um modo de ver a coisa.
- Só um modo? Que outro? Ou foi você que deu uma bundada no pé dela?
- Talvez eu tenha deixado ela me dar um pé na bunda, tenha induzido ela a isso, mais fácil que dispensá-la e aguentar choradeira, gritaria, ser taxado de canalha, essas coisas.
- Sei. Pra cima de mim? Ninguém dispensa um bucetão daquele, com todo respeito, Rubens, mas ela devia ter um bucetão, certo?
- Tinha. Tem.
- Então, eu tô aqui pra te ouvir, dar um apoio moral, vou lá pegar uma lata.
Calil levanta e tem seu passo bloqueado por Rubens, que também se levanta e sabe que só há um modo de parar Calil quando ele entra nesse estado frenético.
Rubens não é brigador, não sabe técnicas de bater, porém tem seus 90 e alguns quilos contra os 60 e poucos de Calil. O soco de Rubens, na boca do estômago, faz Calil dobrar ao meio, chega a erguê-lo uns centímetros do chão.
Calil cai em posição fetal, xingando.
Rubens vai à geladeira, volta com uma lata, senta-se no sofá e retoma o livro.
- Rubens... - diz Calil antes de apagar, derrubado pelo soco e pela meia garrafa de rum - enfia o Bukowski no cu.
O Bukowski não iria gostar disso... nem eu, pensa Rubens, e retoma a leitura, não se concentra.
Andréa se foi.
Mulheres se vão, são assim.
Mulheres enjoam rápido, amam um vestido hoje, usam duas ou três vezes e já o odeiam, o mesmo com sapatos, cortes de cabelo, homens.
Homens são mais estáveis, confiáveis. Até usam uma roupa diferente de vez em quando, pra variar, pra brincar, mas são fiéis ao básico, usam a mesma roupa por anos, até gastar e furar, ainda assim só a jogam fora porque a mulher reclama que ela está gasta e furada.
São assim com os relacionamentos, também.
Homens são muito mais confiáveis, só que não têm peitões, conclui Rubens.
- Vai continuar a me negar essa merda dessa tua cerveja barata? - Calil, do chão, sem abrir os olhos.
Rubens não se sente disposto a lhe dar outro soco. De mais a mais, Calil é outra voz no pequeno apartamento, que não a sua. Outras vozes, que não a nossa, ajudam a manter a loucura afastada, adiam-na.
Rubens levanta, tem ânimo e punhos cansados, calça seus chinelos, põe uns trocados no bolso da bermuda, verificando se não é o furado, e desce. Vai ao posto, comprar mais um fardo com 6 cervejas, para quando Calil acordar.
De qualquer maneira, Calil lhe dá muito menos problemas e aporrinhações que Andréa.
Ou que qualquer outra.

domingo, 22 de novembro de 2009

Um Pouco Mais de Bukowski

CERVEJA
não sei quantas garrafas de cerveja consumi
enquanto esperava
que as coisas melhorassem
não sei quanto vinho e quanto whisky
e cerveja
sobretudo cerveja
consumi
após pedaços de mulheres
- à espera que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e o telefone nunca toca
a não ser quando é demasiado tarde
e os passos nunca chegam
a não ser quando é demasiado tarde
quando o meu estômago está a subir
a sair pela minha boca
eles chegam frescos como flores primaveris:
"mas que merda fizeste contigo?
demorarão 3 dias até que me possas
dar uma foda novamente!"
a fêmea é durável
vive sete anos e meio mais que o macho
e bebe muito pouca cerveja
porque sabe que faz mal à figura.
e enquanto nós estamos a enlouquecer
elas saíram
e andam lá fora a dançar e a rir
com cowboys entesados.
pois bem, há cerveja...!
sacos e sacos de garrafas vazias
e quando apanhas um do chão
a garrafa cai através do fundo molhado
do saco de papel
rolando
fazendo barulho
entornando cinza molhada
cerveja fresca,
ou o saco cai às 4 da manhã
produzindo o único som da tua vida.
cerveja...
rios e mares de cerveja...
a rádio a passar canções de amor...
enquanto o telefone permanece silencioso
e as paredes permanecem direitas
de cima abaixo
de cima abaixo...
e cerveja...
cerveja é tudo o que resta.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

E La Nave Va

Alegre-se, não há funerais;
Enlute-se, não há ressurreições.
Resigne-se,
Não há finais nem recomeços:
Só continuações.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sem Direito De Morrer

Noite dessas, o céu estava iracundo.
O tecido negro de sua raiva rasgado por raios, na horizontal, na vertical, nas diagonais. Grandes talhos a jorrar sangue de elétrons, como que feitos por uma grande navalha. Ou por um poderoso martelo.
Outrora, eu saía semidesnudo na tempestade e me expunha aos seus rigores, largava-me alvo de suas agulhadas. Hoje, não faço mais isso. Não mereço. Portanto, deixei lá a tempestade e fui dormir.
Nem bem adormecido nem bem desperto, naquela fase de modorra, ouvi um barulho na sacada, algum vaso vitimado pelo vento, talvez.
Acendi a luz e lá estava o cara, com a tempestade a lhe fazer fundo, ele, o Thor.
Não o Thor loirinho e barbeadinho da Marvel, que bem podia se prestar a ator de propaganda de xampú e prestobarba, não mesmo.
Era O Thor, o ruivo, de barba de arame farpado, o ogro.
- Como ousaste abandonar a marreta?, ribombou Thor.
Eu nada respondi, até porque havia acabado de me cagar todo.
- Teu blog tinha enorme repercussão em Asgard, até Loki, meu meio-irmão, mais traiçoeiro que uma prostituta troll, muito o apreciava.
- Tá brincando comigo, né?, eu falando com Thor como fosse a mais natural das coisas.
Olhos de cumulus nimbus me atingiram, deixando bem claro que deuses não brincam, e seguiu:
- Somos deuses esquecidos, moribundos... A cada acesso ao teu blog, alguém via lá estampada a minha marreta e lembrava de mim e dos meus, a cada acesso ao teu blog, eu e toda Asgard recebíamos pequenas injeções de poder, a cada acesso, uma taverna voltava a se acender.
Fiquei comovido com a coisa das tavernas.
- Eu nem fazia ideia de que...
- Basta - atalhou-me Thor - reassuma meu martelo, reempunhe Mjolnir.
E tirou do cinto uma réplica menor de seu martelo, o qual empunhava à semelhança de um cajado, o martelo a mim ofertado era mais próximo ao dos quadrinhos, cabo curto. Tomei-o em minha mão esquerda.
- Guarda e honra esse símbolo. És o único, entre os mortais de Midgard, digno de brandir e fazer erguer minha marreta.
Dita dessa maneira, pareceu-me um pouco coisa de viado, mas eu é que não ia dizer isso praquele cara ali, com seus 2,30 m, uns 300 kg (a compleição asgardiana é três vezes mais densa que a humana) e músculos de fiorde.
Agradeci e prometi honrar a marreta.
- Tens aí uma cerveja? - perguntou Thor.
Eu tinha. Abri o litrão, ele pegou e emborcou no gargalo, o litrão parecia uma ampola de injeção na mão do cara.
- Até mais ver, mortal - sentenciou Thor.
E o cara sumiu, teleportou-se pela bifrost, a ponte do arco-íris.
O foda é que ele levou a cerveja junto, era a última.
Espero que ele devolva o "casco" depois.

domingo, 1 de novembro de 2009

Oh, Crianças, Isso É Só O Fim

Agradecendo a Thor pelo inestimável empréstimo de sua Marreta,
esse blog encerra, hoje e definitivamente, suas atividades.

sábado, 31 de outubro de 2009

O DIA DO SACI

O Saci é traquinas, levado, safado, moleque, elemental dos bambuzais, inconveniente, arruaceiro, pregador de peças, irresponsável, um leprechaun preto, um curinga mulatinho, um Macunaíma de uma perna só.
O Saci é o brasileiro.
Aldo Rebelo (PC do B - SP), em 2003, instituiu a comemoração de "O Dia do Saci", em 31 de outubro, através de um projeto de lei federal e a imprensa tentou ridicularizá-lo.
Aldo Rebelo é político e já tem meu desprezo por isso, mas o cara defende certas causas nacionais com as quais concordo, ele luta pela defesa da língua portuguesa contra estrangeirismos, por exemplo.
O Dia do Saci foi proposto em contraposição ao tal do Halloween, uma tradição estadunidense, chatíssima por sinal, já incorporada ao "folclore" brasileiro.
O Saci é muito mais honesto, muito mais representativo, encarna muito mais a índole preguiçosa do brasileiro, a "esperteza" nacional. E, devo admitir, muito mais simpático que aquela cabeça de abóbora.
O Dia do Saci deveria, inclusive, ser feriado nacional.
Deveria substituir o Dia da Consciência Negra, o Saci deveria ser herói da raça, e não a bichona do Zumbi.
Eu gosto do Saci.
Invejo o Saci ventando livre pelas matas, pelos capoeirões do Monteiro Lobato, dando um "pega" em seu cachimbinho.
É quase meia-noite agora, a lua está cheia...
E me veio uma vontade danada de pegar carona num redemoinho e sair por aí, assoviando, perturbando sonos, fazendo gorar ovos, trançando as crinas da biscataida, fazendo pipocas virarem piruás no fundo das panelas, tocando as campainhas das casas, perturbando a prima Cuca.
Feliz Dia do Saci, Saci.
Não que você se importe.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Decadence Avec Élegance

"E no final da madrugada, perambulando pelos bordéis
Decadence - é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez"
Hoje em minha caminhada matinal rumo ao trabalho, veio-me à cabeça, nem sei porque, essa música do Lobão, da qual extraí o trecho acima e o título dessa postagem.
Nela, lá pelos idos de 1985, Lobão apregoava, em altos e desafinados berros, a mais que batida estética do "morrer jovem e belo", do brilhar intensamente e consumir-se de instantâneo, de viver em alta velocidade.
Alguns contemporâneos e amigos de Lobão tiveram tal fim. Primeiro foi Júlio Barroso, do Gang 90 e as Absurdetes, num voo soprado a LSD pela janela de um apartamento, Lobão compareceu ao seu funeral; depois, Cazuza, poetinha queima-rosca, Lobão marcou presença em seu velório; por fim, Renato Russo, poetaço queima-rosca, Lobão também foi prestar suas condolências em seu enterro.
Foi então que lhe veio o insight, o lampejo de que o próximo poderia muito bem ser ele, dada a parecença dos estilos de vida.
E Lobão tirou o pé do acelerador. Até porque estava na hora de viver calmamente às custas do dinheiro ganho em dizer que se devia viver desbragadamente.
Lobão não teve o mesmo fim. Não morreu jovem. Muito menos belo.
Infelizmente.
Hoje, o cara ainda está por aí, gordo, faces coradas, produzindo álbuns cada vez mais inexpressivos e no comando de um programinha da MTV, o Debate, onde, além de demonstrar sua total inabilidade como mediador, compartilha a sua sabedoria dos anos 80 com um público adolescente imbecil, mais imbecil que a geração de adolescentes da qual Lobão fez parte um dia, que, bem ou mal, tinham algo a dizer e o disseram muito bem, para a época.
Contudo o que disseram Lobão e seus amigos dos anos 80 não é atemporal, não é universal.
Lobão acha que sim. E continua com a mesma cantilena.
Lobão não percebe a própria decadência - processo natural e inevitável a tudo -, logo não consegue se portar com a devida e necessária elegância.
Lobão amarelou, fugiu do destino de "morrer jovem e belo" e abraçou o de se tornar uma triste caricatura.
O rock errou.
O Lobão errou.
Eu também errei. E pra caralho.
Mas - convenhamos - sou um velho decadente bem mais elegante.

** se quiserem ver e ouvir Lobão, ainda com os Ronaldos, no programa do Chacrinha, em "Decadence avec Élegance", é só dar uma clicadinha aqui, na minha Poderosa Marreta