quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Jesus Cristo Era Esquizofrênico, afirma Miguel Nicolelis

Que Jesus Cristo foi um puta dum esquizofrênico, doido de pedra, eu sempre soube e disse. Um cara que se proclama filho de deus, e que na verdade seria o próprio encarnado, só pode ser muito louco.
Só que eu, o Azarão, humilde portador da marreta, dizer isso, não é de nenhuma significância. As pessoas riem e defendem sua fé insana creditando meus arroubos aos meus notórios mau-humor e azedume, e não como sendo impressões deveras procedentes.
E se um dos maiores especialistas de todos os tempos em processos neurais, para quem as causas da esquizofrenia é (são?) mera brincadeira de criança, dissesse o mesmo? E se um renomado neurocientista, professor de neuroengenharia da Universidade de Duke (EUA), referência na pesquisa com próteses neurais, cujo trabalho integra a lista das "Dez Tecnologias que Vão Mudar o Mundo", do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), afirmasse exatamente o mesmo?
Pois foi o que fez o brasileiro Miguel Nicolelis, dono de todas as qualificações supracitadas e que atualmente se divide entre seus projetos no Brasil, EUA e Suiça.
Em entrevista à revista Planeta (janeiro de 2012), ao ser perguntado se a esquizofrenia é um distúrbio de algum processo químico do cerébro, ele disse que sim, e que, curiosamente, a humanidade é dominada atualmente por três esquizofrênicos que ouviam vozes.
Quem seriam esses esquizofrênicos?, perguntou a revista. Jesus Cristo, Maomé e Abraão. Muito provavelmente os três precisavam de haldol, respondeu Nicolelis (haldol, eu não sabia, é um remédio para o controle da esquizofrenia, tarja preta dos brabos).
E não só eles, sigo eu adiante. Grande parte das figuras principais da bíbilia - ou de qualquer outro livro considerado sagrado por algum povo - demonstra quadros agudos de esquizofrenia, praticamente todos os chamados profetas que tiveram lá seus circunlóquios com deus.
Ora, deus não existe, se o sujeito diz ouvir a voz do dito cujo, só pode ser mesmo um esquizofrênico com ilusões de grandeza. Ou, como bem disse o emérito doutor em medicina, especialista em diagnósticos, Gregory House : se você conversa com deus, você é religioso; se deus conversa com você, você é esquizofrênico.
Atualmente, ser portador de uma boa saúde, li certa vez numa dessas revistas que ficam nas salas de espera de consultórios médicos, significa congregar os bem-estares físico, mental e espiritual. Não estou dizendo que concordo, só que li. Mas vamos lá que seja. Vejamos em que pé estamos.
Na parte espiritual, a quase totalidade da humanidade deixa a "saúde da alma" sob as orientações e cuidados de três malucões, Cristo, Abraão e Maomé;
Na parte física, segue os modismos cada vez mais absurdos e passageiros das dietas, dos exercícios, das cirurgias plásticas, dos cremes rejuvenescedores etc;
Na parte mental, deita confortavelmente num divã e pauta sua sanidade pelos delírios de um cocainômano, comedor de merda e de mãe, Freud, o velho mamador de charuto.
Quem é que ainda ousa vaticinar um futuro longo e promissor para a humanidade? Quem ainda pode levar fé numa espécie desta? Quem ainda pode acreditar na "sustentabilidade" do ser humano?
Só mesmo Cristo. Ou um outro esquizofrênico qualquer.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Uma Boa Margem De Lucro

Há dias que não têm. Há dias que são absolutamente sem.
O Universo, vez em quando, deveria decretar feriado para a Terra. Não para os que nela habitam. Para o planeta Terra de fato.
Vez em quando, deveria ser dado a Terra o ócio de não rotacionar sobre seu eixo, um dia de não-dia, um dia sem-dia.
Um dia sem o sol a tomar café da manhã nem chá das cinco, sem a Lua a se pôr dama da noite nem a chegar bêbada em casa de madrugada.
Um dia sem-dia seria muito melhor que um dia sem. Ao fim de um dia destes, ter o intestino funcionando antes de ir se deitar, já pode ser considerada uma boa margem de lucro.

sábado, 25 de agosto de 2012

Último Amigo

Nós não cabemos mais aqui, último amigo.
Que outro lugar para irmos, então?
Agora que todos os olhares
Estão voltados contra nós
Para onde os nossos olharão?
Voar, último amigo.
Voar.
Voar para bem alto
Até conseguirmos escutar as estórias tristes
Que as estrelas vivem a murmurar.
Quantos, além de nós, último amigo,
Ainda se lembram de que existem estrelas?
Deixemos nossas máscaras trancadas no armário,
Não precisaremos delas onde estamos indo,
Fiquemos apenas com as necessárias para se ter um rosto.
Fugir, último amigo.
Fugir.
Fugir para a nossa noturna Terra do Nunca,
Terra das sombras perdidas
Onde ficam guardados os sonhos mofados por falta de uso.
Quantos, além de nós, último amigo,
Ainda se lembram de que sonharam um dia?
Não cabemos mais aqui, último amigo.
É cada vez mais caro e culpado o sangue que bebemos,
Cada vez mais fáceis e vulgares as lágrimas que choramos.
Não há mais graça em rir
Daqueles que não riem mais.
Que outro lugar para irmos, então?
Para longe, último amigo.
Para longe.
Vamos para longe
Dos que estão mortos por crescerem demais.
Quantos, além de nós, último amigo,
Ainda se lembram de que não queriam ter crescido tanto assim?

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

As Chupeteiras São Mais Felizes (Ou : Matando A Depressão A Pau)

Um novo composto está em fase de estudos pelos pesquisadores da State University of New York (EUA) e já promete se tornar uma grande revolução no combate à depressão, principalmente a feminina, parcela da população mais duramente atingida por este mal dos tempos modernos.
O melhor de tudo é que ele é uma droga natural, sem contraindicações, pode ser facilmente encontrado e obtido em qualquer lugar, não precisa de receita médica, não há riscos de superdosagem e pode ser ingerido concomitantemente com álcool e outras substâncias.
Foram identificadas, até agora, as seguintes substâncias nesta verdadeira panaceia para os transtornos da alma : cortisol, hormônio conhecido por aumentar a afeição e os vínculos amorosos, também um tipo de estrogênio e oxitocina, que elevam o nível de humor, melatonina, que é agente indutor do sono, e seratonina, o mais conhecido neurotransmissor antidepressão.
Este novo fármaco, este novo quase santo graal, nada tem de novo. É nada mais nada menos que o bom e velho esperma. Isso mesmo, a famosa porra!
Para efeito de comparação, foram monitorados dois grupos de mulheres sexualmente ativas e com frequências equivalentes do número de relações sexuais.
O primeiro grupo, formado por mulheres com parceiros fixos e que faziam sexo oral sem camisinha, ou seja, em contato direto com a porra, não revelou nenhum quadro depressivo grave, ou mesmo significativo. Antes pelo contrário, estas mulheres, em sua maioria, eram alegres, calminhas e de bem com a vida.
O segundo grupo, formado de mulheres avulsas e que prudentemente usavam camisinha para chupar seus parceiros, mostrou resultados bem diferentes. Mesmo entre aquelas que se autodeclaravam promíscuas, foram detectados severos quadros depressivos, numa proporção muito semelhante aos apresentados por mulheres celibatárias, aquelas que ninguém come.

Os resultados são um forte indicativo de que apenas a prática do ato sexual em si não garante saúde mental e uma boa pele à mulherada. Não basta só trepar adoidado, tem que se lambuzar, se melecar, besuntar-se toda, chafurdar na porra.
Ao fim da leitura da reportagem, algo me ocorreu. Os homossexuais masculinos são comumente chamados de gays, termo que, na língua inglesa, também significa alegre, jovial. Vai ver que toda a euforia e festividade dos rapazes alegres - como diria Didi Mocó, dos saudosos Os Trapalhões - vêm de suas dietas regulares de porra.
É por essa e por outras que me orgulho cada vez mais de meus naturais mau humor e rabugice.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

23 Anos De Insuportável Sanidade

Há exatos 23 anos, morria Raul Seixas, o maluco mais beleza de todos os tempos. De lá para cá, são mais de duas décadas de uma insossa e insuportável sanidade na MPB.
"O hoje é apenas um furo no futuro
Por onde o passado começa a jorrar
E eu aqui isolado onde nada é perdoado
Vi o fim chamando o princípio pra poderem se encontrar.
E assim torto de verdade 
Com amor e com maldade
Um abraço e até outra vez"

Até uma outra vez, Raul...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Miss Ordenha

"A inteligência tem seus limites, a estupidez não", já bem disse alguém certa vez.
Quando achamos que o ser humano atingiu o fundo do poço (e cavou mais um pouquinho), ele consegue nos surpreender mais uma vez e provar o contrário.
A cidade chinesa de Shuozhou promove anualmente um inusitado - por que não dizer surreal? - concurso de beleza : a Miss Ordenha.
Em um ambiente campestre, as candidatas, trajadas com pequenos biquínis e máscaras (não entendi as máscaras), são submetidas a duras provas em que têm que demonstrar habilidade e sensualidade em ordenhar vacas.
A moça pega provocantemente na teta da vaca e vai manuseando, vai manipulando e tirando o leite; simultaneamente faz caras e bocas, passa a língua pelos lábios, toma um punhado de leite e deixa escorrer pelos cantos da boca, gotas deslizam e serpenteiam pelo seu entrepeitos, empoçam em seu umbigo, a espuma a lambuzar-lhe a face. O público, jurados, touros e bezerros adolescentes punheteiros vibram num frenesi coletivo.
Abaixo, a campeã deste ano, fazendo pose para a foto da vitória
Além de um prêmio em dinheiro e contratos com agências de modelos e publicidade (e laticínios, lógico), a campeã sai do concurso com casamento garantido. Moços casadoiros e viúvos sem porvir disputam a tapas, golpes de caratê e kung fu, as finalistas do concurso.
Por que será?

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A Galinha De Cristo E O Galo Do Espírito Santo

O pastor Paulo Roberto, da Assembleia de Deus, de Cuiabá (MT), fora portador de câncer em sete lugares do corpo. Segundo ele : no cérebro, nos ouvidos, no estômago, na garganta, no sangue, nos ossos e na bigornia (seja lá o que isso for). Mas o bondoso deus veio em seu socorro e o curou.
Antes de seguir, um parênteses. Uma das coisas que mais me incomoda no chamado crente é a incoerência diante do que ele mesmo acredita e afirma. Dizem : nada acontece no mundo se não por vontade ou permissão de deus. Então, ora porra, o mesmo deus que curou o cara de um câncer é o deus que o presenteou com a doença. Muito bondoso esse deus, o dos cristãos. Deixa o cara doente, fudido, e depois o cura. E o sujeito fica eternamente grato, servil e temente. Ainda bem que esse deus não existe.
Voltando a relato do pastor.
Em sua doença, o pastor clamava a deus e ele não respondia. Até que um dia, voltando de avião para Cuiabá, um amigo que o acompanhava, o também pastor Sebastião de Souza, teve um pressentimento divino. Ao sobrevoarem um templo ainda não inaugurado da Assembleia de Deus, Sebastião de Souza olhou para o amigo e disse que deus iria curá-lo muito em breve, para que ele fosse um dos obreiros do novo templo.
E não deu outra. Em pouco dias, deus intercedeu em favor de Paulo Roberto. Ele conta que deus o conduziu a um galinheiro numa certa noite, onde se deu o milagre.
Nesse ponto, o relato do pastor apresenta algumas lacunas. Ele não deixa exatamente claro como deus o levou ao galinheiro. Se veio pessoalmente, se mandou um anjo a lhe guiar, se o teleportou, se incutiu nele uma vontade incontrolável de comer uma omelete ou um cu de penosa às tantas da madrugada.
O "fato" é que o pastor se viu num galinheiro. Lá chegando, foi recepcionado por uma galinha possuída por deus, que começou a conversar com ele nos mais diversos idiomas, nas várias línguas dos homens - quiçá dos anjos -, uma verdadeira babel carijó de penas e cloaca.
Claro que o pastor não entendia patavina, mas deus, mais uma vez, intercedeu em seu favor, que não é do feitio de deus deixar desamparados os que lhe são fiéis. 
Imediatamente, o todo-poderoso convocou o galo, o dono do pedaço, e o fez de intérprete para o pastor. A galinha falava e o galo traduzia. Puta que o pariu!!!! Genial!!!
Das duas, uma : ou deus estava tirando o maior sarro do pastor, ou o pastor estava muito louco, além de ser um puta dum cara de pau. Deus não existe, logo...
O que deus disse através da galinha, e o galo traduziu, foi : Meu filho Paulo, estou te curando de câncer agora. Estou te levantando um pregador da minha palavra. Vou te usar como médico no meio dos doentes. Por onde tu passar curarei os enfermos. 
Não bastasse ter sido curado dos seus sete cânceres pela galinha do espírito santo, o toque divino ainda transformou o pastor em milagreiro.
Além dos milagres de praxe - fazer cego enxergar e paralítico andar -, o pastor garante que faz até anão crescer. 
E eu não estou inventando nada. É tudo verdade. Quero dizer, é verdade que o pastor diz tudo isso.
Duvidam? Deem lá uma fuçada no site do pastor Paulo Roberto

Basta - Luiz Felipe Pondé

Em algumas ocasiões, Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha de São Paulo, diz exatamente as mesmas coisas que eu vivo a dizer aqui no blog. E não há mérito nenhum nisso - nem meu nem dele -, uma vez que tão somente fazemos a constatação do óbvio, do que está às vistas de todos, arreganhado. Óbvio também que ele faz isso com muito mais brilhantismo que eu, com muito mais propriedade e talento.
Em sua coluna de hoje, ele desanca o fascismo que se instalou no Brasil, principalmente com o advento do governo PT. Fascismo disfarçado de "justiça social" e outras "ideologias do bem", fascismo que promove a "igualdade" às custas de quem trabalha : os que trabalham sustentam uma massa cada vez maior de vagabundos e incapazes. É o fascismo do politicamente correto.
Abaixo o texto de Pondé:
"Basta
A Anvisa é uma das agências fascistas que querem controlar nossas vidas nos mínimos detalhes, com sua proposta de exigir receita médica para comprar remédios tarja vermelha. É uma das pragas contemporâneas.
Não acredito na boa vontade nem na ciência desses tecnocratas da Anvisa. Acho que eles se masturbam à noite sonhando como vão controlar a vida dos outros em nome da saúde pública. Não acredito em motivações ideológicas para nada, apenas em taras sexuais escondidas. Freud na veia...
Dou mais dois exemplos desse tipo de praga: proibir publicidade para crianças e cotas de 50% nas universidade federais para índios, negros e pobres (alguma pequena porcentagem neste último caso vá lá).
Nós, contribuintes, não podemos nos defender dessa lei das cotas. Essa lei rouba nosso dinheiro na medida em que somos nós que pagamos pelas universidades federais.
Até quando vamos aceitar esta ditadura "light" que "bate nossa carteira" dizendo que é em nome da justiça social? "Justiça social" é uma das assinaturas do fascismo em nossa época.
O fascismo não morreu, e um dos maiores desserviços que minha classe intelectual presta à sociedade é deixar que as pessoas pensem que o fascismo morreu. Aldous Huxley ("Admirável Mundo Novo"), George Orwell ("1984") e Ayn Rand ("A Revolta de Atlas") deveriam ser adotados em todas as escolas para ensinar o que os professores não ensinam e deveriam ensinar: que o fascismo não morreu.
O fascismo é a marca de tecnocratas e políticos que querem governar a vida achando que somos idiotas incapazes de decidir e que usam nosso dinheiro para esconder suas incompetências e sustentar suas ideologias "do bem". Querem nos tornar idiotas e pobres, para depois "tomar conta de nós".
O governo brasileiro, que flerta com o fascismo, engana as pessoas se concentrando em temas da "igualdade" e "saúde pública". A proposta de cotas nas universidades federais, além de populismo sem-vergonha, maquia a incompetência imoral do governo em retribuir à sociedade o que arrecada monstruosamente em impostos. A máquina de arrecadação de impostos no Brasil faz do governo sócio parasita de todo mundo que trabalha.
Em vez de investir dinheiro na educação básica, sua obrigação, o governo usa o dinheiro público em aventuras como o mensalão, se escondendo atrás de medidas (cotas nas universidades, controles da Anvisa, proibição de publicidade para crianças) que não arranham a corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT, mas que têm grande apelo publicitário.
O que é corrupção ideologicamente justificada? Você se lembra do "rouba, mas faz"? O PT diz "porque sou do bem, posso roubar". Essas leis não atrapalham a corrupção porque não disputam dinheiro com a corrupção. O pior é que, como parte do corpo de professores e funcionários das universidades federais é também fascista, acha isso tudo lindo.
Quanto à proibição da publicidade infantil, todo mundo sabe que só a família e a escola podem fazer alguma coisa para educar crianças. Todo mundo sabe que é difícil educar, ocupar e conviver dizendo "não" para as crianças. Todo mundo sabe que, quanto menos a mãe está em casa e quanto mais ela é só e menos tempo tem para criança, mais a criança come porcaria.
E quanto mais isso tudo acontece, mais se precisa de escola pública competente para preencher o vazio de famílias que não cumprem sua função, ainda que nunca seja a mesma coisa. Mas escola pública atrapalha a corrupção porque gasta o dinheiro da "mesada do bem". Mais barato para o governo é brincar de proibir a publicidade infantil.
Os mesmos que gozam pensando em mandar na vida dos outros são os que mentem quando não dizem que as crianças comem porcaria porque ficam largadas em casa sem mãe para tomar conta delas (e sem boas escolas). Não precisa ser gênio para saber que ,sem mãe atenta, nada funciona na vida das crianças.
Os mesmos que cospem na cara da família como instituição, estimulam as mulheres a pensarem só em si mesmas e acusam a família de ser autoritária são os que pedem a proibição da publicidade infantil."

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Pequeno Conto Noturno (28)

Rubens chega em casa e o telefone está tocando. Como estava a tocar quando ele saiu. Saiu por isso. Para não ter que falar com Clarice. Sabia que era Clarice. Tinha certeza. Nem era questão de pretensão, que pretensioso é um dos poucos defeitos que não podem ser atribuídos a Rubens. É que ele mantém sempre um rol muito restrito de relações, um ou dois amigos, e, geralmente, uma mulher. Não dá conta de grandes círculos sociais, não lhe interessa, na verdade. Seus amigos nunca telefonam, logo...
Rubens atende.
- Até que enfim, hein?!? - Clarice, do outro lado - Liguei para deixar bem claro que nunca mais vou te ligar, que acho mesmo que nem mais te respeito ou admiro.
- Ligou para dizer que não ligará mais? - diz Rubens - Não seria muito mais fácil e convincente simplesmente não ligar? Em uma, duas semanas, eu já teria entendido.
- Por que demorou tanto pra atender? Faz umas duas horas que tô ligando.
- Saí, fui dar uma caminhada.
- Já está correndo atrás de buceta nova, é?
- Eu não corro atrás de bucetas, nunca corri. Só não me desvio delas. E elas estão voando por aí, aos montes, aos bandos.
Clarice ri.
- Você ainda me faz rir, mas não é um riso saudável nem prazeroso, não - esclarece Clarice - É um riso nervoso, catártico, sabe aquela coisa de catarse...
- Sei, sei - interrompe Rubens -, aquela coisa de catarse, do empírico, do apolíneo e do dionisíaco, do além do homem, e blá-blá-blá.
- Tá, tudo bem que eu tenha um vocabulário recorrente, mas...
- Repetitivo - interrompe Rubens, de novo.
- E foi minha repetição que te cansou?
- Toda repetição me cansa. Inclusive e principalmente a minha. Só que dela eu não tenho como fugir.
- Vai ver que é por isso que fica pulando de relação para relação. Como cada nova mulher lhe vê de um modo, é como se você não se repetisse, como se você se reinventasse a cada novo caso.
- É uma maneira de ver as coisas - diz Rubens -, com certeza, a que mais lhe convém, a que mais lhe consola, isenta-lhe de qualquer culpa ou responsabilidade pelo fracasso.
- Você é um filho da puta duma ave de rapina, preda a alma das pessoas, suas esperanças.
- Já fui mais, feito o carcará da canção. Hoje, eu até pego e mato, mas nem sempre como.
- Você é o pior tipo de canalha que há. Põe a mulher a seus pés, de pernas abertas, aí vira as costas e vai embora.
- Era só isso o que você tinha pra me falar? - Rubens querendo encerrar a conversa
- Era.
Silêncio nos telefones.
- Você já bebeu hoje? - torna a falar Clarice
- Vou começar agora, assim que desligar.
- Tem bastante bebida aí?
- Vinho. Três quartos de um garrafão, daqueles de cinco litros.
- Será que eu posso...
Rubens interrompe a ligação. Desliga o telefone.
Rubens dormirá embriagado de vinho; o telefone, fora do gancho; Clarice, pouco lhe importa.

Bukowski, O Insano

os insanos sempre me amaram
e os subnormais.
ao longo de todo e ensino
fundamental
ensino médio
faculdade
os rejeitados se
uniam a
mim.
caras com um só braço
caras com tiques
caras com problemas de fala
caras com uma película branca
sobre um dos olhos,
covardes
misantropos
assassinos
tarados
e ladrões.
e em todas
as fábricas e na
vagabundagem
sempre atraí
os rejeitados. eles me encontravam
logo de cara se grudavam
em mim. continuam
fazendo isso.
aqui na vizinhança há agora
um que me
encontrou.
ela anda por aí empurrando um
carrinho de supermercado
cheio de lixo:
bengalas partidas, cadarços
sacos vazios de batata frita,
caixas de leite, jornais, canetas...
"ei, parceiro, o que tá fazendo?"
eu paro e conversamos um
pouco.
então eu digo adeus
mas ele continua me
seguindo
para além dos
puteiros e dos
prostíbulos...
"me mantenha informado,
parceiro, me mantenha informado,
quero saber o que está
acontecendo."
esse é o meu insano do momento.
nunca o vi falar
com mais
ninguém.
o carrinho chacoalha
um pouco atrás
de mim
então alguma coisa
cai.
ele se detém para
juntá-la.
enquanto ele se ocupa disso eu
entro pela porta de um
hotel verde que fica na
esquina
cruzo
o saguão
saio pela porta
dos fundos e
ali há um gato
cagando
absolutamente deliciado,
que me arreganha os
dentes.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O México Enfiou A Guacamole (pero no mucho) No Toba Do Brasil

Mais uma olimpíada chegou ao fim. E, mais uma vez, o futebol não levou o inédito e tão cobiçado ouro de tolo olímpico.
Por isso, a Marreta do Azarão, democraticamente, por um único voto, o do Azarão, elegeu a imagem abaixo como uma das mais significativas e belas da Londres 2012.
A foto mostra a comemoração do segundo gol do México em cima do Brasil, o dito melhor futebol do mundo, com os atletas mais bem pagos, mais analfabetos, mais nojentos e mais endeusados do planeta.
Cadê vosso deus-neymar, ó povo-canarinho ignorante, em quem vocês depositam todas as suas atuais esperanças, suas esperanças quadrienais?
O povo da guacamole, da siesta e do sombrero puseram em vosso verde-amarelo cu. A guaca é mole? É mole mas sobe, como diria José Simão.
Mas o brasileiro, em relação ao futebol, é feito o corno manso e conformado. Vive sendo traído por quem mais ama, porém logo se esquece e passa a acreditar de novo, como se nada tivesse acontecido. 
Bastará que a selecinha vença, por exemplo, um amistoso contra o Zimbabwe (o Zimbabwe tem seleção de futebol?) com um ou dois gols do Neymar e toda a esperança se reestabelecerá, o rapaz voltará a carregar em seus inábeis pés (alguém ainda duvida da farsa que é esse cara?) todos os sonhos de uma nação. Desgraçada da nação cujo sonho se resume a uma bola.
Viva o México! Viva Zapata! Viva Pancho Villa!
Fodam-se o Neymar e a seleção brasileira de futebol.
Em tempo : só cito o Neymar porque não sei o nome de mais nenhum outro integrante da seleção, e me orgulho disso; pelo que vi na final da olimpíada, o nível anda altíssimo, tem até um tal de Hulk.

sábado, 11 de agosto de 2012

Ariranhas No Travesseiro

Respeito sua luta:
Contra seus vícios,
Sua descrenças,
Suas pretensões de normalidade,
Contra as ariranhas em seu travesseiro.
Eu redigiria uma constituição para legitimar,
Tornar jurisprudente sua luta.

Respeito ainda mais – muito mais – sua derrota:
O copo de álcool em sua cambaleante mão,
Sua blasfêmias a rasgarem-se em sorriso de 40 anos pelos cantos de sua boca,
Seus cabides, albergues de camisas-de-força,
Seus vesgos felinos siameses a enovelarem-se em suas grisalhas lãs.
Eu fundaria uma religião,
Promoveria cruzadas,
Instauraria inquisições para bem-aventurar,
Tornar sacrossanta a sua derrota.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa...(10)

Traga lá a garrafa de gim, estalajadeiro. E toca Cauby.

Bastidores
(Chico Buarque)
Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim
E me tranquei no camarim
Tomei um calmante, um excitante
E um bocado de gim


Amaldiçoei
O dia em que te conheci
Com muitos brilhos me vesti
Depois me pintei, me pintei
Me pintei, me pintei


Cantei, cantei
Como é cruel cantar assim
E num instante de ilusão
Te vi pelo salão
A caçoar de mim


Não me troquei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que tu nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltar


Cantei, cantei
Nem sei como eu cantava assim
Só sei que todo o cabaré
Me aplaudiu de pé
Quando cheguei ao fim


Mas não bisei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltar


Cantei, cantei
Jamais cantei tão lindo assim
E os homens lá pedindo bis
Bêbados e febris
A se rasgar por mim


Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim

Mimetismos (2)

Quando vi, logo pensei que era photoshop, mas não. O lagarto realmente existe e suas cores são reais. O bicho é encontrado em algum cafundó do Quênia. A semelhança é impressionante.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Hare Krishna Também Quer Apito

Dias desses, por ocasião da postagem Tupã Que Se Foda, relembrei a marchinha carnavalesca de Haroldo Lobo, Índio Quer Apito, na qual um de nossos puros e bons selvagens ameça a um desavisado homem branco, “Ê ê ê ê / índio quer apito / se não der / pau vai comer...".
Sem querer caetanear a coisa, para mim o apito é uma clara metáfora a toda a cultura do homem civilizado, suas tecnologias, suas comodidades e benesses, que o índio quis de mão beijada para si. O índio não quer só o apito, não quer comer só o fiofó do homem branco, quer comer o homem branco por inteiro, incorporá-lo, torná-lo célula de suas células, bem à tradição antropofágica de algumas de nossas tribos, que devoravam guerreiros inimigos não para saciar a fome fisiológica, mas sim porque acreditavam que adquiririam a bravura e as habilidades do canibalizado : força e coragem instantâneas, sem nenhum trabalho ou esforço.
O índio, maravilhado com a cultura do civilizado e ambicioso como qualquer ser humano, na mesma hora já quis o apito, quis milênios de conhecimento adquirido e acumulado a duras penas. De graça. A troco, quando muito, de umas madeirinhas. E se não der, pau vai comer.
Mas não é mais só o índio a mirar nosso apito, nosso fiofó.
Eu explico.
Nos tempos em que eu ainda frequentava uns butecos, havia um cara que era uma figura carimbadíssima na noite da cidade. Cabeça raspada, túnica a la hare krishna, um semblante zen e bonachão, ele circulava pelas mesas dos bares a vender seu incenso.
Quando havia interesse do freguês, ele parava e explicava as propriedades mágicas de cada incenso. Este aqui, falava ele, é para remodelar a aura, este é para alinhar os chacras, este é para revitalizar o prana, e o papo seguia por aí. Realizando a venda ou não, ele unia as mãos e fazia lá um namastê qualquer.
Hoje, quando eu voltava a pé do trabalho pelo centro da cidade, uma figura em meio ao povaréu me chamou a atenção. Calvo, baixa estatura, a trajar paletó e gravata, parado na calçada próximo ao meio-fio, ele distribuía uns papéis aos passantes, que logo identiquei como sendo propaganda eleitoral, um candidato a vereador.
Ao atravessar o centro da cidade, minhas vistas, já por hábito arraigado, miram uns 30, 40 metros adiante, justamente para identificar obstáculos a serem contornados, vendedores ambulantes, compradores de ouro, funcionários de empresas a oferecerem crédito, entregadores de panfletos, ciganos, mórmons, testemunhas de jeová, bichinhas e gordas distraídas a falarem no celular, e tantos outros espécimes de nossa variada e triste fauna.
Político em campanha também está no rol dos obstáculos a serem contornados. Eu já me preparava para mudar de calçada quando, mais próximo da figura, uma estranha sensação de familiaridade me fez adotar atitude oposta : passei rente a ele.
O sujeito me estendeu a mão com seu santinho de campanha e disse : "pela volta dos cobradores de ônibus", que deve ser lá um dos itens de sua plataforma. Olhei para o santinho e minha sensação de familiaridade se justificou. O cara era ninguém mais ninguém menos que o hare krishna do incenso, o monge urbano cheio das filosofias orientais. Seu nome eleitoral : Ayrton do Incenso.
Pãããããta que o pariu!!!, como diria o saudoso Costinha. 
O hare krishna também quer apito!!! O hare krishna também quer uma mamata.
Trocou a túnica ritual pelo paletó e gravata, o rabicho no cocoruto por um cavanhaque grisalho bem aparado. Deu as costas para aqueles deuses e deusas hindus cheios de braços, pernas, olhos e trombas. Passou a reverenciar a grotesca deusa-Estado, divindade de infinitas tetas.
Estão todos de olho nos nossos apitos, doidos para se apoderarem de nossos fiofós.
Época de eleições é isso mesmo, temporada de caça aos apitos alheios. Ao meu, ao seu, caro leitor, que trabalha duramente e paga seus impostos em dia. Todo mundo querendo de graça o que suamos para conseguir, uma antropofagia canalha.
É temporada de caça aos apitos.
Protejam os seus. Ou não.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Danos Morais? Eu É Que Sei.

Uma empresa de buffet, de São José dos Campos (SP), foi condenada judicialmente a devolver metade da quantia que recebera por um contrato de casamento e mais uma indenização de R$ 5.000,00, por danos morais.
Salmonella na comida? Infecção intestinal generalizada? Convidados e garçons patinando em merda e vômito pelo salão? Bombeiros, SAMU e SWAT acionados?
Nada disso.
O motivo da condenação foi um indesejado, é verdade, porém simples equívoco na decoração do casamento. Os nubentes contrataram uma decoração que incluía tapete verde e flores brancas, receberam tapete vermelho e flores brancas e salmão.
Para mim, a coisa é simples. Se a decoração entregue tiver valor monetário menor que a encomendada e paga, o buffet simplesmente faz um pedido de desculpas e devolve a diferença em dinheiro; se a decoração entregue custar mais que a encomendada, o buffet faz um pedido de desculpas e arca com o prejuízo.
Até porque ninguém vai a um casamento para ficar reparando em tapete e florzinha, o povo vai para encher o cu de comida e bebida e sair reclamando.
Mas não. Em tempos de politicamente correto, de direitos sem deveres, de brios e orgulhos tão frágeis e melindrosos, de pessoas tão sensíveis e educadas, a ordem do dia é arrancar um dinheiro de quem supostamente o tenha lesado.
Como um tapete vermelho em lugar de um verde e rosas salmão em lugar de brancas podem lesar moralmente àlguém? Frescura. Pura frescura. O casal querelante viu no equívoco do buffet uma chance de não pagar pela festa e ainda ganhar um bônus para custear a viagem de lua de mel.
É uma geração de frouxos, essa abaixo dos 30 anos. E safada. E oportunista. Das mais viadas que já passaram pelo planeta. Nada sabem de verdadeiros traumas ou danos morais.
O caso do buffet me fez lembrar de um acontecimento que se deu comigo. Acontecimento, não, esse sim um verdadeiro infausto, um sinistro.
Quando eu contava com 9 ou 10 anos de idade, meus pais resolveram me matricular numas aulas de judô. O propósito era fazer o que hoje chamam de socialização, avesso que sempre fui ao contato humano.
Lembro que não ofereci resistência à ideia, não porque estivesse interessado em me enturmar, mas porque na década de 70 estava muito em voga os filmes de artes marciais, aqueles incríveis chineses voadores, praticamente à prova de balas. Na minha cabeça de criança, o judô me daria poderes, poderes que me defenderiam justamente de quem quisesse muito se aproximar de mim.
Longe de ser dos melhores, até que dos piores também não me mostrei, cheguei a ganhar umas medalinhas e troquei de faixa duas vezes. Até que deu-se a desgraça.
Por ocasião de meu aniversário, minha mãe resolveu levar um bolo no judô, fazer-me confraternizar com os outros alunos. Se tem algo que sempre me incomodou mais do que viver em bando, é ser tornado em centro das atenções do bando, a exposição pública é deveras exasperante para mim.
O bolo teria sua superfície enfeitada feito um campo de futebol, com direito a um bando de bonequinhos toscos de plástico a trajar camisas de times adversários. Lembro que foi me dado o "direito" de escolher os clubes que pelejariam sobre meu bolo, mas não lembro dos times que escolhi.
Fim da aula de judô. Todo mundo reunido para minha humilhação e o bolo ainda não havia chegado, algum contratempo. Comecei a nutrir esperanças de escapar à minha execução pública. Foi uma das últimas vezes que me permiti nutrir algum tipo de esperança. O bolo chegou. E foi pior, muito pior que qualquer coisa que um menino introvertido de 10 anos pudesse imaginar.
O elenco futebolístico da boleira devia ter se acabado e ela, ao invés de simplesmente escrever meu nome em arabescos de glacê, resolveu improvisar, pôr em prática todo o seu talento. Em lugar do gramado verde de coco ralado tingido e bonecos sem face, estavam lá, todas lépidas e faceiras, oito formiguinhas bailarinas; em lugar de truculentos de chuteiras, o balé Bolshoi do Vida de Inseto.
Puta que o pariu!!! 
As formiguinhas dançantes e sorridentes eram confeccionadas, cada uma delas, de três pequenas esferas cinza de isopor (abdômen, tórax e cabeça) e vestiam saias multicoloridas de papel crepom, verde, amarela, cor de rosa, alaranjada etc.
E vem o sujeito dizer que sofreu dano moral porque recebeu tapete vermelho em vez de verde?
Dano moral, psicológico, psiquiátrico, hospiciátrico -  e irreversíveis -, é o que eu poderia ter sofrido com as formigas bailarinas. Se eu não fosse eu. Se eu não fosse quem eu sou. Se eu não tivesse sido sempre quem eu sou.
Da visão das formigas bailarinas em diante, confesso que de nada lembro. Não lembro se cantaram parabéns, se ganhei presentes, nada. Quem me visse à distância poderia afirmar que eu estava travado, em total estado de choque. Eu estava encasulado, isso sim. Encistado feito uma bactéria, como sempre faço em situações adversas, mas longe de estar em estado de embotamento mental.
Eu estava era matutando, ruminando uma solução para aquele revés. E já cheguei em casa com ela.
No dia seguinte, comuniquei aos meus pais que não mais retornaria às aulas de judô, não suportaria a vergonha do que aconteceu, justifiquei. Também que nunca mais quereria outra festa de aniversário, ficaria aflito à simples possibilidade de outro vexame. Como nunca fui muito normal, meus pais acabaram por concordar, talvez me contrariar só piorasse as coisas. Acho que eles não quiseram arriscar.
Não ganhei cinco mil reais de indenização como o casalzinho do buffet. Ganhei coisa muito melhor, sem preço. Livrei-me da prática de um esporte coletivo e da parentada toda cantando anualmente é pique, é pique, é pique, com quem será que ele vai casar etc.
Saí no lucro. Podem acreditar.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Vejo Flores Em Você

Moro em um apartamento com uma sacada relativamente grande, espaço em que tentei, por vezes, cultivar os mais variados espécimes vegetais. Puro desperdício de tempo e de clorofila. Pouca coisa nasce por aqui; e quando nasce, não floresce.
Meu fracasso botânico pode ser creditado a alguns fatores. Um que a sacada tem a face voltada para o sol da tarde, ela é irradiada das 12 às 18 horas, inclementemente; outro que há um fungo, de aspecto esbranquiçado e esponjoso, a infectar boa parte das árvores do quarteirão, cujos esporos estão pelo ar e sufocam a tudo o que ousa germinar e espreguiçar algumas folhas para fora da terra; e último, e talvez o principal, o meu famoso dedo cinza, dom oposto ao de Tistu, personagem do belo O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon.
Quão oportuno, a única presença verde que aqui resiste é um grande pé de boldo, em um pesado vaso de cimento, no canto mais anterior da sacada, nascido de um galho furtado de um jardim e fincado na terra desnutrida e sequiosa do vaso.
Só mesmo sua amargura para resistir ao sol, aos fungos e ao meu amaldiçoado toque. É com grande gratidão e reverência que, eventualmente, subtraio-lhe algumas folhas, tornadas em canção de ninar para meu fígado.
Qual não foi minha surpresa ao ver, dia desses, uma estrutura inédita a brotar da ponta de um de seus galhos, na verdade, de três de seus galhos. Cresciam três inflorescências em espiga no rude e mal-humorado boldo.  Três ou quatro dias depois, eu que nem sabia que boldo dava flores, vi se abrirem três belos cachos de delicadas flores roxas com estames amarelos, em forma de conchinhas, de sapatos holandeses.
Até tirei algumas fotos, uma delas está abaixo, a mostrar que tenho habilidade de fotógrafo equivalente à de jardineiro.
Não resisti. Cheirei-as. Nenhum perfume. Nenhum que meu olfato humano, limitado, tenha percebido, pelo menos. Arranquei duas florezinhas, pu-las à boca, mastiguei-as. Amaríssimas. Flores de fel. Que sejam. Desde que flores.

Uma Elegia À Cláudia Ohana (6)

"...Vou me agarrar aos seus cabelosPra não cair do seu galopeVou atender aos meus apelosAntes que o dia nos sufoque..."