segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Cerveja Haller - Cinco Estrelas na Escala das Boas e Baratas do Azarão

Viajar é bom para conhecer novas paisagens e horizontes? Sim, a gente viaja, as paisagens estão lá e a gente vê. Viajar é lúdico, pois travamos contato com outros costumes e provamos das culinárias locais? Sim, a gente viaja, os restaurantes típicos estão lá, a gente precisa cagar, então, vai lá e come. Viajar é ilustrativo e enriquecedor, pois conhecemos marcos, monumentos históricos e outros pontos turísticos? Sim, a gente viaja, os pontos turísticos estão lá, a gente é turista, então, vai lá e visita.
Mas viajar é melhor ainda para achar novas boas e baratas. Para dar continuidade à minha épica cruzada em busca do santo graal dos bebuns sem grana.
No feriadão da semana passada, fomos a Monte Verde (MG), cidade de montanha, clima mais para o frio mesmo no verão (em pleno novembro, durante a noite, os termômetros marcavam 12, 13ºC), arquitetura estilo alemão/suiço, lugar bom para andar, para a esposa e o filho tomarem chocolate quente, comerem pinhão cozido, strudel, fondue e outros trá-lá-lás.
Lugar ideal para o Azarão entornar. Que macho de respeito não degusta, entorna. O cara que degusta não é sommelier nem cachacier, é caralhier! Aquele biquinho de quem sorve o vinho e/ou a cerveja em curto aspirares nada mais é que a famosa boca de chupar rola.
Macho das antigas, quando solteiro, viaja atrás de bucetas boas e de graça; quando casado, atrás de cervejas boas e baratas.
Assim posto, acompanhei minha esposa e filho em peregrinação pela avenida principal da pequena cidade, pelos empórios de queijos e embutidos, pelas simpáticas fabriquetas de doces e de chocolates, pelos bangalôs de artesanato. Ela à cata de compotas, quitutes e de lembrancinhas para familiares e eu de olho, de butuca em boas e baratas; ocasionalmente, um ou outro peitão balouçante também me furtava a atenção; nem só de cerveja vive o homem.
Até que a vi. Brilhante, em um luxuriante dourado-vermelho. Na prateleira de um pequeno mercado em que entramos para comprar água mineral e levar para a pousada. Antes de prosseguir, um parêntese, em cidades turísticas, mesmo as marcas mais corriqueiras de cerveja têm seus preços superfaturados. Uma cerveja do tipo subzero, kaiser, bavária, itaipava, cujos preços giram em torno de 1,89 reais, 1,99, são vendidas a preço de loja de conveniência de posto de combustíveis, de 2,50 reais para mais. Fim do parêntese. 
E lá estava ela : Haller - Cerveja Lager Clara. Como bom macho das antigas que sou, confesso sem nenhum pudor que não foi o seu conteúdo, a sua beleza interior, que me atraiu à primeira vista - até porque quem gosta de beleza interior ou é decorador, ou é radiologista; quem gosta de beleza interior que vá bater punheta com a revista Casa & Jardim, ou com uma radiografia.
O que me atraiu no primeiro momento foi a beleza dela. Não tanto da embalagem, mas sim da etiqueta de preço nela adesivada : R$ 1,59. Fazendo a conversão cidade turística/cidade normal, ela custaria algo em torno de R$ 1,19, quiçá R$ 1,09, aqui em Ribeirão Preto. Entesei-me na hora. Pauduresci!
Tímido que sempre fui, cheguei a ela cheio de dedos, pisando em ovos. Peguei-a cuidadosamente da prateleira e, lentamente, comecei a desnudar-lhe o rótulo. Ver a procedência, a graduação alcoólica, o pedigree. Era do tipo lager, graduação alcoólica de 4,6% e fabricada na cidade de Socorro (SP), município do famoso e terapêutico Circuito Paulista das Águas.
Decidi que dava pra encarar. Totalmente pegável. Como dizia um amigo meu, Júlio César Barbosa, o mítico Porpeta, "essa dá pra comer beijando". Comprei meia dúzia. Só pra experimentar. A esposa não quis arriscar, nem se deu ao trabalho de ouvir meus argumentos, foi de Itaipava, mesmo.
Na pousada, pu-la a gelar e, quarenta minutos depois, dei-lhe a primeira beiçada. Não vi se a espuma se mantinha por muito tempo, não lhe notei a carbonatação, não reparei na transparência e na turbidez, não lhe aspirei as notas presentes (ou não) de malte e lúpulo, não lhe verifiquei a acidez nem a adstringência nem nenhuma outra viadagem. Apenas dei-lhe uma boa duma beiçada, uma boa duma talagada.
Aprovei! Pãããããããta que o pariu se aprovei. Chamei a esposa, pedi que também experimentasse. É, caros leitores, ser casada com o Marreta tem lá suas vantagens, mas exige seus sacríficios. Ela pôs na boca já com a intenção de não gostar. Bebeu, tomou outro gole, e outro. Não é ruim, disse. Foi a consagração da boa e barata. Minha esposa não dá o braço a torcer de jeito nenhum para as minhas descobertas cervejeiras. Prefere não incentivá-las, não quer se tornar uma cobaia da indústria cervejeira. Dizer que uma boa e barata comprada por mim "não é ruim", é o elogio máximo de sua parte. E também não se empolga : perguntei, uma vez que tinha gostado, se queria que eu lhe abrisse uma lata; respondeu que não, que ia de Itaipava, mesmo.
Entornei a meia dúzia sozinho, sem nenhuma mágoa. Com uns provolones e uns chouriços defumados.
Ei-la, caros leitores manguaceiros do Marreta. Recomendo! Haller - receita alemã com alma brasileira!!!

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Mimetismos (31)

Bons tempos, os meus, de moleque, de petiz... O único cuidado que tínhamos de tomar era o de achar e não comer o bigato dentro da goiaba.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Pequeno Conto Noturno (73)

- De quem são estes desenhos, Rubens, estas histórias em quadrinhos? - pergunta Manoela, sentada no chão do pequeno quarto do apartamento destinado à "bagunça" de Rubens (livros, LPs, uma vitrola, antigas coleções de chaveiros, tampinhas de garrafa e latas de cerveja, umas vidrarias de laboratório surrupiadas nos tempos do curso de química, suas sandálias de Mercúrio, um velho ventilador etc), sentada de pernas cruzadas, só de calcinhas e a vasculhar o conteúdo de três caixas de papelão, destas descartadas pelos supermercados, uma de água sanitária, uma de uma marca de bolacha de água e sal e uma de amaciante.
Do banheiro, Rubens ouve a pergunta de Manoela. Está terminando de se enxugar, secando o pau e o saco com a toalha, aspirando fundo e demoradamente, feito um somellier a inalar os eflúvios dionisíacos de um bom vinho, o resto da atmosfera de vapor enfeitada com a pantanosa e musguenta paleta de cheiros extraída por ele dos intestinos de Manoela, que, em agonia e êxtase, o recebeu inteiro em seus subterrâneos.
Lembra, então, que deixara as caixas no chão do cômodo, que não as recolocara de volta ao maleiro do guarda-roupas ao fim da limpeza e do reforço com naftalina. Rubens raramente limpa o maleiro. Não o faz uma vez por ano. Nem a cada dois ou três. Não o faz aproveitando o ócio das férias. Limpa-o quando quer se lembrar. Dos tempos idos, dos amigos, das ex-namoradas, de velhas notícias e, principalmente, quando quer se lembrar de Rubens. Limpa o maleiro quando quer se fazer uma visita surpresa.
As caixas de papelão no maleiro de Rubens são conservas de lembranças, compotas lacradas e esterilizadas de recordações, são um necrotério das memórias de Rubens, todas etiquetadas nos dedões dos pés e guardadas em esquifes frigoríficos, tiradas de vez em quando para que Rubens se lembre delas, se lembre de qual foi a causa mortis de cada uma.
Nas caixas, Rubens guarda umas poucas velhas fotos, álbuns de selos, vários cadernos espirais e blocos com escritos e anotações, mais de uma centena de cartas recebidas e número quase igual de cópias em xerox das enviadas em resposta, mapas e roteiros das poucas viagens que fez, cédulas de extintas moedas brasileiras (cruzeiro, cruzado, cruzado novo etc), duas raquetes de pingue-pongue, um vidrinho âmbar contendo dois cristais de cianeto de potássio, também obtidos nos tempos do curso de química e com o objetivo de morrer jovem (antes dos trinta anos, planejou Rubens, um dia), uns jornais de poesia mimeografados, uns fanzines xerocados, rolhas de vinho e os tais desenhos, as tais histórias em quadrinhos agora nas mãos de Manoela.
Toalha enrolada à cintura, Rubens vai à cozinha, pega dois latões de cerveja e senta-se ao lado de Manoela. Um latão para ele, outro para ela. Brindam. Tomam um grande gole.
- Foi você quem desenhou estas histórias em quadrinhos, Rubens?
- Sim, fui eu. Foi o meu primeiro sonho profissional, ser um ilustrador. Por muito tempo, quis ser um desenhista de quadrinhos, de super-heróis. Sonhava em ver meu nome nos créditos dos gibis da Marvel e da DC.
- E por que não foi adiante?
- O de sempre, mais pretensão do que talento.
- Mas existem cursos, escolas de desenho...
- Sim, mas não existem escolas que nos dê talento.
- Talento se adquire, Rubens, com muito esforço, com muita dedicação.
Tadinha, pensa Rubens, olhando para os peitos de Manoela. Manoela é graduada numa dessas faculdades de "ciências" humanas, sociais ou coisa que o valha. Acredita que qualquer um pode ser o que quiser. Que esforço e empenho têm a ver com resultado e merecimento.
- Cheguei a frequentar alguns desses cursos, uns três ou quatro, na verdade; anatomia humana, perspectiva, luz e sombra etc. E treinava incansavelmente as técnicas ensinadas nas aulas, mas os ganhos na qualidade do meu traço eram pífios. E acho até que teria continuado a insistir por muito tempo nessa ilusão, mas o cara do último curso que fiz veio-me com a revelação, com a libertação, na forma de uma má notícia, mas, assim mesmo, com a minha libertação dos lápis HB e das canetas nanquim que insistiam em não responder aos meus comandos.
Rubens para um pouco para outro gole. Acaba com o latão. Pega outro, volta, olha os peitos de Manoela e continua.
- No intervalo de uma aula, queixei-me a ele de meu inexistente progresso, apesar de toda minha dedicação, e o que ele me disse, lembro-me até hoje : uma escola de desenho é como uma escola normal, Rubens, dessas que te alfabetizam, a professora te ensinou a ler e a escrever, apresentou as letras a você, mas daí a você se tornar um grande escritor, um Machado de Assis, fica por sua conta. Simples, claro e genial, Manoela. Ele podia me ensinar o be-a-bá, as primeiras letras da perspectiva, das proporções da figura humana, mas daí a eu me tornar um Jack Kirby, um John Buscema, um Jim Steranko, ficava por minha conta. Ou, nesse caso, não ficava. Faltava ainda um mês para o término do curso. Nunca mais voltei.
Manoela também acaba com o seu latão. Rubens olha pros peitos de Manoela, se levanta, pega outro latão pra ela e volta.
- É duro quando nossos planos e sonhos não saem do papel, né, Rubens?
- Bom, nesse caso, meus planos e sonhos não chegaram ao papel, literalmente.
Riem. Bebem mais. Se beijam. Rubens olha para os peitos de Manoela.
- Mas quer saber duma coisa? Até que tem uns personagens bem estranhos e interessantes aqui - diz Manoela virando folha a folha.
- Pois é, durante o tempo em que durou a ilusão, cheguei a criar uns super-heróis meio mequetrefes.
Rubens pega algumas folhas das mãos de Manoela, olha para os peitos dela, olha para os quadrinhos e se lembra. Tinha um personagem que era um cavaleiro medieval, com penacho vermelho no elmo e tudo; lembra-se de que nunca chegou a lhe dar um nome nem a definir seus poderes, e que o usou uma única vez, numa rápida aparição na história de um outro personagem : o matou numa sequência de três quadrinhos.
Tinha outro que era um pacato cidadão comum, desempregado, que respondera a um anúncio classificado para uma vaga na outrora soberba e imponente Cervejaria Antarctica de Ribeirão Preto; hoje extinta há muito. Ao se dirigir para a sala do entrevistador, passando pelo interior da fábrica, descuidou-se e caiu dentro de uma caldeira com caldo de cevada fervente; ao invés de matá-lo escaldado, a mistura de cevada, aliada ao metabolismo ímpar do cara, deu-lhe poderes sobre-humanos, ele passou a ser capaz de se transmutar num pinguim gigante - o símbolo da Antarctica até hoje -, num pinguim de proporções humanas. Igualmente ao cavaleiro medieval, Rubens se lembra de que não lhe batizou, de que não decidiu sobre seus superpoderes, que, afinal, talvez fossem... ser um pinguim gigante; nunca nem terminou a história com a sua origem.
Rubens vira outra folha e sorri, eis o carro-chefe de seu universo de heróis, o seu Homem Aranha : o Sinapse. O Sinapse era um cara com o rosto sempre nas sombras, de feições esfumaçadas e indefinidas (o que era muito útil para quem não sabia desenhar bem rostos; aliás, bem nada), usava sempre um grande chapéu marrom e um longo sobretudo de mesma cor. Possuia habilidades atléticas, acrobáticas e marciais acima da média, frutos de muito treinamento. O seu poder além-homem : o Sinapse era capaz de concentrar as cargas de todos os impulsos elétricos gerados pelo cerébro - as cargas das sinapses, portanto -, canalizá-las num único fluxo para a sua mão esquerda e liberá-las, contra o inimigo, num fulgurante e mortal raio azul-esverdeado. Porém, tal recurso só deveria ser utilizado em situações de extrema urgência, em inescapáveis sinucas de bico, pois assim que o raio era desferido, o Sinapse, literalmente, descarregava. Todos os seus comandos cerebrais cessavam temporariamente e ele apagava. Se o raio errasse o alvo, ou não se mostrasse intenso o suficiente para liquidar com o inimigo, seria o fim do Sinapse. O Sinapse é a versão (pseudo)científica de Rubens para a origem mística dos poderes do Punho de Ferro.
- E depois disso - fala Manoela, interrompendo as lembranças de Rubens -, nunca teve outro sonho profissional?
- Depois disso, tomei o caminho mais prudente para os sem talento, cursei uma faculdade e aqui estou, trinta e tantos anos depois.
Olha os peitos de Manoela, vai à cozinha e pega outros dois latões.
- Tem muita coisa escrita aqui nessa caixa, Rubens.
- Coisas irrelevantes, cartas, diários, anotações...
- Me baseando só nesse pequeno baú do tesouro sobre você que acabo de achar, vejo que você escreveu muito mais na vida do que desenhou. Em algumas madrugadas que durmo aqui, nesses poucos meses que nos conhecemos, às vezes acordo para ir ao banheiro e vejo você na sacada, escrevendo. Nunca teve o sonho de ser escritor?
- Talvez eu o tenha, até hoje.
- Puta que o pariu! E tá esperando o quê, Rubens? O que já fez por esse sonho? Faça cursos de redação e estilo, Rubens. Capacite-se. Envie seus originais para editoras, hoje, com a internet, isso ficou muito mais fácil. Invista nesse seu sonho, Rubens. Sempre há tempo.
O que as tais faculdades de "humanas" não fazem com a cabeça de uma pessoa?, pensa Rubens em meio a um longo gole. Manoela adora esses mantras neurolinguísticos. Essas frases motivadoras, esses clichês de autoajuda. Adora o termo "capacitar-se". Nessas horas, Rubens queria ter uma frota de caminhões, só para preencher todos os para-choques com as frases de Manoela. Rubens olha para os peitos de Manoela e decide que ela vale a pena. Ainda.
- Não fiz nada por esse sonho.
- E nem vai fazer?
- Não.
- Vai, simplesmente, deixar que ele morra?
- Não. Vou mantê-lo guardado e conservado a naftalina nessas caixas. Em livros não publicados nas prateleiras da Biblioteca do Sonhar. Vou mantê-lo minha Bagdá engarrafada.
- Biblioteca do Sonhar, Bagdá engarrafada? - estranha Manoela - Não é melhor parar com a cerveja, não?
- Ora, ora - sorri Rubens - está me dizendo que nunca leu o Sandman nº 50?

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Testamento, por Jotabê

É dez mil vezes melhor que a canção "Epitáfio", dos Titãs ("O acaso vai me proteger,, enquanto eu andar distraído...), que teve a letra "inspirada" no poema Instantes, de Jorge Luís Borges. A disposição dos versos, a cadência de cada frase, também me lembraram muito da fantástica letra de "Se puder sem medo", do menestrel Oswaldo Montenegro.
Não é Titãs nem Jorge Luis Borges nem Oswaldo Montenegro. É Jotabê. O ermitão de BH. O eremita do Blogson Crusoe. Um poema inspiradíssimo. Feito com a propriedade de quem envelheceu/envelhece com serenidade e aceitação; em suma, com dignidade. 
E, porra JB, sem essa de despedidas precoces. Se, um dia, ela for inevitável, é você quem tem que nos avisar com três dias de antecedência. Pra gente encomendar cerveja em dobro.

Testamento
Esta casa agora é sua.
Seu também é tudo que nela existe:
Móveis, eletrodomésticos, discos, livros,
Revistas em quadrinhos, coleções.
DVDs, fitas VHS e retratos também são seus.


Meus arquivos no computador pode apagar, se achar melhor;
Minhas roupas e calçados, meus remédios,
Carro, saldo bancário, dívidas, carnês,
Contas para pagar, roupas de cama e mesa, ferramentas,
Utensílios de cozinha, quadros, plantas e vasos.


Telefones, celulares, tintas, pincéis, lápis e canetas,
Materiais de escritório, material de limpeza, alimentos,
Documentos, certidões, tudo o que for tangível, enfim, é seu.
Filha, irmãos e parentes também são seus.
A partir de agora, só seus. Nada mais me pertence.


Que mais você poderia desejar?
Não consigo te dar meus sonhos, minhas fraquezas.
Alegrias, lembranças, ódios, rancores, humor, farras,
Dores, decepções, conquistas, pensamentos, porres,
Crenças, certezas, conhecimentos, vivências, ignorância.


Medos, fantasias, amizades fugazes e inimizades eternas,
Esperanças e tudo o que está relacionado à Vida.
Não consigo te dar minha vida, infelizmente.
Mas, se quiser, posso te dar minha libertação. Apenas avise-me Com três dias de antecedência.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Recesso do Feriadão

Ninguém é de ferro. Nem o Azarão. De amanhã até domingo, minha Marreta, que não é parlamentar nem nada, mas que também é filha de deus (do Thor), entrará em recesso. Continuará em riste, em prontidão, mas em recesso. Vislumbrar novas paisagens, respirar novos ares, tomar novas boas e baratas.

Todo Castigo Pra Corno é Pouco (32)

Ele é o patrono das mulheres da difícil vida fácil. É o santo padroeiro e protetor das profissionais dos serviços sem nota. E, também, é claro, é corno : Odair José.
Década de 1970 : assim como as de muitos outros artistas populares, a imprensa vigente, que, hoje é patente, sempre teve um cunho canalho-esquerdista, classificou a obra de Odair José de cafona, de subcultura.
Eram tempos, também, de grandes compositores, grandes compositores de - hoje, sabemos - pequenos caráteres; em suma, toda aquela turma que sempre vencia os Festivais da Record, os inteligentinhos da época, os engajados politicamente. Até porque é muito fácil ser engajado, ficar militando pra cima e pra baixo, quando se nasce em berço de ouro, quando não se tem que trabalhar de sol a sol para garantir o sustento, como era o caso de Odair José, Aguinaldo Timóteo, Waldick Soriano e outros
O fato de alguns desses verdadeiros gênios da música serem de esquerda dava base ao silogismo safado de que todo esquerdista era, igualmente, um gênio (o Chico é gênio (verdade absoluta), o Chico é de esquerda (uma verdade, talvez, conveniente), logo, todo mundo de esquerda é gênio (uma falácia da porra)). Dava o aval que a tendenciosa imprensa precisava para banir Odair José e os cafonas do panteão da MPB, colocá-los na casta de párias, de intocáveis, literalmente.
(Recomendo fortemente a leitura livro "Eu Não Sou Cachorro, Não", do historiador Paulo César de Araújo, o mesmo da polêmica biografia não-autorizado do Rei).
Hoje, porém, com vistas aos atuais queridinhos da mídia, aos atuais incensados pelos inteligentinhos, pelos antenados e pelos membros maconheiros dos diretórios acadêmicos dos abomináveis cursos de "humanas", Odair José é um verdadeiro erudito. Um iluminista. Com vistas aos sertanejos universitários, aos raps e aos Rappas, aos MCs e aos Emicidas, Odair José é um poeta de primeira grandeza. Um Vinícius de Moraes do baixo meretrício.
Verdadeiramente, um poeta do povo. Muito mais socialista, ainda que involuntária e inconscientemente, que Chico e sua gangue, com muito mais consciência social. Quem cantou as agruras do desvalido, do desdentado, do engraxate, do feirante, do biscateiro e, sobretudo, das putas, numa época em que puta era mesmo puta e não "modelo e atriz"? João Gilberto? Tom Jobim? O mano Caetano? Porra nenhuma. Odair José.
E o velho bardo da Praça Tiradentes continua a pleno vigor. No CD "A Praça Tiradentes", produzido por Zeca Baleiro e lançado em 2012, Odair José nos mostra que ainda tem muita lenha pra queimar, que o lobo perde o pelo mas não perde o vício.
No CD, Odair José reafirma o seu afeto e sua predileção pelas putas e, consequentemente, abraça mais uma vez a sua condição de corno. Manso e assumido. Na canção "E depois volte pra mim", feita em parceria com Zeca Baleiro e, rezam as lendas, composta em homenagem à Bruna Surfistinha, o corno está ligado que sua namorada entrega marmita pra fora, apesar de todos os subterfúgios e desculpas esfarrapadas usados pela moça para esconder seu verdadeiro ofício - "pra todo mundo, ela diz que é modelo e atriz, mas hoje eu sei na verdade o que ela faz, quando me telefona pra dizer que não vem mais". Compreensivo e solidário, o corno resolve aliviar o fardo e a culpa da puta e abre o jogo : "não precisa mais mentir, quero você mesmo assim, diga sempre que me ama, vá fazer o seu programa e depois volte pra mim". Pããããããta que o pariu!!!
Grande Odair José. Um exemplo de corno a ser seguido!
Recomendo, também, a audição do cd A Praça Tiradentes. Bom pra caralho.
E Depois Volte Pra Mim
(Odair José/Zeca Baleiro)
Quando eu a conheci,
Num programa de tv, 
Ela se aproximou e falou, muito prazer, 
Por seu riso de menina, me apaixonei no ato, 
Fiquei tonto, sem razão, me encantei com seu teatro.
Os amigos me falavam, mas a ficha não caia, 
Fiquei perdido de amor, 
Todos viam o que eu nao via.

Pra todo mundo, ela diz que é modelo e atriz, 
Mas hoje eu sei na verdade o que ela faz, 
Quando me telefona pra dizer que não vem mais. 
Pra todo mundo ela diz que é modelo e atriz, 
Mas hoje eu sei na verdade o que ela faz, 
Quando me telefona pra dizer que não vem mais

Não precisa mais mentir, 
Quero você mesmo assim, 
Diga que me ama, 
Vá fazer o seu programa 
E depois volte pra mim.
Não precisa mais mentir, 
Quero voce mesmo assim, 
Diga que me ama, 
Vá fazer o seu programa 
E depois volte pra mim.

Para ouvir a música, basta dar uma clicadinha aqui, no meu poderoso e  infatigável MARRETÃO 

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Tchau, Stan Lee...

Certa vez, um alemão disse : "Deus está morto". Alarmista e precipitado, esse menino alemão. Deus não estava. Está agora. Hoje, aos 95 anos de idade, morreu Stan Lee, criador do universo Marvel. 
Rezam as lendas do universo da maravilhas que inúmeras são as fontes transformadoras que podem elevar certos agraciados de sua mísera condição de simples humanos e dotá-los de poderes de semideuses. Radiações, mutações, substâncias milagrosas, névoas terrígenas, artefatos místicos, tecnologia extraterrestre, evolução do Homo Sapiens para o Homo Superior etc etc.
Lendas, simples lendas. No universo Marvel, não há lugar para o acidente, para o aleatório, muito menos para a evolução. Darwin não apita nada por lá, é um verdadeiro picareta. Toda a criação, toda a modelagem do barro, passa por uma única mão : Stan Lee.
Stan Lee é o homem por detrás da máscara. Por detrás de todas as máscaras. Ou, ao menos, daquelas que importam. Quarteto Fantástico, Hulk, Homem-Aranha, Demolidor, X-Men, Homem de Ferro, Nick Fury e a Shield, Surfista Prateado, os Vingadores e outros e mais outros. Alguns de seus filhos seguiram o caminho da retidão e da justiça, outros - como acontece em toda família - desvirtuaram os ensinamentos do pai e percorreram o caminho do crime; Stan Lee criou, igualmente, uma legião de vilões. 
Tentei achar na internet a quantidade de filhos de Stan Lee. Não achei. Mas vos asseguro de que são centenas. 
Fazendo uma comparação igualmente elogiosa para ambas as partes, eu digo que Stan Lee foi o Chico Anysio do universo dos super-heróis.
Hoje, Hela, a deusa nórdica da morte, se valendo do subterfúgio canalha de uma pneumonia, levou Stan para o seu lado, para o seu reino sombrio.
Mas me chegaram boatos de fontes fidedignas de que Odin já está a ter com Hela, a lhe passar uma descompostura, e de que já está com Stan Lee sob sua custódia, conduzindo-o, nesse momento, para o dourado Valhala, com as honras e as pompas devidas a um guerreiro tombado em batalha, escoltados por um séquito de valquírias loiras e peitudíssimas.
 
1922 - 2018
Excelsior, meu velho, excelsior!

sábado, 10 de novembro de 2018

Uma Cerveja com James Gordon

No intervalo de um episódio de "Eu, a Patroa e as Crianças", transmitido por um desses canais mais-do-mesmo da tv a cabo, na propaganda de uma das outras atrações da emissora, apareceram dois apresentadores de um programa de comentários e sugestões de filmes, dois caras sentados num sofá e comendo pipoca. Um deles estava com uma camiseta do Batman. Não uma camiseta qualquer. A do uniforme clássico. Não uma das inúmeras variações e distorções, pós-Tim Burton, do traje do morcego, não dessas vendidas, hoje, em qualquer camelô, em qualquer loja de rodoviária.
A clássica. Fundo cinza não muito escuro e, no peito, a elipse amarela a circunscrever o morcego negro; concepção imortal, tal traje, do lendário ilustrador Carmine Infantino.
Tenho uma camiseta dessa - lembrei-me! Comprada em 1989, por ocasião do aniversário dos 50 anos do filho mais dileto de Gotham City. O ano chinês do morcego. Ano de muita celebração, marcado por publicações de muitas minisséries, de excelentes graphic novels e pelo lançamento do filme Batman, de Tim Burton, com Michael "Batman" Keaton e Jack "Curinga" Nicholson. Camiseta oficial do cinquetenário. Com o selo de aprovação e garantia de qualidade da própria DC Comics.
Não tenho boa memória para detalhes. Até me lembro de ter feito isso ou aquilo, de ter estudado em tal escola, de ter viajado para certos lugares, das mulheres que comi etc, mas me lembro sem pormenores. As lembranças não me vêm em imagens e sons cinematográficos de altas definições e fidelidade, sim em ecos esparsos, em lamentos de fantasmas não sepultados, sim em teatros de sombras, de vultos.
Não foi assim desta vez. À visão da camiseta, a memória se projetou com perfeição na tela quase sempre em branco da pré-velhice. Tudo estava de volta. Eu e meu amigo Jaimão esperando por horas na fila invertebrada que contornava quarteirões, para garantirmos nossos assentos no cine Comodoro e assistir ao tão esperado Batman. O único cinema de Ribeirão Preto, na época, a ter contrato de exibição com a Warner. O único cinema em Ribeirão, hoje, a se manter em atividade no velho centro da cidade, ainda que, por questões de sobrevivência, tenha se rendido ao ramo do entretenimento adulto, o que lhe valeu o apelido pelo qual é conhecido atualmente, cine Pornodoro. Todos os outros cinemas centrais - eram mais de uma dúzia - foram abatidos pelo advento dos escrotos e impessoais shopping centers.
Chegou-me tudo com ofuscante nitidez. As roupas que usávamos, as conversas que tivemos enquanto esperávamos, nossos estados de ânimo, nossas expectativas, que beiravam uma crise de ansiedade, uma agonia da qual chego a sentir saudades, uma vez que sentimento exclusivo de quem muito fortemente deseja algo - há tempos não desejo a esse ponto. Uma aflição que era filha do desejo com a falta de informação. Eram tempos pré-internet, para o bem e para o mal.
Era muito mais fácil as produtoras manterem segredos em torno dos filmes antes de suas estreias, muito mais fácil jogar para o público apenas as informações selecionadas que queriam que soubéssemos, cruéis gotas homeopáticas que, longe de matar nossa sede, só punha um deserto ainda mais árido em nossas gargantas. O filme estava anunciado há mais de ano, quando do início de sua produção, e quase nada sabíamos dele. Uma neblina e uma noite ainda mais impenetráveis que as de Gotham o envolvia. Tudo o que tínhamos eram as poucas imagens estampadas nas revistas do ramo e as pequenas notas de rodapé  divulgadas pela imprensa.
Lembrei-me de tudo. Do calor que fazia no dia, dos últimos raios do sol poente a arranhar nossas retinas - entráramos na fila pouco antes das 17 h, para pegar a sessão das 20 h -, dos boatos que corriam pela fila de que os lugares para a próxima sessão, a das 18h, e para a seguinte a ela, a das 20 h, já haviam se esgotado - só conseguimos lugar na sessão das 22 h. Imagine só se, hoje, eu esperaria cinco horas por alguma coisa. Não esperaria cinco horas numa fila nem pra comer a Scarlett Johansson. Lembrei-me de nossas falas, de nossas previsões e especulações de como seria o filme, de nossa tentativa - uma forma de matar o tempo - de montar o quebra-cabeça com tão pouca informação, com tão poucas peças disponíveis. Lembrei-me - de médico e de louco e de crítico de cinema, todo mundo tem um pouco - de nossas certezas antecipadas da péssima escolha de Michael Keaton para o papel do Batman e da excelente escolha do iluminado Jack Nicholson para o papel do palhaço do crime - certezas confirmadas com poucos minutos de projeção.
O presente puxando-me de volta, ocorreu-me : eu tinha 22 anos à época; o Jaimão, 19. Era o ano de 1989. A camiseta que deflagrara a paudurescência de minha memória completará 30 anos no ano que vem, 2019. Trinta anos. Tem a camiseta, hoje, mais idade do que eu tinha quando a comprei.
Batman completara 50 anos, então. Bruce Wayne adentrara à meia-idade, era um senhor distinto, galante, conservado e em muito boa forma; eu, um jovem universitário, inocente, puro e besta.
Ano que vem, Batman completará 80 anos de vida, um justiceiro octogenário que não se arriscará mais em sair para combater o crime sem verificar o estoque de fraldas geriátricas e de Corega no seu bat-cinto de utilidades; eu, um cinquentão acabado e vencido. É a podridão, meu velho.
Fui cuidar da lida. Desliguei a tv, lavei e guardei a remanescente louça da pia, recolhi as gatas, enfim, fui me ocupar do comezinho para tentar esquecer do passado. A imagem da camiseta, porém, não me abandonou.
Fui ao guarda-roupas - senti-me o próprio Batman a descerrar as emperradas, pela falta de uso, portas da bat-caverna -, escavei fundo uma das gavetas e lá estava ela. Conservadíssima. Como se ontem eu a tivesse retirado da loja - usei-a poucas vezes. Nenhum sinal de desbotamento ou de ataques de traças. Guardei-a. Não a recoloquei ao fundo da gaveta, entretanto. Deixei-a por cima. E esperei. Esperei o filho dormir, a esposa, as gatas, a casa.
Silencioso, imperceptível e indetectável como só o Batman sabe ser, peguei a camiseta no guarda-roupas. Esquivo e célere, tranquei-me com ela no banheiro. Vesti-a. Serviu-me perfeitamente. Como 1989 fosse. Naquele momento, 1989 era!
Uma sombra dançou pelo banheiro e desceu sobre o meu semblante. Olhei-me no espelho. Não tive dúvidas. Gritei : I'm Batman! Era verdade. Em 1989, eu era o Batman. Com 22 anos, todos éramos o Batman!
Com pesar e relutância, desvesti a camiseta (a sombra abandonou minhas faces), devolvi-a ao guarda-roupas tão silenciosamente quanto a tirara, voltei ao banheiro, escovei os dentes e fui me deitar. E fui me deitar. 
Com uma vontade danada e uma saudade doída de saltar e de correr pelos telhados, de me sentar em vigília sobre as gárgulas, de esmurrar a sempre zombeteira cara do Curinga, de jogar "o que é o que é?" com o Charada, "cara ou coroa" com o Duas-Caras, de me atracar com a Mulher-Gato.
Com uma vontade filha da puta de, ao fim do expediente, na troca de turnos da madrugada com o arrebol, no rápido roçar da Lua com o Sol na sala do relógio do cartão de ponto, tomar uma cerveja gelada com o Comissário Gordon.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Juíza Gabriela Hardt, o Sérgio Moro de Saias

Em breve, com a nomeação e a posse como ministro do Superministério da Justiça e Segurança Pública do governo do intrépido Bolsonaro, o inexpugnável juiz Sérgio Moro, o Eliot Ness brasileiro, o gatilho mais rápido da República de Curitiba, deixará o posto de Xerife da Lava jato; pedirá exoneração um dia antes de sua posse.
Porém, um posto de tal importância e urgência para nação não pode ficar vago por muito tempo, tampouco pode ser ocupado por algum aventureiro, por algum pistoleiro solitário. E não ficará. E não o será. Moro já tem um substituto à sua altura. Melhor, uma substituta. Uma mulher.
Caberá à juiza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Criminal de Curitiba, envergar ao peito e honrar a estrela da justiça e da anticorrupção. Sai a estrela vermelha da corrupção do PT, entra a estrela verde-amarela anticorrupção, a estrelinha anti-PT.
E que não se deixem enganar, os petistas e demais facínoras vermelhos, pelas belas e delicadas feições da moça, que poderiam, talvez, fazer supor iguais fragilidade e delicadeza em suas decisões judiciais. Que não se deixem iludir e se esperançar, os órfãos de Lula, e mesmo o próprio sapo barbudo, pelos modos educados, elegantes e corteses da juíza, que poderiam, talvez, fazer supor igual cortesia na batida de seu martelo. Que não confunda, a corja comunista, beleza e refinamento com fraqueza.
Corre, entre os seus pares na Justiça, que a caneta de Gabriela Hardt é ainda mais implacável e pesada que a de Moro. É consenso, entre os do métier, que a juíza é ainda mais casca grossa e destemida que o  Paladino da Terra das Araucárias. Gabriela Hardt é o que Lula, o seboso de Caetés, homem de grande refinamento e erudição, praticamente um lorde, designa por "uma mulher do grelo duro". Finíssimo, o sapo barbudo.
Não conheço o histórico acadêmico da moça. Só sei que consta de seu currículo, nada mais, nada menos, que a condenação e o enjaulamento do petralha Zé Dirceu. Para mim, é o que basta. Para mim, é só o que eu preciso saber dela.
E se tudo der certo - e tudo dará - serão a caneta e o martelo de Gabriela Hardt que atolarão no toba de Lula mais uns tantos anos de xilindró pelo caso do sítio em Atibaia.
Nisto tudo, contudo, uma coisa engraçada, curiosa. Não estou vendo nenhuma feminista festejar a indicação de uma juíza para liderar a maior operação policial anticorrupção que estas terrinhas de Cabral já viram. Não deveriam estar, as suvacudas de plantão, a soltar rojões pelas bucetas? Não deveriam estar, as tetas murchas desse Brasil dantes mais varonil, a estourar champagnes e fogos de artíficio, ainda que virtuais, ainda que pelas suas redes sociais empoderadas?
Trabalho, infelizmente, com um punhado de feministas iracundas e rançosas, com um punhado de feminazis, tudo mulher "estudada", independentes do jugo do macho e outros jargões e blás-blás-blás; todas separadas, divorciadas, doidas atrás de um idiota que as aguente. Não vi nenhuma delas sequer citar - quanto mais comemorar - esta importante conquista feminina. Não vi nenhuma delas engrandecer nem se sentir engrandecida pelo fato de que Gabriela Hardt passará a ocupar um cargo masculino, de que a juíza passará, logo após a exoneração de Moro, a fazer um "trabalho de homem".
Não é isto o que as feministas militantes querem? Ocupar o lugar do homem? Serem os novos homens? Feminista não quer igualdade de direitos entre os genêros, muito menos uma convivência respeitosa e pacífica entre eles. Feminista quer eliminar o macho da face da terra. Quer ser o macho. O sonho de uma feminista é ver o grelo crescer até virar piroca.
Gabriela Hardt, uma mulher e uma juíza com o poder de punir e prender os homens mais poderosos e influentes do país. Pãããããããta que o pariu! Não era para as feminazis estarem em êxtase e regozijo?
Por que não estão? Por que nem comentam? Por que não estão em marchas e passeatas com faixas de apoio e de palavras de ordem e com os peitos de fora a atrapalhar o trânsito e o sábado das principais avenidas do país?
Por que não comemoram, as feminazis? Alguém pode me dizer?

domingo, 4 de novembro de 2018

Pequeno Conto Noturno (72)

Rubens abre a geladeira e pega o penúltimo latão de 550 ml no congelador cuja porta não se fecha de todo dado o acúmulo de gelo - um grotão siberiano, o congelador de Rubens - e anota mentalmente que precisa descongelá-lo.
Urge-lhe a vontade de mijar. A velha bexiga, companheira de todas as horas, há tempos não é mais heróico dique, mas gasto e lasso odre de couro craquelé. Rubens vai e se alivia ali mesmo, no tanque de lavar roupas da área de serviço contígua. O saco gela e se contrai ao contato com o inox frio do tanque.
Rubens sabe que leu, e a memória lhe sussura aos ouvidos ter sido no livro "A Insustentável Leveza do Ser", do Kundera, que os médicos da antiga Tchecoslováquia urinavam nas pias de seus consultórios; ou, ao menos, o personagem-médico de Kundera assim procedia. Rubens lembra por lembrar, lembra porque não controla seus fluxos de reminiscências. Nunca precisou do aval e/ou inspiração kunderianos para mijar no tanque. Mijara, por vezes, nos tempos de uma de suas faculdades, junto ao outros bebuns, na pia do banheiro detrás da cantina do Centro de Vivência da Filô, onde cursou tempo de Química - um único vaso era pouco para as noitadas movidas a cerveja morna e barata, e Ira! e Ramones. Rubens também, mais raro, em noites de tempestades regidas pela batuta de Thor, mija da sacada de seu apartamento no asfalto da rua.
Enquanto mija no tanque, Rubens olha para a cidade através das grandes vidraças basculantes da área de serviço. O ar, comumente empoeirado e fuliginoso, hoje limpo por chuva forte, deixa a cidade se mostrar em mais detalhes. Rubens está com seus óculos de leitura - 1,5 grau de vergência. Está empenhado na releitura de "Estorvo", do Chico; empenhado em descobrir por que gostara tanto do livro em sua primeira leitura, há duas ou mais décadas.
Sob as lentes para perto de Rubens, os prédios, as árvores, as ruas e as avenidas da cidade, ao longe, se embaciam; porém, cada uma de suas luzes mais fulguram. Sejam as luzes dos postes, as dos automóveis, as das janelas dos apartamentos, as de alerta no topo dos arranha-céus e mesmo as do solitário teco-teco, cada uma delas explode em várias, cada uma pipoca em uma roseta luminosa, cada uma se espalha como num espocar silencioso de fogos de artifício.
Ainda esvaziando a bexiga, Rubens se lembra das aulas de Química Analítica, dos sais que, submetidos ao calor duma chama de acetileno, calcinados feito bruxas na Inquisição, liberavam seus espíritos multicores; os mesmo sais que são misturados à pólvora dos fogos de artifício : sódio, amarelo-alaranjado; potássio, violeta-pálido; cálcio, vermelho-alaranjado; estrôncio, vermelho-sangue; bário; verde esmeralda; cobre; azul-esverdeado.
Olhadas através das lentes de Rubens, as luzes tornam a madrugada numa virada de Ano-Novo, numa noite de revéilon. 
Rubens não gosta de noites de Ano-Novo. Mas gosta de fogos de artifício. Gosta dos fogos de artifício desapegados de quaisquer simbolismos. Gosta dos fogos de artifício coisa em si : pichações de elétrons excitados e no cio, tão-somente; crias travessas do boi-tatá com o fogo-fátuo, nada mais.
Rubens desiste de retomar a leitura de "Estorvo", para sempre; amanhã mesmo o devolverá à biblioteca.
Mas não tira os óculos de leitura e vai para a sacada do apartamento com o latão. Passará a madrugada a ver fogos de artifício.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Consórcio de Buceta

Um leitor, em um comentário anônimo, sugeriu que eu promovesse um crowdfunding aqui no Marreta com o objetivo de mandar - com passagem só de ida - a comunistada safada desse Brasil dantes mais varonil para a Venezuela, ou para Cuba, para que os vermelhinhos de boutique vivessem por lá como moradores comuns, não como turistas ou como os governantes destes paisinhos de merda, os ditadores que nossos democratas vermelhos tanto idolatram.
Bom, primeiro tive que pesquisar o que era crowdfunding, e encontrei : "crowdfunding, ou financiamento coletivo, consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse de um grupo através da agregação de múltiplas fontes de doações, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa". Ou seja, é o que, no meu tempo, a gente chamava de "vaquinha". Então, me saindo com um trocadilho ao estilo Jotabê,  não é crowdfunding, é COWdfunding
À anônima sugestão, respondi que jamais levantaria fundos para comunistas, nem que fosse para vê-los bem longe, para mandá-los para as putas que os pariram, pois assim que pusessem a mão no dinheiro destinado à viagem, gastariam tudo em cachaça e pão com mortadela, nem chegariam a sair da rodoviária. Ainda por cima, montariam um assentamento em protesto no terminal do Tiête.
De mais a mais, nunca participei de vaquinhas, nunca comprei rifas, nunca colaborei numa Ação entre Amigos, nunca nem joguei bingo em quermesse de igreja.
Quero dizer, quase nunca. Uma única exceção feita. Uma honrosa exceção. Exceção que a sugestão do leitor me fez relembrar e reviver.
Era o ano de 1983, eu, então, com meus 16 para 17 anos, morando na cidade de São José dos Campos. Tempos de seca, aqueles. Sempre fui feio, esquisito e tímido - hoje, só não sou mais tímido. Com tais atributos, ainda mais naquela época, em que as meninas se davam ao respeito, conseguir mulher era, para mim, possibilidade mais remota que ganhar sozinho na mega-sena, sem jogar.
Eu não estava sozinho, porém. Havia mais cinco esquisitos na pequena escola em que eu estudava, dois da minha sala e outros três de outras turmas, inclusos dois japoneses. E foi justamente um desses japoneses, o Leonardo, que, em certo dia, nos chegou portando um raio de esperança. Um tio dele, um militar aposentado, gente boa pra caramba, com quem Leonardo tinha bastante liberdade para falar de assuntos de sexo - de falta de sexo, no caso -, condoeu-se do jejum do sobrinho e falou que, talvez, pudesse ajudar. Pediu uns dias para conversar com uma "conhecida" dele, uma vizinha de seu quarteirão, a Vanda.
Vanda, então uma recatada dona de casa e honesta viúva de seus 40, 45 anos, ainda muito da apetecivel, prestara, em outrora não tão distante, bons e beneméritos serviços à humanidade. Fora dama da noite em conceituado, seleto e luxuoso bordel da capital paulista. Era contado que Vanda ia amiúde com os velhinhos sem saúde e as viúvas sem porvir, era um poço de bondade. Quando estava já no pôr-do-sol de sua carreira, com seus vinte e tantos ou trinta e poucos anos, o Destino bafejou-lhe com grande ventura. Vanda caiu nas graças de um coronel reformado levado ao bordel por amigos (o tio do Leonardo estava entre eles) como parte da comemoração do aniversário de seus 70 anos. Dá-lhe Odair José e o coronel tirou Vanda daquele lugar, que, asseguram os que foram da convivência do casal, viveu oito anos de impoluta fidelidade ao lado do militar reformado, até que a morte os separou, aos 78 anos do coronel. Beneficiária da polpuda aposentadoria do coronel, Vanda instalara-se confortavelmente num bom e tranquilo bairro da cidade. 
Amigo que fora do casal e que continuava a sê-lo de Vanda, o tio do Leonardo contou a ela o drama do sobrinho donzelo e dos amigos, idem. Talvez apiedada, Vanda se dispôs a praticar mais este ato de filantropia. Não precisava mais do dinheiro, mas, possivelmente, para manter a dignidade de seu nobre ofício, cobraria de nós uma pequena contribuição, um valor simbólico. Vanda cobrou um valor bem abaixo da tabela, um preço de atacado, digamos assim, um preço de custo, praticamente.
Não me lembro o quanto e, mesmo que me lembrasse, de pouca referência seria para os valores atuais, uma vez que a moeda corrente do país foi trocada em três oportunidades desde aquela época. Mesmo assim, nenhum de nós, que vivíamos numa pindaíba desgraçada, tinha, individualmente, o dinheiro para pagar o valor estipulado por Vanda. Foi quando o outro japonês, o Alcides (vê lá se isso é nome de japa) teve a ideia salvadora. Dividir o cachê de Vanda por seis, cada um fazer crescer o bolo com a sua sexta parte e sortear o felizardo que iria perder o cabaço. Na vez seguinte, todos os seis contribuíam de novo e o que já havia sido agraciado ficava fora do sorteio.  Assim, a cada mês, quinze dias, ou quando todos conseguíamos juntar nossa parte, pagávamos a Vanda e um novo sortudo era contemplado. Um consórcio de buceta!
Vanda estabeleceu suas regras. Não limitaria nossas visitas por tempo, por hora, como é de praxe. Mas sim por duas bimbadas. Duas gozadinhas e fim de jogo. Experiente e tarimbada que era, Vanda deve ter calculado que, no nosso caso, um bando de adolescentes cabações, duas gozadas levaria muito menos tempo do que uma hora.
Contudo, se nada conhecíamos da prática sexual, muito sabíamos da teoria. Para driblar o subterfúgio de Vanda e fazer render mais tempo o suado dinheirinho, o felizardo da vez, antes de se encontrar com Vanda, tocava uma punheta em casa, para retardar o tempo da segunda e da terceira. Ô, saudade! Quanto vigor, quanta confiança! Chegava a ser arrogância de nossa parte! Exibicionismo! Hoje, se toco uma bronha na segunda-feira, só vou me arriscar com a patroa lá pela quinta, sexta-feira, e isto numa semana boa. 
Desnecessário dizer, mas faço questão de, que eu, o Azarão, esta abominável criatura que vos fala, fui o último a ser contemplado no consórcio de buceta. 
Porém, o Destino, como fizera com Vanda ao apresentá-la ao coronel, bafejou-me com grande ventura. Sempre tendo atendido os outros em dias da semana e por volta das 16 horas, Vanda mandou me comunicar que eu estivesse em sua casa num sábado pela manhã, por volta das 10 h, se eu pudesse. Se eu pudesse? Pãããããta que o pariu se eu podia!
Tanta era a ansiedade, agora aliada à curiosidade sobre a mudança do dia e hora, que até me esqueci de tocar a apaziguadora punheta pré-primeira foda. Em casa, disse que iria fazer um trabalho da escola na casa do Leonardo e que por lá mesmo almoçaria.
Finalmente, Vanda me recebeu e disse que iria me recompensar pela minha espera, por eu ter sido o último, por ter pacientemente aguardado (e que outra opção eu tinha?) enquanto escutava os outros contando suas experiências. 
Não houve a restrição das duas vezes - ainda bem que eu não tocara a bronha em casa. Acabei - e uma lágrima pungente de saudade pela pujança perdida escorre sempre que me recordo - gozando quatro vezes naquela manhã/tarde. E na última, Vanda me brindou com o cuzinho; região a que os outros não tiveram acesso. O meu primeiro cu!
Tenho certeza que vem daí a minha predileção pelo jilozinho, pelo enrugado, pelo girassol!
Pãããããta que o pariu se tenho!!!