terça-feira, 29 de abril de 2014

Crônica da Xênia

Minha mãe, quinzenalmente, se não me engano, compra a revista Ana Maria, da Editora Abril. Para quem não conhece a publicação, nunca a viu em uma banca de jornais e revistas nem - quase que impossível - exposta nas laterais dos caixas dos supermercados, Ana Maria é mais uma dessas revistas de TV e variedades, editada sobre dois grandes carros-chefes.
O primeiro, dietas milagrosas anunciadas em letras garrafais à direita da capa, a exemplos : "derreta 3 kg em uma semana com a dieta da gelatina", "ciência descobre o azeite que emagrece", "nossa leitora secou 14 kg sem dieta", "aprenda a fazer farinha que seca até 5kg", e a coisa segue nessa linha do absurdo. O segundo atrativo, anexo à revista, um pequeno livrinho de receitas, das mais calóricas possíveis.
De onde se vê que é uma revista de editorial e orientação cristãos, alicerça suas vendas na gula e na culpa, e na sua consequente penitência, a dieta, a privação. Por isso, vende pra caralho.
Minha mãe a compra pelo livrinho de receitas, as quais raramente fazem a transposição das páginas coloridas para o fogão, mas ainda assim as coleciona.
A capa da revista estampa comumente uma mulher em trajes sensuais e provocantes, que, supostamente, teria conquistado suas formas desejáveis através da dieta em destaque na edição. Ou seja, tem sempre uma gostosa inexpressiva na capa - inexpressão que pode ser advinda ou da cabeça vazia (algumas tão vazias que nem o diabo as quer para oficina), ou do botox a lhes envenenar a musculatura facial, ou do photoshop, ou, como se dá na maioria dos casos, da união desses três fatores.
Quando, geralmente aos sábados, vou almoçar na minha mãe, abro uma lata de cerveja para esperar pela boia e pego a revista Ana Maria para dar uma olhada na gostosa. Mas não pensem que a revista se limita apenas a isso, não. É uma revista que faz valer sua função de utilidade pública da primeira à última linha.
Tem ainda horoscópo - esses astros vagabundos e seus gigolôs, os astrólogos -, coluna social de bicho de estimação (é verdade, as pessoas enviam fotos dos aniversários de seus cachorros, gatos, calopsitas, iguanas, sogras... e a revista as publica), dicas de posições sexuais e artifícios eróticos para apimentar (sic) o casamento de 20 anos do barrigudo broxa e da gorda de tetas caídas e calcinha bege, técnicas para domar (sic, de novo) o cabelo alisado etc etc.
E em meio a tanta erudição, perdido entre tanto enciclopedismo, e agora falo sério, um respiradouro, uma nesga de pensamento autoral, de opinião : a Crônica da Xênia.
Há alguns jornalistas, cronistas, articulistas, ou como queiram chamá-los, que muito aprecio, João Pereira Coutinho, Ruy Castro, Contardo Calligaris, Luiz F. Pondé, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo, Eliane Brum etc. E outros com os quais simplesmente não gasto mais milissegundo do meu tempo, Gilberto Dimenstein, Marcelo Rubens Paiva, Rosely Saião.
Até sábado passado, Xênia Bier ocupava um nicho intermediário entre os meus preferidos e os meus preteridos, um limbo, uma espécie de geladeira em que mantenho os autores dos quais nunca li nada que me surpreendesse tanto nem nada que me desagradasse profundamente. Até sábado passado... quando li a crônica de Xênia a respeito da morte de José Wilker.
Percebo agora que muito da minha "resistência" à Xênia nunca foi em relação a ela propriamente dita, mas sim aos veículos em que seus textos são publicados, as revistas de TV e fofocas, destinadas a um público para o qual a leitura serve basicamente para identificar o itinerário do ônibus que o leva e traz do trabalho para casa, ou, num supremo esforço, para ler suas mensagens no celular e no twitter. O que impede, obviamente, que Xênia escreva textos maiores, mais elaborados, mais críticos, que se aprofunde mais em um determinado assunto ou tema. Xênia é obrigada a tirar leite de pedra, nem que seja leite desnatado, de soja.
Na crônica, que logo reproduzirei abaixo, Xênia começa dizendo que não chorou nem lamentou a morte de José Wilker, pois ele teve a morte dos abençoados, morreu dormindo. Até aí, nada de mais. Aposto que a maioria concorda com ela e também deseja para si igual destino. Mas, em seguida, tasca uma provocacão das boas, das brabas. Diz que tem pavor da velhice, da decrepitude, de ter que depender dos outros, diz que a velhice é uma merda. Melhor morrer antes da decrepitude.
Concordo. Mesmo que o infarto que vitimou José Wilker o tenha acordado por alguns instantes, por mais aguda e lancinante que possa ter sido a dor provocada por ele, ele foi breve, definitivo. Doeu menos tempo que uma topada de dedão no batente da porta, que um chute no saco, que uma dor de cotovelo. E muito melhor, mas muito melhor mesmo, que sofrer a podridão de um câncer que se espalha, ou a perda de identidade por um Alzheimer.
Xênia dispara : É preciso ser calhorda para chamar a velhice de “melhor idade”. 
Concordo com ela, em gênero, número e grau. Estou a beirar os 50 anos e é nítida e triste a diferença que sinto de quando eu tinha trinta e poucos, quarenta anos (melhor nem comparar com os 18 anos, sob risco de profunda depressão). O corpo reage pior e mais lentamente a tudo, uma gripe leva um mês para sarar, uma pancada no joelho ou uma pisada em falso, que forcem um pouco um tendão, um ligamento, são dores para o resto da vida, e as ressacas, então? Dão até vergonha!
Vou mais longe que a Xênia : e nem há, à guisa de compensação pelo corpo fraco, a tão alardeada aquisição de sabedoria, que viria com a experiência de vida e nos tornaria em anciãos sensatos e serenos, modelos de equilíbrio para os mais novos.
A sabedoria via velhice também é outra falácia : não ficamos mais sábios com a idade, só ficamos mais velhos. Não ficamos mais amáveis ou compreensíveis, só ficamos mais fracos, menos capazes de levar tudo a ferro e a fogo, sem forças para aguentar o tranco de um revés. É a debilidade que nos faz pensar mais antes de encararmos uma briga, é a desvantagem física que nos torna mais cautelosos e contemplativos. A velhice nos torna mais medrosos, não mais sábios.
Não sei se alguém realmente acredita nessa balela de "melhor idade", "feliz idade" e o escambau. O que é clara e nítida, para mim, é a existência de um grande segmento de mercado de olho na aposentadoria dos velhinhos. Um comércio de ilusões de eterna juventude. Vitaminas, poliminerais, suplementos alimentares, reposições hormonais, viagra, ginástica, bailes da velha guarda (os famosos "desmanches"), excursões para Caldas Novas. Daí essa puxação de saco para cima dos velhinhos, esse samba-exaltação de suas artroses, diabetes, hipertensões, cataratas, osteosporoses e safenas. A ideia é manter os velhinhos ativos, ao menos economicamente, engambelá-los para que consumam feito adolescentes, feito idiotas deslumbrados.
Abaixo, reproduzo a crônica de Xênia, deixando expressa aqui a minha vontade de lê-la em textos maiores, em publicações mais voltadas para quem gosta de ler.

Não chorei pela morte de José Wilker
Não chorei a morte de José Wilker, nem lastimei. Também não fiquei deprimida, mas sim serena, porque ele teve a morte dos abençoados: morreu dormindo. Que prêmio! Claro, por merecimento.
Agora minha cara leitora vai ficar chocada com o que vou escrever, mas hipocrisia não combina comigo. Detesto quem elogia velhice, tecendo mentiras em torno de uma tragédia.
A velhice é o maior castigo que cai sobre a humanidade. É a hora de pagar todos os nossos pecados. É preciso ser calhorda para chamar a velhice de “melhor idade”. Perdemos a fisionomia. Me olho no espelho e penso: “Quem é essa velha que me encara?”
São poucos os que escapam de diabetes, infarto, das terríveis dores reumáticas, da pressão alta, do Alzheimer. E quando a gente começa a sentir que precisa depender dos outros? Esse é meu maior pavor! O horror quando vou ao médico e a enfermeira começa a me chamar com voz mansinha de queridinha, bonitinha – tudo no diminutivo –, já vou dizendo: “Sou velha, mas não sou retardada”. E todos os olhares de impaciência quando você demora a abrir uma bolsa, por exemplo. Ser velho passou a ser motivo de xingamento.
Por tudo isso, não choro mais quando um companheiro vai embora, volta pra casa. Um homem brilhante como José Wilker, ator deslumbrante, culto e sensível, se alguém lhe perguntasse se queria viver mesmo que doente, tenho certeza de que ele escolheria a morte. Voltou para casa, numa viagem em que fechou os olhos e acordou na casa do Pai. Ele merecia!

domingo, 27 de abril de 2014

O Trem Bala da Dilma

Em junho de 2009, a então Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, reafirmou que o governo não pretendia gastar recursos em estádios de futebol para a Copa de 2014, que o foco dos investimentos públicos contemplaria melhorias em mobilidade urbana nas cidades escolhidas para sediar o evento.
Entre os projetos de mobilidade prometidos, um trem bala ligando Campinas à cidade do Rio de Janeiro : “Nosso projeto é que esteja integralmente pronto em 2014 ou pelo menos o trecho entre Rio e São Paulo. (...) Pretendemos ter os trens em funcionamento em 2014, para a Copa até porque esta é uma região muito importante em termos de movimentacao na Copa.”, afirmou Dilma. 
O trem bala faria paradas nos aeroportos de Viracopos (Campinas), Guarulhos (SP) e Galeão (RJ), além das estações no Campo de Marte, em São Paulo, em São José dos Campos (SP) e em Volta Redonda (RJ). Haveria ainda estações alternativas em Jundiaí (SP) e Aparecida (SP). 
Pois bem, a construção dos estádios pode estar atrasada, teme-se o risco de manifestações durante a Copa que possam prejudicar o bom andamento do evento e manchar a imagem do Brasil no exterior (mais ainda?) etc etc.
Mas, pelo menos, a promessa de Dilma acerca do trem bala foi integralmente cumprida. Dilma conseguiu concretizar o sonho que Levi Fidelix (PRTB), eterno candidato à prefeitura de São Paulo, acalenta há décadas, a construção do aerotrem, eurotrem, o famoso trem bala, de tecnologia Maglev (Magnetic levitation transport).
Aliás, acho que Levi Fidelix deveria até pedir, junto ao governo federal, uma indenização por plágio, por apropriação indébita de sua ideia, uma espécie de seguro desemprego por Dilma, ao inaugurar o trem bala, tê-lo privado de sua plataforma de governo para as próximas eleições.
Abaixo, um flagrante da inauguração do trem bala da Dilma.
Pode não ser um Maglev japonês ou alemão, mas que é o eterno trem da alegria de nossos políticos corruptos, isso é!!!

sábado, 26 de abril de 2014

O Azarão - Markus Zusak

Dia desses, minha esposa precisou viajar a trabalho, ausentou-se por dois dias e, lembrança da viagem, presenteou-me com um livro : O Azarão, de Markus Zusak, autor do mundialmente famoso A Menina Que Roubava Livros.
Da orelha do livro : o livro surgiu como um "projeto paralelo" de Zusak, em um momento em que ele estava "encontrando dificuldades com outras histórias".
O cara devia tá empacado no meio de alguma história, prazos estourados com seu editor e resolveu escrever uma narrativa mais curta, um texto mais leve e despretensioso, fazer um extra, um "bico" para pagar as contas e nasceu "O Azarão", o primeiro trabalho juvenil do autor. Ou, o que se convencionou chamar, hoje em dia, de livros para o público juvenil.
Na minha época de jovem, líamos Julio Verne, Agatha Chrstie, Sir Conan Doyle, H.G. Wells. A atual literatura juvenil é, em grande parte, composta por relatos de autores de meia idade acerca das próprias adolescências, ou seja, das desventuras de garotos de 15, 16 anos, tímidos e ineptos em suas tentativas de conquistas amorosas, indecisos sobre seus futuros, cheios de espinhas na cara, punheteiros de mão cheia (todo punheteiro é de mão cheia).
Não sei se hoje eu fosse jovem, interessaria-me por esse tipo de história, por narrativas sobre adolescentes desajeitados e fracassados, como eu e os outros 90% da população quando nessa faixa etária. 
Eu até poderia, claro, me identificar com esse tipo de personagem e  coisa e tal, mas daí a ler o livro, não sei, não. Sempre vi e me servi da literatura como um modo de travar contato com novas informações, novos mundos, com realidades bem diferentes da minha. Se bem que entre relatos de punheteiros e sagas sobre vampiros "sensíveis" e viadinhos, não tenham dúvidas, eu ficaria com a primeira opção.
Contudo, o livro é bom. Narra, sim, os fracassos do jovem Cameron Wolfe, mas não é choroso nem lamurioso, tampouco piegas ou cheio de autocomiseração. E o principal, lógico, independente da qualidade do livro, foram a lembrança e o carinho de minha esposa em comprá-lo para mim, um livro cujo título é a mesma alcunha que me acompanha há 25 anos, o Azarão. Apelido do qual, acredito, ela nunca tenha gostado muito. Que esposa gostaria?
Com o passar do tempo, porém, parece-me que ela viu e compreendeu o tom de brincadeira e grande amizade que há por trás do apelido, dado por meu amigo Fernandão. Ter me presenteado com O Azarão, acho que foi uma maneira, não verbalizada, dela dizer que aceitou meu alter ego, que sabe que Clark Kent e Super-Homem são duas pessoas diferentes, mas perfeitamente possíveis de habitar o mesmo corpo. Se bem que eu acho que o Azarão não é o meu Super-Homem nem meu Clark Kent, é a minha kriptonita.
Para terminar esse blá-blá-blá, reproduzo um trecho do livro de que gostei muito, um sonho narrado pelo protagonista Cameron Wolfe.

"É uma multidão imensa, umas oito fileiras, por isso, é muito difícil abrir caminho.
Me ajoelho.
Rastejo.
Procuro brechas e, então, passo por elas, até finalmente estar lá. Estou diante da multidão, que forma um círculo gigante e espesso.
— Vai! — berra o cara perto de mim! — Vai pra cima! Parado, olho para a multidão. Não assisto à luta. Não ainda.
Tem todos os tipos de pessoas no meio da multidão. Magrelas. Gordas. Negras. Brancas. Amarelas. Todas acompanham e gritam para o centro do ringue.
O cara perto de mim está sempre gritando no meu ouvido, perfurando meu crânio, indo direto para o cérebro. Sinto a voz dele nos meus pulmões. Ele grita muito alto mesmo. Nada consegue detê-lo, nem os caras atrás dele, xingando para fazê-lo calar a boca. Não adianta.
Tento pará-lo, fazendo uma pergunta, um grito acima do restante da multidão.
— Pra quem você está torcendo? — pergunto.
Ele para de fazer barulho. Na mesma hora.
Olha.
Para a luta. Então, para mim.
Passam-se mais uns segundos, e ele diz: — Estou torcendo pelo azarão.
E é aí que dou uma olhada na luta, pela primeira vez.
— Ei! Tem alguma coisa esquisita.
— Ei! — chamo o cara de novo, porque só tem um lutador naquele círculo imenso, barulhento e agitado. Um garoto. Ele está socando com força e se movendo, bloqueando e agitando os braços para coisa nenhuma.
— Ei, por que só tem um garoto lutando ? -pergunto de novo para o cara perto de mim.
Dessa vez, ele não olha para mim, não. Continua concentrado no garoto dentro do círculo, que luta de modo tão intenso e ninguém consegue desviar os olhos dele.
O cara fala comigo.
Uma resposta.
Diz: — Ele está lutando contra o mundo.
E, agora, observo o azarão no meio do círculo lutar, pôr-se de pé, cair e voltar a se apoiar nos quadris e nos pés, e lutar de novo. Ele continua na luta, por mais que caia. Levanta. Algumas pessoas comemoram. Outras riem agora e xingam.
Não consigo me segurar. Observo.
Meus olhos ficam inchados e ardem.
— Ele pode vencer? Pergunto e, agora, também não consigo desviar os olhos do garoto no círculo."

Respondo ao angustiado jovem : Não, caro Cameron, ele não pode vencer. Nunca.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mimetismos (8)

Natureza Humana

A cabeça não quer dormir.
Quer se fazer traduzir pelo corpo,
Quer se fazer parir pela mão,
Sabe que se dormir,
Ao acordar,
A ideia estará morta.
Terá migrado para outros ninhos :
Ideias são voláteis e promíscuas,
Não lhe dão uma segunda chance de pensá-las.

O corpo quer desmaiar,
Desligar
- Cinquenta anos de músculos lassos,
Articulações rangentes e ranzinzas,
Ossos de talco.
Sabe que se não ignorar a cabeça,
Se não prestar vassalagem 
Ao cansaço e a Morpheus,
Ao não dormir,
Acordará morto.

Mente que morre se dormir
Versus
Corpo que fali se monta vigília.

Vence o corpo,
O vetor,
O receptáculo,
O que dói e adoece,
O que sua,
O que caga,
A natureza humana.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Vou-me Embora Pro Uruguai (Ou : Pasárgada é Logo Ali)

Sempre tive uma simpatia geográfica pelo Uruguai. Explico : nas aulas de geografia física da América do Sul, eu ficava olhando o Uruguai lá embaixo, colado, suturado ao Rio Grande do Sul, parecia-me um outro estado do Brasil. Mas ainda que geminado ao Brasil, a sua identidade não poderia nos ser mais diferente. Sorte deles. Eu tinha, ainda, uma simpatia gramatical pelo Uruguai, uma das poucas palavras de nosso idioma em que ocorre um encontro vocálico triplo, o tritongo. Tritongo... bonito pra caralho, né?
Essa simpatia infantil pelo Uruguai, praticamente instintiva, vem cada vez mais se confirmando e se afirmando frente às recentes conquistas e melhorias ocorridas naquele país.
O Uruguai, hoje, é considerado o país mais democrático da América do Sul - e nós, aqui, nessa ditadura braba do PT, que está conseguindo instalar, por via da lei, a ditadura do proletariado, com a qual sonha desde a década de 1960.
Em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Uruguai ocupa a 51ª posição entre 187 países, é o terceiro da América do Sul (perde para Chile e Argentina);  o Brasil é o 85º do mundo e o 7º colocado na América do Sul.
Quando o assunto é educação, nível de escolaridade, aí é que a coisa desanda pra valer, aí é que qualquer paralelo entorta, enviesa de vez. No ranking da educação elaborado pelo PISA e pela Unesco, que analisou 127 países no ano de 2012, o Uruguai ocupa a 36ª posição geral, ou a primeira entre os países sul-americanos, seguido pela Argentina, na 38ª, e pelo Chile, na 49ª posição geral. No mesmo ranking, o Brasil ocupa a nada honrosa 88ª colocação, o penúltimo da América do Sul, só "ganhamos" do Suriname.
Esses dados sobre o Uruguai são de nos fazer inveja, ou melhor, são de nos fazer passar vergonha, mas não são novidade, eu já tinha ciência deles há algum tempo.
Agora, chega até a mim um novo dado sobre o Uruguai, para aumentar ainda mais a minha inveja, aquela inveja boa, a inveja que nos faz querer ser igual, não a má inveja, aquela que deseja a ruína do outro. 
O instituto chileno de pesquisas Latinobarómetro detectou que o Uruguai lidera o avanço da secularização na América Latina. Secularização é o processo de distanciamento de uma sociedade das suas religiões, as quais perdem, gradativamente, as suas influências sobre as variadas esferas da vida social. As igrejas perdem seu prestígio junto à sociedade, o que acarreta na diminuição de seus membros e de suas práticas, na diminuição da sua riqueza, e, por fim, na desvalorização das crenças e nos valores a elas associados. Ou seja, a secularização é quando uma sociedade atinge a sua maturidade e põe para escanteio deuses inexistentes, padres, pastores e outros que tais.
Entre 1995 e 2013, o secularismo acelerou o seu ritmo no Uruguai. O número de ateus, agnósticos e sem religião subiu de 18% da população, em 1996, para 38%, em 2013. No mesmo período, a população de católicos caiu de 60% para 41%.
Que beleza, esse Uruguai, 38% de não religiosos!!! No Brasil, mal chegamos aos modestos e tímidos 7 pontos percentuais.
Como eu disse, um dado novo para mim, a exponencial secularização do Uruguai. Novo, porém, não surpreendente. Consequência das mais previsíveis, das mais lógicas, inclusive, a secularização do Uruguai.
A fé e as religiões montam bons e sólidos acampamentos nas clareiras abertas pela ignorância, pela imaturidade de querer sempre um "pai" a lhe conduzir pela mão, pela inação frente ao mundo real, muitas vezes causada pela falta de elementos a partir dos quais pensar sobre e lidar com a realidade e, lógico, por uma boa parcela de preguiça - é mais fácil se ajoelhar e rezar por um milagre do que trabalhar e estudar duro.
Pois uma boa educação guarnece a pessoa dos elementos básicos - formativos e informativos - que a tornam capaz de ponderar sobre o mundo ao seu redor, interagir e reagir a ele. De posse dos rudimentos das principais áreas do conhecimento, o sujeito, aos poucos, desvencilha-se da concepção fantástica do universo e de sua própria existência, verifica a estupidez do pensamento mágico, segundo o qual tudo acontece, ou deixa de acontecer, por obra, vontade e permisssão de um ser supremo. E, ao constatar a estupidez de tal (falta de) visão, abandona-a, rejeita-a.
Não por coincidência, o Chile, terceiro lugar em IDH e segundo em educação da América do Sul, é o vice-campeão da secularização. Cultura e conhecimento aniquilam as religiões.
Não é à toa que, ao bom e fiel cristão, um único livro é recomendado, a nefasta Bíblia Sagrada. Pois qualquer outro que ele se pusesse a ler, com um pouco de atenção, faria com que visse a Bíblia como o que realmente ela é : um simples livro, uma obra literária conjunta, uma coletânea de contos e autores. Nada além.
Não é à toa que os religiosos vivem tentando se infiltrar, lobos em pele de cordeiros (de deus), nas escolas; vivem tentando inserir o ensino religioso no currículo das escolas públicas. O que tem de cristão mal-intencionado, sobretudo evangélicos que ocupam cargos legislativos, querendo aprovar leis que obriguem a entrada de deus nas escolas, não tá escrito em gibi nenhum. Não tá escrito nem na Bíblia.
Acreditem, se ainda pudessem, os cristãos continuariam a queimar livros em suas fogueiras santas e, de preferência, junto com quem os escreveu. Para muito padre e pastor evangélico por aí, deve ser difícil conter os ímpetos pirotécnicos ao passar defronte uma livraria, ou pior, provação das provações, em frente à  biblioteca de uma Universidade, aí é só por deus.
A relação é clara e direta : forneça a uma nação as condições mínimas e básicas de trabalho, segurança, saúde e educação e ela se fará crescer por si, porá as mãos à obra, não ficará mais à espera de um milagre. Mandará a religião às picas, ou seja, para o seu devido lugar.
Exagero meu? Pegação no pé das religiões?
Vejamos outros exemplos. Tomemos os campeões planetários da qualidade de vida, os hors concours do IDH, a Noruega e a Suécia. 
Noruega : 1º em IDH, 3º em educação, 72% de ateus e agnósticos; Suécia : 7º em IDH e 9º em educação, 85% de ateus e agnósticos. Pããããta que o pariu!!! 85% da população formados por seres pensantes... a Suécia é o éden, é o paraíso na Terra.
Por isso, em minha opinião, não apenas os índices positivos de desenvolvimento - renda per capita, nível de escolaridade, expectativa de vida - deveriam ser usados para a classificação das nações. Os índices positivos são o óbvio, são o que fazem o país funcionar. Deveriam ser estabelecidos e considerados também os índices negativos ao desenvolvimento, os que fazem emperrar a máquina. Entre esses, deveria constar, com toda certeza, a religiosidade de um povo : acima de uma certa porcentagem da população que se declarasse religiosa, pontos do IDH desse país deveriam ser subtraídos. Muitos pontos.
A religião não é resposta para nada. É a ausência das perguntas.
Se o ser humano, um dia, quiser realmente honrar e fazer valer a autoatribuída designação Homo Sapiens, extirpar o cancro das religiões de suas sociedades terá que figurar entre suas primeiras providências.
Alguns povos já se aperceberam disso. Outros... se aprazem, satisfazem-se, regozijam-se em sediar copas do mundo de futebol.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Pasquímico (Prefácio)

O ano : 1992. O local : USP – Ribeirão Preto, Departamento de Química. O contexto : vitória da nova chapa à direção do CENEQUI (Centro de Estudos em Química), depois de uma longa hegemonia da gestão anterior, uma hegemonia quase que Castrina.
Vitória de uma uma nova chapa da qual, sabe-se lá por quê, essa criatura abominável que vos fala era um dos componentes. Não me lembro ao certo, eu devia ser um sub-vice-alguma-coisa.
A alegria dos membros da chapa vitoriosa foi compartilhada com seus eleitores em uma estrondosa e nababesca festa, realizada na república de meu grande amigo Fernandão, e que ficou conhecida para todo o sempre, que penetrou para os anais da história como a Festa da Chap’eleita. Numa nada sutil referência à chapeleta, a famosa cabeça do caralho.
Amainadas as euforias da vitória e da festa, o presidente do Cenequi me procurou e propôs que eu confeccionasse um jornal, um informativo do Cenequi, cujo primeiro número trataria da eleição e da festa de comemoração. Perguntou se eu gostaria de ficar à frente do jornal.
Pããããta que o pariu!!! Era convidar o vampiro a entrar em sua casa, era perguntar à raposa se queria ser a zeladora do galinheiro. Sempre fui de escrever. Muito antes de me dar conta que gostava de escrever, eu já escrevia continuamente e em quantidade.
O início de minha produção "literária" foram as cartas, na boa época do envelope, do selo, do esperar 2 ou 3 dias para que o que "dissemos" chegasse ao amigo. De meados da década de 1980 a quase fins da década de 1990, enviei (e recebi) cerca de 500 cartas, sendo que o grosso dessa obra se divide entre as remetidas para o meu primo Leitinho (perto de 100 missivas) e para meu amigo Margá (coisa de umas 250), guardo-as até hoje. E não eram cartas breves, de forma alguma. Eram cartas de duas, três, muitas vezes de quatro páginas de caderno. E tudo de sacanagem, de tiração de sarro.
Sempre tive esse viés irônico : para mim, o que não pode ser ironizado, não me interessa. Para mim, o que não pode ser ironizado, não é sério. Em parte, nasci com esse pendor para o sarcasmo - sim, nascemos com certas pré-determinações -, e para completar a desgraça, minhas primeiras leituras foram os livros da série O Sítio do Pica-pau Amarelo, a chamada obra infantil do clássico e insuperável Monteiro Lobato. Infantil em termos. Adultíssima, isso sim. Através do Sítio, sobretudo via a figura da boneca Emília, um avatar de Lobato, tenho certeza, Lobato dizia coisas que não podiam ser ditas em sua obra "séria". Leiam A Chave do Tamanho e verão um pouco do que digo. Querem maior primor de mordacidade que Emília, a boneca de olhos de retrós e estofo de macelinha? Emília não poupava ninguém, Dona Benta, tia Nastácia, Pedrinho, Narizinho, o Visconde de Sabugosa, seu sparring favorito. A boneca sempre ia no feridão.
Para dar o toque final à mistura, em fins da década de 70, tive contato com a revista MAD, que estava em seu auge criativo. Aquele humor judeu americano, sutil, refinado, sardônico. Eram épocas, ainda, do programa de TV "Os Trapalhões". Didi Mocó, Dedé, Mussum e Zacarias, em todos os domingos, destilavam suas irreverências e nos divertiam com seu humor mais do que politicamente incorreto, que é o único humor engraçado. Nada escapava deles. 
Daí para frente, a ruína estava instalada, irreversivelmente.
Por isso, à pergunta do presidente do Cenequi, se eu queria ser o editor do jornal (ainda sem nome, incumbência que também caberia a mim), num brado retumbante, respondi que sim.
Não sei o que ele pensou que seria o jornal. Talvez um mero informativo do resultado do pleito e, quanto à festa, uma série de pequenas notas simpáticas sobre o evento, tipo coluna social, Joyce Pascowitch. Mas ele contratara o Azarão, e era o Azarão que ele iria ter. E foi o que ele teve.
O nome do jornal me veio quase que de imediato, num lampejo de genialidade : O Pasquímico, em clara alusão e homenagem ao mítico O Pasquim. Agora é que eu não poderia mesmo editar um mero jornal de variedades todo comportado e educado; mais do que nunca, eu teria que honrar meu ancestral.
Bom que se diga que todos os casos relatados foram reais, aconteceram realmente durante a Festa da Chap'eleita, e também que, com uma única exceção, todas as pessoas citadas leram o material antes dele ser publicado. Nenhuma se opôs, acharam até muito engraçado etc.
E o número zero de O Pasquímico saiu! Mimeografado. Datilografado em stencil roxo numa velha Olivetti portátil de tipos gastos e fita puída que jazia abandonada na sede do Cenequi. Guardo o stencil até hoje, a matriz de O Pasquímico, assim como algumas cópias remanescentes.
Saiu o nº zero de O Pasquímico. Não houve o nº 1, o nº 2... Acontece que minha modesta gazeta, minha marrom subliteratura, teve um alcance maior que o pretendido. O Pasquímico era para ter sido um jornal "caseiro", destinado apenas aos poucos alunos de graduação da Química.
O Pasquímico acabou por cair nas mãos dos da Biologia e dos da Psicologia - cursos com os quais coabitávamos a mesma unidade no campus, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP), ou seja, meu pobre jornal chegou a pessoas que nada entendiam ou sabiam da dinâmica das relações dos químicos, caiu em mãos alienígenas.
E em piores mãos, O Pasquímico não poderia ter pousado : os da Biologia - os que estudam a "vida" -, os da Psicologia - os que estudam a "alma". Dá pra haver gente mais presunçosa, mais cheia de si, dona da verdade e cagadora de regras que essa? Mais do que pretensamente estudar a vida e a alma, esses canalhas julgam-se donos delas, autoapropriam-se como se invenções suas fossem, como se suas patentes, suas marcas registradas. Delas, só os seus pronunciamentos e opiniões são dignos de apreciação.
Acredito que, à época, a expressão "politicamente correto" ainda não houvesse sido cunhada, mas esse pessoal já era seus xerifes, seus patrulheiros, a canalha patrulha do pensamento.
O Pasquímico foi execrado pelos imbecis, houve um repúdio público a ele. Uma cópia do jornal foi parcialmente incinerada - sim, a intelligentsia Uspiana tacou fogo em O Pasquímico. Deixaram restar só o canto superior esquerdo do  jornal, e esse resto mortuário de bordas crestadas foi afixado com tachinhas no mural do C.V. - o Centro de Vivência da Filô, a saber, um local com mesas de sinuca e de pingue-pongue, cercado por frondosas árvores em cujas sombras os inteligentinhos da vida e da alma se reuniam para fumar maconha e revolucionar o mundo com seus pensamentos. Tô para ver quem consuma mais maconha que os da Bio e os da Psico.
Um parênteses : curiosamente, o ano de 1992 foi o ano do impeachment do presidente Fernando Collor. Os "estudantes" pintaram suas caras de verde e amarelo e foram às ruas pedindo por seu impedimento, lutando pela manutenção de nossa bela democracia etc etc. Esses idiotas, que pensam mesmo ter tido alguma influência na queda de Fernando Collor, ficaram conhecidos como a geração dos caras-pintadas. Pois foram os mesmos caras-pintadas, defensores da democracia, que queimaram O Pasquímico. As duas vítimas dos tobas-pintados : o presidente Fernando Collor e O Pasquímico. Mais que canalhas, os cus-pintados, manipulados pela Rede Globo via minissérie Anos Rebeldes (ou Dourados, sei lá) : hipócritas. Fim do parênteses.
Pois O Pasquímico foi queimado e crucificado pelos defensores das baleias e pelos mamadores do charutão do Freud. Jamais supus tamanho elogio! A minha melhor crítica literária, sem dúvida. Senti-me envaidecido. O próprio herege na fogueira da inquisição. O Pasquímico entrara para o Index Librorum Prohibitorum do suprassumo da inteligência da USP. 
Passei a desfilar pelo CV, por entre meus detratores, de peito inflado feito um baiacu, em postura altiva, olhando-os de cima para baixo. Eles desviavam seus olhares. Lembro da cara de muitos deles até hoje : cabelos compridos, barbichinhas mal aparadas, óculos escuros do tipo John Lennon, bermudas jeans desfiadas, chinelões de dedo... enfim, a triste figura do bicho grilo. Ou, talvez, da bicha grilo. Porque só pode ser isso, só pode ser enrustimento. Só uma carência anal muito grande pode levar o sujeito a ficar "cuidando" do planeta, ou achar que pode "consertar" a cabeça de outrem, ou queimar jornais.
Com a repercussão negativa, as mesmas pessoas que haviam concordado com a publicação de suas histórias, deram para trás, falaram que de nada souberam antecipadamente. De uma hora para outra, todos queriam a cabeça do Azarão. E não era a da chapeleta.
A indignação acadêmica chegou às altas esferas administrativas do Departamento de Química. Um professor, muito do corno e oportunista, chegou a pedir para o chefe do departamento que, frente a tal grave delito, desapropriasse a sede do Cenequi, que fôssemos expulsos de nossas instalações. O que o escroto chifrudo queria era incorporar a sede do Cenequi aos seus laboratórios, para fazer suas pesquisas fajutas, pesquisas para inglês ver, que jamais são dadas à luz de alguma utilização prática, punhetas científicas.
Chegara a hora da verdade. O chefe do departamento, disseram-me, tinha lido um exemplar de O Pasquímico e pronunciado seu veredicto. Contaram-me que ele fora curto, grosso e irrefutável, como são os pronunciamentos dos gênios. Especialista em terras raras, e também ele uma raríssima figura, disse : Eu achei engraçado.
O manda-chuva da Química gostara de O Pasquímico, dera boas risadas com ele. Eu estava a salvo
Salvo engano, ele era formado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), graduou-se na década de 70, anos de grande efervescência cultural no Rio de Janeiro, a época do famoso desbunde. Lembro de ter visto, certa vez, na sala dele, um cartaz do lendário grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, do espetáculo Trate-me Leão. Do Asdrúbal, entre outros, surgiram Evandro Mesquita, líder da pioneira e inigualável Banda Blitz, e o humorista Luís Fernando Guimarães. O chefão sabia apreciar um bom material, quando via um.
Eu estava a salvo. Não escreveria mais O Pasquímico. Pedi demissão do meu cargo no Cenequi, que enfiassem o diretório acadêmico no cu. Na hora do aperto, não teve um filho da puta do Cenequi que ficou do meu lado.
Agora, reproduzirei O Pasquímico aqui no Marreta. Verão que não tem nada de mais, verão que foi tempestade em tampinha de garrafa, que são textos leves e curtos, despretensiosos, pueris até, feitos a toque de caixa, sem tempo para revisão ou qualquer requinte de redação. Esse prefácio, inclusive, é muito maior que o jornal inteiro. Tentarei reproduzi-lo letra a letra, vírgula a vírgula, mantendo, inclusive, os possíveis (e prováveis) erros de concordância. Uma única alteração será feita : omitirei os nomes dos envolvidos nas histórias, substituirei-os por suas iniciais. Éramos jovens à época; hoje, somos todos de meia idade, com filhos, esposas e esposos, amantes, profissões.
Reproduzirei O Pasquímico por dois motivos principais. Um que ele foi o embrião do A Marreta do Azarão, e outro que, neste ano, comemoro meus 25 anos de amizade com meu grande amigo Fernandão, as nossas bodas de prata. Em homenagem a esse tão duradouro relacionamento, republico O Pasquímico
Do Fernandão, em retribuição, espero pelo anel.
Abaixo, O Pasquímico.

O Pasquímico (O Pleito)

I) APRESENTAÇÃO
Salve, salve, senhoras e senhores e rapaziada em geral. Estamos publicando esse número experimental de "O Pasquímico" esperando que gostem e que de alguma forma seja de alguma utilidade para vocês (nem que for para rascunho, para papel higiênico, para pôr no chão e sentar em cima ou tudo mais aquilo que sua imaginação possa conceber).
Aproveitamos a ocasião para agradecer a todos que compareceram com seus votos à eleição realizada em 30?03/92. Com um total de 95 votos, foi a contagem mais expressiva já obtida em uma eleição para o Cenequi.
Essa se deu, em grande parte, ao deslocamento da urna, por meio período, para o C.V. da Filosofia. Fato que facilitou a votação dos alunos que não tinham aulas no Departamento de Química nessa data, o que, aliás, era a grande maioria. Esse deslocamento da urna, que até anos anteriores ficava exclusivamente no Departamento de Química, encontrou barreiras por parte da antiga diretoria do Cenequi, ou o que sobrou dela (R., E., e V.). Eles não queriam simplesmente porque não queriam. Não apresentaram nenhum motivo plausível para essa recusa inicial. Somente não queriam facilitar o voto dos alunos. Lamentável.
No final, acabaram cedendo, não ao bom senso, pois é de se duvidar que tenham algum, mas sim às pressões por parte da atual diretoria. E a votação, quase que maciça, fortaleceu ainda mais nossa vitória. Provando que aluno da Química vota, sim. Basta ele saber que está ocorrendo a eleição e o porquê dele estar votando.
Agora, a gente espera que se divirtam com as matérias selecionadas para esse nº zero de "O Pasquímico" e aproveitando para dizer que só receberão os próximos exemplares quem estiver filiado ao Cenequi. As filiações irá começar já (ou ainda) nessa semana e o valor da mensalidade será de Cr$ 5.000,00.
Pode deixar que a gente acha vocês e agora, é só virar a página.

O Pasquímico (A Festa da Chap'eleita)

II) FESTAS E DESAFETOS
(O que você faz à noite Depois do fim da festa Quando nada mais lhe resta Ninguém mais presta atenção? Que que você faz Depois do fim da festa a febre se manifesta E o corpo implora proteção? Barão Vermelho)

Festa é confraternização, festa é alegria, festa é ôba-ôba, festa é falar mal da vida de quem não foi na festa, mas, principalmente, festa é vexame, festa é sacanagem : festa é baixaria.
E essa primeira festa realizada pelo Cenequi, em 03/04, na república do Fernandão, não foi diferente. Ainda bem.
Aqui vão alguns fatos que contribuíram para baixar o nível da festa. Alguns são quase que impublicáveis, mas que a gente aqui do Cenequi, apesar de ter o rabo preso (afinal, ninguém aqui da diretoria fica soltando o rabo por aí), publica assim mesmo. Aí vão :
 1) A DOCENTE INDECENTE
As estatísticas mostram : em toda festa sempre tem alguém cantando o(a) namorado(a) do(a) outro(a). Isso geralmente é feito de modo discreto, para não causar nenhum tipo de embaraço que, fatalmente, acabaria por estragar a festa de todo mundo.
Para não contrariar as estatísticas, alguém que entende muito da matéria, começou a dar em cima do namorado da outra. Só que de uma maneira totalmente despudorada, na maior cara-de-pau, coisa de vagabunda, mesmo. O clima já tava mais pesado do que uma foda do Fausto Silva com a Wilza Carla. Foi quando o alvo das cantadas e dos desejos reprimidos resolveu que era melhor pular fora antes que o barraco viesse abaixo e abandonou o próprio lar, levando junto a sua namorada.
Que coisa feia, nanica. Nunca te ensinaram que um pouco de classe é fundamental?

2) O CALOTE
Outro exemplar muito comum da fauna que habita as festas, é o caloteiro. É aquele cara malandro, cheio de chinfra, que chega como quem não quer nada e vai ficando, ficando, e ainda bebe e come mais que todos os outros que pagaram.
A honra de tal título coube, dessa vez, ao "garoto esperto" E.W., que sabia que tava todo mundo pagando e ao chegar à festa não se fez de rogado : bebeu e comeu até o cu assoviar. Esse adepto do "estilo Wilson de ser" deve achar bonito ficar comendo e bebendo às custas dos outros. Maior chupim. Sanguessuga mesmo. Olho nele, moçada!

3) ARMOU E SE DEU MAL
O calouro "The Flash", também conhecido como arame liso (cerca, cerca, mas não fura nada) é uma pessoa que merece a maior consideração no que diz respeito ao assunto das cantadas. Exímio sedutor, é um cara que realmente leva a sério essa tão nobre arte, trabalha duro nisso, pega pesado mesmo. 
Só que dessa vez (como também nas outras, mas isso é só um detalhe) não pegou nada e, já quase no fim da festa, depois de ter ficado perdidamente apaixonado pela H. S. durante exatamente 12 minutos e de ter disparado sua metralhadora giratória contra deus e todo mundo, quase teve uma recaída por  uma antiga e graaaaande paixão sua.

4) ARMOU E SE DEU BEM
J.(zinho), o sex simbol de Jardinópolis, tentou pra caralho e não conseguiu nada com a loirinha de óculos.
Não se deixou abater : jogou um papo-cabeça pra cima da moreninha de aparelho nos dentes e levou a melhor.
É isso aí, J.(zinho).

5) O VEXAME
Toda festa que se preze tem que ter ao menos um bêbado dando vexame. Encarnou o papel com perfeição, dessa vez, a H.S., que quando bebe fica um saco (trocadilho infame, porém inevitável). Ficou totalmente travada  e começou a se jogar pra cima do J.T. Não que ela não faça isso normalmente, mas pelo menos agora tinha uma desculpa pra tamanho mau gosto.
Tantas ela fez que acabou por convencer o ingênuo rapaz de que estava realmente ruim, bebaça, precisando ir pra casa, e de que necessitava (entre outras coisas) de alguém para ajudá-la a tomar um banho, garantindo ao J.T. que, dessa forma, ficaria ainda mais molhadinha por ele.
Ao que o recatado rapaz concordou, ela já começou a imaginar mil loucuras debaixo de uma ducha quente. Ao chegar em casa, viu suas esperanças começarem a ir por água abaixo : para sua surpresa, sua amiga L., vendo o estado da amiga, também quis ajudar no banho. A princípio, ela pensou em reclamar, mas depois deixou pra lá, afinal, em se tratando de sexo, vale tudo (menos trepar com a esposa ou com o marido, porque aí também não tem nada a ver). Mas qual não foi sua surpresa e frustração ao notar que lhe deram banho com roupa, não tirando nem mesmo suas meias.
O chuveiro foi desligado, mas mesmo assim J.T. continuou a sentir água quente escorrendo pelas suas pernas. Qual não foi seu espanto ao perceber que a H.S. (agora também conhecida com H. Sete Quedas, H. Cachoeira etc) estava lhe dando uma tremenda mijada.
Interrogada sobre o assunto, respondeu : "Fiz e não me arrependo, pois onde já se viu ele não ter ser aproveitado de mim?"
Vai estar a perigo assim na puta que o pariu! Que fubá, hein, nêga?

6) CALOUROS
Vale ainda ressaltar e agradecer a presença de vários calouros, sem os quais a festa não teria sido, pelo menos em número de pessoas, a metade do que foi. A gente espera que vocês continuem assim.

 FIM

Por hoje, é só, pessoal! Pretendemos para o próximo número abri uma seção de classificados e recados. Portanto, quem tiver alguma coisa pra vender, algo que queira comprar ou trocar, mandar recados, é só entrar em contato comigo, o Azarão, ou com qualquer outro membro (no bom sentido) da diretoria do Cenequi e entregar seu material.
Aceitamos também qualquer outro tipo de contribuição para o jornal : artigos, receitas químicas, poesias, quadrinhos, ou seja, tudo aquilo que vocês gostariam de ver publicado nas próximas edições de "O Pasquímico".
Prometemos já para o próximo número, uma receita de bronzeador para que todo mundo fique bronzeado, bonito, gostoso e, principalmente, com muito, mas muito mesmo, câncer de pele. Até o próximo!

AGRADECIMENTO
Cabe ainda aqui um agradecimento ao Fernandão, que tentou fazer essa edição no computador, mas apesar do esforço chegou a um placar final de 10 a 0 para o computador. O Fernandão ainda é novinho, ele aprende.

O Pasquímico (O Convite da Festa)

Ei-lo, o lendário, raro e cobiçado convite da Festa da Chap'eleita. A "arte", nem precisava dizer, ficou por minha conta, a cargo de meu inconfundível traço. A diagramação e o letramento como também o número do convite e a autenticação cenequi 92 são obras do Fernandão.
O meu, como não podia deixar de ser, é o convite de número 13.
Fernandão, essa é para você, meu velho!!!

sábado, 19 de abril de 2014

Tá Caro Até Os Ovos

Deve ser a terceira vez que, na Páscoa, coloco aqui este cartum. E até não aparecer outro melhor, continuarei a colocá-lo. É genial. Insuperável!
E depois da Páscoa postarei um material bombástico. Publicarei um trabalho meu escrito em 1992, um jornal que confeccionei para o diretório acadêmico de uma das faculdades que frequentei. E que deu o maior quiproquó pro meu lado.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Bacalhau é o Cacete!

Hoje é dia de churrascão! Daquela chuleta mal-passada, escorrendo puro ferro e hemoglobina! Bacalhau é o cacete!
De mais a mais, desde quando bacalhau não é carne? E carne da boa. Gosto daqueles bem fiapentos, para cair de boca e sair com os dentes cheios de pentelhos!

Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa (24)

Taiguara foi/é um dos maiores nomes da MPB e, como tal, também um dos mais menosprezados e relegados ao esquecimento. Taiguara é poeta dos grandes, é voz poderosa e das mais versáteis que já se aninhou em nossos vinis, é exímio arranjador e instrumentista. E um ser abissal por natureza.
Fossa é com ele mesmo. Perto de Taiguara, a Fossa das Marianas é rasa poça d'água, dessas que se acumulam em dias de chuva.
Abaixo, a canção Hoje, uma de minhas preferidas. "Sorte, eu não queria a juventude assim perdida, eu não queria andar morrendo pela vida"; "meu quarto escuro é inerte como a morte", "a fossa, a fome, a flor, o fim do mundo...".
O cara é imbatível! Uruguaio de nascimento, filho de um bandeonista e maestro, participou dos antigos e saudosos festivais da TV das décadas de 60 e 70. Teve 68 canções censuradas pelo governo militar, mais que todas as do Chico, Caetano, Gil e outros de nossos "defensores da democracia" somadas.
Morreu aos 51 anos, de falência múltipla dos órgãos ocasionada por um câncer na bexiga.

Hoje
(Taiguara)

Hoje
Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo...

Hoje
Trago no olhar imagens distorcidas
Cores, viagens, mãos desconhecidas
Trazem a lua, a rua às minhas mãos,

Mas hoje,
As minhas mãos enfraquecidas e vazias
Procuram nuas pelas luas, pelas ruas...
Na solidão das noites frias por você.

Hoje
Homens sem medo aportam no futuro
Eu tenho medo acordo e te procuro
Meu quarto escuro é inerte como a morte

Hoje
Homens de aço esperam da ciência
Eu desespero e abraço a tua ausência
Que é o que me resta, vivo em minha sorte

Sorte
Eu não queria a juventude assim perdida
Eu não queria andar morrendo pela vida
Eu não queria amar assim como eu te amei.
É um músico cuja obra compensa, e muito, ser conhecida. Para os iniciantes, recomendo a coletânea da série Bis dois CDs.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Sê-lo Ou Não Sê-lo?

O primeiro selo postal do mundo, o penny black, foi lançado na Inglaterra em 1840. O selo foi a forma encontrada para que o remetente pagasse as tarifas postais e não, como era à época, o destinatário, o que gerava um grande número de devoluções e prejuízos para os correios.
No rastro do pioneirismo inglês, veio o Brasil, em 1843, com o lançamento da série de selos Olho de Boi, nos valores de 30, 60 e 90 réis. Sim, o Brasil foi o segundo país do mundo a cunhar selos postais de circulação nacional. Eram tempos de D. Pedro II, um homem de letras, um iluminista e um de nossos vultos históricos menos valorizados. Quem se lembra de ter estudado algo sobre D. Pedro II na escola, a não ser o fato de que era filho de D. Pedro I?
Os selos retratam as figuras históricas do país, os símbolos nacionais, a fauna, a flora, o folclore, a música, os esportes, as riquezas naturais etc. A prática da filatelia é uma boa maneira da meninada travar contato e desenvolver interesse pela cultura, usos e costumes de seu país e também de outras nações. Eu mesmo, colecionador de selos (mais um ajuntador, na verdade) na adolescência, conheci dezenas de bandeiras e de moedas estrangeiras nessa brincadeira. Ainda guardo três ou quatro albuns cheios.
Por isso, é uma grande alegria ver que o bom e velho selo continua  firme e forte, mesmo em tempos de internet. E que ainda se presta a pioneirismos.
A Finlândia, país com fama de ser um dos mais progressistas do mundo, lançou uma série de selos com temática homoerótica (sic), ou seja, selos em homenagem à viadada, ao reino da bicholândia. Os selos reproduzem 33 trabalhos do artista finlandês Touko Laaksonen, um ícone gay de sua geração
A exemplo da série Olho de Boi, a série finlandesa bem que poderia receber o nome de um outro ruminante, bem que poderia se chamar Olho de Cervo. O terceiro olho do cervo, o olho cego, aquele em que o sol não bate.
E antes que algum ABGLTXYWZalfabetagama resolva levar a sério o que falo e me acuse de preconceito, homofobia etc, saliento que se há alguma estereotipação da figura homossexual masculina, ela parte do autor das ilustrações, e não de mim.
Conheço, trabalho, convivo com homossexuais masculinos e nunca vi nenhum deles carregando o outro nos ombros, ou se vestindo como o pessoal do Village People. Alguém já viu? O policial aí está. Será que também tem selo do caubói, do operário de obras, do índio Sioux, do motoqueiro em roupas de couro, do marinheiro? Macho, macho man (macho man) I've got to be a macho man Macho macho man I've got to be a macho! Ow...
Para as novas gerações, que já nasceram em tristes tempos de correio eletrônico, cabe aqui um esclarecimento de como se usar um selo. 
Primeiro, você escreve uma carta (sim, escrever, e não tome isso como ofensa pessoal; escrever, aquilo que, por mais resistente que você seja em aprender, a escola ainda lhe ensina). 
Segundo, ponha a carta no envelope e se dirija ao posto dos correios mais próximo - sim, você precisa sair de casa para postar sua carta, andar pelas ruas, tomar contato com o mundo; por via das dúvidas, leve seu celular com GPS, de repente, você se esquece do caminho de volta ao seu lar. 
Terceiro, entregue sua missiva (missiva é... bom, deixa pra lá) ao atendente do correio. Ele a pesará e lhe dirá o quanto de selo você terá que comprar para pagar pelo envio da correspondência.
Por último, de posse dos selos do policial e do musculoso acima, você terá que colá-los no envelope; é uma parte fundamental do processo, diria até que é a etapa crucial. Mas não se exaspere, o procedimento para tal é dos mais simples. Você vai pegar o policial e o musculoso, vai virá-los de costas para você e começar a lamber as traseiras deles, ali há uma cola que é ativada pela sua saliva. Você vai lambendo e lambendo as traseiras do policial e do musculoso, até ficarem bem molhadas, viscosas e pegajosas : o seu selo está pronto, é só pressioná-lo por alguns segundos sobre o envelope. Então, o atendente dos correios pegará o policial e o musculoso - molhados, encharcados, grudados, prontinhos, prontinhos - e, sem piedade, lhes dará uma potente e sonora carimbada. Chamuscar-lhes-á sem dó.
Sê-lo ou não sê-lo? Sei não... mas me parece que o policial e o musculoso, há tempos, já perderam seus selos. 
Eis um autêntico selo da série Olho de Cervo