sexta-feira, 31 de julho de 2015

Cada Povo Tem o Visionário que Merece

Do Blog do Beto:
E a porra do povinho acredita. É como diz um grande amigo meu, o Odair : o problema não é o discurso, é o aplauso da plateia.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Casa e Jardim

Em meu caminho a pé para o trabalho, passo por casas cujas fachadas - seus alpendres, varandas, portas e janelas - parecem saídas das capas da revista Casa e Jardim, ou, ao menos, dignas de figurarem nelas.
Coisa bonita mesmo de se ver. Flores de várias espécies, tons e cores, uma paleta de pigmentos vegetais - xantofilas, carotenos, antocianinas etc -, a justa, bem dosada e de bom gosto combinação entre eles, a feliz e arquitetada mescla do amarelo de uma flor com o vermelho da outra, o violeta a dançar um tango com o laranja, e o branco correndo por fora, a fazer fundo e moldura : flores feitas em organizada caixa de lápis de cor.
O apuro e o planejamento dedicados às plantas cabem também aos vasos; igual valor é dado ao conteúdo e ao continente. Vasos de todas as dimensões, formatos e confeccionados nos mais sortidos materiais - barro, cerâmica, porcelana, lata, ferro fundido, xaxim - e até utensílios outros, alienígenas, não projetados originalmente para abrigarem a beleza cativa, para serem gaiolas de flores.
Em uma das casas, a pessoa transformou velhos regadores, velhos bules e chaleiras esmaltados em vasos, e também um esmaltado penico daqueles antigos, adubo é o que não faltará para a felizarda plantinha nele cultivada. Tudo muito bem pintado, restaurado e bem disposto.
Outra, aproveitou - ou reutilizou, como preferem os afrescalhados politicamente corretos - latas de conservas, dessas que vêm com ervilhas, milho, salsicha, pêssegos em calda etc e que são abertas com o bom e velho abridor de latas. As latas foram pintadas em diferentes cores, tiveram suas tampas denteadas mantidas - um toque especial - e violetas passaram a habitá-las. As latas foram amarradas com arame, lado a lado, à grade da grande janela da sala, que dá para a rua, enfileiradas num dégradé do roxo mais intenso ao branco, transitando pelos lilases e pelos rosas, oito latinhas no total.
Outra, ainda, utilizou um estrado de madeira de uma cama de solteiro. Deu-lhe um trato, lixou, envernizou. Colocou-o inclinado, apoiado entre o chão e uma parede de seu alpendre. Construiu um varal de flores - begônias amarelas, gerânios, azaleias e mais uns dois tipos de flores cujos nomes me são desconhecidos.
Na sacada de um apartamento no 2º andar, alguém pegou quatro grossos tubos de PVC, cortou-os longitudinalmente ao meio, passou rústicos barbantes por furos em suas extremidades e os foi dispondo um abaixo do outro, como fossem degraus de uma escada de corda e pendurou o conjunto ao teto. Construiu seu pequeno jardim suspenso - cactos, suculentas e pimenteiras ornamentais.
Passando de manhã em frente a esses íntimos e pessoalíssimos cartões-postais, fico pensando em seus jardineiros, em seu zeladores. Se são tão ciosos de si mesmos quanto o são de seus jardins. Fico pensando se dispensam mesmos esmero e tempo, sei lá, aos seus dentes, às suas unhas encravadas e com micose, às suas caspas e seborreias, aos seus maus hálitos, aos seus corrimentos e a outras enfermidades filhas do desleixo.
Passando pela manhã mal germinada da madrugada, ainda e geralmente de ressaca, em frente a esses paraísos artificiais, a esses édens metódicos e obsessivos, fico pensando nas pessoas por detrás deles : que tipo de loucura as aflige?

Travessuras de Menina Má

terça-feira, 28 de julho de 2015

Dilma Explica o Pronatec

Quando todos pensavam que Dilma Rousseff já havia atingido o seu apogeu de estadista e grande comunicadora, o seu pináculo de oradora e porta-voz dos desejos da nação em seu inesquecível, inspiradíssimo, "coerente" e "muito bem articulado" discurso em louvor à mandioca e a uma bola feita de folhas de bananeira por nativos da Nova Zelândia, ela reaparece em brilho de superior quilate e fulgor.
Desmentindo e dando um tapa com luva de pelica na cara lavada de seus opositores e dos pessimistas de plantão, que julgaram que a seu zênite só poderia sobrevir o seu nadir, ela reaparece em um discurso ainda mais lógico, lúcido, luzente, preciso, coeso e bem formulado que o da mandioca.
Dilma Rousseff mostra que não está acabada, como querem seus detratores. Prova que está no pleno exercício de suas faculdades mentais e de seus poderes e atribuições de chefe de Estado. Mostrando exatamente a que veio, Dilma explica agora o sistema de vagas e metas do Pronatec, O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, com a palavra, a Presidanta : 
"Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta."
Alguém entendeu picas? O que esperar de um político desse no comando de uma nação, de um povo? Melhor (pior) : o que esperar de uma nação, de um povinho que põe, por duas vezes consecutivas, ou por quatro vezes se contarmos as duas anteriores do Lula, um político como esse no comando de suas vidas e de seus empregos?

Em tempo : independente da clara incompetência de Dilma e do PT como governantes, a ideia do Pronatec é boa, muito boa. Não sei se a sua efetivação é feita no mesmo nível de seu conceito, não sei se a prática coaduna com as sempre belas linhas postas no papel, ou se o programa acaba servindo mais a interesses políticos eleitoreiros, a mais um canal para desvios de verba e outras maracutaias, mas a ideia é boa, sim.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Tesão do Mijo

Ereção matinal (parece nome de corn flakes) é uma resposta fisiológica e involuntária do organismo do macho que produz uma inquebrantável e irremovível paudurescência, e é também conhecida como tesão do mijo.
E antes que pensem que tesão do mijo é aquela tara do cara que se excita quando mijam sobre ele, na prática conhecida por "chuva dourada", já adianto que não é o caso, que não é nada disso.
O tesão do mijo é causado concomitantemente por uma diminuição, durante o sono, da produção do neurotransmissor noraepinefrina - que causa a vasoconstrição dos vasos sanguíneos do pênis durante o dia, evitando que o pau fique em riste em momentos inapropriados - e pela pressão exercida pela bexiga cheia em uma região da medula espinal responsável pelo estímulo sexual. Ou seja, pau relaxado e um cutucão no lugar certo, não dá outra : paudurescência na certa.
O tesão do mijo nos livra amiúde do vexame de nos mijarmos durante o sono, é um mecanismo de defesa que impede que nós homens nos molhemos - e à cama e aos lençóis e à nossa companhia de leito - quando nosso merecido repouso se faz mais profundo, ou quando a preguiça de ir ao banheiro na madrugada se faz imperativa.
Não sei que eclusas, barragens, diques ou comportas o pau duro fecha, mas sei - e os homens que me leem, também - que é virtualmente impossível expelir única gota de urina frente a uma poderosa e latejante ereção. Ereção, esta, que nada tem a ver com a libido, com a testosterona e muito menos com a virilidade do sujeito.
Pelo contrário, o tesão do mijo é o nosso lado feminino, a nossa vertente mais poética, fingidora por natureza. O tesão do mijo proporciona, vez em quando, a chance de nos apossarmos da máxima prerrogativa da mulher na cama : a do fingimento, a de gozar da nossa cara e não na nossa cara, como seria de bons tom e alvitre. "Você diz a verdade e a verdade é o seu dom de iludir... como pode querer que a mulher vá viver sem mentir".
Quantas vezes, meu amigo, você já não acordou com o tesão do mijo e, suportando estoicamente o desconforto da bexiga cheia, aproveitou para fazer uma graça à pessoa ao seu lado? Para demonstrar o quão grande era o seu amor por ela? Quantas vezes a catalisadora flecha cupídica de seu matutino ato de afeto não foi o tesão do mijo?
Aí, pela falta do quê, pus-me a pensar no quanto de nossas outras atividades cotidianas não são também impelidas a tesão do mijo, a simulacro.
Acordo cedo e fácil, às 5 da matina, sem o menor vestígio de sono. Mas não pelo prazer de um novo dia de realizações ou pela sensação do dever cumprido ao seu fim - que balela genial, essa inventada pelos patrões e pelos donos do poder, a do dever cumprido -, tampouco pelo bater no peito de matar meu leão diário - até porque gosto muito do bichinho. Acordo fácil porque meu sono - leve, falho e interrompido -, igualmente à vigília, não me é prazeroso. Se à maioria pareço atento e bem disposto é porque o sono também não me apetece. Puro tesão do mijo.
E o exercício de meu ofício, então? Como se manter comprometido, competente e interessado por um trabalho que não é mais do interesse de ninguém? Todo ímpeto, dedicação e competência que eu possa ainda, nos momentos de descuido, demonstrar são puros atos reflexos, é a perna que bem chuta sob a pancada certeira do martelo do médico no joelho. Tesão do mijo.
Já gostei muito de cozinhar; hoje... como. Tento manter mais ou menos a combinação básica de uma refeição, um carboidrato, uma proteína, fibras, vitaminas e minerais. É isso o que como hoje em dia : a classe nutricional de cada alimento, suas funções bioquímicas, suas moléculas. Como, a exemplos, o amido, não saboreio o arroz, a batata ou a mandioca; como a proteína, tanto faz se vestida de suculento bife, cozido ovo, espinhento peixe ou grelhado peito de frango; ingiro íons e vitaminas, nem me lembro, instantes depois, se foram na forma de folhas, caules, raízes ou sucos. Tesão do mijo.
Livros : ainda, vez ou outra, os tomo de empréstimo na biblioteca municipal; vez ou outra, chego mesmo a lê-los até o final, porém, pergunte-me sobre algum deles na semana seguinte...
Filmes : até curtas-metragens têm me parecido longos e exaustivos.
Música : coloco música durante o tempo todo em que estou sozinho em casa, ou quando tenho que desempenhar enfadonha função doméstica, faxina etc; nas noites em que termino meu dia a beber uma cerveja na sacada, tenho sempre o meu pequeno toca-CD ao lado; às vezes, levo o radinho até para o banho. Mas nem o Raul me anima e inspira mais; nem o Chico mais me arrepia. Tesão do mijo.
Escrever meus rabiscos no meu inseparável caderninho : tesão do mijo; digitá-los e postá-los no blog : cada vez mais tesão do mijo.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Bukowski, Outra Coisa Boa Perdida Para Sempre

"Quando eu estava a uns dois quarteirões da minha casa, vislumbrei uma mulher dentro de um carro tentando fazer com que ele pegasse, tentando tirá-lo da calçada. ela estava tendo os seus problemas. ele dava uns solavancos para a frente, então afogava. ela virava o arranque imediatamente no que eu imaginava ser uma maneira bastante equivocada e cheia de pânico.
era um modelo antigo, fiquei na esquina observando. logo o carro afogou bem perto de mim, bem ali na calçada onde eu me encontrava parado. olhei para dentro. ali estava sentada essa mulher. estava com sapatos de salto alto, meias longas e escuras, blusa, brincos, anel de  casamento e calcinha. sem saia, apenas essa calcinha cor-de-rosa clara. inalei o ar da manhã.
ela tinha essa cara de mulher velha e essas coxas grandes e lisas de menina. o carro deu um pulo para a frente de novo e afogou de novo. caminhei na sua direção e enfiei minha cabeça pela janela:
“madame, é melhor a senhora estacionar essa coisa. a polícia está bastante ativa nessa hora da manhã. a senhora pode se dar mal.”
“tá legal.”
ela o manobrou na calçada, depois desceu. sob a blusa também havia seios jovens de menina. ali ficou ela com sua calcinha cor-de-rosa e longas meias escuras e salto alto às 6:25 da manhã em Los Angeles. uma cara de 55 anos de idade com um corpo de 18.
“você tem certeza que tá tudo bem?”, disse.
“é claro que tá tudo bem”, disse ela.
“você tem realmente certeza?”, perguntei.
“é claro que eu tenho certeza”, disse ela. então ela se virou e saiu caminhando para longe de mim. eu fiquei ali olhando aquelas nádegas sob aquela luminosidade rosa e justa. estava caminhando para longe de mim, pela rua abaixo entre séries de casas, e ninguém por perto, nem polícia, nem humanos, nem mesmo um pássaro. apenas aquelas jovens nádegas cor-de-rosa balouçantes caminhando para longe de mim. eu estava alto demais para gemer; apenas senti a tristeza devoradora e selvagem de uma outra coisa boa perdida para sempre. não havia pronunciado as palavras certas. não havia pronunciado a combinação correta das palavras, não havia nem mesmo tentado. eu merecia uma tábua de passar roupa, portanto, que diabo, apenas alguma louca andando por aí de calcinha cor-de-rosa às 6 horas da manhã."

terça-feira, 21 de julho de 2015

O Captain! My Captain! (2)

Meia Bomba

São os velhos vícios
Feitos em estilo de vida,
Em queridos bichos de estimação
Que ponho a ronronar
E a lhes fazer cafuné
No meu colo
Ao fim da noite.
É o sono protelado
Porque espero da noite
Algo que o dia nunca me dá.
É a última lata de cerveja
Porque a palavra
Hoje ainda não me veio,
Não me desceu em ovulação,
Nem que fosse para  não ser fecundada
Ou expelida natimorta.
É a pressa
Porque sou transitório
E tenho tanto a fazer
E nada a legar.
É a vida
Porque sou mortal
E não quero desperdiçá-la
Simplesmente vivendo.
É a punheta,
Não por vontade
Ou desejo irrefreável
Ou ereção miccional
Mas porque em certos dias
O pau é a única coisa
Que funciona mais ou menos.

domingo, 19 de julho de 2015

Pipas de Pré-Agosto

Pré-agosto,
Pré-cachorro louco,
Mas os ventos secos e prenhes de poeira e fuligem
Já chegaram,
Já picam, aferroam,
Racham e fazem sangrar
Olhos, lábios e narizes.
Que na terra devastada
Só as adversidades se cumprem
Só a desgraça se adianta.

Férias escolares,
Pipas brilhantes e multicolores
Escrevem alfabetos ininteligíveis no quadro-azul dos céus.
Do outro lado da linha 10 de 500 jardas,
A pequena mão do menino descalço,
A pobreza monocromática e em tons pastéis.
Que aspira em alçar voo,
Em se aproximar  mais do azul,
Mas que sabota a si mesma,
Que ceifa os próprios sonhos,
Que corta os próprios pulsos
Com suas linhas de cerol.

Que ao ser humano
Exaspera o belo, o plácido,
O altaneiro, o contemplativo.
Que ao bicho homem
Só satisfaz e aconchega
O bélico, 
Os escombros,
O raso chão.

sábado, 18 de julho de 2015

Viajante dos Dias

Quantas vidas 
Deixamos de viver
Para seguir em frente 
Com o que chamamos de Vida?

Quantas vezes
Morremos a trilhar o caminho
- curto ou longo -
Que nos leva à Morte? 

Quantos cartões de aniversário
Comporão nossos obituários?

Quantos obituários,
Os diários de nossas renascenças,
Sejam por vitórias
Ou desistências?

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Carla Perez, Xandy e o É o Tchan do Caetano (Ou : Cada País Tem o John e a Yoko Que Merece)

Se tenho mesmo real e relativa destreza com as palavras, ou se o que tive ao longo da vida foram tão somente pontuais e felizes momentos ao burilá-las, ou seja, se dei sorte com elas de vez em quando, eu não sei.
Sei - lembro-me - que sempre me saí com notas muito boas em composição, lá no curso primário. Sim, sou velho, meninas e meninos. No meu tempo de calças curtas, era composição, e não redação, que, aliás, hoje, chama-se produção de texto - um nome mais pomposo para uma geração de analfabetos. Sim, sou do tempo que aluno tinha que decorar tabuada, tempos verbais, datas cívicas e seus significados, capitais dos estados, os famigerados afluentes da margem esquerda do Amazonas e fazer composição.
Geralmente, um desenho, uma foto ou gravura eram dados a nós e nos cabia versar sobre. Lembro-me sobretudo de minhas terceira e quarta séries primárias, com a Dona Rute e a Dona Aparecida, respectivamente, muito elogiando minhas composições, meus quase inexistentes erros ortográficos. Inclusive, muitos textos do Marreta nascem assim, a partir de uma imagem, de uma composição.
Uma vez, na quarta série, uma composição minha feita a partir de uma ilustração do livro Reinações de Narizinho, do Monteiro Lobato, causou furor. Dona Aparecida fez cópias dela e passou para as professoras das outras classes, para que elas usassem como exemplo para os alunos mais novos. E eu ainda ganhei um estojo com 12 canetinhas hidrográficas Silvapen da Dona Aparecida, à guisa de troféu. Era uma preciosidade inestimável, o estojo de 12 canetinhas Silvapen; o de 6 canetinhas, até havia quem o tivesse, mas o de 12... Acho que a Dona Aparecida nunca soube que, coincidentemente, eu lera o livro coisa de uma semana antes dela ter nos dado tal encargo, e que isso pode ter influenciado na qualidade da minha redação. Eu, pelo menos, nunca contei pra ninguém.
Vem-me também à memória o seo Valdir, meu professor de português da oitava série do ginasial; hoje, chamado de ensino fundamental. Ele, sério, sisudo e muito comprometido com seu trabalho, foi quem nos iniciou nas redações voltadas para os concursos vestibulares, quem começou a nos treinar em suas principais modalidades, a descrição, a narração e a dissertação. Não tínhamos mais figuras para nos inspirar, o tema vinha na forma de uma frase, um lema, uma manchete de jornal. Mas minha mente, treinada no campo minado do fantasioso, não tava nem aí, misturava alhos com bugalhos, raramente se atinha ao tipo de redação pedido. Em sua mesa, em baixo tom de voz, seo Valdir dizia que gostava muito de algumas de minhas redações, mas que ainda assim era forçado a lhes dar notas baixas, ou eu nunca aprenderia a diferenciar um estilo do outro. Lembro-me de uma redação, feita a partir de uma notícia de jornal, na qual o Seo Valdir me deu duas notas; veio assim escrito no verso da folha : nota do Valdir : "A"; nota do professor Valdir : "E". Racionalizei : ("A"+"E")/2 = "C", eu tava na média, tava bom pra mim, e eu ainda havia escrito a estória que queria - estranha época em que se faziam médias aritméticas de letras.
Vestibular para o curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia, tema da redação, Felicidade, minha nota : 9,0. O que me fez começar a pensar que eu tinha um certo jeito para a ficção. Passei no vestibular, frequentei um semestre e abandonei, até hoje nem sei por quê. Meio ano de cursinho pré-vestibular, professor Degrande, um ás do métier, deu-me nota 8,0 em uma redação sobre revoluções e revolucionários; a um canto da sala me falou que poderia ter me dado 10,0, que só não o fizera para que eu não ficasse muito cheio de mim e achasse que não precisava treinar mais o meu texto.
Pois minha memória os evoca, caros, diletos e dedicados mestres. Para um pronunciamento, uma anunciação, e também uma tentativa de escusas : enganei-vos, caros mestres! Sem intenção, inadvertidamente, mas enganei-vos! Sou um embuste. Uma fraude, uma burla. E assumo toda a culpa pelo logro. De alguma forma, obnubilei suas apuradas percepções avaliativas, passei um conto do vigário em suas sólidas bagagens e formações acadêmicas. Mea culpa, caros mestres, mea maxima culpa.
Dona Rute : devolvo-lhe todo o rubro e nutritivo sangue de sua caneta vermelha docente e magistérica, com o qual grafou por tantas vezes a nota 100 sobre minhas ardilosas linhas; Dona Aparecida : se eu ainda as possuísse, as 12 canetinhas Silvapen, as tornaria no santo principal do altar à minha própria vergonha; Seo Valdir : eu não deveria ter me contentado com o "A" do Valdir, e, Valdir, sem desprezar a camaradagem, eu deveria ter ido em busca também do "A" do Seo Valdir; Degrande : vim, vi e não revolucionei porra nenhuma!
O motivo, caros mestres, dessa minha confissão, dessa minha retratação, é uma foto.
Ontem, uma foto publicada nas principais mídias impressas e virtuais do pais me estarreceu! Imediatamente, quis escrever sobre ela, fazer, portanto, uma composição. Até como forma de me livrar de seu fantasma. Transformar o pictórico absurdo e surreal da foto em palavras e linhas mais familiares a mim. Verter pixels em letras. Torná-la em demônio conhecido e exorcizá-la.
Na hora, nada me veio à cabeça. Creditei o "branco" ao impacto, ao atordoo causado pela foto. Fui, então, cuidar um pouco da vida, esperar a poeira baixar, a tempestade amainar um pouco. Comecei a tomar minha cerveja, brinquei um pouco com o filho e a esposa, assisti a alguns enlatados americanos na tv a cabo, diverti-me com A Praça é Nossa. Mas a foto não me abandonava, diferente das ideias para escrever sobre ela.
Filho dormiu, esposa dormiu, as duas gatas dormiram. Era a minha hora. Era agora ou nunca. A hora de mostrar do que verdadeiramente eu era feito. E todas as condições estavam a meu favor. A sacada escura, o tanque bem abastecido de cerveja, o meu inseparável caderninho de anotações e minha caneta bic verde, o céu estrelado da madrugada. Acendi um incenso de baunilha. Sentei-me, respirei fundo, compenetrei-me. E nada! Relaxei, acabei mais uma latinha e abri outra. E nada. E nada. E nada. E nada. Pelas duas horas seguintes. Era impossível!
Eis a foto, caros mestres. Eis o atestado de óbito de meu pretenso talento. Eis a minha Nêmesis.
Carla Perez, Xandy e o é o tchan do Caetano. Isso sem falar no elegante toque da meia preta até quase o joelho.
Mas não me dei por vencido assim tão fácil, caros mestres. Devia essa resistência, essa última batalha a mim mesmo e a vocês. Entornei a última lata e deixei o assunto para o outro dia, hoje. Iludi-me a pensar que os três dias encarrilhados de pouco sono, que meu trem descarrilado rumo à estação de Morpheus, eram os responsáveis pela minha falta de palavras ante o visto.
Cuidei do filho, fomos à feira comer pastel, fiz a feira, o almoço, limpei a casa. E a foto a me assombrar. E as palavras a desertar. E diáspora verbal a se confirmar.
As ideias sempre me surgem na forma de palavras, nunca de imagens. Aliás, pode até ser um pouco de preconceito, eu um pouco que desprezo as imagens - menos as de mulher pelada -, o pictórico. Para mim, a imagem é a linguagem do neanderthal, do homem antes da escrita, do pré-homem, e também a linguagem dos ícones dos computadores, tablets e celulares, a linguagem do analfabeto moderno. Pois - vingança de algum deus grego, talvez da musa Calíope, a quem eu tanto tenho preterido e prevaricado - a única ideia que me surgiu para dizer, comentar sobre e expurgar o é o tchan do Caetano foi uma outra imagem. E perdoem-me por apresentá-la aqui, caros mestres, por tornar essa postagem em um remake daquele seriado antigo, A Galeria do Terror.
Até então, o beatle e a buceta que destruiu os Beatles protagonizavam a foto mais bizarra e de mau gosto do pop mundial. Pois foram ultrapassados, tornados em obsoletos. Destronados por Carla Perez, Xandy e, principalmente, pelo o é o tchan rendido do Caetano. Cada país tem o John e a Yoko que merece!

Em tempo e sem nenhuma sacanagem : artisticamente falando, Caetano Veloso é imensamente superior a John Lennon ou a qualquer outro beatle, ô conjuntinho superestimado. Até hoje não entendo o culto aos tais de Liverpool.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Grandes Feitos, Grandes Inutilidades (Ou : Quando as Estrelas Começarem a Cair, Me Diz, Me Diz, Pra Onde é Que a Gente Vai Fugir?)

Ah, a Ciência! Tão pretensamente sábia e tão patentemente tola. Faz grandes descobertas e, por isso, toma-se também por grande. Ah, a Ciência! E sua ignorância enciclopédica, ilustrada e terminológica. Faz grandes descobertas que mostram o quão diminuta é, e nem se apercebe disso.
Ontem, dois grandes feitos foram anunciados na área da astronomia. Ao meu ver, ao menos do ponto de visto prático, um feito anula o outro, um é o anticlímax do outro. O primeiro é uma loira peitudíssima que nos concede uma boa espanhola e nos deixa em riste; o segundo é aquele filho da puta que nos chega por trás, sem avisar, e nos atola o dedo no cu. Pronto. Já era.
O primeiro. Astrônomos brasileiros, em parceria com o Observatório Europeu Sul, o ESO, instalado no Chile, descobriram um exoplaneta - um planeta fora de nosso sistema solar - com massa semelhante à de Júpiter e que orbita uma estrela que tem características similares às do nosso Sol. Vai daí que pode ser um forte  indício de um sistema solar muito parecido ao nosso, e, logo, com relativas chances de abrigar também um planeta sósia da Terra, a tão buscada e almejada Terra 2, talvez a futura morada da espécie humana, ou de uma parte de nós. A busca pela Terra 2 é o santo graal da astronomia. E não é à toa.
A Expansão Marítima, acontecida durante os séculos XV, XVI e XVII, época em que, inclusive, fomos descobertos, levou o ser humano aos últimos confins do planeta, aos seus limites territoriais, e ele os vêm esgotando e exaurando desde então. Em breve, se não já urgente, uma nova expansão será necessária, sob o risco de, se não havê-la, a espécie humana ser extinta. E quem diz isso nem sou eu. É, entre outros bam bam bans da área, Sthepens Hawking. Querem mais?
Porém, não marítima, a nova expansão, o novo alastramento da praga; que não há mais mares nunca dantes navegados. Espacial, intergaláctica, cósmica, deverão ser as novas franquias da espécie humana. Naves e cruzadores espaciais deverão ser as novas caravelas. Capitães Kirks, os novos Colombos e Cabrais.
Claro que aqui, racionalizando para além do instinto de sobrevivência, cabe a questão : habitar novos planetas para quê? Para saqueá-los e extirpá-los de suas entranhas como já fizemos com o nosso? Viraremos o quê? Nuvens de gafanhotos interplanetários a assolar lavouras alheias? Fiéis discípulos feitos à imagem e semelhança de Galactus?
Voltando meramente à questão da sobrevivência, a melhor notícia sobre o novo planeta : ele fica apenas a 57 anos-luz do nosso. Distância ridiculamente pequena em termos astronômicos, praticamente um bairro contíguo, separado por uma avenida, por um rio ou linha férrea. Segurem por ora essas informações e vamos ao segundo grande feito.
Segundo. A sonda New Horizons, da Nasa, óbvio, chegou muito perto da superfície de Plutão e colheu informações nunca sequer suspeitadas a respeito do ex-planeta, agora planeta-anão. A viagem durou nove anos e meio e percorreu a distância de 5 bilhões de quilômetros, a maior já coberta por um construto humano. Decretar feriado mundial da Humanidade? Explodir salvas de tiros? Shows pirotécnicos em homenagem ao próprio umbigo? Porra nenhuma.
Percebem o anticlímax? Percebem a ciência descobrindo fatos cada vez maiores e se mostrando cada vez mais ínfima e insignificante frente a eles?
Façamos - eu já as fiz - algumas simples operações aritméticas, uma série simples de regras de três.
Um ano-luz  é a distância que a luz percorre no período de um ano terrestre, de 365 dias. A luz, a Speedy González do universo, desloca-se a 300.000 km/s, o que faz com que, ao longo de um de nossos anos, ela percorra aproximadamente 9,5 trilhões de quilômetros - isso é um ano-luz.
Dividindo a distância percorrida pela New Horizon até Plutão, 5 bilhões de quilômetros, pelo valor de um ano-luz, chegaremos ao resultado de que a nova queridinha da Nasa, em nove anos e meio, andou tão somente 0,00053 anos-luz. Efetuando outra regra de três, podemos constatar que essa mesma sonda, a manter a velocidade atual, levaria aproximadamente 18 mil anos para percorrer um único ano-luz.
A possível, porém, pouco provável, Terra 2, inferida a partir da descoberta dos astrônomos brasileiros, está a 57 anos-luz de nós. Percebem agora?
Mesmo que fosse confirmada a existência cabal de uma Terra 2 - exatamente igual à nossa, com água, gás oxigênio, novos e virgens territórios a ser colonizados, novos índios amistosos fascinados por nossos espelhinhos, novos portos seguros -, ela de nada nos valeria. Mais de um milhão de anos seriam gastos entre a partida e a chegada de nossas novas caravelas; isso, se não pegássemos alguma calmaria pelo caminho, ou alguma tormenta de asteroides.
Ah, a Ciência! Fascinante, sim; assim como a espécie humana, em certos aspectos. Ah, a Ciência! Inútil e frustrante, também; assim como a espécie humana, em todos os seus aspectos.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Ladyhawke

Olhos de Farol
(Ney Matogrosso)
Por que só vens de madrugada
E nunca estás por onde eu vou?
Somente em sonhos vi a luz
Da lua cheia
O canto da sereia
No breu da noite eu sei que
Reinas a me refletir
Olhos de farol
Porque tu és a lua e eu sou o sol
Porque só brilhas quando eu durmo
Sou condenado a te perder
Eu só queria ver andar na ventania
Luar do meio-dia
Na minha fantasia, ainda sou teu pierrô
E disfarço mal
A lágrima de amor no carnaval
Eu te vi em sonhos
A boiar no meu jardim
Lua de cetim entre os lençóis
E no céu sem nuvens
Podem as miragens
Se tornar reais e são dois sóis
Eu te vi rainha
Dona de nós
Imitar a voz dos rouxinóis
E no céu em chamas
Podem as miragens
Se tornar reais e são dois sóis.

Ney, por que a gente é assim?

terça-feira, 14 de julho de 2015

Pequeno Conto Noturno (54)

- Sou bem mais velha que você - diz Cinthia a Rubens, dando-lhe, talvez, uma última chance de fuga e desistência, ou, talvez, a querer um pouco de confete de seus velhos carnavais, uma confirmação, sincera ou não, tanto lhe faz, do desejo de Rubens por ela, e não apenas por uma foda qualquer num fim de noite pouco proveitoso.
- Bem mais velha é melhor que mal mais velha - devolve Rubens, laconicamente, deixando Cinthia livre para pensar o que melhor lhe aprazer.
Cinthia sorri. Rubens se sente incomodado com sorrisos. Todos e de qualquer espécie ou natureza : cândidos, ingênuos, irônicos, mal-intencionados, nervosos ou lascivos. Rubens obstrui, eclipsa, cancela o sorriso de Cinthia com sua boca. Cola os lábios ao dela; sem aviso, ainda que aguardado, ansiado. Feito uma sonda de endoscopia, a língua de Rubens vasculha, brinca, faz travessuras, devassa e viola a boca de Cinthia. Sente a protuberância e o túrgido volume sem vida e seco dos lábios dela, injetados de gordura e botox. Tateia e mapeia o relevo liso, porcelânico e de uma uniformidade inexistente na natureza dos dentes de Cinthia, sua terceira dentição.
Todo o viço em Cinthia é falso, todo brilho é cirúrgico, implantado, opaco e emaciado; toda tentativa de juventude é uma caricatura. Mas o desejo de se manter jovem é legítimo, é jovem, inconsequente. E Rubens respeita as boas intenções. O inferno que as puna, depois.
Rubens levanta a blusa de Cinthia e mama as tetas achatadas e espalhadas dela. Com forte sucção, consegue sugá-las, ora uma ora outra, acomodá-las e lhes dar forma, volume e consistência dentro de sua boca. Desce, escorrega a língua feito lesma a deixar mucoso rastro pelo ventre amarrotado e amarfanhado dela e mete a boca em Cinthia.
Cheiro e gosto de casa há muito fechada, de quarto de doente, de abandono. Rubens gosta. Combina com ele. A buceta de Cinthia relaxa, molha-se, não um caudaloso lençol freático, mais uma parede com musgo e infiltração, mas se molha, engole a boca, o queixo e o nariz de Rubens. Tranquilidade de gavetas que conservam em naftalina velhos diários, amores não correspondidos, cartas e cartões-postais. Aconchego, esconderijo e proteção de sótão escuro, úmido : uterino. Banho de imersão em águas tépidas de esquecidos álbuns de fotografias em color sépia e de rústica granulação : acalantos, cantigas de ninar, mingaus de maizena para olhos saturados de pixels, photoshops e altas definições.
Rubens consegue uma ereção daquelas. Das antigas.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Todo Castigo Pra Corno é Pouco (17)

Ele dispensa maiores apresentações, é o rei do brega e do chifre moderno, o discípulo-mor de Amado Batista e Waldick Soriano : Falcão.
Falcão tem tanto respeito e devoção ao velho chifre que lançou um álbum dedicado exclusivamente aos apêndices testais queratinizados : 500 Anos de Chifre - O Brega do Brega. O disco é impagável da primeira à última faixa, a começar pelo hilário texto de abertura e apresentação do pontiagudo trabalho :
"Esse trabalho, além de cultural, filosófico e pedagógico, é também medicinal, preventivo e curativo. Servindo, entre outras coisas, para pano branco e pano preto, curuba e ferida braba, piolho, chulé e caspa, cravo, espinha e verruga, panariço e água na pleura. Só não cura o velho chifre porque não mata a raiz, pois fica ela encravada no fundo do coração."
Entre as cornagens cantadas em prosa e verso, Vida de Corno

Vida de Corno
(Falcão)
Canto esse brega rasgado
Só pra me vingar de um alguém que eu amei
Que me botou tanta ponta
E eu não sabia mas agora eu sei
Meu vizinho do lado
Um aposentado com cara de gay
Mas eu pra me vingar
Com a mulher dele também eu transei

Ei! Você meu amigo
Que está sorrindo com o que eu passei
Cuidado com a sua cabeça
Pois amanhã será sua vez
Você passa a noite fora
E quem é que garante que o Ricardão
Não come a sua comida
E dorme tranquilo no seu colchão

Ela não me respeitou
E tome gaia
Foi embora e quer voltar
E tome gaia
Mas eu não vou aceitar
E tome gaia
Nessa casa seu retorno
Não quero viver outra vez uma vida de corno 

Ela não me respeitou
E tome gaia
Foi embora e quer voltar
E tome gaia
Mas eu não vou aceitar
E tome gaia
Nessa casa seu retorno
Não quero viver outra vez uma vida de corno

domingo, 12 de julho de 2015

Activia : Você Pronta Para Dar o Cu.

Se não enganosa, no mínimo, a publicidade atual é falaciosa, sofismática, aumentativa e hiperbólica sobre as qualidades e virtudes do que tenta nos empurrar goela abaixo e, asseguram os teóricos da conspiração, repleta de mensagens subliminares.
Não obstante, guardados certos limites, devemos perdoá-la, à publicidade : afinal, ela vende ideias e conceitos e não o produto em si; vende ilusões acondicionadas em caixas e sacos plásticos coloridos, metalizados e barulhentos, vende sonhos no atacado e no varejo, facilmente digeríveis, descartáveis e a preço de ocasião; em suma, vende desejos, não necessidades.
Devemos perdoá-la, à publicidade : afinal, o grosso das pessoas, o populacho, quer comprar ideias e aparências e não o produto em si, estão cagando fedido para o produto de fato - ou uma única marca de qualquer vívere ou congênere, de arroz, de feijão, de sabão em pó, de sabonete, de xampu, de papel higiênico, de massa de tomate etc - seria suficiente e satisfatória. O grosso das pessoas, a choldra ignóbil, a classe C, quer é encher o carrinho, ostentar seu excesso e obesidade, quer levar pra casa sonhos embalados em caixas e sacos plásticos coloridos, metalizados e barulhentos, quer sonhos sonhados por outros, de fácil consumo e digestão, sonhos em promoção, a quilo, sonhos compre 3 e pague por 2.
Nessa guerra onírico-mercadológica, não devemos nos deixar surpreender nem horrorizar : todas as armas são válidas e permitidas pelas Convenções de Genebra. Ardis, artifícios, sortilégios, blefes, engenhos, cambalachos, embromações, engodos, esparrelas, imposturas, logros, tramoias, patifarias,velhacarias e raposices. Tudo é válido na conquista do público-alvo.
Ainda assim, tomou-me de surpresa, pegou-me de calças curtas, a nova peça publicitária do iogurte Activia, pela sua coragem, ousadia e, sobretudo, objetividade; uma flecha veloz e certeira, sem nada de mensagens veladas, menos ainda a se infiltrarem sub-repticiamente nos subconscientes.
Acredito que todos saibam do Activia, mas que poucos saibam sobre o Activia. Portanto, um pequeno e didático parêntese aqui se impõe. O Activia é uma marca registrada de iogurte da Danone, que garante regular as funções defecativas da mulherada em geral, facilitar o trânsito intestinal, devolver o bom e sereno obrar, ou seja, que promete fazer com que a mulherada, sempre tão enfezada, passe a arriar fácil, bonito, farto e gostoso. O santo milagreiro, nesse caso, seria o bacilo - uma bactéria em forma de bastonete - batizado comercialmente de Dan regularis.
A verdade, porém, como sempre, é outra. É que o Dan regularis, conhecido à boca pequena e nos meios científicos como Bifidobacterium animalis, é uma bactéria anaeróbica gram-positiva encontrada nos intestinos de animais de grande porte, como ruminantes, principalmente, e, inclusive, humanos; bactérias fecais que muitas empresas têm tentado registrar como subespécies específicas, renomeando estas subespécies com rótulos pseudo-científicos, feito o Dan Regularis. A Danone protocolou como marca registrada a cepa DN 173.010 do Bifidobacterium animalis e a comercializa com os mais diversos nomes, nos mais diversos países, a saber : Bifidus Digestum (Reino Unido), Bifidus Regularis (EUA e México),Bifidubacterium Lactis ou B.L. Regularis (Canadá), Dan regularis (Brasil) e Bifidus Artiregularis (Argentina, Áustria, Bulgária, Chile, Alemanha, Itália, Irlanda, Romênia, Rússia e Espanha). 
O pior é que o Dan regularis, ou qualquer outro heterônimo sob o qual é comercializado, não regula o intestino porra nenhuma : irrita-o, prejudica-o, lesiona-o. O Bifidobacterium animalis, uma vez em nossas entranhas, fermenta e produz uma toxina que irrita a mucosa intestinal, induzindo a movimentos peristálticos, a espasmos da musculatura lisa entérica no sentido de eliminar o que está a lhe fazer mal, a lhe incomodar.
E sim : o Bifidobacterium animalis é obtido e retirado dos intestinos de ruminantes e de humanos. Ele funciona, sim. Cumpre o prometido. Mas não há mágica nenhuma nem cura definitiva : o Activia faz cagar, simplesmente, porque já é a merda pronta! Fim do elucidativo parêntese.
Voltando à vaca fria, ao novo comercial do purgativo, purificador e salamárguico iogurte, a propaganda abre com uma bela - porém, insossa - modelo e atriz, cujo rosto não me é estranho, mas de cujo nome não me lembro, fornecendo dados de uma suposta pesquisa científica que "constatou" a indisposição para o coito de sete entre cada dez mulheres com o intestino desregulado. E a bela segue a decantar sobre e a desfilar todos os benefícios e efeitos miraculosos do Activia. Faz caras, bocas e poses, "sensualiza" ao levar o dedo lambuzado de Activia à sequiosa e carnuda boca, e, ao fm do comercial, fecha com chave de ouro : agora, estou pronta pra namorar.
Pãããta que o pariu!!!! Querem recado mais óbvio e direto? Uma vez com os intestinos limpos, com as tripas desobstruídas, por que as palavras colocadas na boca da bela não foram, a exemplos, agora estou pronta para ir trabalhar, ou para ir ao mercado, ou ao cinema, ou para fazer uma caminhada, ou para fazer um faxinão na casa?
Nada disso! Intestinos limpos, o negócio é namorar, é dar a rabiola, é presentear o nobre consorte com o tão desejado girassol.
Activia : você pronta para dar o cu!
Genial! Belíssimo conselho!
O Marreta do Azarão aprova e apoia integral e incondicionalmente o teor da campanha. Tomem Activia, mulheres do meu Brasil varonil. Pela manhã, à tarde e à noite. Desentupam-se. Caguem às mancheias. E namorem. Namorem muito. Até o cu fazer bico!
Pronta para namorar. Prontíssima!!!

sábado, 11 de julho de 2015

Lápides

E na lápide da humanidade: 
“Até aqui estava dando tudo tão certo...” 

E na minha lápide - ao lado da da humanidade, que ao lado (excluído) dela sempre fiz questão de me pôr - : 
“Nem aqui vocês me dão paz.”

E as briófitas e as pteridófitas tomam de volta os seus assentos: 
Vicejam felizes e alheias a essa nossa desavença.

A Inveja do Poeta

“Sabe” – abordou-me, levitando em seu pedestal, uma escultura de mulher -, 
“A sua poesia me trouxe arfares, suores, fulgores, 
catalisou a minha libido”.  

Calou. Ficou a me fitar. Aguardando-me. 

E eu, 
Inepto que sempre fui em possuir tais marmóreas mulheres, retribui-lhe com a única coisa que podia ser dita: 
“Que inveja eu tenho da minha poesia!”

Bukowski, a Puta de 130 Quilos

"nos despimos e eu subi em cima.
“jesus cristo!”, eu disse, “vê se MEXE um pouco!”
aí ela começou realmente a pular e rodopiar: ela girava muito bem, mas que giro, e em seguida pra cima e pra baixo e aí girava de novo. peguei o ritmo da rotação mas no pra cima e pra baixo fui arremessado pra fora da sela várias vezes. o que quero dizer é que o tombadilho vinha subindo sempre que eu o golpeava, e até aí tudo bem sob condições normais, mas com ela, quando eu golpeava, o tombadilho que subia, simplesmente me ricocheteava completamente pra fora da sela e várias vezes quase me joga pra fora da cama. recordo certa vez de quase agarrar uma coisa que lembrava uma teta gigante, mas era a coisa mais horrível e indecente e eu simplesmente me pendurei na lateral do colchão como um percevejo faminto, dei outra guinada pra frente e me atirei como uma espécie de cão de volta ao centro daqueles 130 quilos, afundando outra vez no centro daqueles “oh, hihihihihi,” e cavalgando e me pendurando, não sabendo se estava fodendo ou sendo fodido, mas aí a gente dificilmente sabe.
“que o Senhor esteja conosco”, cochichei numa de suas gordas, quentes e sujas orelhas.
os dois estando muito bêbados, seguimos trabalhando e trabalhando, eu mesmo sendo cuspido de quando em quando, mas pulando de volta à batalha. tenho certeza que ambos queríamos desistir mas aquilo de alguma maneira não tinha saída. o sexo pode às vezes tornar-se a mais horrível das tarefas. inclusive uma vez, no desespero, agarrei um daqueles enormes peitos e o levantei como uma flácida panqueca e enfiei um mamilo dentro da minha boca. tinha gosto de tristeza, de borracha e de agonia e de iogurte estragado. cuspi a coisa pra fora com nojo, me entrincheirei de volta.
finalmente ganhei dela no cansaço. quer dizer, ela ainda trabalhava, não se deitou como se tivesse morrido, mas venci pela persistência, entrei dentro do ritmo, bati nele, bati nele de jeito e marquei inúmeros tentos, e finalmente como uma casa de resistência que não quer dar, deu, ela deu, eu a fisgara. finalmente, gemeu e gritou como uma criancinha, e eu gozei. foi bonito. Então dormimos."

Bukowski, Feito de Quê?

"Eu era pior que qualquer puta; uma puta só toma o seu dinheiro, nada mais. Eu bagunçava vidas e almas como se fossem brinquedos. Como é que eu ainda escrevia poemas? Eu era feito de quê, afinal?"

sexta-feira, 10 de julho de 2015

A Nova Caneca do Azarão

Até os tenho, não me perguntem seus tamanhos, formatos, cores, desenhos em suas superfícies ou suas texturas, mas até os tenho, os copos. Porém, ficam a pegar poeira nos armários raramente abertos ou esquecidos e dependurados no escorredor de louça, na iminência de se precipitarem no mortal abismo entre a pia e o fogão.
Gosto de canecas. Uso canecas para tudo o que é líquido. Tomo água em caneca, café, refrigerante, chá e, é claro, cerveja! Para café, água e outras bebidas permitidas em horário comercial, eu uso canecas de cerâmica, daquelas em forma de cilindro reto e esmaltadas, tenho várias, em diversas cores e padrões. Para a cerveja, atualmente, tenho quatro (agora, cinco) : uma de vidro com capacidade de 300 e poucos ml, presente de uma sala que me escolheu como professor homenageado, uma de cerâmica com a bandeira da Argentina e com volume de um exato latão de 473 ml, e duas de louça, daquelas que se usavam nas antigas festas da cerveja promovidas pelo Rotary e pelo Lions Clube, ambas acomodando pouco mais de 500 ml. Uma delas, inclusive, comemorativa da 1ª Festa Regional da Cerveja de Ribeirão Preto, com data de 1967, ano de meu nascimento; ela, a caneca, diga-se a propósito, está muito mais conservada do que eu.
Gosto das canecas por causa da empunhadura, mais segura, mais difícil de nos escorregar das mãos e, por que não?, de ares muito mais elegantes e aristocráticos.
Aí, em minha viagem de férias, ao passar em frente a uma barraca de uma marca de cerveja artesanal, deparei-me com meu novo brinquedinho : um canecão de vidro de 1 litro de volume! Daqueles que vemos em fotos da Oktoberfest, empunhados por aquelas alemãs peitudíssimas, praticamente apoiados sobre os peitos delas. Cerveja com leite faz um bem danado, meus amigos!
Então, feito o Armando Volta, personagem da saudosa Escolinha do Professor Raimundo, pensei : por que comprá-la, por que não comprá-la? Comprei-a-a!
Ei-la, para efeito de referência, ao lado de um latão de Bavária cujo conteúdo foi todo derramado dentro dela. Cabem dois latões e ainda sobra espaço. Vidro grosso e robusto, praticamente à prova de balas. Canecão de macho, de viking!!! E pesada! Tanto que empunhá-la diretamente pela alça ou asa é ato extremamente dificultoso. Para melhor empunhadura, a mão deve passar por dentro da alça e a palma da mão, abraçar o corpo da caneca.
Com o uso regular do novo canecão, das duas, uma : ou eu vou ficar mais forte, com os bíceps mais definidos, ou, o que é mais provável, adquirir uma puta de uma tendinite. Paciência... Ossos do ofício.

Cerveja Inocente, a Boquinha da Garrafa Oficial do Axé

Doravante, os valorosos e representativos dançarinos de axé do nosso Brasil varonil, cujas argolas têm grande e notória eletroafinidade por gargalos taludos e rombudos de Brahma casco escuro, poderão enlarguecer a roda (...vamos abrir a roda, enlarguecer...) com muito mais classe e propriedade.
Foi lançada a cerveja oficial do Axé!!! E vai descendo na boquinha da garrrafa, é na boca da garrafa...
O Rhoncus, o primeiro pub especializado da Bahia, uniu-se à cervejaria Hoffen e lançou o seu primeiro rótulo : a cerveja Inocente, que traz estampada em seu fronstispício ninguém mais ninguém menos que o Compadre Washington... sabe de nada, inocente. 
Segundo os especialistas em cervejas artesanais, ou seja, de acordo com os viadinhos que se dizem tomadores de cerveja, a cerveja Inocente, fabricada em Votorantim (SP), "traz no seu DNA toda a irreverência baiana aliada a alta qualidade em fabricação, nos modernos equipamentos da Hoffen. Entre suas características técnicas está a cor amarelo dourado, com boa formação de espuma. No aroma, notas de malte se equilibram com o floral do lúpulo. No sabor, uma boa relação entre o malte e um suave amargor. Estilo Pilsen e com 4,1% de teor alcoólico, a cerveja deve ser servida em temperatura de 0° a 4°."
E o dendê, meu rei? E o vatapá? E o acarajé? E o Olodum? A Inocente não tem notas de dendê? Não remete ao vatapá? Não inspira ao acarajé? Não sabe ao Olodum?
Compadre Washington, que não é bobo nem nada, que já deve ter comido muitas inocentes, dá seu veredicto sobre o produto do qual é garoto-propaganda : "A inocente é pura malandragem com abundância de sabor e qualidade. É para quem não sabe de nada na hora de ‘se fazer’ de inocente".
E que abundância, meu filho!!!! Compadre Washington sabe do que fala, especialista em "abundância" que é.
É a cerveja que satisfaz a gregos e baianos! É a cerveja dois em um! Primeiro, emborca-se o conteúdo; depois, é só ir descendo e ralando na boquinha da garrafa, é na boca da garrafa! E fica todo mundo feliz e satisfeito! Menos o dono do buteco. Que, este, nunca terá a restituição do vasilhame! Que, a este, ninguém  nunca devolverá o casco! Se é que vocês me entendem... Pããããta que o pariu!!!!

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Evoé, Meus Amigos! Evoé, Dionísio!

Voltei! Pãããta que o pariu!!! E, sim, lembrei de vocês, meus amigos Leitinho, Fernandão e Margá, em minha viagem de férias. Principalmente nas visitas que fiz a duas vinícolas. Mas não se ponham a pensar - a sonhar - que eu tenha trazido uns vinhões para vocês, que eu não tô aqui para bancar bebedeira de marmanjo. Lembrei de vocês, mais especificamente, dentro das dependências da vinícola Aurora - da qual eu nunca mais comprarei uma única garrafa, nem que esteja em oferta; em outra postagem, que pode sair ou não, conto o porquê -, ao passar defronte a uma estátua erigida em homenagem a Dionísio, o deus grego do vinho. Então, pensei : vou fotografar e publicar no Marreta, à guisa de um cartão-postal para os meus camaradas, daqueles que antigamente eram enviados pelo correio.
Eis Dionísio, meus amigos. Um homem pelado, artigo que tanto lhes agrada, e segurando uma pistola mole na mão, de fazer dó, condição com a qual tanto se identificam.
Aí, alguém poderá achar estranho - eu achei, de início -, até mesmo contraditório, um deus de pau mole, um imortal broxa, viver eternamente assim para quê? E, ainda por cima, não um deus qualquer, mas Dionísio, um dos doze olímpicos, um poderoso deus grego a compartilhar conosco, meros mortais, da fraqueza humana mais temida pelos machos das antigas, a paumolescência - os machinhos modernos até que nem a temem tanto, pois podem sempre se virar e quebrar o galho com o cu.
Pus-me, então, a matutar sobre motivos da triste e inofensiva pingola de Dionísio e da exposição pública de sua humilhante condição. Teria sido uma brincadeira, uma troça do escultor, do mortal que, por puro escárnio e maldizer, retratou em bronze o formoso deus, pois, como dizem, a vingança do anão é pisar na sombra do gigante? Em seguida, concluí que não, que a piroca mole de Dionísio não era fruto da inveja do mortal escultor, desse Fídias de araque, ou, pelo menos, não só dela.
Primeiro que Dionísio vive bebaço e todo homem sabe que implacável e cruel inimigo do pau duro o álcool o é. Segundo, e principalmente, acredito que a benga inerte da ébria divindade se deva ao, digamos assim, sistema de governo dos antigos deuses gregos. 
O povo grego não tinha seus fado e destino decididos por uma autocracia cosmogônica, por uma ditadura tirânica de um único deus que concentrava todos os poderes, feito o deus judaico-cristão. Nada disso. Zeus era o fodão, o manda-chuva, com ele ninguém se metia e ele metia em todo mundo, mas verdade seja dita : por preguiça ou por laivos democráticos - não esqueçamos de que a Grécia é o berço do conceito da democracia -, ele delegava poderes e responsabilidades, descentralizava o poder entre outras divindades. 
A cada divindade menor, Zeus conferia habilidades sobre-humanas necessárias ao bom desempenho de sua função, e só ao de sua função, não havia deuses polivalentes, ou a acumular cargos no panteão grego. Ares que, por exemplo, era o deus da guerra, nada sabia ou podia sobre as boas colheitas, responsabilidade de Deméter; Afrodite, gostosa que só ela, morreria de fome se tivesse que caçar uma única corça que fosse, que arco firme, flechas velozes e certeiras foram dons recebidos por Artêmis; Poseidon era o maioral dos oceanos, mas não tinha nenhuma ingerência sobre o Sol, departamento de Apolo; e assim por diante
Zeus governava numa espécie de presidencialismo, tinha até a Hera, a primeira-dama. Zeus era o presidente, os doze olímpicos (Poseidon, Ares, Hefesto, Hermes, Atena, Apolo etc) eram seus ministros, os parlamentares - deputados federais, estaduais e senadores - eram os deuses menores, os semideuses, geralmente filhos de Zeus com mulheres mortais, Eros (deus do amor), Esculápio (da medicina e da saúde), Morfeu (do sonho), Pan (dos bosques), Orfeu (da poesia), Héracles (da força e da bravura) etc etc.
Zeus fazia filhos pra cacete com mulheres mortais, pulava a cerca de montão, mas, justiça seja feita, nunca deixou nenhum deles desamparado, arrumava emprego para todos, sempre ajeitava uma boquinha, um cargo de confiança, uma mamata para eles no Olimpo. Um belo cabidão de empregos era o Olimpo, uma imensa repartição pública. Não admira que tenha ruído.
Ditas todas essas sandices, saio-me, agora, com a explicação para a benga mole do deus do vinho, livro a cara do bebum  : a Dionísio coube a habilidade do cultivo da uva e de sua transformação no abençoado vinho, e só essa; a Dionísio não foi dado o dom do pau sempre em riste. Tal parcela de seu poder e de sua graça, Zeus ofertou a Príapo, o deus grego da fertilidade e da paudurescência. Cada deus no seu galho.
Por isso, lembrando-me agora de uma outra amiga, a Jota, também muito chegada a um copo cheio, fica o conselho do Azarão para a mulherada : bebam com Dionísio, mas trepem com Príapo.