Sala dos professores e a sua mais aguardada hora, a hora do lanche. À mesa, pão francês com presunto e muçarela, banana, melancia, mamão - são dias de SARESP, dias de visitantes, a merenda fica mais caprichada - e a indefectível Coca Zero, a mitigar a culpa e o remorso dessa classe de tão grandes apetites e formas corporais.
No rótulo preto do refrigerante, a figura de Fuleco, o tatu-bola que simbolizará a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a ser realizada no Brasil. O mascote da Copa é nosso, dizia o rótulo. E aí, o assunto começou a girar em torno do bicho, uns a dizer que gostaram da escolha do tatu-bola como mascote, mas que não aprovavam o nome; outros a dizer que acharam o nome bonitinho, porém, gostariam de outro animal em lugar do tatu, o mico-leão, a ararinha-azul etc.
O mascote Fuleco pra cá, o mascote Fuleco pra lá, até que uma colega, professora de português, deu o alarme : não existe "o" mascote porra nenhuma. Mascote é um substantivo unicamente feminino, sobrecomum, não admite contrastes de gêneros. É feito a criança, a pessoa, o cônjuge, a testemunha. É "a" mascote.
Fiquei curioso de como a imprensa em geral estaria se referindo ao já célebre desdentado, dei uma rápida passeada pela net e encontrei :
"Fuleco" é escolhido como nome do mascote da Copa 2014 (esportes.terra.com.br);
Amijubi, Fuleco ou Zuzeco? Escolha o nome do mascote da Copa de 2014 (globoesporte.com.br)
"Fuleco" é eleito o nome do mascote oficial da Copa do Mundo de 2014 (esporteig.com.br);
Fuleco é o nome oficial escolhido para o mascote da Copa do Mundo da FIFA 2014 (brasil.gov.br);
O mascote da Copa do Mundo de 2014 já tem nome. (jornal do brasil); entre outros tantos veículos de renome.
Dos que eu, rapidamente, pesquisei, apenas a Folha de São Paulo, o Estadão e a revista Veja acertaram no uso do sobrecomum. O cara que se mete a ser jornalista não tem que conhecer minimamente a língua? E os revisores desses jornais?
Mas o usual desrespeito às regras gramaticais pelos veículos de comunicação não foi a única coisa que eu constatei em minha pesquisa. O pior ainda está por vir.
O nome "Fuleco", segundo seus idealizadores, é a fusão das palavras "futebol" e "ecologia". Fuleco foi escolhido, via uma eleição que durou três meses, por 1,7 milhões de brasileiros, número que correspondeu a 48% dos votos. Em segundo lugar, com 31% dos votos, ficou o nome "Zuzeco" (combinação entre "azul" e "ecologia"), e na lanterna, contabilizando os 21% dos votos restantes, "Amijubi" (combinação entre "amizade" e "júbilo").
Puta que o pariu!!! Brasileiro tem essa mania, misturar nomes para registrar e batizar as suas crias. Pais combinam seus nomes e registram seus filhos com a mistura maldita; à guisa de homenagem, nomes dos avós também são vasta matéria-prima para a fértil imaginação do brasileiro. Eu, por exemplo, quando cursava a sétima série do ginasial, estudei com um Crisônio, a avó materna era Cristina e o avô paterno, Antônio.
Essas junções, geralmente, só dão merda. Imaginem, então, fundir duas merdas, futebol e ecologia? Deu "Fuleco", deu mais que merda. Deu cu.
Sim, deu cu. Outra coisa que descobri é que o vocábulo "fuleco", independente de ser produto da abominável fusão citada, existe de verdade na rica e poética linguagem coloquial do brasileiro, e é sinônimo de ânus, o famoso cu, botão, fiofó, furico, roscofe, arruela, rosca, redondo, toba, bufante, brioco, jiló etc. O nome da mascote da Copa do Mundo no Brasil é cu! É só aqui. É mesmo o país da piada pronta.
Nem precisava ter feito votação. É pública e notória a predileção do brasileiro por um bom fulequinho.
O mais grave de tudo, entretanto, não é o desconhecimento do sobrecomum nem o fato de Fuleco ser cu, isso tudo é besteira, e só vem a incrementar o anedotário popular, o imperdoável são os incontáveis milhões de reais gastos - e mais ainda desviados - em um evento inútil e perfeitamente dispensável; obrigatoriamente dispensável, eu até diria, vistas as necessidades muito mais preementes do país. Milhões e milhões de reais verdadeiramente enfiados no fuleco.
Por essas e por muitas outras, vou torcer para que a seleção brasileira de futebol se foda na próxima Copa, vou torcer para que tome no fuleco, literalmente.