Com a eleição do novo Papa, só o que escuto da brasileirada é que agora será (ainda mais) impossível aguentar o argentino, suportar a arrogância portenha.
Vejamos : a Argentina recebeu 5 prêmios Nobel - dois da Paz, dois de Medicina e um de Química -, o Brasil, nenhum; a Argentina já ganhou dois Oscars, o Brasil, nenhum; a técnica de marca-passo (ou by-pass) foi desenvolvida pelo já falecido cardiologista argentino René Favaloro; o ônibus, a caneta esferográfica, o sistema de impressão digital são inventos argentinos.
E o principal : o argentino lê muito, lê muito mais que o brasileiro. Segundo o site Portal Aprendiz, há mais livrarias na cidade de Buenos Aires que no Brasil inteiro. O jornalista Galeno Amorim, porém, desmente essa informação, revela que o último censo contou 2680 livrarias de norte a sul do Brasil, o dobro do número da capital argentina. De qualquer forma, ainda que Galeno Amorim esteja certo, a população de Buenos Aires é de cerca de 4 milhões de habitantes, a do Brasil, quase de 200 milhões. Ainda que seja o dado de Galeno Amorim a prevalecer, o Brasil possui uma população 50 vezes maior que a capital argentina, e só o dobro de suas livrarias.
Estive em Buenos Aires. Não sei se o que vi pelo centro da cidade se repete de igual forma pelos outros bairros, o que vi foram livrarias, livrarias e mais livrarias. Raros eram os quarteirões em que não havia ao menos uma delas; em alguns quarteirões, cheguei a contar três ou quatro livrarias.
Todas livrarias de pequeno porte, é verdade, nada das monumentais megastores que vemos nos shopping centers daqui; modestas, muitas, inclusive, a tratar de um único tema, só livros de política, só de romance, só de literatura médica, só de religião etc.
E é assim que funciona. Grande bosta aquelas megastores da Saraiva, da Cultura, da Fnac etc. O sujeito que vai a uma dessas lojas faz de tudo, menos ler. A primeira coisa de que nosso intelectualzinho se ocupa é de passar a fazer parte da vitrine da loja, ele entra, posta-se quase que encostado à vitrine pelo lado de dentro e fica a abrir os mais recentes lançamentos, a fingir que os está submetendo a rigorosa análise.
O cara fica fazendo pose um tempão perto da vitrine, para que as pessoas que passam pelos corredores do shopping pensem que ele é inteligentíssimo, que ele é o fodão. Olhem, grita ele com sua pose de janota, estou no shopping e não estou comprando roupas e sapatos, olhem, estou no shopping e não estou no McDonalds.
Feito isso, ele vai mais ao interior da loja, pega uma revista de arte de uma das prateleiras, se for em língua estrangeira, tanto melhor, e se senta a uma elegante mesinha para tomar seu café expresso. E fica lá, pernas cruzadas de modo afeminado, folheando as páginas da revista, bebericando lentamente seu expresso, como se os eflúvios do café e da publicação em suas mãos lhe fossem o oxigênio primordial. Fica a fingir que lê, quando, na verdade, está a olhar por sob seus óculos, para ver se as pessoas o observam. Não leem porra nenhuma, os ratos das megastores.
O comportamento do argentino em uma livraria, eu observei, é totalmente diferente, não tem nada de pompas e afetações, o argentino não ensaia para ir a uma livraria, ir a uma livraria não lhe é uma ocasião especial. Ele entra, escolhe o livro que lhe interessa, paga-o ao caixa e sai com o volume embaixo do braço, dentro da bolsa, entre suas coisas. Normalmente. Como quem entra em uma padaria e sai com um saco pardo de pães.
O argentino mantém com o livro uma relação de amizade informal, familiar e caseira, até. O livro é aquele antigo conhecido que ele leva à sua casa, para uma conversa, um almoço, um café.
Há tantas livrarias pelo centro de Buenos Aires quanto no Brasil há de salões de cabeleireiros, lojas de CDs piratas, de R$ 1,99 e de revendas de telefones celulares.
Aliás, falando em pirataria, o argentino também é um grande pirateador de produtos. Sabem que artigo ele se esmerou em piratear? Se respondeu livros, acertou. Há uma enorme rede de pirataria de livros na capital portenha, que chega a 15% do volume da grande indústria editorial argentina.
E pensam que eles pirateiam o quê? Paulo Coelho? Porra nenhuma. Os mais falsificados são Gabriel Garcia Marquez, Julio Cotazar, Ernesto Sabato, Mario Vargas Llosa e Quino (Mafalda). É ou não é uma pirataria que podemos chamar de legal? Aqui, pirateamos CDs e DVDs de sertanejo universitário. Será que o argentino é mesmo arrogante? Ou ele é tão somente superior à nossa crassa mediocridade?
Aliás, falando em telefone celular, durante a semana toda em que fiquei em Buenos Aires, só vi duas pessoas usando esse aparelho maldito, um pedestre à espera de que o semáforo se avermelhasse para os carros e lhe permitisse a travessia, e uma mulher ao lado de uma banca de jornal, que pareceu-me ser a dona do estabelecimento. E só. Uma semana em uma metrópole e vi apenas duas pessoas portando essa estrovenga.
Acordávamos e tomávamos café no hotel, eu e minha esposa, durante o dia nem parávamos para almoçar, na tentativa de visitarmos o máximo de lugares possíveis, comíamos qualquer coisa para enganar o estômago. À noite, contudo, sempre jantávamos em algum restaurante. Em nenhum momento, em nenhuma das noites, em nehum dos restaurantes e bares em que nos sentamos, eu vi uma única pessoa falando ao celular, ou a mandar mensagens.
O argentino, pareceu-me, gosta de conversar com pessoas, não com telas de telefones. Muito provavelmente seja porque ele tem o que conversar, tem assunto, tem conteúdo, tem o que compartilhar e até o que discutir e brigar, se for o caso. Será que o argentino é mesmo arrogante? Ou ele é tão somente superior à nossa crassa mediocridade?
Aliás, ainda falando dos diferentes comportamentos e valores do portenho, eu também não vi nenhum desses carrões importados pelas largas avenidas de Buenos Aires, nenhuma dessas camionetonas que mais parecem um blindado de guerra, nenhum idiota a trafegar com os alto-falantes do carro a berros máximos.
Vi várias vezes a seguinte cena : o argentino, à noite, descia de seu carro comum, popular, muitas vezes com sua esposa e filhos, e entrava em uma galeria onde havia várias salas de teatro. Sim, da mesma forma que aqui existem dezenas de salas de cinema em um shopping, há galerias e mais galerias de salas de teatro pelas avenidas de Buenos Aires. Será que o argentino é mesmo arrogante? Ou ele é tão somente superior à nossa crassa mediocridade?
O argentino não é arrogante. Ele é superior culturalmente. O argentino médio é, de fato, imensamente superior ao brasileiro médio. Arrogante é aquele que esfrega sua superioridade nas fuças dos ignorantes, que a usa para constranger o idiota.
O argentino não esfrega sua superioridade nas ventas de ninguém, ele apenas não a nega, não a esconde, não se faz de humilde nem de falso modesto. Que é do que o brasileiro mais gosta, que alguém que lhe é visivelmente superior diga que não, que não lhe é superior, que lhe é um igual.
E o vinho, eu ia me esquecendo, o vinho argentino... Bem melhor que o nosso, e bem mais barato.
Por isso, não adianta ficar a reclamar de nossos queridos hermanos, dizer que são nojentos e insuportáveis. Querem confrontá-los de verdade? Estudem mais, eduquem-se, ilustrem-se e, claro, produzam melhores vinhos. Não será com piadinhas que os superarão, ou, mesmo, os igualarão.
Não adianta : o argentino é superior. Tão superior que até o Espírito Santo preferiu um deles para Papa.
Morte rápida e vergonhosa à Igreja Católica, mas longa vida ao monopulmonado Francisco I, o Papa que come churrasco e anda de metrô.Em tempo : saiu o ranking do IDH, elaborado pela ONU. Entre os 187 países analisados, a Argentina ocupa a 45ª posição, o Brasil, a 85ª.