segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Ontem, Eu Quis Matar Um Poeta - Ela me Disse

O que 
De verdade
Há na poesia?

A de que
As pessoas que a procuram
Nada querem com a verdade.

O que
De verdade
Há no poeta?

Só a parte
Que não interessa a ninguém.

Ontem,
Eu quis matar um poeta
- ela me disse -
Quis exangui-lo
De seu sangue 
Azul
Verde
Preto
Vermelho
Roxo
Ou seja lá a cor
Com que ele
Escreve
Urina
Transpira
Conspira
Enreda.

E por quê?
Perguntei a ela.

Mentiu-me.
Enganou-me.

Enganou-te com o quê?
Com uma mão ruim de cartas,
Prerrogativa do crupiê que o poeta é?
Com as alegorias dele,
Que é o seu ofício de fé?
Com mesmerismos
E com a prestidigitação de sentimentos,
Que são o seu artesanato maior?
Não queres um sapato quando buscas os serviços de um sapateiro?

Magoou-me.
Traiu-me.

Entendo...
Parece-me ter cometido
O maior crime dos poetas,
O teu poeta :
Disseste-te,
Num momento de descuido
De pouca inspiração ,
A verdade.
Deixou de ser um fingidor,
Tornou a tua dor
(e a dele)
Na dor que deveras sente.

("enquanto você me fala, entredentes, poeta bom, meu bem, poeta morto...")

domingo, 30 de dezembro de 2018

A 2ª Lei da Termodinâmica (Ou, o Guilherme Arantes é Quem Sabia das Coisas)

Podem
As cinzas de um papel incinerado
Voltarem a ser
Folha pautada em um caderno,
Substrato para notícias de um jornal,
Invólucro para embrulhar peixes?

Pode 
O leite derramado
Retornar ao seu alguidar,
Reentrar nas tetas da vaca?

Pode
Um cagalhão
Grosso, flutuante e mal-cheiroso
Retroceder a um belo filé acebolado
Com guarnição de ovo mollet
E batatas fritas?

Por que pensar, então,
Por que insistir,
Por que sofrer de teimoso
Em esperar que a entropia
Se comporte
Diferentemente
Nas relações humanas?

("pra que ficar juntando os pedacinhos, de um amor que se acabou, nada vai colar...")

sábado, 29 de dezembro de 2018

Bukowski, Sendo Levado Para Longe...

Ela sempre estava pensando naquilo
e era jovem e linda e
todos os meus amigos tinham ciume:
o que um velho fodido como eu
estava fazendo com uma garota como ela?

ela sempre estava pensando
naquilo.
 
iamos de carro por aí e
ela dizia, " está vendo aquele lugarzinho? estacione ali. "

eu mal conseguia estacionar e
ela já estava agachada em mim.
uma vez eu a levei de carro ao Arizona
e no meio do caminho
tarde da noite
após o café e rosquinhas
em um boteco aberto a noite toda
ela se agachou
e começou
enquanto eu navegava pelas
curvas escuras através das
colinas baixas
e enquanto eu ia dirigindo
isso a inspirou a
novas altitudes.

outra vez
em L.A
havíamos comprado cachorro quente e coca
e fritas e estávamos comendo no
Griffith Park
famílias lá
crianças brincando
e ela me abriu o zíper
e começou

"que diabo você está fazendo?"
eu lhe perguntei.

mais tarde
quando eu lhe perguntei
por que
na frente de todo mundo
ela me disse que era
perigoso e empolgante
desse jeito.

ela me perguntou uma
vez"por que eu estou ficando com
um velho como você
de qualquer modo?"

"para que você possa me fazer
boquetes?", eu respondi.

"eu odeio esse termo!" ela
disse.
"chupando meu pau", eu
sugeri.
"eu odeio esse termo
também!", ela disse.

"o que você preferiria?"
eu perguntei.

"eu gosto de pensar que
eu o estou'beijando e levando para longe'",
ela disse.
"Tudo bem", eu disse.
. . .
era como qualquer outro
relacionamento, havia
ciumes de ambas as partes,
havia separações e
reconciliações.
havia também fragmentos de momentos de
grande paz e beleza.

tentei afastar-me dela várias vezes e
ela tentou afastar-se de mim
mas era difícil:
Cupido, com seu jeito estranho, realmente
estava lá.

Sempre que eu tinha que sair da cidade
ela me beijava em despedida.
bom
umas noites na
espera
garantindo a minha
fidelidade.

então tudo o que
eu tinha que fazer era
preocupar-me com
ela.

quando ela não estava
me beijando e levando para longe
também achávamos tempo
para fazer aquilo
de vários outros jeitos
estranhos.

mas todo aquele tempo com ela
era na maior parte só
ser chupado ou
esperar para sê-lo

nós nunca pensávamos muito em
outras coisas.
nós nunca íamos ao
cinema(que de qualquer modo
eu odiava).
nunca saíamos para
comer fora.
não tínhamos curiosidade
sobre
assuntos do mundo.
nós apenas passávamos nosso tempo
estacionados em
lugares isolados ou áreas
de piquenique ou
dirigindo por escuras
rodovias para o Novo México,
Nevada e Utah.

ou
quando estávamos em sua grande cama
de carvalho
com a face para o sul
tanto do restante do
tempo

que eu memorizei
cada vinco nos
lençóis
e especialmente
todas as rachaduras no
forro.

eu costumava fazer jogos com
ela sobre aquele forro.

"você vê essas rachaduras aí
em cima?"

"onde?"

"veja para onde eu estou apontando..."

"está bem"

"agora, vê essa rachaduras, vê o
formato? forma uma imagem. você vê o que é?"

"Hummm, hummm..."

"vamos, o que é?"

"eu sei! é um homem em cima de uma
mulher!"

"errado, é um flamingo parado
junto de um riacho."

. . .

finalmente nos livramos
um do outro.
é triste mas é

a operação-padrão
(fico sempre confuso pela
falta de durabilidade em assuntos
humanos).

suponho que a partida foi
infeliz
talvez até feia.
passaram-se 3 ou 4
anos agora
e eu me pergunto se ela
alguma vez pensa
em mim, no que eu estou
fazendo

é claro, eu sei que ela está
fazendo.

e ela o fazia melhor
do que qualquer outra
que conheci.

e acho que isso merece este
poema, quem sabe.

se não, pelo menos uma
nota de rodapé: que tais casos não
são sem alegria e humor para os dois
lados
e enquanto Saigon e os tanques inimigos se
misturam em velhos sonhos
enquanto cães velhos e enfermos são
mortos atravessando estradas
enquanto a ponte levadiça se ergue para
deixar os pescadores bêbados partirem
para o mar
não foi por nada

que
ela estava pensando
naquilo
o tempo
todo.

Ruim e Cara. Mas Estava em Promoção.

Não gosto da cerveja Skol. Nunca gostei. Desde os ocasos da década de 80 e arrebóis da de 90 (meus primeiros contatos com cerveja), quando nem havia todo esse sortimento de marcas nacionais e importadas, comerciais e artesanais, quando o nicho cervejeiro era dominado pelo triunvirato Antarctica, Brahma e Skol, com uma tímida e incipiente Kaiser a despontar na figura do Baixinho, nunca gostei da Skol.
Desgraçadamente, porém, em um quesito, devo admitir, a Skol era muito superior às demais. Na carbonatação? Nas notas de lúpulo? No amargor na medida certa? Na relação custo-benefício? Porra nenhuma. Na propaganda. No marketing. A Skol sempre teve as peças publicitárias mais criativas. E as loiras mais peitudas e apetitosas. 
Daí, o domínio da marca estava instalado. O cara via a loira gostosa com a garrafa de Skol na mão e, em seu raciocínio com a cabeça do pau, inferia ser a cerveja tão gostosa quanto. E a maioria sempre engoliu o engodo da propaganda da Skol, a isca de buceta. 
Eu, não. Eu nunca caí nessa esparrela. Se vejo uma loira peituda com um copo de cerveja na mão, seja de que marca, for, fico com vontade é de comer a loira, não de tomar a cerveja dela. Ou, pelo menos, assim o era quando eu tinha, como diria o Fábio Jr., os meus vinte e poucos anos; hoje... depende muito do dia...
Mas quem sou eu e o que posso contra o resto do mundo? Na época, em todos os poucos lugares a que eu ia, lá estava a Skol. Festas da faculdade? Skol. Churrascos e reuniões de família? Skol. Buteco com amigos? Skol.
Nunca gostei da Skol. Sempre me pareceu água de cozimento de milho. Não obstante, pelos motivos supracitados, já tomei muita Skol. Parafraseando o gaúcho da piada ("buceta, eu como de qualquer jeito, tchê"), cerveja, eu tomo de qualquer jeito, qualquer uma, em qualquer temperatura.
Então, ontem, a fazer a minha ronda habitual à procura de ofertas pelas prateleiras do mercado, dei com ela : Skol Hops, a puro malte da Skol. Já a vira antes, mas dada à aversão que tenho pela marca, aliada ao preço acima de 3 reais a latinha, nunca me engraçara pro lado dela. 
Ontem, porém, o mercado lançou a isca certa para me pegar. Uma promotora cavalona, loira e peituda da Skol a oferecer degustação nos corredores do mercado? Não. Uma promoção. Uma oferta. Um preço bem mais baixo que o normal da marca : R$ 1,79. Preço de Subzero, de Bavária, de Kaiser, de Crystal. Resolvi pagar (pouco) para ver. Comprei quatro latas da tal puro malte da Skol.
Pu-la a mais gelar. Deitei-a ao meu poderoso canecão. A espuma não se manteve nem por 30 segundos. A cor, igual a da Skol comum, um amarelo palha seco e desbotado, lembrando muito o cabelo da minha irmã. Cheirei-a. O aroma era bom, confesso, surpreendeu-me. Um cheiro de mato; herbal, como diriam os viadinhos degustadores. Um pouco de capim-limão e capim-cidreira, acredito. Bebi. E me arrependi do preço pago. Pelo mesmo preço, eu poderia estar a tomar uma Bavária, e por dez centavos a menos por lata, uma Crystal. 
A mesma água de milho de sempre, a tal Skol Hops. E de puro malte nem sinal! Brahma Extra Lager, Bavária Premium, Itaipava Premium, Império, 1500, Proibida Puro Malte, Cacildis e Serra Malte (a minha preferida) dão de dez a zero na porra da Hops. Pegaram a Skol comum e jogaram um pouco de perfume, umas essenciazinhas. Pra piorar, conseguiram deixá-la mais aguada ainda, só 4% de teor alcoólico, contra os 5,5% costumeiros de uma puro malte.
Avaliação final do Azarão : cerveja para mulheres belas, recatadas e do lar e para viadinhos degustadores de pregas gourmet.
Eis a fraude da puro malte da Skol. E o canecão - forte, vidro grosso, pesado, de larga empunhadura, 590 ml de capacidade - é minha mais recente aquisição. Comprei-o à loja Sodimac, por R$ 10,90. Uma pechincha. Bom e barato. O canecão, que fique bem claro.

Despertador Suíço

E, então, chega
O momento do sono,
A folga da vida
A pequena morte,
As férias do Pensamento
O sagrado domingo do Existir.

Ainda assim,
Não durmo.
Ainda assim,
Recuso a eutanásia,
O stand by do ciclo circadiano.
Ainda assim,
Ateu e insone,
Ainda existo,
Nos feriados e dias santos,
Fora do horário comercial
(ajudado por uma bexiga que, despertador suíço, me acorda de duas em duas horas).

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A letra G e a letra J

A letra G está em viagem; a J em viajar
A G, em agiota; a J, em juros a pagar
A G, em regime; a J, em jantar.

A letra G está em genuflexório; a J, em Judas
A G, em gerânio; a J, em jasmim
A G, no gibi; a J, no jornal.

A letra G está em origem; a J, em jamais
A G, em gemido; a J, em arquejar
A G, em algema; a J, em ejacular.

A letra G está no gim; a J, na cerveja
A G, em régio; a J, em sobejo
A G, em gerúndio; a J, no Alentejo.

G e J
Duas meninas-camaleoas
Trocando de lugar
De roupas
Entrelaçando pernas e fonemas
Acariciando-se em suas sílabas mais secretas.

Juntando-se, enfim
Geminando-se, afinal,
Em sincronizado
Regojizo.

Travessuras de Menina Má (14)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Tristeza e Isolda

Rolando Boldrin nos conta um "causo":
 "O sujeito, em viagem pelo interior, parou em uma pequena bodega, em uma pequena venda de secos e molhados à beira de uma estrada de terra batida, para espanar o pó dos ossos e fugir do sol a pino.
Pediu um prato feito para o dono da venda e foi para a mesa com uma cerveja gelada, refrescar a goela e a alma enquanto esperava pelo prato.
Ouviu, então, um trinado maravilhoso, um gorjeio como nenhum outro ouvira. Olhou em direção ao mavioso canto e viu que ele era executado por um canário-da-terra numa gaiola. Embevecido pelo canto, foi ter com o dono da venda no balcão na intenção de comprar a avezinha.
- Não vendo, não, dotô - disse o dono - é de estimação das crianças.
O viajante insistiu. Que o dono da venda estipulasse um preço.
- Então, tá, dotô, quero mir reais por ele.
Mil reais estava muito além do que o viajante podia pagar. Reparou que havia outra gaiola dentro da venda, na parede oposta, com outro canarinho nela, porém, esse calado, quietinho, só observando tudo. Supôs que, pela convivência com o canário cantor, o calado também soubesse cantar. 
- Mil reais tá muito caro pra mim - disse o viajante -, mas se o senhor me fizer um precinho bom, levo aquele outro ali, que não canta.
- Por aquele eu quero cinco mir reais.
O viajante estranhou : se pelo que canta uma maravilha, o senhor quer mil reais, por que quer cinco mil pelo que não canta nada? 
- É que aquele é o compositor. - arremata o caipira."
O "causo" é narrado à guisa de piada, e é deveras espirituoso, mostra a esperteza do caipira, do matuto, que de ingênuo e simplório, como podem mal julgar alguns "urbanoides", nada tem; antes pelo contrário, tem é a matreirice de uma raposa.
Mas o "causo" também resvala, na certa sem querer, inadvertidamente, na questão do desprezo que o Brasil tem pelos compositores de canções. Desprezo, talvez, nem seja o termo adequado. Desprezo,  podemos nutrir por algo que conhecemos e o compositor brasileiro é um ilustre desconhecido. Acredito que esteja mais para uma falta de reconhecimento, um descaso.
Poucos labores - entre eles, o do professor - são menos valorizados e incógnitos que o do compositor popular. Não há o costume - nem sei se há a obrigação legal - de programas de rádio e de tv informarem ao público sobre o nome do compositor da canção ao início ou ao fim de sua execução.
Quantas e quantas canções marcantes em nossas vidas, interpretadas e imortalizadas por canários-cantores não são de autoria dos mesmos, mas sim de anônimos e mudos canários-compositores?
Morreu na semana passada - só fiquei sabendo hoje - uma das maiores canárias-compositoras de nossa MPB : Isolda Bourdot. Seu nome, desconhecido da grande maioria; suas canções, velhas amigas de bar e de fossa dos cotovelos, dos chifres e dos corações de todos os brasileiros.
E não compunha para qualquer canário metido a cantor, não, a Isolda. Compôs para ninguém mais ninguém menos que o canário-rei, Roberto Carlos. É dela o clássico Outra Vez, que se tornou, ao longo do tempo, um dos carros-chefe do régio repertório - "você foi o maior dos meus casos, de todos os abraço o que eu nunca esqueci, você foi dos amores que tive, o mais complicado e o mais simples pra mim". É pouco ou querem mais?
Em parceria com o irmão Milton Carlos - uma das vozes mais melodiosas já surgidas na MPB, morto precocemente aos 22 anos em acidente automobilístico e autor das também clássicas Um samba Quadrado e Memórias do Café Nice -, compôs outras pérolas para o Rei : Jogo de Damas (Eu sei da sua vida e do seu passado/De um tempo perdido, irrecuperado/Eu sei da poeira/De todos os seus passos/Das suas trapaças, dos seus abraços) e Um Jeito Estúpido de te Amar (Eu sei que eu tenho um jeito/Meio estúpido de ser/E de dizer coisas que podem magoar e te ofender/Mas cada um tem o seu jeito/Todo próprio de amar e de se defender).
Segundo o perfil da musicista no feicibúqui, Isolda morreu vítima de um infarto do miocárdio, aos 61 anos.
No momento de sua morte, tenho certeza, houve não um minuto de silêncio por parte dos sempre loquazes canários-cantores; houve todo um LP de silêncio, de chiados e de choros engolidos. Da parte do Rei, talvez até mais.
Outra Vez
(Isolda)
Você foi o maior dos meus casos
De todos os abraços o que eu nunca esqueci
Você foi dos amores que eu tive
O mais complicado e o mais simples pra mim.

Você foi o melhor dos meus erros
A mais estranha história que alguém já escreveu
E é por essas e outras que a minha saudade
Faz lembrar de tudo outra vez.

Você foi a mentira sincera
Brincadeira mais séria que me aconteceu
Você foi o caso mais antigo
O amor mais amigo que me apareceu
Das lembranças que eu trago na vida
Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto você bem perto de mim outra vez.

Esqueci de tentar te esquecer
Resolvi te querer por querer
Decidi te lembrar quantas vezes eu tenha vontade
Sem nada perder.

Você foi toda a felicidade
Você foi a maldade que só me fez bem
Você foi o melhor dos meus planos
E o pior dos enganos que eu pude fazer
Das lembranças que eu trago na vida
Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto você bem perto de mim outra vez.
Isolda e o Rei

Para ouvir Outra Vez, é só clicar aqui, no meu enlutado MARRETÃO.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Pee Orgasm (Ou, Quem Não Tem Pau, Goza com Mijo)

Com o planejado, progressivo e irreversível embichamento do planeta, a mulherada tem se visto, cada vez mais, privada do seu instrumento máximo de prazer, do seu faz-me-rir, o cacete!
E nem é da falta de uma rola fixa, fiel e exclusiva que a mulheres andam a reclamar; que, do sonho da rola própria, de um cacete pra chamarem de seu, elas já desistiram há tempos. Dá-se que até mesmo o pau freelancer, aquele sem nenhum vínculo empregatício, até mesmo o pau diarista, aquele que a cada semana ou quinze dias aparece para espanar o pó e as teias de aranha, andam pouco dando as caras. Até o P.A., o famoso pau amigo, consolo das horas de solidão e desamparo (encosta sua cabecinha na minha cabecinha e chora...) -, é produto cada vez mais raro. 
Há uma crise de abastecimento de paus. "Estamos numa Venezuela de paus" - afirmam umas amigas minhas já a ultrapassarem a meia-idade - "tem muita oferta de cu e pouca de rola" - garantem. E vão além em suas afirmações. Se um cara sai pra noitada oferecendo o cu, ele não volta pra casa de mãos e rabo abanando; se a mulher sai a oferecer a outrora perseguida, não ganha nem bilu bilu tetéia.
Mas o tesão é força das mais incontroláveis, torrente irreprimível. Se não sai por um lado, sai por outro. Se não vai de um jeito, vai de outro.
Por isso, uma vez que a mulherada não está mais conseguindo o que entra para gozar, está aprendendo a gozar com o que sai. A nova tendência agora - e aposto que as feministas estão por detrás disso, pois dispensa em definitivo o pau - é gozar por meio de um belo jato de urina. 
É o Peeorgasm. O gozo via urina. A mulher segura a urina o máximo de tempo que conseguir, até a bexiga estar prestes a estourar, daí vai ao banheiro e elimina tudo num caudaloso jato, o que lhe provoca um prazer intenso, calafrios que se estendem por toda a espinha dorsal até à nuca, descrevem as adeptas do peeorgasm.
Pããããããta que o pariu!!! Já ouvi falar de orgasmo clitoriano, vaginal, uterino, anal, auricular, amigdaliano etc, mas, de orgasmo bexigal, ou uretral, é a primeira vez. Já ouvi dizer de urinoterapia, de urinoputaria, é a primeira vez.
A nova prática tem, é claro, embasamento "científico". A ginecologista espanhola Belén Martinez-Gijón Machuca, do Hospital Quirón Salud Infanta Luisa, diz que a bexiga cheia vai se expandindo e pressionando o ponto G; ao urinar, a pressão sobre o ponto G diminui, o estimula e provoca um gozo do caralho, mas sem o caralho. Palavras da médica : “devido à disposição anatômica feminina, a relação entre a bexiga e a vagina é muito estreita; as duas estão separadas apenas por um tecido que quase pode ser considerado virtual. Cientificamente, a distensão da bexiga é chamada de globo vesical. Portanto, exercer um mecanismo de pressão sobre a vagina estreita este espaço e favorece a estimulação do ponto G que se encontra no terço médio da face anterior da mesma. Isso se traduz em um aumento do prazer sexual”.
Quem sou e que direitos eu tenho de destruir os sonhos e ilusões alheios, mas vocês, meninas, estão a confundir as coisas, a trocar a bolas. Vontade de mijar não é tesão e nem saciar essa vontade, orgasmo.
Se for assim, nós, homens, também temos esse tesão do mijo. Não raro, na madrugada, bexiga cheia a pressionar a próstata, acordamos de pau duro. O pau fica duro, inchado, roxo, luzidio. Dá vontade de tirar uma foto e mandar pros amigos, fazer-lhes inveja. Tesão? Virilidade? Porra nenhuma! Não nos vem a vontade de comer uma buceta nessa hora, só de mijar, mesmo, e o mais logo possível. No banheiro, esperamos o pau dar uma arriada e mijamos : Aaaaaaaahhhhhhhh!!!! Já proferi "Aaahhhs" muito mais longos mijando do que metendo. Realmente, uma sensação muito boa nos percorre a espinha, chego a me arrepiar. Gozei? Porra nenhuma, de novo. Só mesmo o alívio de uma urgência.
O que vocês sentem não é gozo, meninas. É um alívio. Só.
Ainda que proporcionasse deveras um orgasmo, a prática é fortemente contraindicada por urologistas. Segundo eles, ela pode causar males ao organismo - males reais - que sobrepujam em muito os supostos benefícios. Segurar a urina por muito tempo pode causar o enfraquecimento dos músculos da bexiga, provocar incontinência urinária precoce, infecções no sistema urinário, pedras nos rins, cistite e pielonefrite.
Deixem de modismos e de modernismos, meninas. Se o pau lhes falta, recorram ao tradicional, ao remédio que lhes está sempre à mão, usado desde os tempos de nossas avós, bisávos etc, orgânico, autossustentável e sem nenhuma contraindicação : Siririca, babys, siririca.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Com Sorte, o Purgatório

Faz-te bem aos sentidos?
Pois prepara-te
Para o martírio
E a degeneração dos sistemas.

Enleva-te a alma?
Pois aguarda
- Que não há de tardar -
A falência
E o funeral dos membros.

Assalta-te a paixão?
Pois muna-te
Com todo o otimismo do mundo
E torças pela sorte do Purgatório.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Então, é Natal...

Pãããããta que o pariu!!! É a festa cristã! E eu com isto?
Mas, de duas coisas ao ano, nenhum homem de boa paz e de boa vontade escapa : exame no urologista, tendo ele tesão na argola ou não, o dedo grosso vai entrar; e Natal na casa da sogra, sendo ele cristão ou não, ele é pego pra Cristo!
E, sem mais delongas, é isso. Volto depois do Natal.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Dialética Milloriana

Por que sempre somos novos nas fotos velhas
E velhos nas fotos novas?

Renas do Papai Noel (6)

Dom Odair José de La Mancha

O que torna um artista em um clássico é o imperecível de sua obra, o caráter atemporal das questões humanas por ele abordadas. 
Um clássico, como poderiam pensar (tendo eu a benevolência de supor-lhes tal capacidade) os jovens da catatônica geração smartphone e os adultos e velhos sem um pingo de vergonha na cara que aderiram à estrovenga, não é algo apenas antigo, velho e empoeirado, cheirando a tumbas, mausoléus e bibliotecas, embora duvide que a maioria deles saiba o que seja, ou tenha adentrado em uma biblioteca.
Antes pelo contrário; um clássico, não importa o quando de sua concepção, sempre fulgura e recende a novo, a inédito. É uma foto que não amarela. Que, ao longo do tempo, segue a retratar fidedignamente a indigna, imutável e patética natureza humana.
Para se consolidar em um autêntico clássico, no entanto, não lhe basta o sempterno de seu objeto, há de se juntar a ele, também, a universalidade do mesmo. O clássico não é tão-somente uma obra não datada, é uma obra que também não tem nacionalidade, credo ou classe social, cujo entendimento não se altera com as coordenadas geográficas.
A origem da vida? A imortalidade da alma? A angústia, o nada e o sentido da vida? Porra nenhuma! Que tudo isto são choramingos de filósofos alemães e dinamarqueses mimados, com a vida ganha, meros esperneios de rebeldes sem causa.
Qual a grande e verdadeira angústia humana? A cornagem, meus caros. O chifre é o eterno e irremovível aperto e tormento da alma humana. Há tempos, em um muro pelo qual eu passava a caminho de casa, uma pichação de um anônimo filósofo urbano bem resumia a inevitabilidade dessa miséria humana; dizia a pichação : O Problema é a Buceta!
E acerca desse tema tão aflitivo ao ser humano, ninguém é mais clássico que Odair José. O Cervantes dos cabarés e casas de tolerância. Dom Odair José de La Mancha. O menestrel da triste figura da Praça Tiradentes.
A prova da universalidade do bardo, a mostrar que o que acontecia na década de 1970 num zonão brasileiro pode muito bem acontecer - e acontece - em qualquer tempo, longitude e latitude, é o que se deu com Brian Smith, adolescente americano do estado de Nova York.
Vencedor de uma promoção da empresa Good Girls Company, o adolescente ganhou o direito de participar de uma orgia em uma ilha particular conhecida por Sex Island, em águas caribenhas, Trinidad e Tobago. A orgia, regada a buceta, drogas e rock'n'roll, durou três ininterruptos dias e noites, e mudou a vida do americano.
Ao voltar da orgia para o seu lar, comunicou aos pais que se apaixonara por uma das putas com quem passou os dias (cada sorteado na promoção tinha direito a escolher duas putas) e que pretende se casar com ela : "Foi incrível, tão maravilhoso que quero chorar só de lembrar. Fiz sexo pela primeira vez, bebi álcool pela primeira vez, usei droga pela primeira vez. Uma das minhas era chamada Andrea, e eu me apaixonei por ela. Eu quero me casar com ela. Ela disse que quer vir morar comigo nos EUA. Tenho o contato dela. Espero vê-la em breve".
Pããããããta que o pariu!!!! O rapaz tomou um verdadeiro chá de buceta! Gamou na puta! Mais Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, impossível. Abaixo, a foto do felizardo, vibrando de paixão; atrás dele, suponho, o orgulhoso pai, o futuro sogro da puta.

Eu Vou Tirar Você Desse Lugar
(Odair José)
Olha, a primeira vez que eu estive aqui
Foi só pra me distrair
Eu vim em busca do amor

Olha, foi então que eu lhe conheci
Naquela noite fria
Em seus braços, meus problemas esqueci

Olha, a segunda vez que eu estive aqui
Já não foi pra distrair
Eu senti saudades de você

Olha, eu precisei do seu carinho
Pois eu me sentia tão sozinho
E já não podia mais lhe esquecer

Eu vou tirar você desse lugar
Eu vou levar você pra ficar comigo
E não me interessa o que os outros vão pensar
Eu sei que você tem medo de não dar certo
Pensa que o passado vai estar sempre perto
E que um dia eu posso me arrepender

Eu quero que você não pense em nada triste
Pois quando o amor existe
Não existe tempo pra sofrer

Eu vou tirar você desse lugar
Eu vou levar você pra ficar comigo
E não me interessa o que os outros vão pensar.


Para ouvir, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Renas do Papai Noel (5)

Terras Raras e Outros Elementos Além-Mendeleiev

No início,
Vai ser :
Como ter perdido aquele amigo confidente,
Que se mudou de cidade e/ou de escola;
Como ter recebido alta inesperada do psicólogo
E ter apenas o sofá mudo de casa para se deitar e pensar na vida;
Como não ter mais um padre confessor
E ter de decidir sozinho se seus pecados são ou não perdoáveis
E mediante a que indulgências;
Como se o dique fosse se romper,
Como se não fôssemos capazes de nos conter em nós mesmos 
(bexiga de velho sempre com vontade de mijar).

Em seguida :
A simples lembrança do amigo em conversas e encontros imaginários passará a bastar;
O divã do psicólogo será tido como outra criancice e outra fraqueza a serem empurradas para debaixo do tapete de nossos arrependimentos e vergonhas - cada vez mais alto, o tapete;
E o espelho do banheiro, na madrugada,
Será capela, oratório e genuflexório mais confiável e revelador.

E depois...
O Depois.
Que o Depois não deixa nada para depois.
Que o Depois sempre dá o seu jeito,
Que o Depois sempre se impõe, impera,
Que o Depois sempre bate à nossa porta
Com um mandato de condução coercitiva.

Nosso consolo?
Nosso álibi?
Nosso reconforto?
O Antes!
Que só o Antes pode fazer frente ao Depois num tribunal.
Ainda que sempre perca.
Por prescrição das virtudes.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Eu Hoje Joguei Tanta Coisa Fora...

Não gosto do Herbert Vianna! Nunca gostei! Acredito que não goste dele até muito antes do Lobão ter lhe pego ódio e nojo! Considero-o um babaca, um metido a bom moço, um candidato a genro que toda sogra sonha em ter, um boçal, um cagador de regras, o gérmen, o esporo, o cisto do politicamente correto antes do politicamente aportar em terras cabralinas.
Não obstante, em mais uma dessas evidências cabais de que o talento não ocupa o mesmo locus gênico do caráter, Herbert Vianna é autor de algumas belíssimas letras e canções. Caleidoscópio, Lanterna dos Afogados, Por Quase um Segundo, La Bella Luna e mais uma meia dúzia, não mais. Entre essa meia dúzia, Tendo a Lua, aquela assim : "eu hoje joguei tanta coisa fora, eu vi o meu passado passar por mim..."
Por que me lembrei desta canção? Primeiro, porque, como já disse, acho-a inspiradíssima; depois, porque hoje eu joguei mesmo tanta coisa fora. Dos meus armários, das minhas gavetas, das minhas caixas de papelão? Não. Que o conteúdo destas já foi reduzido ao mínimo há anos.
Hoje joguei tanta coisa fora das minhas gavetas virtuais. Da nuvem, como se diz hoje. Algumas nuvens, ventei; outras, fiz chover em derradeira garoa nos olhos; outras, mandei irem goteirar em outras plagas. E-mails e fotografias, gente que foi embora.
Além do meu e-mail, digamos assim, oficial, no hotmail, mantinha ainda mais uns cinco ou seis. E-mails criados exclusivamente para receber recados do trabalho e usados duas ou três vezes; e-mails criados para eu poder comentar em sites que não aceitam comentários anônimos : meus heterônimos virtuais; e até um criado, em inícios dos anos 2000, para relacionamentos obscuros.
Gavetas vazias são porta-retratos sem fotos, lápides sem nome; mas também cartas de alforria. Luto e espaço novo para a vida. Atestado de Óbito e Certidão de Nascimento.
Oh! Suzana, não chores por mim...

Renas do Papai Noel (3)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O Azarão de Loch Ness

Basicamente, o que torna míticas as criaturas míticas são a escassez de relatos orais e documentos escritos confiáveis e a quase ausência de registros foto e filmográficos fidedignos, que resistam ao escrutínio de uma perícia.
Criaturas míticas são formadas, essencialmente, de "o fulano disse que viu em tal lugar", "eu ouvi dizer pelo sicrano" e de vultos, sombras e borrões granulados e em preto e branco.
Vide os clássicos Monstro do Lago Ness e o Sasquatch, o pé grande.
O Azarão é uma criatura mítica! Pouquíssimos são os registros que dão pistas de minha real existência; menos ainda os que a confirmam.
Garanto-vos que há mais fotos do Ness e do Sasquatch circulando por aí do que minhas.
No Brasil, acredito que somente Rubem Fonseca e Dalton Trevisan possam ter sido menos fotografados do que eu. Ainda assim, vez ou outra, volta e meia, um fotógrafo mais sagaz, astuto e bom de tocaia pra caralho consegue me capturar com suas lentes. 
Noite sem lua, de puro breu, festa no capoeirão e no bambual, bailavam corujas e pirilampos entre os sacis e as fadas. Eu dançava e bebia cauim com os elementais da mata. De repente, fui atraído não pela luz de uma fogueira junto a um agrupamento humano, mas sim pelo reflexo da luz numa tina de metal, cheia de gelo e de cerveja.
Vesti-me com a carapuça da invisibilidade do saci-pererê e pus-me a trote rápido da mula sem cabeça. Peguei dois latões. Indetectável a olhos humanos. Mal sentiram o leve deslocamento de ar causado pela minha passagem, que fez bruxulear a chama do lampião de querosene.
Havia, porém, uma armadilha fotográfica, uma câmera remotamente ativada por um sensor de movimento ou de infravermelho, muito usada para fotografar animais esquivos, feito a onça-pintada, o lobo guará, o tamanduá-bandeira etc. Fui clicado.
O Boi Tatá, a Mãe da Lua e o Caipora esbaldavam-se de rir às minhas custas. Fiz-lhes um gesto obsceno e me afundei na mata. Sem dividir os latões com ninguém.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Pequeno Conto Noturno (74)

Cíntia sobe e monta em Rubens - deitado na cama de barriga para cima, em riste - e passa a cavalgá-lo, de frente para ele.
Rubens gosta de foder assim, por baixo, economiza-lhe muito esforço físico, que, passado os 50, não tem mais fôlego para ficar fazendo centenas de flexões de braço. Ademais, ficar por baixo, submetido a ritmo que não o seu, dá-lhe controle total de quando ou não gozar.
Cíntia alterna movimentos circulares e de bate-estaca no pau de Rubens. Sem pará-los nem mesmo diminuir suas intensidades, debruça-se sobre Rubens. Oferta-lhes os peitos. Médios para grandes. Rubens os apalpa, manipula, lambe, suga. Cíntia goza. Ergue-se, saca os peitos da boca de Rubens e, sem tirar o pau de dentro, vira-se de costas para ele. Continua a montá-lo. Com o cu à mostra, o espesso líquido branco de suas entranhas a se emplastrar nos pentelhos de Rubens, a envernizar o seu pau.
Rubens começa, então, a deslizar para trás, a se pôr sentado na cama. Crava os dedos na bunda de Cíntia, puxando-a para si, para que não se desacople do seu pau. Ao mesmo tempo, enquanto se põe cada vez mais sentado, vai empurrando para cima a bunda de Cíntia, elevando suas ancas, para colocá-la de quatro. Ao se dar conta da intenção de Rubens, Cíntia tira as mãos dele da sua bunda, gira o corpo, volta a montá-lo de frente e diz que não, diz que na condição dela, de uma mulher consciente de seu papel na sociedade, se recusa em trepar de quatro.
Danou-se - pensa Rubens. Uma porra duma feminista. Só podia ser praga do Calil.
Mas como Cíntia continuava a montá-lo, encharcada e quente, e como o pau já estava mesmo dentro, decide que não faria mal nenhum gozar. E gozou.
Cíntia chega à sala, saída do banho, e Rubens está sentado ao chão, pelado, acaba de abrir um latão de cerveja.
- Rubens - começa Cíntia -, quero falar que o que aconteceu lá no quarto, eu não ter ficado de quatro, não é nada contra você, nada pessoal.
Eu sei - pensa, mas não diz, Rubens - é contra todos os homens do mundo.
- Tudo bem, sem problema, não tem que explicar nada - diz Rubens, na esperança de encerrar o assunto. Não sabe o que é pior. Não ter comido o rabão de Cíntia ou ter de ouvir a explicação dela do por que não. Aliás, sabe : a explicação é pior. E mesmo desobrigada por Rubens de dá-la, a explicação vem. Puta que o pariu se vem. Rubens toma um longo gole e se prepara pro baque.
- O homem, Rubens, sempre fez questão de impor o seu jugo machista e opressor à mulher, a todo momento, em todas as situações. Sabe-a mais capaz que ele e sempre teve medo de que ela descobrisse isso. Principalmente no sexo, área em que a mulher é claramente superior, pois não pode o homem conceber e gerar e nem gozar múltiplas vezes.
- Eu gosto de ver a mulher gozando várias vezes antes de mim. Gosto de oprimir a mulher a gozar duas, três, quatro, cinco vezes...
- É sério, Rubens, não estou dizendo que você seja assim, ou que o faça conscientemente, mas faz. Quis me pôr de quatro, não quis?
- Impressão sua, eu só tava me ajeitando na cama, me levantando um pouco, dor nas costas, sabe?
- Pensa que tô brincando, né? Com medo da mulher, para controlá-la, para não deixar que ela descubra a própria força sexual, o homem a submete a posições humilhantes durante o sexo, posições que lhe dão o controle total das ações e movimentos. A mulher é posta na cama como uma cadela, como um fêmea irracional e sem vontade, como se às mercês, meramente, de seu cio biológico e de seu patrão, o homem.
Ai, meu saco - pensa Rubens -, não tem buceta que valha tanto. Toma outro gole e mata o latão. Vai até a cozinha e volta com outro. Só para si.
- Olha - diz Rubens -, se você tivesse ficado só um pouquinho de quatro, só um pouquinho, garanto que não a denunciaria ao Femen, ou ao Women's Liberation Front.
- Já falei que não é brincadeira, Rubens. Ir por cima, transar de frente, olhando o homem nos olhos, em condições de igualdade, foi uma lenta e difícil conquista feminina. Ter ficado de quatro pra você seria desrespeitar toda a luta das mulheres que me precederam, jogar ao lixo anos de luta feminista, seria, aos poucos, ir minando, solapando esse direito duramente conquistado.
- Sei - diz Rubens.
- Não, não sabe. A  mulher que se submete a fazer sexo na vexatória posição de quatro, de cadela, de vaca, se anula como indivíduo, se desapodera de sua condição de mulher, vira apenas um receptáculo de líquido seminal.
Porra! - pensa Rubens, mas se limita a dizer :
- Entendo - e dá outra talagada, drena o latão, pensa no quão caro essa buceta estava lhe custando. Vai até a cozinha e pega mais um. Só para si.
- Não, Rubens, na verdade, você não entende. Você foi educado para ser homem. Não tem como entender.
Rubens respira fundo. Decide que a remota possibilidade de um segundo round com Cíntia não vale o discurso dela. Nem de longe.
- Na verdade, Cíntia, eu não fui educado para ser homem. Fui programado biologicamente para ser homem. Lembra daquelas coisinhas, daqueles pequenos detalhes, dos cromossomos XX e XY? A natureza me deu um pau, não a sociedade machista. O meu cacete, Cíntia, no qual, ainda há pouco, você rebolou e se derreteu, não é uma construção social, porra. É carne, corpos cavernosos e sangue do bom bombando.
Toma outro gole. Dois.
- Me diz, caralho, onde foi que a coisa se perdeu, Cíntia. Quando foi que as pessoas passaram a levar posicionamentos políticos e ideológicos para a cama? Para a cama, Cíntia, deve-se ter a decência e o respeito de levar, simplesmente, uma buceta molhada e um pau duro. Não é à toa o número cada vez maior de balzaquianas, para cima, encalhadas, sem um homem para chamar de seu. O cara sai para meter numa mulher e acaba tendo que comer uma cartilha ideológica. O sujeito some, mesmo. Não liga nunca mais. E, depois, ele é dito o canalha. Que ereção resiste à militância e panfletagem, ora porra?
Entorna raivosamente o resto do latão. Em três goles sucessivos, sem respirar. Rubens bebe mais rápido quando fica puto da vida. Já viu que daquela buceta não sai mais coelho. Do cu, então... melhor nem tentar, sob pena de ter que ouvir sobre a sua potencial homossexualidade enrustida etc etc. Vai pra cozinha.
- Admito que haja um pouco de excesso da parte de certas alas mais radicais, Rubens - começa Cíntia, quando Rubens chega da cozinha com outra lata. De novo, só para si.
- Olha, acho que essa deve ser a terceira ou a quarta lata que você pega, não vai perguntar se eu também quero e trazer uma para mim?
- Normalmente, eu já teria trazido, mas vá que ir à geladeira e pegar a cerveja por conta e vontade próprias também seja uma importante conquista feminina? Quem sou eu para querer me opor, minar e solapar esse direito conseguido às duras penas?
Cíntia se levanta. Vai ao quarto, se veste e sai. Bate a porta. Desce as escadas pisando duro.
Rubens relaxa. Respira aliviado. Escarrapacha-se sentado no chão da sala. Saco raspando no tapete.
Praga do Calil, sem dúvida - conclui.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Renas do Papai Noel

Não há por onde. Não sou cristão. Sou ateu. Mas o espírito natalino nos pega a todos. Jingle bells, jingle bells.