quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Uma Elegia À Cláudia Ohana (A Última)

Durante mais de dois anos, sempre no primeiro dia de cada mês, eu fiz aqui no Marreta uma pequena homenagem à Cláudia Ohana, a deusa protetora das matas densas, úmidas e sombrias.
Meu singelo tributo sempre consistiu de uma foto de uma mulher bonita, preferencialmente nua, com cabelos fartos, longos e revoltos - cabeleira à la medusa -, acompanhada de um trecho de uma música consagrada de nossa MPB, em cuja letra se encontra a palavra cabelo ou pelo.
Foram vinte elegias, e mais outras tantas poderiam a essas se seguir, mas...
Cláudia Ohana desistiu de sua divindade, de seus dons Olimpianos, preferiu se tornar mortal.
No início do mês passado, declarou que sim, que agora raspa a buceta.
Aqueles pelos eram o próprio Velocino de Ouro, lã do mitológico carneiro alado Crisólamo, que conferia poderes mágicos de força e velocidade a quem o possuísse, e em cuja busca Jasão e seus Argonautas a tantos perigos mortais se expuseram.
E de uma hora para outra, Cláudia Ohana chega, como quem não quer nada, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e diz que raspa a buceta.
Perdeu o seu Velocino de Ouro, desfez-se dele voluntariamente, guilhotinou-o com um reles e mundano prestobarba, perdeu seus poderes.
Assim posto, não ficarei mais aqui a deitar loas nem a erguer templos para deusas mortas.
Prestar-lhe-ei, então, uma última reverência, mais em caráter de uma nênia que de uma elegia; e nunca mais tornarei a elevar meus pensamentos a ela.
A foto, nessa derradeira vez, é da própria Cláudia Ohana, em seus clássicos tempos; a música, Cabelo, tem letra de Arnaldo Antunes.
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Quem disse que cabelo não sente
Quem disse que cabelo não gosta de pente
Cabelo quando cresce é tempo
Cabelo embaraçado é vento
Cabelo vem lá de dentro
Cabelo é como pensamento
Quem pensa que cabelo é mato
Quem pensa que cabelo é pasto
Cabelo com orgulho é crina
Cilindros de espessura fina
Cabelo quer ficar pra cima
Laquê, fixador, gomalina
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada
Quem quer a força de Sansão
Quem quer a juba de leão
Cabelo pode ser cortado
Cabelo pode ser comprido
Cabelo pode ser trançado
Cabelo pode ser tingido
Aparado ou escovado
Descolorido, descabelado
Cabelo pode ser bonito
Cruzado, seco ou molhado

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Dia do Saci

Hoje, 31 de outubro, é o Dia do Saci!
E Dia do Saci é feriado lá no bambuzal.
No Dia do Saci, Saci não trabalha, fica de pernas pro ar, quer dizer, de perna pro ar.
No Dia do Saci, o Saci não azucrina as pessoas e os animais, não faz gorar os ovos nos ninhos, não queima o feijão da preta velha, não benze a pipoca para transformá-la em piruá, não trança a crina dos cavalos, não some com objetos, não azeda o leite, não esconde o dedal da costureira, não assombra os viajantes pelas estradas de terra a lhes pedir fumo, não faz zangar a poção em fervura no caldeirão da prima Cuca.
No Dia do Saci, o Saci descansa no capoeirão da mata. Todos eles, o Pererê, o Açu, o Trique, o Saruçá, o Matita-pereira.
Eles ficam lá, no capoeirão, sossegados, pitando seus cachimbinhos, falando da vida, gabando-se de suas proezas, de suas vantagens, de suas montarias em redemoinhos, beliscando uns tira-gostos de cogumelos.
E relembrando histórias de amigos falecidos, contando "causos" e mais "causos" sobre Monteiro Lobato.
 Feliz Dia do Saci, Saci.

Magali Quer Uma Pica

O fato a seguir torna o surreal, plausível, trivial.
No Acre, uma professora de uma série primária se utilizou de uma tirinha de jornal como enunciado de uma questão para seus pupilos. Na tirinha original, da Turma da Mônica, Cebolinha e Magali chegavam a um carrinho de pipoca e Cebolinha fazia seu pedido, Eu quelo um saco de pipoca; em seguida, o pipoqueiro voltava-se para Magali e perguntava, E a garotinha? O que sobrar, respondia a esfomeada Magali.
A questão, de múltipla escolha, cobrava que o aluno fosse capaz de identificar a reação manifesta na cara do pipoqueiro e a resposta correta era a letra D, espantado.
Só que por alguma razão, ou pela mais absoluta falta dela, a professora resolveu imprimir sua marca autoral à tirinha e modificou-a, revelando toda a sua pujança peidagógica.
A "obra" acabada ficou assim : E a garotinha?, o prestativo pipoqueiro; Uma pica, responde uma insaciável Magali.
Isso mesmo! Uma pica, um caralho, um pau, um cacete, uma rola!
Ao receberem as provas dos filhos, alguns pais procuraram a direção da escola em busca de esclarecimentos. Que não foram dados a contento. O que os pais receberam foi uma série de desculpas esfarrapadas. 
Primeiro, a professora resolveu passar a batata quente para outras mãos, jogar a culpa em outrem, revelando toda a ética e o coleguismo típicos do meio professoral, disse que a culpa era da coordenação, que avaliara e aprovara o teste antes de sua aplicação. Ela pôs a pica na boca faminta da Magali, mas a culpa foi da coordenação, que deixou o absurdo passar incólume, o que também não deixa de ser verdade, mas enfim...
Acuada, a professora acabou se complicando ainda mais com suas "explicações" para o ocorrido, afirmou que a maldade está na cabeça do adulto e não da criança e que isso não era um palavrão. Não, não é, não
Durante a avaliação, alguns alunos avisaram a professora sobre a presença de uma "imoralidade na prova", mas ela negou que pica fosse um termo maldoso. 
Percebendo a impossibilidade da coordenação pagar o pato em seu lugar, a professora tentou novo subterfúgio e jogou a culpa para cima da secretária da escola, que teria digitado erroneamente a prova. A corda sempre arrebentando do lado mais fraco : "No rascunho era outra expressão, aí a moça que elabora a prova puxou a tirinha da internet e não percebeu que ela estava com a expressão errada", disse a zelosa mestra, mais uma vez incapaz da honradez de assumir seu próprio erro, mais uma vez dando um belo exemplo do que é educação para seus alunos.
A coordenadora da escola se mostrou tão competente de suas funções quanto a professora das dela, admitiu que chegou a revisar a versão da prova já com a expressão alterada, antes dela ser aplicada. Porém, disse ter pensado que o uso da palavra, como se tratava de uma questão de interpretação, fora intencional.
Sim, que foi intencional, foi, mas com que intenção, exatamente?
Ou seja, a pica passou por várias e várias mãos antes de chegar às dos alunos. E ninguém percebeu, ou até sim, mas não achou nada de errado com sua presença. 
Bom, para mim está bem claro que a tal da pica ou é coisa das mais banais, das mais comuns e corriqueiras para a equipe peidagógica da escola, ou o contrário, que a professorada tenha já se esquecido do que é uma pica, esquecido-se, pela falta do uso e da prática, das verdadeiras utilidade e destinação de um caralho.
Acredito, no entanto, e tudo daqui em diante são suposições, que tenho a explicação mais racional possível para o imbróglio. Tenho quase certeza de que o incidente foi provocado pelo bom e velho ato falho, um erro involuntário na fala, na memória, ou mesmo numa ação física, com origem no inconsciente e desencadeado por um desejo reprimido, por uma necessidade não satisfeita, não atendida.
Por minha observação de quase duas décadas da categoria docente, noto que a maior carência dessa classe, que já foi tão valorosa, não chega a ser os baixos salários que recebe - e que realmente são miseráveis, humilhantes -, nem as péssimas condições de trabalho a que é submetida - e que são de fato degradantes -, tampouco o absoluto desrespeito com que é tratada pelos alunos e população em geral, nada disso. A maior carência que noto, a que mais ressente e entristece a categoria, é a da pica.
Já disse o sábio Paulo Salim Maluf, e isso há algumas décadas, que professora não ganha mal, professora é mal casada. De lá para cá, a coisa piorou. E muito. Às mal casadas de Paulo Maluf, juntou-se o enorme contigente atual das descasadas. 
A situação é crítica entre as nossas queridas professorinhas, periclitante, de matar cachorro a grito. A falta da pica é lugar-comum no meio docente. A pica é a necessidade mais premente da classe. E com o mercado de machos em baixa, conseguir uma pica se tornou uma ideia fixa entre a categoria, quase que uma obsessão. Um homem para chamar de seu é preocupação que ocupa as 24 horas do dia da professora descasada.
E o ato falho, implácavel e infalível, rompeu a amarras do consciente e expressou-se pela boca gulosa da Magali. Só faltou a inclusão de duas outras alternativas à questão : letra E, envergonhado; letra F, excitado.
Talvez - eu ainda à cata de uma explicação razoável -, a professora tenha desejado homenagear o povo indígena, ainda tão presente no estado do Acre, e feito alusão à clássica piada do índio, na qual uma mulher muito da gostosa pergunta para um índio, que a comia com os olhos, se ele quer pipoca. E o nosso bom (e nada bobo) silvícola, responde : índio não quer pipoca, índio quer "pô" pica.
Falando um pouco mais a sério, o mais provável é que a tirinha tenha sido copiada da internet já dessa forma, adulterada, e usada na prova sem maiores cuidados e averiguações, tão necessários a qualquer material que recolhamos da internet. Descuido que pode ser resultante da sobrecarga de trabalho com que o professor é obrigado a lidar e a conviver em seu dia a dia, se quiser ganhar um salário minimamente digno. Não estou afirmando que tenha sido isso, nem que essa tenha sido a única razão, mas que a sobrecarga é um forte fator a ser considerado quando a qualidade do trabalho de um professor é afetada, isso é.
De qualquer forma, em um exercício canalha de minha imaginação, posso visualizar a coordenadora revisando a prova e dando de cara com a Magali a dizer que quer uma pica. Com um suspiro profundo, intimamente, ela pergunta retoricamente aos seus botões : e quem é que não quer, minha filha, e quem é que não quer?
Bom, eu é que não!

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Carta do Apóstolo Valdemiro Aos Idiotas

O canal 32, ex-MTV, de propriedade do grupo Editora Abril, está à venda. Pela bagatela de R$ 500 milhões, qualquer um poderá se tornar um feliz dono de um canal de televisão. E há um interessadíssimo comprador em potencial : o apóstolo Valdemiro Santiago, líder da denominação religiosa Igreja Mundial do Poder de Deus.
A compra do canal poderá expandir o alcance de sua igreja, aumentar a arrecadação e tentar sanar a grave crise financeira pela qual passa a congregação do apóstolo, parte dela decorrente do desvio de dízimo realizado por alguns de seus próprios pastores. Valdemiro Santiago - tadinho - está a enfrentar seu próprio Judas.
Mas, regra básica do capitalismo, para fazer dinheiro, é necessário dinheiro. E onde consegui-lo? Trabalhando? Claro que não. Nem tentem, garanto que não funciona. Valdemiro Santiago, porém, é muito mais esperto e inteligente que esse que vos fala, nem se dará ao trabalho de tentar trabalhar.
A solução é tosquiar, ainda mais, suas prestativas e providentes ovelhinhas. Da lã, nada lhes sobra, máquina zero já lhes foi passada até o último dos fios; o que resta a Valdemiro é arrancar-lhes o couro, ou conseguir novas ovelhas, felpudas e lanosas, lã fresca e idiota para os cofres da igreja.
E que melhor isca para novos fiéis que não um bom milagre? Que melhor chamariz do que, a troco de um reles dízimo, ter o Todo-Poderoso a seu inteiro dispor, a lhe dar consultoria e a resolver seus problemas?
Sim, o crente, antes de tudo, é um canalha preguiçoso. Via dízimo, ele terceiriza a deus todos os seus problemas e todas as providências e decisões às quais deveria proceder para melhorar a própria vida. Um dobrar de joelhos e umas moedinhas em troca de um milagre de prosperidade. Convenhamos, não é um mau negócio.
Mas milagres são eventos raros, inexistentes na verdade, não dão em árvores por aí. E se não os há, fácil : fabriquemo-nos. A Igreja Católica, mestre maior dos picaretas, faz isso há quase dois milênios. E Valdemiro Santiago, aparentemente, também resolveu fabricar os seus.
O colunista Daniel de Castro, do portal UOL, noticiou que uma carta está a ser veiculada dentro das filiais da Igreja Mundial. Na carta, o bispo de cada igreja, supostamente por ordem do próprio Valdemiro Santiago, convoca os fiéis, que possam viajar para outras cidades, a darem seu testemunho de fé, fazerem-se passar por enfermos curados pela Mundial, ex-drogados, aleijados etc.
A intenção é colocada de forma bem explícita no texto da carta : a Mundial precisa da ajuda dos fiéis para conseguir que mais pessoas contribuam, para a aquisição do canal 32. Aqueles que aderirem à cruzada, terão ajuda de custo em suas viagens. E, lógico, as gratidões eternas de deus e, o mais importante, do apóstolo Valdemiro Santiago
Aos que não puderem ajudar, a Igreja Mundial pede sigilo e discrição, pede que destruam a carta e que não comentem com ninguém.
Questionada pelo portal UOL, a Igreja Mundial, representada pela pessoa do bispo Jorge Pinheiro, disse que "a informação [sobre a carta] não procede", mas não esclareceu a origem das várias cópias encontradas em uma sala do templo da Mundial da Avenida João Dias, na zona sul de São Paulo.
Se for verdade, devo admitir que é mais uma bela maneira do endividado Valdemiro Santiago explorar o filão de ouro quase esgotado de seus cordeiros; se não for, alguém acaba de lhe proporcionar uma boa ideia.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Genéricos

Não me interessam
O teu sabor - gentil ou amargo -,
O teu riso - desbragado ou calculado -,
O teu cheiro - aconchegante ou putrefato -,
A tua forma - voluptuosa ou decadente - :
Só a tua alma - o teu princípio ativo -,
Que nela me viciei.

Danem-se as profundezas dos olhos e do coração,
Serve-me e sirvo-me mesmo do teu genérico mais barato,
Que ao vício
Não importa o excipiente,
Somente a substância.

Assim como copulo contigo,
Posso tomar bules de café frio
E emborcar jarras homéricas de cerveja quente.

domingo, 27 de outubro de 2013

Dia do Funcionário Público (Ou : o Dia Nacional de Pôr o Saco de Molho)

É amanhã, 28/10! Parabéns, FPs!
Um merecido descanso para nossos valorosos e esfolados sacos! O povaréu não concursado pensa que é fácil, mas se esquece de que o Capitão Gancho morreu assim! E o tanto que gastamos com hipoglós? Ninguém vê, né?

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Certeza do Errado

Emigre de mim toda a esperança
Que, de sempre vã,
Só me serviu para fazer papel de bobo.
Instale-se em mim
Apenas a certeza do errado
Que, de sempre certo,
Nunca se tornou punhal em minhas costas.

Que em mim nem resquício sobre
De qualquer ilusão ou sonho nobre
Que, de sempre traiçoeiros,
Só noites em claro me trouxeram.
Que faça parte de minhas carnes
A realidade do fracasso
Que, de sempre constante,
Nunca se tornou lágrima inesperada em meus olhos.

Tirem do meu caminho
As aspirações, as ambições e os desejos
Pois deles não preciso.
Me deixem apenas com a fé inabalável
Dos que não acreditam em nada.

Lua Adversa

Cecília Meireles. Porque um pouco de leveza, às vezes, é necessário.

Lua Adversa
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
                                                                    Cecília Meireles

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Rússia Põe o Greenpeace em Seu Devido Lugar : na Cadeia

Brasileiro é foda! Acostumado às licenciosidades morais e, sobretudo, legais das tristes terras descobertas por Cabral, habituado à uma Constituição frouxa, que é quase um colo materno para o vagabundo e um implacável algoz para com o honesto, pensa que em todo o resto do mundo é assim que a banda também toca.
Aqui no Brasil se pode ir para as ruas fazer baderna, promover arruaças, quebrar prédios particulares e públicos, confrontar a polícia, tacar fogo em ônibus, compor blackblocs de mascarados (um nome chique para quadrilha) etc, que nada acontece ao marginal. Ou melhor, até acontece. O transgressor, o vagabundo, o pilantra, o traste, pode ser transformado em ídolo das redes sociais, pode virar uma celebridade instantânea do facebook, do twitter, ou de outra qualquer dessas merdas.
Assim, o brasileiro se esquece de que existem países verdadeiramente civilizados, países em que a Justiça, de forma inacreditável para nós, põe no cu daqueles que transgridem suas leis, suas severas leis, destinadas à proteção do honesto.
Assim, o brasileiro se esquece de que existem países onde ser cidadão não é fazer o que se quer, o que lhe der na telha, não é bagunçar o coreto em nome de direitos que se pensa ter; ser cidadão é obedecer, como todo o resto da população, a um único código de leis, é se submeter a um único conjunto de (muito mais) deveres coletivos e (muito menos) direitos individuais. Ser cidadão é ser igual, ou, pelos menos, ser tratado igualmente. O cidadão, em uma verdadeira democracia, não é um ente individual, é parte de uma coletividade.
Assim, o brasileiro se esquece de que existem países nos quais a Constituição é direcionada à defesa e ao bem-estar da maioria trabalhadora e honesta, não a dar privilégios para minorias escrotas, vagabundas, encostadas e oportunistas.
Assim, mimado que sempre foi pela permissiva e omissa mamãe-pátria, o brasileiro sai da casa dele e vai fazer bagunça na casa dos outros, também seguro de que nada vá lhe acontecer, crente de que sua transgressão vá ser tomada apenas como uma traquinagem, um delito sem importância, uma "arte" de moleque, confiante de que considerarão a sua peraltice muito engraçada, o bonitinho da mamãe e da vovó.
E é aí que ele se fode!
Foi o que aconteceu a um grupo de ativistas do Greenpeace, preso na tentativa de vandalizar uma plataforma de petróleo russa; entre eles, uma brasileira, a bióloga gaúcha Ana Paula Maciel. Parênteses 1 : ativista é o nome que hoje se dá ao baderneiro; Greenpeace é uma máfia mundial de fachada ecológica e ambientalista.
No dia 18 de setembro deste ano, 28 ativistas da Greenpeace, um operador de câmera e um fotógrafo foram detidos pela Guarda Costeira russa, que abordou o barco da organização. Pouco antes, dois ativistas subiram em uma plataforma petrolífera do consórcio russo Gazprom, com o objetivo de denunciar os danos ao Ártico, resultantes da extração de petróleo.
Parênteses 2 : são contra a exploração do petróleo, e esse barco com o qual chegaram à plataforma de petróleo, era movido a quê? Será que o navio do Greenpeace é movido a energia solar, eólica? Será que os ativistas do Greenpeace singram os mares em defesa das foquinhas e das baleiinhas a bordo de modernas caravelas? Será que cada um desses 30 ativistas não têm lá os seus carrinhos, ou até os seus carrões? Andarão a pé pelo mundo, os paladinos da natureza? Ou atravessarão os continentes, a levar a grande consciência ambiental à humanidade, esfolando e assando seus ecológicos cus em selins de bicicletas? Duvido! Truco! Corto meu saco se. As duas bolas.
Voltando : foram grampeados e estão no xilindró russo desde então, na Corte de Murmansk, onde permanecerão até o dia 24 de novembro, data de seus julgamentos. O navio do Greenpeace também foi apreendido.
Certíssima, a Justiça Russa.
A brasileira Ana Paula Maciel e os outros ativistas responderiam, inicialmente, por crime de pirataria, cuja pena alcança os 15 anos de reclusão, mas ontem, 23/10, a Justiça russa amenizou as acusações aos ativistas, mudando a classificação do delito de pirataria para vandalismo, cujas penas são mais brandas, atingindo um máximo de 7 anos.
Está certíssima, a Justiça russa. Feriu a lei, cadeia no sujeito. Sem dó nem piedade, que nenhum desses atributos o transgressor demonstra ao cometer seu delito. 
E aí o que faz o desordeiro quando pego com a boca na botija? Qual o último recurso do safado? Dar uma de vítima, de coitadinho, partir para a chantagem emocional. Dar uma de coitadinho, aliás, é uma das especialidades do brasileiro : fotos de Ana Paula Maciel, atrás das grades, vestindo o uniforme cinza da prisão e segurando cartazes pedindo por liberdade, já circulam pela net.
Posar de coitadinha, lógico, não comoveu os russos, mas comoveu o governo brasileiro, que resolveu, via Ministério das Relações Exteriores, fazer o que o governo brasileiro faz melhor, defender infratores, intervir em favor da moça. Todo um corpo diplomático posto à disposição de uma desordeira. 
Até onde eu sei, o Ministério das Relações Exteriores promove os interesses do Estado junto a outros governos e organizações internacionais, e atua em assuntos relativos à soberania nacional. Em qual desses dois essa moça se encaixa? 
Até o embaixador do Brasil na Rússia, Fernando Barreto, chegou a assinar uma carta de garantia pedindo que a brasileira respondesse ao processo em liberdade. No documento, o Brasil se responsabilizava pelo bom comportamento da ativista durante as investigações e pelo comparecimento dela aos tribunais sempre que solicitado. O pedido foi negado. A brasileira continua no xadrez. Com russo, não tem conversa, não têm panos quentes.
Por que uma arruaceira recebe toda a atenção de diplomatas e é tratada como se fosse um assunto de interesse nacional? Não tem outra resposta, é o que eu digo sempre aqui : o brasileiro tem enorme predileção pela bandidagem.
Tanto que os ativistas procedem de 19 países - Brasil, Rússia, EUA, Argentina, Reino Unido, Canadá, Itália, Ucrânia, Nova Zelândia, Holanda, Dinamarca, Austrália, República Tcheca, Polônia, Turquia, Dinamarca, Finlândia, Suécia e França - e, segundo o Greenpeace, só o Brasil enviou à Rússia esse tipo de documento, só o Brasil tentou intervir pelo filhinho mimado e malcriado.
Acho que os outros países estão até gratos à Rússia, por livrá-los de alguns desocupados.
E não venham com essa de que o ato do Greenpeace foi um protesto pacífico, invasão nunca é algo pacífico. Esse tipo de coisa pode ser considerado um ato legal, uma conquista social etc, aqui no Brasil e em alguns outros países do mundo, mas na Rússia é crime grave. 
Na Rússia, protestar é crime, se certo ou não, a questão é lá com eles, e eles não estão convidando ninguém a ir morar lá. O ato foi cometido em território russo, portanto, não importam as nacionalidades dos ativistas e o que as leis de seus respectivos países dizem a respeito do que fizeram,  na Rússia, eles são criminosos, e ponto. E criminoso lá não tem refresco, vai pra cadeia, mesmo.
Como o barco do Greenpeace tem banderia holandesa, a Holanda, forçosamente, terá de tomar parte do processo, realizará uma audiência do Tribunal Internacional do Direito do Mar para decidir sobre a apreensão do barco do Greenpeace e a detenção dos tripulantes.
A respeito dessa audiência, o governo russo já mandou seu recado ao holandês : não participará, boicotará-lo e, claro, não reconhecerá nem acatará a nenhuma de suas resoluções.
Russo é fodão, é macho de respeito, com o que é deles, ninguém se mete, são lobos das estepes, são cossacos de coração de iceberg e sangue de vodka. E, repito, estão certíssimos : prisão com trabalhos forçados para o pessoal do Greenpeace.
Ouvi a fala de um advogado brasileiro do Greenpeace. Aquela mesma lenga-lenga de sempre, aquele mesmo discurso vazio, canalha e tendencioso sobre os tais direitos humanos. Só que essa putaria também não cola lá na Rússia.
Na Rússia, só os humanos que se portam decentemente para com os outros humanos é que têm "direitos humanos", ou seja, só os que obedecem à lei é que também usufruem da proteção dela. Feriu a lei, perdeu os "direitos humanos", perdeu, inclusive e muito justamente, o direito de ser humano. 
Disse o advogado que, se condenada e recolhida à prisão, Ana Paula Maciel ficaria submetida às rigorosas temperaturas do inverno russo, de 30ºC negativos para baixo, o que é desumano. Ô, dó.
A brasileira e os outros ativistas deveriam ser jogados na gelada Sibéria só com as roupas de baixo, só para vermos até quando sustentariam seus ideais ecológicos. Deveriam ser jogados seminus na tundra , só para vermos quanto tempo eles levariam para se lançar sobre uma rena, matá-la a pauladas e dentadas, refestelarem-se em sua carne crua, sangrenta, e fazerem um belo casaco com a pele dela para se aquecerem.
Seria um reality show interessante, ver ruir tamanhos amor à natureza e pureza de princípios. Eu assistiria.
Torço pela condenação deles, de todos os trinta.
No cartaz, a moça ainda tenta ser irônica, tenta fazer gracinha : I love Russia but let me go home - Eu amo a Rússia, mas deixem-me voltar para casa;
No rosto : um sorrisinho sardônico, petulante, bem próprio de quem se acha superior, acima da lei, típico de quem sempre contou com a impunidade.
Go home... tá parecendo o retardado do ET. ET fone home...
Mas com os conterrâneos de Putin a coisa será diferente. Gulag nela, russos!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Darwin Também é Filho de Deus, diz Marina Silva

Perguntada se é criacionista, no Programa Roda Viva da última segunda-feira, 21/10, Marina Silva disse que não.
“Eu não sou criacionista. Isso foi um criacionismo que criaram para mim. Acredito que Deus criou todas as coisas, inclusive as contribuições trazidas por Darwin.”
Como diria Jack, o estripador, vamos por partes.
Marina Silva acredita em deus, é fanática religiosa de umas das congregações mais xiitas dentre os evangélicos, a Assembleia de Deus. Acredita em Deus, mas não é criacionista. Contradição? Nem tanto.
O criacionista não é simplesmente aquele que acredita em um deus criador da vida e do Universo, isso qualquer idiota religioso faz, está lá no Gênesis e pronto, ninguém discute.
O criacionista não só acredita num deus que tenha criado tudo, ele quer explicar, de modo que ele considera científico, a maneira pela qual esse deus teria procedido à Criação, o criacionismo é uma pretensa "teoria" científica a fazer oposição ao evolucionismo, e a se oferecer como uma alternativa a ele. Besteira, lógico. Já o religioso fanático, feito Marina Silva, não quer explicar nada, deus criou tudo e fim de papo, não se pensa nem se fala mais sobre isso.
O criacionista tenta dar ares de ciência a um conjunto de mitos dos mais sem pé nem cabeça; alguns reinterpretam certas passagens bíblicas "à luz da ciência", a exemplos : dizem que os tais seis dias da criação corresponderiam a seis eras geológicas, que o grande dilúvio foi o fim do último período de glaciação etc etc, besteiras e mais besteiras.
O criacionista é o cara em cima do muro, é o tucano de deus. É o cara que não tem coragem de ser ateu e nem intelecto suficiente para se tornar um homem da verdadeira ciência. É o hipócrita - e vocês já devem ter conhecido alguns - que diz que a verdade não está na ciência nem na religião, mas na combinação das duas. Que no dia em que ciência e religião fizerem as pazes, a verdade surgirá. Corram desses idiotas.
Assim posto, Marina Silva não é mesmo criacionista, ela aceita deus como fato consumado, ela só é uma crente. No fim das contas, o fanático religioso é mais honesto que o criacionista, o primeiro assume sem medo nem culpa a sua burrice - sou burro e ninguém tem nada a ver com isso -, o segundo tenta travestir a sua ignorância de erudição.
E quanto a Darwin?
Se bem entendi o que Marina disse - se há o que bem entender de uma fala louca dessas -, deus teria criado o menino Charles Darwin, concedido-lhe o seu enorme intelecto e todas as condições para desenvolvê-lo, inspirado-o a cursar ciências naturais e autorizado-o a escrever uma teoria que prova que deus é uma farsa.
Ou seja, deus criou Darwin e lhe ordenou : "vai, Charles, mostre ao mundo que eu não existo".
Coerente pra caramba, né?
Marina Silva ainda disse que sua fé não tem nenhuma relação com sua maneira de fazer política, que esse tipo de pergunta não tem nenhuma relevância. Tem sim, claro que tem. 
Os conceitos de ética e moral de Marina Silva, o seu discernimento entre o certo e o errado, são os da Bíblia, e supondo que ela governe na intenção de fazer o que é correto e moral, são as diretrizes desse pernicioso livro que irão, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, influenciá-la.
E não é só isso. Marina Silva, como política experiente que é, como raposa velha, sabe muito bem que uma grande parcela da população acredita que um governante que crê em deus é um governante melhor, mais justo, que olhará mais pelos pobres. Claro que ela sabe disso. No caso de Marina Silva, falar de religião é falar de política, sim; em ambas as coisas, ela é desastrosa e lamentável.
Sério que eu não entendo essa coisa das pessoas praticamente nascerem acreditando num deus criador, não há a menor evidência disso, não em sã consciência, pelo menos.
Fazendo um esforço muito grande, um exaustivo exercício de imaginação, munindo-me de muita boa vontade e, principalmente, de uma garrafa de absinto, eu posso até conceber que um deus, perfeito em sua obra, tenha criado, a exemplos, a Angelina Jolie, a Monica Bellucci, a Scarlett Johansson.
Mas que deus, infalível e irretocável em sua criação, teria criado Marina Silva?
Ao tentar me fazer crer que um deus criou tudo, inclusive ela, Marina Silva vai acabar por conseguir que eu passe a acreditar no capeta!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Humassexual (Ou : Era Só Disso Que o Mundo Estava Precisando, De Um Novo Tipo de Viado)

O cenário pop dos anos 80 foi, desgraçadamente, marcado por uma profusão de bandas inglesas, fenômeno que a grande e idiota mídia chamou de a Invasão Britânica.
Mesmo eu que sou xenófobo em relação à música não conseguia escapar delas, mesmo eu que mudava automaticamente de estação sempre que alguma delas começava a tocar, lembro de vários nomes : Duran Duran, Culture Club (do viadíssimo Boy George), Spandau Ballet, The Cure, Pet Shop Boys, The Smiths.
A música dessas bandas inglesas era uma merda, mas muito mais do que música, essas bandas eram especialistas em produzir outro artigo muito consumido e benquisto pela mídia : viados. Não tinha uma que se salvasse. Não havia uma única que não tivesse pelo menos uma bichona em sua formação.
Como o tempo a tudo remedia e cura, como não há bem que dure nem mal que sempre perdure, a era das bandas inglesas acabou. Porém, seus remanescentes, hoje senhoras comportadas e discretas, volta e meia, com saudades dos tempos em que eram jovens gazelas saltitantes, voltam a dar as caras no show business.
Ainda que não seja, felizmente, com uma nova reunião de suas finadas bandas, o chamado revival - revival...querem coisa mais de bicha? -, eles arrumam uma maneira de voltar.
Mesmo que não através da exumação dos cádaveres de suas bandas, eles encontram um jeito de retornar à triste e descerebrada cena pop.
O cantor Morrissey, ex-líder dos Smiths, lança sua autobiografia e presenteia o mundo com uma nova espécie de viado, mais uma espécie cervídea a engrossar um dos que hoje já se constitui em um dos maiores gêneros zoológicos da natureza : o Homo baitollus.
Morrisey assume alguns relacionamentos que teve com homens e diz que não sentia atração por garotas em sua adolescência. As garotas se sentiam atraídas por ele, porém, palavras do próprio Morrisey, nada de "eletrizante" aconteceu. O primeiro relacionamento sério do cantor se deu aos 35 anos, com o fotógrafo Jake Owen Walters.
Até aí, tudo bem. Cada um dá o que gosta e o que é seu, ninguém tem que ser fiscal do cu de ninguém. Mas simplesmente revelar que tem a rosca espanada, fato tão banal e corriqueiro nos dias de hoje, não daria a Morrissey a projeção pretendida, não atrairia os holofotes da mídia para a sua chocha biografia.
Morrissey percebeu que teria que inovar, que introduzir (literalmente) uma originalidade ao assunto, apresentar algum tipo de ineditismo no tão explorado filão da argola piscante.
E foi o que ele fez : "Infelizmente, não sou homossexual. Tecnicamente, sou humassexual. Sinto atração por humanos. Mas, claro...nem todos." 
Sim, claro, nem por todos, só pelos que têm uma benga pendurada no entrepernas.
Pãããããta que o pariu!!! O cara diz que já teve sérios relacionamentos com outros homens e que não sente tesão por xana, e não é viado?!?!?!?!? Como é que é isso?
Primeiro teve o andrógino - aquela coisa de aparência indefinida, dúbia, anfíbia, mesmo -,  depois o bissexual - o cara que diz não dispensar uma caranguejeira, mas que também curte rebolar numa vara de vez em quando -, atualmente há o metrossexual, que diz que é macho, mas que se depila, faz limpeza de pele, tira as sobrancelhas e disputa a tapas os cremes faciais com sua namorada.
E agora, isso : o humassexual, o que gosta de humanos. Grande sacada da bichana Morrissey, devo admitir.
Você dá o cu? Dou! Você faz uma gulosa numa pica? Faço, chupo até as bolas! Você lambe uma xana? Tenho nojo! Então, você é viado. Não, sou humassexual. 
Brilhante, esse Morrissey.
Não sei se há um lado bom nessa nova classificação zoológica de Morrissey, mas que há um aspecto de grande praticidade, isso há.
Quando a viadada começou a se organizar para pleitear seus direitos, uniu-se sob a sigla GLS, gays, lésbicas e simpatizantes (aquele que não é viado, mas acha o viado simpatiquinho, jeitoso). Com o tempo, tantas foram as variantes surgidas que a sigla teve de ser significativamente ampliada, hoje é ABGLT, Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. 
E a coisa segue se alastrando, daqui a pouco serão tantas as variantes que não haverá letras no alfabeto para atendê-las; será necessário recorrer ao alfabeto grego, quiçá ao cirílico.
Pois agora Morrissey resolveu o problema. Que caiam todos os Gs, os Ls, os Ss, Ts etc. 
Doravante a nova taxonomia de Morrissey reduzirá tudo a um único denominador comum, tornará tudo mais simples e, ao mesmo tempo, mais abrangente. Não importa a tribo a que pertençam, não importa como se autodefinam, doravante todos os que gostam de morder a fronha e de beijar para trás serão agregados sob uma única égide : a APH, a Associação Planetária dos Humassexuais. E fim de papo.
E assim seguem os tempos. E assim caminha a humanidade. Ou seja, de ré. Dando ré. Ré no quibe.
Foto da capa do livro "Autobiography", de Morrissey. E não é que ele tem mesmo a maior cara de humassexual?

sábado, 19 de outubro de 2013

A Piscina da Medusa

Existem muitas coisas estranhas e curiosas espalhadas por essa diminuta vastidão a que convencionamos chamar de planeta Terra.
O fotógrafo inglês Nick Brandt, ao registrar imagens do lago Natron, no norte da Tanzânia, como parte do material de seu livro, Across the Ravaged Land (Por toda a terra devastada), deparou-se com criaturas assustadoras, tétricas, com cadáveres petrificados de várias espécies de aves aquáticas e até de morcegos calcificados, autênticas múmias de giz.
O bizarro e raro fenômeno é causado pela composição química muito peculiar do lago. Suas águas são ricas em sais de cálcio - sobretudo carbonatos e oxalatos - e em hidróxidos, que lhes conferem um pH altamente básico ou alcalino, em torno de 10,5. Para quem não sabe, eu garanto, isso é básico pra cacete, é um pH próximo ao do amoníaco. Como se não bastasse, localizado próximo ao vulcão Gelai, de cujas cinzas herdou sua alcalinidade e concentração salina, suas águas têm temperaturas em torno dos 60ºC.
Ninguém sabe ao certo como esses animais morrem, mas tudo leva a crer que os sais dissolvidos na água fazem com que ela reflita muita luz, transformam-na num espelho líquido, o que desnorteia os pássaros, que acabam por colidir com a superfície do lago, como quem bate em uma vidraça.
O cáustico pH corrói imeditatamente tudo o que é orgânico no bicho, paralela e rapidamente o orgânico corroído é substituído pelo cálcio dos sais ali dissolvidos. Resultado : uma estátua em calcário do que antes foi uma ave.
Ou seja, o lago transforma em pedra qualquer animal que o toca.
Minha memória, entidade com vontade própria, autônoma, independente e desvinculada de mim, porém, presa, ela mesma, à sua própria memória, também à parte dela, feito um fractal de reminiscências, não consegue escapar do clichê : acorre ao mito da Medusa, cujo olhar petrificava a todo e qualquer homem que ousasse fitá-lo; aferra-se, bezerro desmamado, aos seus peitos basálticos e aos seus cabelos neurotóxicos.
A Medusa era a caçula das irmãs Górgonas, a única mortal delas, e a mais tesuda. Ao mesmo tempo, aterradora e tentadora, a Medusa.
Serpentes de bocas sequiosas e línguas enforquilhadas brotavam de sua cabeça, em lugar dos cabelos. Queratina morta - a dos cabelos - trocada por queratina a revestir perigosa vida - as escamas das cobras. Coisa e capricho mesmo dos deuses, filha que era do incesto entre Phorkys e sua irmã Keto, divindades marinhas pré-Posseidon.
Os mitólogos mais corajosos e menos politicamente corretos (que é um dos outros nomes para covarde) afirmam que cobras de olhares petrificantes substituíam, igualmente, outros cabelos da Medusa, além dos da cabeça : pequenos e delgados ofídios também fariam à Medusa as vezes de pelos pubianos. Cobras na buceta, pentelhos peçonhentos.
O negócio, então, era, julgo eu, o cara ir ao encontro da Medusa com uma venda bem justa e amarrada e deixar que apenas o pau "encarasse" as temíveis cobras, as da xavasca da górgona. Na hora, o pau se tornaria duro feito pedra, literalmente. 
Esse era o verdadeiro poder dado pelos deuses à Medusa : nenhum homem jamais brochou com ela. Morram de inveja, mulherada. Roam-se de inveja, mulheres desses tristes tempos de homens sensíveis e metrossexuais, desses tristes tempos de xanas e sacos depilados.
Não me custa nada elocubrar um pouco e supor que o lago Natron fosse o lugar onde Medusa se banhasse e lavasse as suas bastas cabeleiras, as duas. E que, ao longo do tempo, por contato indutório e mágico, as suas águas tivessem sido impregnadas pelos fios mortos da cabelereira da Medusa, pela caspa feita de escamas de seu couro cabeludo, por sua secreção vaginal proteolítica, e resultado no que o Natron é hoje : um lago de águas petrificantes.
Não duvido que, a exemplo das estâncias hidrominerais de águas curativas e das lagoas de solos argilosos com propriedades esculápicas, o lago Natron torne-se, também, um balneário de águas milagrosas.
O que vai ter de velhos do mundo inteiro indo banhar suas partes baixas em suas miraculosas águas, não está escrito em gibi nenhum.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Instantâneos De Um Saudoso e Remoto Passado (4)

 "Mantenha sua casa limpa enquanto mantém seu peso."
(publicidade do cereal TOTAL, que garantia fornecer todas as vitaminas necessárias para que a dona de casa bem desempenhasse suas funções, com muita disposição e alegria. De quebra, o exercício da faina diária ajudava a prendada e dedicada esposa a manter a boa forma para o maridão. Bem melhor que academia, mulherada!)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Não Sabe Brincar, Não Brinca (Ou : Tristes e Canalhas Tempos do Politicamente Correto)

Havia uma brincadeira muito comum em meus tempos de escola, brincadeira que, espero, ainda resista e subsista pelas escolas primárias espalhadas por esse Brasilzão afora.
A molecada - e moleque é o bicho mais filho da puta que existe - pegava uma folha de papel e a grudava com fita adesiva nas costas dos colegas menos atentos. Na folha, dizeres do tipo : "passe a mão na minha bunda", "chute o meu rabo", "eu sou viado" (viado, mesmo; que não tinha isso de gay ou homossexual naquela época), "eu uso as calcinhas da minha irmã", e por aí a coisa ia.
Quem era pego na brincadeira ficava meio envergonhado, mas muito mais puto da vida, e não havia maiores traumas, a preocupação da "vítima" era, logo em seguida, sair à caça de um novo otário, passar a brincadeira adiante.
A gente chegava no colega e, como quem não queria nada, punha a mão nas costas dele, dava uns tapinhas amistosos e pronto : o papel estava grudado. Muitas vezes, já colei dessas folhas nas costas de colegas meus; da mesma maneira, muitas vezes, minhas inocentes costas já foram outdoors para essas injuriosas tabuletas.
Hoje em dia não pode! É proibido! É bullying! Pais, diretores, professores, coordenadores, todos são convocados para tratar de tão grave crime; extensos e cansativos processos burocráticos chegam a ser abertos em alguns casos.
Traumatiza, diz a canalhada que atende pelos nomes de psicólogos, sociólogos, peidagogos etc. Prejudica o desenvolvimento cognitivo do aluno, suas habilidades psicomotoras, interrompe o seu processo de socialização, causa danos irreversíveis à sua capacidade de interagir com o meio, e outras tantas idiotices que só poderiam de fato sair da cabeça de desocupados e fazedores de falsa ciência.
Não duvido nada que  um dia - se é que isso ainda não aconteceu - advogados venham a se valer de mais esse ardil canalha para atenuarem as penas de seus defendidos : "meu cliente matou, estuprou, é um psicopata, porque na escola colocaram um papel nas costas dele dizendo que ele era bicha, ou que ele queria um chute no rabo etc." Advogados, psicólogos e peidagogos são dos grandes cancros do planeta.
Pois eu digo que é justamente o contrário! Esse tipo de brincadeira só aprimorava as nossas destrezas. Tínhamos que ficar espertos, aguçar nosso instinto de sobrevivência, para prever a proximidade do predador e evitar a sua ação, para não mais passarmos por manés; ao mesmo tempo, se quiséssemos descontar a brincadeira em outro - e lógico que queríamos - também precisávamos lapidar nossos dons de aproximação furtiva, nossos talentos de caçadores.
E o principal aprendizado que essas brincadeiras nos proporcionava : aprendíamos desde cedo, de forma lúdica (como gostam de dizer os peidagogos, eles até gozam quando dizem lúdico), que não devemos dar as costas ao tal do ser humano, que sempre devemos manter uma boa dose de desconfiança para com nossos semelhantes, que por mais amigo que alguém possa parecer, um dia, por necessidade, ou pela simples oportunidade de, ele acabará por puxar nosso tapete.
Sobreviver às brincadeiras escolares por conta própria, sem correr à barra da saia da mãe, do diretor e do coordenador peidagógico (triste e inútil figura que nem existia à época), era como receber uma condecoração de guerra, uma Grã-Cruz de Ferro.
Vai daí que um funcionário, ainda não identificado, da empresa aérea australiana Jetstar resolveu matar saudades de seus tempos de escola, de suas picardias estudantis. Usando etiquetas adesivas, daquelas em que se escrevem os nomes dos passageiros nas bagagens, o número do voo, o número da poltrona etc, ele compôs a seguinte mensagem na mala de um passageiro: "I am Gay", ou seja, "Eu sou uma bichona".
O passageiro estava lá, pacientemente a esperar por sua mala naquela esteira giratória e ela aparece com essa surpresa. Muito bom! Genial!
O passageiro não é gay, é casado, tem dois filhos e diz se sentir "enojado" com o ocorrido. Enojado? Só por isso? E ainda diz que não é gay? A empresa instaurou uma séria investigação na busca pelo gaiato e promete que cabeças vão rolar.
Pãããããta que o pariu!!! Em tempos do canalha politicamente correto, brincar virou crime federal, quiçá inafiançável.
Se fosse comigo, eu também exigiria a abertura de uma investigação por parte da Jetstar, eu também quereria conhecer o responsável pela molecagem. Mas não para, em nome de minha honra (que palhaçada), impor a ele um pedido de desculpas, tampouco determinar sua demissão sumária. 
Quereria conhecê-lo para sentar com ele num bar e tomarmos umas geladas. O cara deve ser uma figura, daríamos boas risadas, tenho certeza.
E à despedida, já tornados em amigos (bêbado faz amizade com uma facilidade...), eu o abraçaria e daria amistosos tapinhas em suas costas. Amistosos, sim; porém, nada inocentes. Ele iria para casa com uma folha de caderno grudada nas costas : "Eu quero um pinto pra chupar!"

Ao Mestre, (Um Pau No Cu) Com Carinho

Hoje (ontem) foi o Dia do Professor. Eu havia me prometido que nada colocaria aqui a esse respeito, mas tantas foram as reportagens (falsamente) elogiosas aos mestres, tantos foram os artigos de jornais e programas de televisão laudatórios, que eu vou trair a mim mesmo, aliás, como sempre faço - sou meu maior cafajeste e corno de mim mesmo.
Elogio e tapinha nas costas, eu quero que enfiem no cu! Eu quero é salário digno e respeito. Muito mais salário digno, que respeito de outrem é para quem tem baixa autoestima. Quero salário digno e leis que imponham medo ao aluno e aos seus pais - o medo, o cagaço, é a forma mais eficiente de respeito.
Dia do Professor, grande bosta. Não sei se alguém já percebeu, mas, pelo menos no Brasil, sempre que um dia é dedicado àlguém ou àlguma classe, é porque o objeto da homenagem já foi devidamente massacrado : dia do índio, dia da árvore, dia do saci etc etc.
Aqui é assim, primeiro arrebentam as suas pregas, depois lhe dedicam um dia.
Sem saco para escrever longos textos, fiz um apanhado de notícias que ilustram bem a consideração que os governos ( e também a população) guardam pela figura do professor.
Comecemos pelos salários, pelos pisos pagos por alguns dos principais estados da nação que é a sexta economia do mundo. Os valores a seguir correspondem à jornadas de 40 horas/semana:
R$ 1075,28 (AL), R$ 1445,34 (RO), R$ 1451,23 (BA), R$ 906,87 (AC), R$ 1567,00 (SC), R$ 900,04 (RN), R$ 946,46 (PR), R$ 1140,00 (MG).
Esses são valores brutos, que caem bastante depois dos descontos de imposto de renda, previdência etc. E são os valores oficiais, os divulgados pelos órgãos oficiais, que podem ser bem menores na realidade.
A exemplo, falarei do que sei na prática : o governo de SP garante que a paga mínima por 40 h/semana para um de seus professores é de R$ 2600,00. Pois vos digo que estou no estado de SP há 18 anos, com alguns quinquênios e outros acréscimos, e não recebo essa quantia.
Como se não bastasse, os governos ainda acham que pagam muito aos professores. Na iminência de um reajuste dos salários dos mestres, vejam as manchetes sobre as reações dos governos:
Governadores se unem por reajuste menor do piso de docentes - Folha de SP, 23/09/2013;
Governadores são contra aumento de 19% no salário dos professores - Portal G1 de Notícias, 24/09/2013;
Piso nacional dos professores: Estados defendem reajuste menor em 2014 - notícias Terra, 23/09/2013.
Fosse "só" a desvalorização do professor por parte de seu patrão, daríamos conta; fossemos valorizados, ainda que "apenas" moralmente por aqueles a quem verdadeiramente servimos - o aluno e sua família -, estaríamos mais contentes. Mas nem por esses somos considerados de alguma valia. Vamos a uns poucos fatos noticiados, apenas alguns, muitos mais existem, fucem pela net e se horrorizem.
Quase metade dos professores de SP já sofreu agressão na rede pública - Jornal O Estado de São Paulo, 12/08/2013;
Agressões fazem parte da triste rotina do professor brasileiro - A Gazeta do Povo, 02/07/2013;
Professor, profissão perigo - Aumentam os casos de agressão física e psicológica a docentes brasileiros nas escolas particulares e nas universidades - Revista Isto é, 13/04/2012;
SP registra 217 agressões a professores em um ano - Notícias Terra, 02/08/2011.
E aí vêm com um Dia do Professor? Enfiem esse feriado no cu!
E depois querem que o professor ensine Português, Matemática, Biologia, Física etc? Querem também que ele dê, ao aluno vagabundo, ao marginalzinho, a educação que os pais não deram. Querem que o professor seja babá de filhos de pais ausentes. Pior : querem que ele ensine moral e ética, e, disparates dos disparates, querem que o professor forme um cidadão.
O que um professor sabe de ser um cidadão? O que alguém recebendo salário de fome e o desprezo geral da população sabe de ter sua dignidade assegurada?
O problema é que o professor é o mais burro dos seres. Algum dia, alguém lhe disse que sua profissão não é profissão, é missão, é sacerdócio. E ele acreditou, e ele achou isso bonito, missão, sacerdócio, sofrimento. Sacerdócio é o cacete; abnegação e provação são as putas que lhes pariram.
A tal educação só conhecerá chances de melhora quando o professor começar a tratar o Estado, as famílias e os alunos, da mesma maneira com que é tratado : com frieza e indiferença; em suma, com profissionalismo frio e cirúrgico, feito o dos médicos, para quem os pacientes são apenas mais um processo burocrático, e não, cada um deles, um amigo, um familiar. O professor acha que tem que ser amigo, aí é que ele se ferra; amigo de seus inimigos, aí é que ele se desgraça de vez.
No dia em que o professor começar a chegar em sua escola, como quem chega em um cartório de despachos, e simplesmente assinar seu ponto de presença e cumprir suas oito horas diárias, sem envolvimentos de ordem pessoal nem laços afetivos, talvez ele comece a ser notado. 
Ou seja, no dia em que o professor começar a tratar o Estado e a população da maneira com que é tratado, talvez as coisas melhorem. No dia em que o professor começar também a tratar o aluno com indiferença e cinismo, ele ensinará que o desrespeito dói, e o ensino da dor é a maior herança que se pode legar. Falta de educação se combate com porrada, não com educação, pois quem dela não é portador, não é capaz de reconhecê-la, ou de valorizá-la.
No dia em que o professor começar a retribuir toda a injustiça que recebe, talvez as coisas comecem a melhorar. Talvez. 
Antes disso, mulher de malandro é adjetivo por demais elogioso ao professor.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O Céu Existe

Por alguma razão que desconheço, a tirinha não coube inteira na posição horizontal, como originalmente publicada na Folha de São Paulo de hoje, 15/10.
Tentei utilizando vários tamanhos, mas não houve como. Acontece que ela é muito boa, eu não poderia deixar de postá-la, e o único jeito que consegui de reproduzi-la por inteiro foi assim, na vertical. Eu cortei a tirinha e remontei.
Níquel Náusea é personagem de Fernando Gonsalez, publicado diariamente no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo.
Sim, idiotas de todas as religiões, o céu existe.

Alternativas

Porque a mentira está aí,
Feita em salão de espelhos,
Feita em mundo.
E ao leal
Só resta
Ou também mentir
Ou, caso contrário,
Ser tomado por mentiroso.

Porque a piada está aí,
Feita em drama diário.
Só rirá
Quem dela não entender patavina
E ao sério
Só resta
Ou também rir da tristeza
Ou, senão,
Tornar-se em triste motivo de riso.

Porque as pessoas estão aí,
Aos enxames.
Porque ao sóbrio
Só resta
Ou se embebedar
Ou aderir à demência coletiva.