sábado, 31 de dezembro de 2016

Alckmin Dá Reajuste Maior Para Mendigo Que Para Professor

Quando li a manchete publicada na Folha de São Paulo, "Após insistência, Alckmin dá esmola de R$ 5, mas pedinte reclama de valor.", na hora, ato reflexo, e é sério, não tô de sacanagem, pensei que o estimado governador tivesse concedido algum reajuste salarial à sofrida classe professoral, ao menos um bônus de Natal.
Mas não. O pedinte em questão é um pedinte profissional, mesmo, um mendigo, um morador de rua, na fala do politicamente correto. O fato se deu na cidade de São Paulo, na região da Luz, após a saída do tucano de um evento de inauguração de alguma porra.
Como ainda não conseguiu decretar inconstitucional e abusivo o ato de mendicância, como age frente às justas greves dos funcionários, Alckmin tentou se esquivar, desconversar, dar uma migué no mendigo, dizer que a receita de 2016 caiu etc, mas diante da insistência do mendigo - que mostrou ter mais brio que todos os sindicatos que dizem defender os interesses dos trabalhadores e do que os próprios trabalhadores - e das câmeras de tv e jornais presentes, o governador capitulou : abriu a carteira e deu uma generosa esmola de 5 reais pro rapaz, que fez uma puta duma cara de desgosto, a demonstrar uma baita duma decepção.
O cara achou que tinha tirado a sorte grande, que o Natal tinha tardado, mas não falhado, que tinha garantido as castanhas, as nozes, os rojões Caramuru (os únicos que não dão chabu), a Espuma de Prata, a Sidra Cereser e a cueca branca para a virada do ano. 
Quando viu a miséria, quando viu que iria ter que inteirar até para a Pitu, não fez questão de ser cordial nem de parecer agradecido, tampouco de demonstrar um respeito fingido e hipócrita pelo governador, fez cara de cu, mesmo.
O próprio Alckmin, depois que continuou a andar pelo local, comentou com a sua curriola que o pedinte tinha achado pouco. Pois é, governador, tá achando o quê? A mendigada hoje sabe de seus direitos. Tá mais fácil contentar professores que mendigos. Para professor, é só dar qualquer migalha que o cara lhe agradece, beija-lhe os pés e ainda o reelege na eleição seguinte, mas com mendigo o buraco é mais embaixo.
Agora, convenhamos, na minha época, mendigo era mendigo, assumia o personagem, vestia a camisa (ou a falta dela) da categoria, era aquele cara velho, barbudo, desdentado, sebento, fedendo a pinga, vestido em andrajos, descalço, com os pés todos grossos e rachados, carregando um velho e encardido saco de juta, dois ou três cachorros como escolta e família e, principalmente, com aquela ferida enorme na perna, aquela chaga purulenta exibida a troco de uns níqueis - ferida, segundo as más línguas, mantida e aumentada pelo próprio mendigo com vinagre ou qualquer outro tipo de ácido.
Demos agora uma olhadela no rapaz : jovem, saudável, corado e bem nutrido, dá até pra notar uma saliente barriguinha por sob a camisa - mendigo gordo é desmoralizante para a categoria -, camisa que, salvo engano, ou, no caso, ignorância, me parece ser de algum time de futebol, e límpissima, como que saída de um comercial de OMO. E o cabelo do mendigo? Todo estiloso - ou, pelo menos, o que hoje é considerado estiloso -, rapado nas laterais e modelado em penacho de calopsita no cocoruto, e ainda descolorido!!! O cara não tem dinheiro nem pra comer (segundo eles), mas tem dinheiro pro cabeleireiro. Arrisco-me a dizer que se a esmola do governador tivesse sido mais generosa e o mendigo tivesse lhe aberto um sorriso colgate, um aparelho ortodôntico, flagraríamos nos dentes do rapaz.
A verdade é que esse rapaz não trabalha porque não quer, porque é mais fácil viver às custas de esmolas e de programas sociais do que pegar no batente oito horas por dia, ter horário pra entrar, pra sair, pra almoçar, pra cagar etc, ele é parte de um contingente cada vez maior de vagabundos, escroques e parasitas que prolifera pelas cidades de portes grande e médio.
Ao fim do dia, a assessoria do governo enviou um versículo da Bíblia que fala sobre a ajuda ao próximo (“Se alguém disser que ama a Deus, que não vê, e não ama seu irmão, que vê, é um mentiroso” – 1 João 4:20) e disse que o homem “estava precisando”.
Ora, Governo do Estado de São Paulo, enfie os 5 reais no cu! Junto com o versículo! Com a Bíblia inteira! Dobrada e enrolada! Antigo e Novo Testamentos!
E é com essa mensagem de crença e de esperança na raça humana que o Azarão encerra mais um ano de blog, mais um ano de Marreta (mais ou menos) em riste.

Nymphomaniac : Vol. 3

Onde bate mais forte
O teu coração, baby?

No peito ou no despeito,
Na boca do estômago ou na boca da noite?

No pulso ou na repulsa,
No fígado ou no disco rígido?

Na safena ou na cerveja,
Nos glúteos ou no luto?

Nos intestinos ou nos teus desatinos,
Nas adrenais ou nos teus velhos carnavais?

Nos tendões ou nas tendências suicidas,
Nas plantas dos pés ou no éter da vidraça?

No baço ou no aço dos anos,
Na massa muscular magra ou na massa cinzenta? 

Oh, baby,
É na buceta, baby,
É na buceta...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Dançando na Lua

"Nós queimamos,
Não foi mesmo, baby?
Ardendo através da escuridão
Agora somos cinzas, não é mesmo, baby?
Na urna da nossa obsessão"

Colapso

Conto só com meus músculos lassos 
Para propelir cada um de meus indecisos passos. 
E ainda que funcionem só por condicionamento, 
Que caminhem sem ter porquê caminhar, 
Ainda que cada contração seja um lamento, 
Estão um tanto distantes de me atraiçoar. 

Conto só com uma pequena úlcera gástrica 
A lembrar-me de que preciso de comida, 
Apenas um comodismo absurdo 
Ligando-me ainda à vida. 
Só o meu calor a dormir comigo 
E a solidão de um buraco negro a se oferecer em jazigo. 
Ainda assim 
Não é agora que vou deixar de regar minhas plantas. 

Conto só com o silêncio telepático de meus neurônios 
Para conversas, conselhos e bebedeiras. 
Conto nem com minha metade 
Fração sempre fui, minha vida inteira. 
E se o ar por mim ainda flui 
É por pura inércia rotineira. 
Ainda assim 
Não é motivo pra eu deixar de abrir minhas cartas. 

Em verdade, 
Sou galáxia na iminência de um colapso; 
Não importa: 
Sou meu próprio Sol, planetas e satélites.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Lula, A Caminho do Hexa

Roubei essa foto do blog Chumbo Grosso, aquele que não se utiliza da linguagem dos conventos, reduto do Guerrilheiro Altamir Pinheiro, o cabra mais macho, fuleiro e pirocudo do nordeste.
É como diz a canção do Lulu Santos : " já não tenho dedos pra contar..."

Carrie Fisher, Que a Força Esteja com Você

Décadas de 1970 e 1980, ela inspirou toda uma geração de punheteiros, terráqueos e de galáxias mais distantes. Muito sabre de luz já se ergueu em sua homenagem. Mas hoje a Princesa Leia travou seu combate final contra o Império. O lado negro da força fez parar o coração da brava e bela. O velório se dará no planeta Alderaan e o féretro sairá da sala Darth Vader em direção ao jazigo da família Skywalker, na Estrela da Morte.
(1956 - 2016)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Renas do Papai Noel (2)

Há quem diga que o Azarão é um cara ranzinza e amargurado, que não entra no clima natalino, que não se encanta com as festividades de Noel. Aleivosias sem fundamento. Detratores de merda. Adoro um presentinho assim, no chão, ao pé da árvore. Todos com dor de cotovelo e inveja do velhinho aqui, cujo saco (ainda) não é de brinquedo.

Na Rodoviária

A semianalfabeta,
Porém, não burra, tampouco honesta,
Dona da lanchonete
Que superfatura e sobretaxa a água mineral
O chiclete, o croquete e a cerveja
(por sorte, há sempre um mercadinho na esquina);
O aposentado do INSS
Que guarda a porta do banheiro
Como um cérbero desdentado a do inferno
E cobra moedas e tributos
De quem quer mijar;
A "tia" da limpeza
Que varre
Varre onde está limpo
Onde está sujo
Varre onde acabou de varrer
Varre papéis, pés
E cacos de decepções das chegadas e partidas
Para o bueiro da rua,
Para contaminar a chuva
Ou para engordar as ratazanas;
A velha corcunda
Que passa com seu carrinho de feira
A recolher a xepa da civilização
- garrafas pet, embalagens tetra pak
papelão, latas de alumínio -
E com um terço calejado a deslizar por entre os dedos verruguentos;
Mães jovens
Já com mais filhos que com dentes
Arrastando a fila indiana de suas crias
A caminho das casas dos avós, tios, irmãos, ex-maridos :
Passar as festas de fim de ano
Celebrar a escala industrial de suas misérias;
Um paraplégico vendendo jujubas, drops de hortelã e CDs piratas;
Um cego oferecendo bilhetes premiados da Loteria Federal
(olha a borboleta, olha a borboleta);
Um ex-presidiário se queixando de ter cumprido quatro anos e nove meses de sua pena de seis e dois
(uma porra, uma merda, a justiça desse país);
Três bichinhas
Frescas, perfumadas e serelepes
Provavelmente com os cus recém-depilados
Apostam e embarcam para um fim de semana em Poços de Caldas
(e o calor de 38ºC e a fumaça do diesel formam a água desse aquário pré-cambriano);
E eu,
Arrancado à força
De minha rotina de bicho-da-seda
Por motivos cotidianos e fúteis
Porém, imperativos
Como são todos fúteis
Os imperativos do cotidiano,
Olho para tudo isso de fora
Mas sabendo-me parte.
Resguardo-me como posso
Enquanto espero manquitolarem as duas horas que faltam para a chegada do meu ônibus.
Defendo-me do único jeito que conheço,
Do único jeito que aprendi
Do único eficiente para mim :
Entorno latão atrás de latão.
Cada qual lidando com suas misérias,
Com suas deficiências,
Com seus aleijões.
(na rodoviária, não é preciso chegar a noite para que todos os gatos sejam pardos)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Já Que Gostam Tanto de Cuba, Enfiem os Filhos das Putas em Guantánamo

Do site O Antagonista

"A advertência dos americanos à Orcrim
Brasil 22.12.16 08:16
No documento do Departamento de Justiça americano sobre o acordo com a Odebrecht e Braskem, há uma advertência à Orcrim e congêneres
"Não é apenas porque estão fora da nossa vista que isso significa que estão fora do nosso alcance. O FBI usará todos os recursos disponíveis para por um fim nesse tipo de comportamento corrupto."
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Department of Bribery

Propina ilustrada  
Brasil 22.12.16 11:35
O Antagonista fez uma versão ilustrada do episódio de suborno relatado pelos procuradores americanos.
Em 2009, o Brazilian Official 1, ou presidente Lula...
... reuniu-se com "another Odebrecht executive", ou Emilio Odebrecht.
Emilio Odebrecht pediu para que Lula conversasse com seu ministro da Fazenda, o Brazilian Official 4, ou Guido Mantega, sobre vantagens para a Braskem.
Guido Mantega reuniu-se com Alexandrino Alencar, ou Braskem Employee 1...
... e escreveu num pedacinho de papel que queria 50 milhões de reais em propinas para a campanha de Dilma Rousseff, ou Brazilian Official 2.
The End.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Mimetismos (25)

A celebrar mais um ano de vida de sua filha, um casal estadunidense, presbiterianos de Wisconsin, resolveu surpreender a pequena com um bolo de aniversário na forma de um unicórnio. Os dedicados pais pesquisaram na net e fizeram a encomenda com um boleira que exibia a seguinte foto do produto final em seu site :
Os surpreendidos, porém, foram os pais, que receberam um primor da confeitaria artesanal, uma verdadeira obra de arte de Bienal :
Pãããããta que o pariu!!! Muito já ouvi dizer de comprar gato por lebre, mas levar jumento por unicórnio é a primeira vez. Em lugar de um delicado e encantado chifre das My Little Pony, uma benga de um jegue, o Kid Bengala do reino animal.
Indignado, o pai cancelou o Parabéns a Você, incluindo o "derrama, Senhor, derrama, Senhor, derrama sobre ela o seu amor...", e postou as fotos numa rede social como forma de protesto.
Disseram as más línguas - frequentadoras habituais e sorrateiras das festas familiares, sempre à espera de oportunidade para derramarem sua peçonha -, mais especificamente a da avó paterna, a famosa sogra, que, muito diferente do revoltado genitor, a mãe não mostrou nenhum tipo de assombro ou estupor; antes pelo contrário, a sogra disse ter notado um olhar maravilhado, cheio de fascinação da mãe da menina, e que lhe pareceu que, dependesse da mãe da criança, a festa teria transcorrido normalmente. Igual deslumbramento, disse ainda a sogra, notou no olhar de um tio da criança, o viadinho da família, que ficou o tempo todo ao lado da mãe, dando-lhe moral e tácito apoio.
Mais ao canto da sala, as duas tias velhas, uma solteirona e outra viúva, meio surdas, cheias de glaucoma e de catarata, de artrite, artrose e osteoporose, já chamando Alzheimer de meu louro. Uma, a solteirona, pergunta pra outra : - Essa é aquela velinha mágica, né, aquela que é só assoprar que acende de novo, que não nega fogo nunca, né? A outra tia velha, a viúva, com os olhos marejados de nostalgia, responde : - Ai, que saudades de assoprar uma velinha, bons tempos, Clotilde, bons tempos.
Nada como um aniversário infantil para exercitar e fortalecer os fraternos e sanguíneos laços familiares!!!

Renas do Papai Noel

Comportei-me o ano inteiro. Fui um bom velhinho, cumpridor de meus deveres, obrigações e aporrinhações. Nada mais justo que o Bom Velhinho me bem presenteasse com o mimo acima. Mas qual o quê, quem disse que o mundo é justo?

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

É a Podridão, Meu Velho (14)

Não é má vontade
Das juntas e das articulações
(alavancas de Arquimedes que, com adequado apoio ou propósito, são capazes de mover o mundo)
Nem do estômago
(que sempre foi de avestruz)
Ou das retinas e dos tímpanos
(que, é verdade, nunca gostaram mesmo do que veem e ouvem, mas, não obstante, sempre foram funcionários públicos exemplares, sempre assinaram o ponto e realizaram a contento suas burocráticas funções).

Não é prevaricação
Do coração - esse valente por falta de opção
Nem dos rins - esses incontinentes
Nem do fígado - esse beberrão
Nem do pau - esse inconstante
Ou da memória - esse arquivo morto sabendo à naftalina.

A preguiça
É a da alma.
Desinteressada do corpo.

Frases Célebres Da Nossa História

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa...(40)

Ele é o Rei! E essa, talvez, sua obra-prima. 
Não adianta nem tentar me esquecer! 
Por isso, de vez em quando você vai lembrar de mim. Pããããããta que o pariu se vai!!!

Detalhes
(Roberto Carlos / Erasmo Carlos)
Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito tempo em sua vida eu vou viver

Detalhes tão pequenos de nós dois
São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver

Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
E isso lhe trouxer saudades minhas, a culpa é sua
O ronco barulhento do seu carro
A velha calça desbotada ou coisa assim
Imediatamente você vai lembrar de mim

Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei, mas, eu duvido
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai lembrar de mim

À noite, envolvida no silêncio do seu quarto,
Antes de dormir você procura o meu retrato
Mas na moldura não sou eu quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso mesmo assim
E tudo isso vai fazer você lembrar de mim

Se alguém tocar seu corpo como eu, não diga nada
Não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada
Pensando ter amor nesse momento, desesperada,
Você tenta até o fim
E até nesse momento você vai lembrar de mim

Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada
Do tempo que transforma todo amor em quase nada
Mas quase também é mais um detalhe
Um grande amor não vai morrer assim
Por isso, de vez em quando você vai
Vai lembrar de mim

Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito e muito tempo em sua vida eu vou viver

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Dodecassílabas

O poeta -
Sem versos,
Feito leão que perde os dentes,
Feito Sansão que perde a juba -
Está à mesa do bar,
A tomar a cerveja mais barata
Que seus livros nunca publicados podem pagar.
E passa a tiete,
A ex-macaca de sarau,
Hoje, balzaquiana de livraria de shopping,
De megastore,
Consumidora voraz muito mais de espressos e de capuccinos
Que de livros.
- Lembra de mim, poeta? 
- Claro que me lembro.
(o poeta não faz a menor ideia de quem ela seja, ou de quem tenha sido)
- Nós fomos para a cama algumas vezes - arrisca o poeta, num risco calculadíssimo -, isso lá nos bons tempos.
- Isso mesmo, poeta. Não é que te lembras?
O poeta não lembrava dela
Mas lembrava dos bons tempos.
Tempos em que as suas folhas sem pauta nunca ficavam em branco,
Em que sua máquina de escrever, 
Por pouco,
Não o indiciou por trabalho escravo.
Tempos das folhas cheias, que traziam fartura e bonança de bucetas.
- Não mais publicas nem recitas? - pergunta ela - Por que mais não escreves?
- De que jeito? Com que tempo? Com que urgência? Com que espanto? Com que Carnaval? Com que vida? - responde o poeta, e drena o resto da cerveja do copo.
Ela beija a boca do poeta.
Vende a sua buceta a ele
Em troca de alguns versos :
Buceta larga, frouxa e cansada
Oferecida como se de uma debutante fosse.
O poeta suga os peitos dela.
Vende a sua poesia a ela
Em troca de uma buceta :
Versos antigos, inacabados, sepultados natimortos pelo poeta em seu cemitério de gavetas
Oferecidos como se inéditos e em intenção dela fossem.
Qual dos dois o mais prostituto?
Que prostituição a mais louvável?
Terminada a trepada,
O poeta retoma velhos vícios :
Acende e fuma uma longa,
Muito longa estrofe.
Dodecassílaba.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O Pastor Aumenta-Rola

Tirar o capeta, acabar com insônia, depressão, dores de cabeça, dívidas, desemprego, vícios e olho grande, desamarrar os caminhos e desfazer bruxarias, trazer de volta a pessoa a amada, restabelecer a paz no lar, salvar casamentos destruídos, resgatar FGTS, batizar filho de mãe solteira etc, todas as igrejas evangélicas prometem fazer. 
É o currículo mínimo do pastor. A cesta básica de Cristo.
Portanto, o pastor que quiser aumentar seu rebanho e, principalmente, a sua fatia do bolo nesse mercado tão vasto, variado e competitivo, tem que inovar no marketing e na logística, tem que oferecer um diferencial, um algo a mais para fidelizar o fiel.
O que um homem pode desejar mais do que ser desencapetado, do que ter as dívidas saldadas, do que conseguir um bom emprego, do que ter uma boa saúde e um casamento feliz?
Puta pergunta fácil : uma rola maior!
Se fosse possível, o cara barganharia fácil, fácil, todas as graças supracitadas por um pau gigante.
Pois é justamente isso o que o pastor ganês Daniel Obinim promete aos seus fiéis, dar um upgrade em suas bengas caso se convertam ao seu culto. Adeus ervas milagrosas, adeus mandingas e simpatias, pílulas mágicas, exercícios indianos e bombas de sucção. Chega de ficar abrindo pop-ups que perguntam : quer aumentar seu pênis?
Deixe seu "pequeno" problema nas mãos de Deus. Ou melhor, nas mãos de Daniel Obinim.
O pastor garante ter o dom sobrenatural de aumentar as pirocas dos fiéis. O milagre é operado durante os cultos, quando o pastor passa de fiel em fiel e vai massageando cada piroca , chegando mesmo, nos casos mais graves e necessitados de maiores atenções, a chacoalhar os membros.
Um vídeo que circula pela net mostra os pastor apalpando os cacetes dos fiéis, que, diante da bronha ungida, apenas erguem as mãos e oram. Corrijo : alguns erguem algo além das mãos.
Para disfarçar, para não levar fama de viado, o pastor diz que seus poderes são eficientes também no aumento de peitos e bundas : "Se você não gosta de alguma parte do seu corpo, venha até mim", diz o Obinim. "O que vocês querem que eu ofereça? Se quiserem bumbuns maiores, posso fazer isso por vocês. Se vocês quiserem seios maiores, eu posso ajudar"
Contudo, o vídeo só mostra o pastor enchendo a mão nas pirocas, não há única cena dele apertando uma bunda feminina ou buzinando uns peitões.
Nem precisa dizer que a igreja do pastor, a International God's Way Church, está bombando, está com a lotação esgotada. E olha que é em Gana, na África, continente em que, reza a lenda, os homens já nascem abençoados por deus nesse quesito. O cara vai lá pra quê? Pra aumentar a rola de 30 para 50 cm?
Imagina só se esse pastor abrir, então, um templo no Japão? Fica bilionário, o filho da puta!!! 
Veja só a pinta (eu disse pinta) do pastor. Tá mais para pastorinha!!! Como diria o porteiro Severino, personagem do impagável Paulo Silvino : mas isso é uma bichona!!!!
Já vi Deus e a religião serem usados para enriquecer, para justificar guerras, assassinatos e perseguições, para candidatura a cargos eletivos e outras mumunhas mais. Mas é a primeira vez que vejo o nome de Deus ser usado para pegar numa rola, para encher a mão! Esse pastor vai fazer escola! Pãããããããta que o pariu se vai!!!

Para assistir ao vídeo do pastor aumenta-rola, é só dar uma massageada aqui, no meu poderoso MARRETÃO

Escorbuto

Cadê teu chegar, teu sorriso : 
Meu salvo-conduto ? 
Ficou teu partir, teu largar, 
Meu domingo de luto.

Cadê teu cheiro, meu roteiro: 
Do viver, meu estatuto ? 
Ficou teu lembrar, teu lugar, 
Meu uivo que mal já escuto.

Por andam a minha vontade, 
Vaidade, maldade, 
Esperança, querer de vingança, o equilibrar no fio da gilete, 
Enfim, essas cordas que fazem mover a marionete?

Foste a tesoura, a desgrenhada cimitarra loura, 
O estilete, o deboche, 
A decepar, desfibrar meus fios, 
A deixar-me inerte fantoche.

Cadê teu falar, teus fonemas : 
Harmonia do meu ritmo dissoluto ? 
Ficou teu deixar, teu desvanecer : 
Meu purgatório absoluto.

Cadê teu arfar, teu devanear : 
Meu gozo devoluto? 
Ficou teu fugir, meu fenecer, 
Meu coração em escorbuto .

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

PISA 2015 Reconfirma : Somos um País de Merdas

Mais uma vez, O Brasil ocupa as últimas posições no ranking do PISA, sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. As posições exatas do país do futebol nas três áreas de conhecimento avaliadas - Ciências, Leitura e Matemática -, entre setenta países de todos os continentes, revelarei mais ao final, para fechar com chave de bosta mais essa conquista nacional.
Trienalmente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) coordena a avaliação entre países membros e parceiros e traça um perfil básico de conhecimentos e habilidades do estudantes de cada um deles.
Comparando os resultados obtidos pelo Brasil em 2012 com os divulgados hoje, relativos à prova do ano passado, 2015, despencamos algumas posições; não só em relação aos outros países, mas também em relação ao nosso rendimento anterior, ou seja, quando o assunto é Educação, perdemos até para nós mesmos.
E não pensem que as questões propostas pelo PISA sejam de altíssimo nível, complexas, intrincadas, insondáveis. Nada disso. O PISA não é concurso para cientista da Nasa. Cobra tão-somente os rudimentos de cada área. Em Matemática, por exemplo, a maior parte dos brasileiros errou problemas de aritmética básica, como o quanto de troco teriam que receber de uma compra.
A primeiríssima colocada nas três áreas foi Cingapura. As cinco primeiras posições de cada área, com exceção do Canadá e da Finlândia aparecendo entre elas no quesito Leitura, ficaram nas mãos de países asiáticos. Em Matemática, então, os olhinhos puxados são onipresentes.
Nos três ou quatro artigos que li sobre, os nossos "especialistas" em educação foram unânimes sobre a questão, para eles a principal causa de nosso fracasso acadêmico é a falta de investimento. Falta de investimento na estrutura e materiais das escolas e, sobretudo, investimento na formação e no plano de carreira do professor. Alguns ainda argumentam que o método utilizado nas escolas é o grande culpado, pois seria norteado pelo "conteúdismo". Esse último, eu nem discuto, afinal, se não for para ministrar conteúdos, de que serve a escola?
Quanto ao argumento da falta de investimentos, concordo que escolas com melhores instalações, salas com menos alunos, livros didáticos atualizados, acesso a laboratórios etc promovam um melhor aprendizado. Concordo ainda mais que salários mais justos atraiam os melhores da categoria, aumentando o nível do corpo docente bem como dos cursos de formação. Concordo com tudo isso. Se não estivéssemos falando do Brasil, do brasileiro.
No Brasil, o buraco é mais embaixo. É mais fundo. Se os governos dos estados e o federal dobrassem hoje o investimento na Educação, nada mudaria. Se triplicassem, decuplicassem, continuaríamos a cair posições e mais posições no cenário internacional
A principal razão de nosso acachapante fracasso educacional não passa pelo financeiro, o maior entrave é que o brasileiro não gosta de estudar! Você pode melhorar o ambiente escolar para ele, pode fornecer bons livros, bons professores : ele simplesmente se recusa a estudar. Digo isso do alto de vinte e dois anos de magistério, vinte e dois anos de ladeira abaixo.
O brasileiro não dá o mínimo valor ao conhecimento, à cultura; antes pelo contrário, gaba-se de sua ignorância, celebra sua burrice, gosta de falar e de escrever errado. Dado o interesse nacional pelo conhecimento, digo que os governos gastam até demais com as escolas.
À pouca ou nenhuma afeição do brasileiro pelas letras, junte-se ainda uma LDB (leis de diretrizes e bases) e um ECA (estatuto da criança e do adolescente) frouxos, permissivos e cheios de brechas legais para o vagabundo e está pronta a sopa de bosta.
O brasileiro não gosta de estudar e não há, atualmente, lei que o obrigue, como havia antigamente. Ou será que alguém pensa que o japonesinho já nasce educado e morrendo de vontade de estudar? Só que lá, não é dado a ele o direito de não estudar. Ninguém pergunta se ele quer estudar, ele tem quê, e pronto. Aqui, as leis que regulamentam o ensino desestimulam o bom aluno, privilegiam e premiam o vagabundo.
Para os que não são da área, cito agora umas poucas peculiaridades da legislação que rege nosso ensino:

- até a 7ª série do fundamental (atual 8º ano) é proibido por lei reprovar o aluno de série. Desde que ele tenha a frequência mínima, pode ter baixo rendimento em todas as disciplinas : irá ser promovido para a série seguinte. É a chamada Progressão Continuada. Ou seja, é dado o direito ao aluno, caso ele queira, de permanecer analfabeto até os seus 13, 14 anos de idade. E, frequentemente, ele o quer, comumente, ele exerce alegremente tal direito;
- quanto à frequência, ele tem o direito de faltar a 25% das aulas, ou seja, a cada quatro dias letivos, ele pode encanar um, dos quatro bimestres que compõem o ano letivo, ele pode se ausentar de um deles. Se, por acaso, ele conseguir exceder o permissivo limite, também não há enrosco : basta que ele procure a coordenação da escola e receberá uma lista mequetrefe de trabalhinhos para compensação de ausência. O cara copia lá meia dúzia de folhas e o seu excesso de faltas é retirado;
- Não é necessário um motivo sério e justo para que o aluno justifique suas faltas e tenha o direito de repor as atividades perdidas em sua ausência. Se, por exemplo, o aluno faltar num dia de prova e, no dia seguinte, o pai for à escola e disser que o filho faltou porque foram passear no shopping center, é o que basta, o professor é obrigado a dar uma prova substitutiva (não, não estou brincando);
- Não há mais horário de entrada. Não importa a hora em que ele chegue à escola. Desde que esteja acompanhado pelo responsável, mesmo que o motivo alegado seja o mais esfarrapado possível, ele tem o direito de ir para a sala de aula; ele pode chegar na segunda aula, na terceira, na quarta... E contra o pobre do diretor que se meter a barrar sua entrada cabe até um processo administrativo com risco de exoneração;
- Não existe mais obrigatoriedade do uniforme. O diretor pode até pegar no pé, pode tentar vencer o aluno pelo cansaço, mas proibir a entrada dele por conta do uniforme, não;
- A média para a aprovação é 5,0, o que corresponderia a uma pontuação mínima de vinte pontos em cada disciplina ao fim do quarto bimestre. Corresponderia... Não corresponde mais. Acabaram com a média. Mudaram a matemática básica e fundamental. Hoje, se o aluno tirar, por exemplo, zero no primeiro bimestre,  dois no segundo, três no terceiro e conseguir um cinquinho raso no quarto e último, ele será aprovado. Zero mais dois mais três mais cinco, tudo dividido por quatro, nas minhas contas, dá 2,5. Reprovação inconteste, certo? Errado. Apesar de não ter atingido os vinte pontos, o aluno mostrou um progresso em seu desempenho, está num crescente de aprendizado, reprová-lo agora poderia lhe causar sérios traumas e complexos. Uma reprovação causaria um bloqueio definitivo no aluno. Portanto, o cara com média 2,5 é aprovado com honras e pompas;
- Se apesar de todas essas facilidades, e de muitas outras mais, o aluno ainda conseguir ser reprovado (sim, alguns conseguem tal feito), os seus responsáveis podem entrar com um recurso judicial contra a reprovação na Diretoria de Ensino de sua região. Via de regra, o parecer da Diretoria de Ensino é favorável ao aluno. Jogando na merda todo um ano de trabalho sério de um grupo de professores, pondo em xeque a competência dos mestres e minando de vez as suas já tão anêmicas autoridades.

Leis e parâmetros para criar uma geração de vagabundos e de indolentes, uma geração de frouxos e incapazes, de semianalfabetos felizes com a própria ignorância. O meu estranhamento é com o fato de ainda existirem bons alunos. Dependesse unicamente das leis do ensino, seriam todos delinquentes. E tudo isso embasado e avalizado pela tal Pedagogia, a pseudociência mais nociva e perniciosa de que eu já tive conhecimento.
Agora, me respondam, adiantaria investir milhões e milhões num cenário desses, sem antes mudar esse mal-intencionado pano de fundo? Será que o nosso problema principal é mesmo o financeiro, o da falta de recursos materiais? Não e não. Nosso nó górdio e cego e surdo e mudo não é a falta de recursos fnanceiros, sim de recursos humanos, morais. É a falta de vergonha na cara. 
Não precisamos, somente, de mais dinheiro, precisamos de leis mais corretas, rígidas, fundamentadas em valores como a dedicação e o mérito, leis que enalteçam o bom e que eliminem o ruim das salas de aula.
Vamos, enfim, aos números : em Leitura, ocupamos a 59ª posição entre os 70 países avaliados; em Ciências, a 63ª; e em Matemática, a nossa especialidade, a 66ª.
Um resultado péssimo! Mas não, de forma alguma, surpreendente. Surpreso eu estaria se estivéssemos entre os melhores, ou ainda que entre os medianos.
Somos um país de merda. E de merdas. Definitivamente. 

domingo, 4 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar, a Sua Mais Completa Tradução.

Por esse sujeito, sim, o país deveria se quedar em luto. A carpir sua morte, nos inundar diuturnamente com Jornais Nacionais. Em respeito imortal, todos os lápis, canetas, máquinas de escrever, computadores e imaginações e vícios de poetas fazerem uma estrofe de silêncio.
Mas, afinal, quantos brasileiros já ouviram falar em Ferreira Gullar? Não. Ele não foi centroavante da seleção de 70. Nem artilheiro da Libertadores. Nem nunca foi técnico do Corinthians. Nunca jogou no "Barça". Então, para o brasileiro, não tem importância nenhuma. Tome um antiemético hoje e assista ao Fantástico. Duvido que escute sequer uma notinha sobre ele.
Ferreira Gullar foi poeta. Dos bons. Dos do caralho. E não morreu. Que poeta não morre. Só troca de editora. De planeta. Entra para a Mitologia. Que a ABL é para Paulos Coelhos e Josés Sarneys.
(1930 - 2016)

TRADUZIR-SE
(Ferreira Gullar)

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

sábado, 3 de dezembro de 2016

Só Mais Um Sábado Sem Rock'n'Roll

postagem em homenagem à minha amiga Priscilão

O Paulistânia Rock Bar foi um bar de rock e de blues que manteve suas atividades por cerca de duas décadas aqui em Ribeirão Preto. Frequentei-o, contumaz e assiduamente, entre 1998 e 2006, 2007, período que, julgo, ter compreendido o seu auge, que nada mais é, o auge, que o ponto máximo de uma trajetória balística, o vértice de uma parábola que se desenha entre o lançar da catapulta, que tira um lugar do anonimato, e o primeiro pisar das solas na areia movediça, que o tragará em retorno ao esquecimento.
O Paulistânia não era pra qualquer um. Recebia e agregava seletíssima clientela. Uma elite. Não financeira - o Paulistânia sempre praticou preços bem mais módicos que outros estabelecimentos do gênero -, tampouco intelectual - rockeiros, via de regra, pouca coisa têm na cabeça, por isso, podem ficar a chacoalhá-las e a batê-las uns contra os outros à vontade, o risco de dano é mínimo.
Sim uma elite de desequilibrados, de portadores de algum tipo de transtorno, se não mental, no mínimo, social. Se o sujeito não fosse, de alguma forma, um desajustado, jamais seria atraído a cruzar os portais do Paulistânia, ou, se inadvertidamente o fizesse, o faria uma única vez.
A clientela habitual era tudo VIP. Não de Very Important Person. Sim de Very Insane Person.
As paredes do Paulistânia delimitavam um espaço exíguo, mal distribuído, de difícil locomoção quando mais de vinte ou trinta pessoas estivessem presentes (o que era considerado um público recorde), e com um perpétuo e perenal nevoeiro de nicotina que parecia emanar do chão e das paredes, uma Little London de fog azulado. Um local próprio para se esconder, e não se exibir, como é de costume e o objetivo de quem cai na noite às sextas e aos sábados.
A loucura, dificilmente, aportava sozinha no Paulistânia - eu mesmo, que sempre fui gato vira-lata de sair e me perder sozinho pelas ruas e pela madrugada, por raríssimas vezes fui sozinho ao Paulistânia. A loucura por lá chegava em ondas, em pequenos bandos, surgia em "panelinhas" das mais diversas vertentes, cada um com seus códigos, seus trajares, seus vocabulários e seus maneirismos, os metaleiros, os progressivos, os punk rockers, os rastafáris, os bluseiros, os raulseixistas, os cabeludos, os maconheiros etc.
Embora eu nunca tenha presenciado uma única briga entre os grupos - todos conviviam e se esbarravam pacificamente pelo Paulistânia -, também nunca testemunhei nenhum congraçamento entre eles. Eles não se misturavam. A loucura sempre foi segmentada e imiscível no Paulistânia.
Assim, por anos, cruzei e cumprimentei pessoas cujos nomes jamais soube, e nem elas o meu.
E havia um grupo muito especial que frequentava o Paulistânia à época, o qual é o motivo dessa postagem e de todo esse blá-blá-blá, e que abrilhantava e que perfumava e que salpicava com doçura e delicadeza as cruéis noites ali passadas. Um grupo feminino, praticamente as únicas mulheres com cujas presenças podíamos contar.
E essa era outra peculiaridade do Paulistânia : se você fosse até lá na intenção de pegar mulher, tava fudido. E eu falo com propriedade, afinal, quando um macho das antigas sai de casa, mesmo que ele diga que não, é atrás disso que ele vai, mesmo que o mar não esteja pra peixe, ele sai é para pescar. Mas ali, as redes sempre saíam vazias da água. Nem Cristo conseguiria operar o milagre da multiplicação das buças. Aquilo parecia um colégio interno católico. Um presídio.
Mas havia esse grupo de mulheres. Todas gordinhas, gordas, GGs. Rolhas de poço. Pudins de banha. Nós as chamávamos de As Pichorras, ou, mais formalmente, de A Confraria das Pichorras.
Aqui, um parêntese se faz necessário : o termo pichorra - e eu procurei pra caralho - não consta em nenhum dicionário oficial, formal ou informal da língua portuguesa com o sentido com que o aplicávamos. Foi um significado imputado e trazido, sabe-se lá de onde, acho que nem ela mesma sabe, pela minha amiga Priscilão (não, não é um traveco).
Segundo o Dicionário Revisado da Nova Ortografia Priscilão, pichorra é um sinônimo, de cunho pejorativo, para gorda, balofa, supositório de baleia.
Acontece que, se a oportunidade faz o ladrão, a escassez e a necessidade fazem o tesão. Por não haver delícias e beldades no Paulistânia, um padrão outro para comparação, as Pichorras acabaram por ser tornar as musas do Paulistânia, as últimas bolachas do pacote, os objetos de desejo dos punheteiros do lugar.
O tiro da Priscilão saiu pela culatra. Pichorra passou a designar não apenas uma gorda, mas sim a gorda sexy, a plus size, a gorda com sex appeal, com savoir-faire, com approach, com balacobaco, com o buraco quente. A gorda que, longe de causar repulsa e paumolescência, é capaz de causar ereções matinais, vespertinas e poluções noturnas.
O que, da parte da Priscilão, surgiu como um termo depreciativo, acabou por se tornar em uma honraria, uma comenda, uma condecoração.
Igualmente aos integrantes dos outros grupos, nunca soubemos os reais nomes das Pichorras. Havia uma, a líder delas, que lembrava um pouco a atriz Neve Campbell, que fez relativo sucesso e furor na década de 1990, estrelando séries e filmes voltados ao público adolescente. Logo, a pichorra passou a ser a Neve Campbell. Tempos depois, ela tingiu os cabelos de preto retinto e passou a cortá-los ao estilo da Cleópatra da Elisabeth Taylor : virou Cleópatra para nós. Outra delas, dados a compleição e os atributos físicos, foi batizada de Bola 7 pelo meu amigo Samuel, o famoso Nariz. Só que nunca sabíamos se a Bola 7 era mesmo a Bola 7, pois a mesma tinha umas 18 irmãs quase que idênticas, como que saídas de uma linha de produção fordista. E a coisa e as nomenclaturas extraoficiais iam por ai, por esse viés.
Então, um salto de 10 anos no tempo e eu me pego acordado às sete da manhã de um sábado na sacada do apartamento - cabelos bem mais brancos, rugas mais profundas, mais barrigudo -, tomando um café forte, olhando a rua, esperando mulher e filho acordarem (as gatas já foram alimentadas e já roçam e se enrodilham em meus pés), me preparando psicologicamente para um fim de semana na casa da sogra.
Eis que de repente, não mais que de repente, um caminhão sobe e estaciona do outro lado da rua, poucos metros acima, em frente a uma empresa de manutenção de computadores e periféricos. Na lateral do enorme baú, o nome da transportadora, em foto tirada da sacada, meio que de lado, da porra de um tablet CCE que recebi do Governo.
TransPichorra! Pãããããta que o pariu!!!
Abriu-se o Túnel do Tempo! Foi ligado o tomógrafo da memória!
No mesmo instante, comecei a imaginar as pichorras saindo alegres e dançantes e requebrantes e sensuais e luxuriantes do caminhão, quando o motorista destrancasse as portas traseiras. A líder dela em suas duas versões a coexistir, a Neve Campbell de mãos dadas e colando velcro com a Cleópatra, a Bola 7 e suas 18 irmãs. Quem sabe até o Durval, o dono do Paulistânia e o último verdadeiro homem do rock em Ribeirão Preto, a servir, mal-humorado, a sempre morna cerveja. Liberei geral e imaginei mesmo ver o Grillo Vergueiro - o maior cover do Raul Seixas do Brasil, infelizmente aposentado por motivos infelizes - descendo do caminhão com sua guitarra e sua garrafa de conhaque em punho e a tocar e cantar DDI, Amigo Pedro, A Hora do Trem Passar, Medo da Chuva, Conserve seu Medo, SOS, Sessão das Dez e, ao encerramento da noite, na hora do bis e dos pedidos, declamar Movido a Álcool e se derreter a uma bem fornida fã e entoar Baby.
Imaginei um reencontro, uma festa e uma serenata sob minha sacada.
Qual o quê... O caminhão transportava somente uma carga de toner para impressoras.
Dei as costas para a rua e fui me reabastecer de café.
Seria só mais um sábado comum. Movido a café. Sem Baby.
Só mais um sábado sem rock'n'roll.