sábado, 27 de novembro de 2021

Inútil Mandinga

Tentando uma mandinga
- Talvez de xamã Navajo,
Talvez de pajé tolteca
Ou só mesmo de macumbeiro on-line -,
Acoplei a minha pena,
De tungstênio,
A outra,
A que um gavião descartou à porta de minha casa,
Em busca de que minha escrita
Se alçasse a maiores voos e alturas,
Se tornasse mais leve.

Qual o quê...

Minha escrita é mais rasa e rasteira
Que a própria vida.
Mais pesada que culpa de padre católico
Quando termina de bater uma punheta.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Ciro Gomes, Macho e Pegador das Antigas, Diz : Eu Tenho Coragem de Mamar em Onça

Voto em Ciro Gomes desde a sua primeira candidatura à Presidência da República. Votei nele por três vezes e farei-lhe a minha quarta aposta em 2022. 
Agora, mais do que nunca (como diria o Faustão), torço para que ele passe ao segundo turno. As duas outras opções mais prováveis até então, Lula e Bolsonaro, são ambas nefastas - já se comprovaram nefastas. Muito mais nefasto Lula que Bolsonaro. Muito mais. Bolsonaro, como eu já disse e agora repito, é um projeto de um pretenso ditador; Lula é um ditador com um projeto. Muito mais perigoso, o Sapo Barbudo. Ele tem método. E não, isso não lhe é um elogio. Mas, enfim, cada qual à sua maneira, são ambos nefastos.
De Ciro Gomes, sei que os números apresentados pelo estado do Ceará na educação e na saúde, a exemplos, são muito melhores que os exibidos pelo estado de São Paulo, que é dito e que se diz o "tal" da federação. Números salariais, inclusive. Vi, por acaso, há poucos meses, um edital de um concurso público para professor no Ceará. O salário inicial, por uma jornada semanal de 40 horas, era nada mais nada menos que o triplo e umas quirelinhas a mais que o correspondente pago em São Paulo.
De Ciro Gomes, sei que ele foi o mentor intelectual do Plano Real - o esquerdinha caviar FHC só levou a fama -, plano que estabilizou a moeda em 1994 e a mantém assim até hoje; por enquanto. Antes dele, de 1986 a 1993, a moeda brasileira foi trocada por três vezes. De cruzeiro para cruzado, de cruzado para cruzado novo e de cruzado novo para cruzeiro novo (ou cruzeiro de novo, como se dizia à época).
De Ciro Gomes, sei que é macho e pegador das antigas, comeu a Patricia Pillar durante muito tempo.
Como negar as suas habilidades? Como negar-lhe o meu voto?
Porém, a intenção de Ciro Gomes de se tornar a já mítica - e imprescindível - terceira via, segundo recentes pesquisas de intenção de voto, tem tudo para malograr, para dar com os jegues n'água. De novo.
De acordo com os novos escrutínios sobre o pleito presidencial de 2022, Sérgio Moro, o Eliot Ness brasileiro, o Paladino de Curitiba, desponta na preferência do eleitor que não quer nem Lula nem Bolsonaro, ultrapassa Ciro Gomes na chance de se tornar a terceira via. E mais : que Moro é o candidato mais competitivo contra Lula num segundo turno.
Não será, ainda, o ano de 2022, a hora do Ciro beber água?
Num primeiro momento, eu não votaria em Sérgio Moro. Não o quero para Presidente do Brasil. Não porque duvide de sua retidão e probidade. Não duvido. Sou-lhe, inclusive, muito grato, por ter colocado no xilindró o maior saqueador de cofres públicos da nossa História. Mas não o quero Presidente. Por ele, até. Não obstante o exímio jurista que é, Moro não tem a habilidade política necessária para fazer os acordos, as concessões e os conchavos que, infelizmente, permitem que um presidente governe minimamente. Moro seria devorado vivo pelo Centrão. Mas, num segundo momento, caso Moro passe ao segundo turno junto com Lula ou Bolsonaro, voto nele; sem pestanejar.
Com a intenção de cutucar a onça com vara curta, o nefando consórcio que atende pelo nome de Imprensa, perguntou a Ciro Gomes se ele tem medo do Moro.
Ciro respondeu à altura, como sempre, um tom acima do idiota que lhe faz uma pergunta. Declarou : "Medo do Moro? Cara, eu tenho coragem de mamar em onça”.
O candidato a candidato Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, gauchíssimo que só ele, ao saber da declaração de Ciro Gomes, segundo as más línguas, teria dito : "Mas bah, tchê! Já que o Ciro vai mamar na onça, pode deixar que no "onço" mamo eu!".
Pãããããããããta que o pariu!!!!!

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Sonhamos. Sonhemos...

Sei que sonhas comigo,
Enquanto,
Não obstante,
Dormes saciada em outras camas.
 
Sabes que sonho contigo.
Nos quilômetros de insônia noturna
Que percorro pela sala,
Pela cozinha,
Pela casa.
E no meu eterno sonambulismo diurno
Pelos dias sem data,
Pelas ruas sem placas de nome,
Pelas pessoas sem rosto.
Pela vida.

sábado, 20 de novembro de 2021

O Vírus em Mim (4)

Mais um dose? É claro que eu tô afim! Valha-me São Cazuza!!!
Tomei hoje a terceira dose da vacina contra o vírus chinês!!! Da Pfizer. Se com as duas primeiras da Coronavac, eu corri o risco de virar jacaré, agora, com essa inglesa, eu vou virar o quê? O Príncipe Charles? Valha-me São Duque da Cornualha! Prefiro virar jacaré-do-papo-amarelo! Prefiro virar a Cuca!
O posto de saúde, no horário marcado para as 13:30 h, estava praticamente vazio. Só quatro velhos a esperar pela terceira dose. Eu e mais três. O enfermeiro mostrou a ampola da vacina, o fabricante e a procedência, a data de validade, puxou o conteúdo da seringa sob os meus olhos, mostrou-me os 3 ml, aplicou-me e me mostrou a seringa vazia.
Disse-lhe que eu tomara as duas primeiras doses da coronavac e que não tivera reação alguma; perguntei-lhe se devia esperar por alguma agora, dessa da Pfizer. Apenas, se acontecer, uma dor no local da picada, ele me garantiu, dois ou três dias de desconforto no máximo, e que eu podia tomar o analgésico de meu costume.
Pãããããta que o pariu!!! Por ser canhoto, instintivamente, ofereci o meu magro bíceps esquerdo ao sacrifício, o meu braço hábil. Possível reação da vacina da Pfizer : três dias sem tocar punheta!
Mas agora estou trivacinado, tri-imunizado contra a Peste Chinesa. Tri legal, como diria o gaúcho!
Para comemorar, hoje vou de Natasha, vodka boa e barata. Tridestilada!

Eu, um Antioásis

As pessoas circulando pelas praças,
Seus cachorros cagando nas calçadas e nos canteiros,
Suas crianças violentando os tímpanos da manhã de sábado,
O maconheiro flanando feito um zepelim.
 
A terra roxa gozada de chuva,
As minhocas a garantir que os trens de metrô saiam e cheguem nos horários,
Os tatuzinhos-de-jardim a jogar sua "pelada" de fim de semana,
As saúvas em procissão com suas sombrinhas de flor de quaresmeira.
O jambo amarelo que cochilou e caiu de seu galho,
O cajá, a pitanga
A vagem do flamboyant.
Até os automóveis tossem e zunem prenhes ao redor.
 
E eu, uma ilha de solo lunar à deriva nesse oceano tempestuoso de vida.
E eu, um antioásis.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Vida : Eis um TOC que Eu não Tenho

Bis! Bis!
Grita a Vida.
 
Bis é o caralho, 
Digo eu.
 
E abandono o palco
No meio da farsa,
Da pantomima.
Com as cortinas ainda abertas,
Com os holofotes feito baratas tontas
Procurando em quem mirar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Eu Só Não Sei Até Quando o Diabo Vai Aguentar

Essa postagem é para meu irmão caçula. O Diabo está de volta ao inferno. Que o Inferno, o escolhido por nós, e não aquele que nos são os outros, é o melhor lugar para se estar.
Êêêêê, moço... É bem como dizia aquela pichação de 30 anos atrás, num muro que não mais existe e cujo autor ou morreu, ou está broxa : "O problema é a buceta"!
 
A Mulher do Diabo
(As Velhas Virgens)
 
A mulher do diabo
Não quer mais vez o diabo no bar
A mulher do diabo
Proibiu ele até de fumar
Ela diz, que o capeta
Precisa se fazer respeitar
E honrar os chifres na testa e não ser um cara vulgar.

Eu só não sei até quando o diabo vai agüentar
Eu só não sei até quando o diabo vai agüentar.

A mulher do diabo
Quer que ele use um chapéu
Cobrindo os chifres
Eles vão entrar direto no céu
Fazendo o papel de mocinho
O diabo quer se candidatar
À vereador, deputado ou prefeito de qualquer lugar.

Eu só não sei até quando o diabo vai agüentar
Eu só não sei até quando o diabo vai agüentar.

Pobre diabo, ela te pôs na palma da mão
Essa mulher é demais
Satanás
É o cão é o cão é o cão
É o cão é o cão é o cão.

O diabo encheu o saco
E mandou a mulher passear
Ele tá de volta na noite
Ele tá de volta no bar
Ele sabe que neste mundo
Ninguém muda ninguém
A gente é o que é
Quem gosta aceita o que tem
O mundo não para de girar
E até o diabo pode recomeçar
O mundo não para de girar
E até o diabo pode recomeçar.
Para ouvir a música, é só clicar aqui, no meu endemoniado MARRETÃO.

domingo, 14 de novembro de 2021

Eu Sou o Seo Vicentini

Conheci Luiz Vicentini, o Seo Vicentini, em 1989. Eu, recém-contratado pelas Faculdades Barão de Mauá; ele, já um decano, praticamente um patrimônio da instituição. Eu, funcionário do departamento de gráfica e fotocópias; Seo Vicentini, do financeiro, chefe dos caixas, os quais trazia sob a sua vigilante batuta. Por mim, passavam todos os impressos internos da escola - folhas de prova, carnês das mensalidades, cadernos de estágio, papel timbrado etc -, que eu confeccionava em offset, e também cópias particulares de alunos e funcionários, feitas em três velhas máquinas "xerox". Pelo Seo Vicentini, passavam todos os tipos de pagamentos feitos à escola - mensalidades, apostilas, declarações e históricos escolares, fotocópias, segunda via de provas etc -, os quais ele recebia e registrava em sua velha máquina de alavanca, com tipos metálicos móveis, fita roxa e bobina de papel.
Eu, com 22 anos. Seo Vicentini, tanto podia ter quarenta quanto setenta. Suponho que tivesse idade próxima à que tenho hoje, algo em torno de 55 anos, um pouco para mais, um pouco para menos. Suponho. Nunca consegui estimar direito a idade do Seo Vicentini. Calvo, muito magro, semblante encarquilhado, postura curvada e nariz adunco, feito um velho Abutre (o do Steve Ditko; não estas tristes e ridículas versões modernosas), Seo Vicentini era dessas pessoas que, já aos trinta anos, aparentavam ter setenta, e setenta continuavam a aparentar o quanto vivessem, oitenta, noventa, cem. Uma daquelas pessoas em que a idade se apressa para alcançá-las e logo em seguida estanca, se acomoda.
Nossos locais de trabalho, o meu e o do Seo Vicentini, a gráfica e o caixa, eram separados por uma parede não pintada de blocos de cimento cinza, mas não eram incomunicáveis. Uma porta ao canto direito permitia o trânsito entre os dois ambientes. Porta sob cujo batente, nos dias de pouco movimento, travei longas conversas com o Seo Vicentini. Mais monólogos, na verdade. O velho Vicentini se deleitava em desfiar suas sagas, peripécias e outras lorotas de seu passado.
Um paquerador inveterado, o Seo Vicentini. Um galanteador das antigas. Do tipo que fazia fiu-fiu quando a gostosa passava. Quando uma aluna, uma universitária de belas formas se dirigia ao seu caixa para pagar a mensalidade, o Seo Vicentini a tratava por "bem", por "princesa", elogiava os olhos da moça, os cabelos, o perfume, o brinco etc. E se, por acaso, a incauta, ao passar o carnê e o dinheiro do pagamento pela abertura do vidro do seu guichê, demorava em retirar a mão, o Seo Vicentini a tomava e a aninhava entre as suas. Fosse hoje, o Seo Vicentini iria em cana por assédio. Iria ser assediado, no xilindró, pelo Ditão Pé de Mesa.
Seo Vicentini também era o responsável não oficial pela organização dos bolões de apostas. Era o bookmaker da faculdade. Bolões em que se apostava desde em jogos de futebol e loterias até em acontecimentos futuros das vidas pessoais dos funcionários. Seo Vicentini foi quem organizou, inclusive, o bolão em que se apostou se o meu cunhado, à época também funcionário da faculdade, iria mesmo honrar o seu compromisso de noivado com a minha irmã e comparecer à cerimônia de seu casamento, ou se a deixaria a ver navios no altar, na nave da igreja. Solteirão inveterado, empedernido e juramentado, deixara, segundo as línguas ociosas, já duas outras noivas na saudade. Desse bolão, o Seo Vicentini não me ofereceu nenhum número, mas chegavam notícias até a mim de que o grosso das apostas, talvez até a unanimidade delas, era no não comparecimento do noivo, na deserção do nubente de 40 anos. Não sei se alguém apostou na honradez do meu cunhado (eu não teria apostado). Se houve, encheu o cu de dinheiro.
Seo Vicentini era dono de um indefectível bordão. Sempre que alguém passava por ele, ele chamava essa pessoa com um psiu e, assim que ela se voltava, ele dizia : "amanhã 'cê vai lá hoje?".
O reinado de Seo Vicentini como chefe dos caixas, no entanto, ruiu por volta de 1992, 1993. As velhas registradoras foram trocadas por máquinas eletrônicas, uma novidade na época. Saíram os números roxos carimbados mecanicamente no bobinão de papel, entraram o frio visor de fósforo verde e o comprovante em papel de impressão térmica, feito os de caixa eletrônico de banco. Saiu o clac-clac da pujante alavanca que acionava os tipos móveis, entrou o enfadonho zumbido do processador interno da nova máquina. A impessoal e massificante modernidade substituiu o Seo Vicentini.
Substituiu, não; que o Seo Vicentini era insubstituível. A suposta modernidade tomou o lugar do Seo Vicentini. Usurpou a sua posição. Seo Vicentini não conseguiu se adaptar à nova tecnologia, não conseguiu aprender os truques do novo equipamento. Na verdade, nem sei se o Seo Vicentini quis verdadeiramente aprender o manejo das máquinas eletrônicas. Nem sei se fez um real esforço no sentido de. Talvez tenha preferido não se sujeitar à modernidade. Se tiver sido isso, respeito-o ainda mais.
Depuseram o Seo Vicentini de seu posto de chefe dos caixas, mas não o demitiram da empresa. Devido ao seu longo tempo de casa e mesmo pela consideração que os donos da escola e os filhos do dono (que Seo Vicentini vira crescer) tinham por ele, ele foi remanejado para outra função. Foi ser o Guardião da Quadra de Esportes da escola, situada fora do prédio central, alguns quarteirões acima. Lá, Seo Vicentini fazia as vezes de porteiro, de zelador e também era quem agendava os horários de uso da quadra pelos professores e organizava os eventos esportivos promovidos pela escola. Deu-se bem em sua nova função, o Seo Vicentini. A rapaziada gostava dele, ele via as alunas de biquíni na piscina. Virou até nome de campeonato. Torneio Luiz Vicentini de futebol society.
A partir de sua transferência para a quadra, nunca mais conversei longamente com o Seo Vicentini. Nossos contatos passaram a ser eventuais, fortuitos e aleatórios. E duravam poucos minutos, poucos segundos, até. Cruzávamo-nos, vez ou outra, pelas ruas do bairro; os dois em trânsito, indo para ou voltando de algum lugar. Eu, a pé; Seo Vicentini, com sua bicicleta Monark Barraforte. Nunca montado ao selim dela. Feito o tangamandapiano carteiro Jaiminho, Seo Vicentini levava a bicicleta sempre andando e a empurrá-la pelo guidão.
Trocávamos rápidos cumprimentos, ele sempre me perguntava pelo meu cunhado e seguíamos os nossos caminhos. E era fatal : assim que nos dávamos as costas, ele me chamava, eu me virava e ele disparava : "amanhã 'cê vai lá hoje?".
Fiquei sabendo, então, recentemente, através de minha mãe, que o Seo Vicentini, um dia desses, cruzou, a empurrar a sua bicicleta pela calçada, com a boa e velha Morte. Cumprimentaram-se, a Indesejada das Gentes perguntou-lhe como andava a vida e despediram-se. Assim que se deram as costas, a Morte chamou o Seo Vicentini e, quando ele se virou para ela, Ela disse : "amanhã 'cê vai lá hoje?". E o Seo Vicentini foi.
Morreu, o velho abutre. Não lhe sei a causa mortis. Minha mãe não soube informar nem mesmo a exata data de seu passamento. Assim, não sei o intervalo que houve entre a morte de Seo Vicentini e a minha ciência dela. Mas tenho a certeza, guardo a forte impressão, de ter cruzado com o Seo Vicentini não há tanto tempo antes de sabê-lo finado. Coisa de uma semana, creio, um pouco mais, um pouco menos. Espero que ele ainda estivesse vivo na ocasião.
Passei a pensar muito no Seo Vicentini depois disso. Não na sua morte física, orgânica, definitiva. Sim na sua primeira morte, há quase trinta anos, na sua obsolescência profissional decretada do dia para a noite. Do dia para a noite, Seo Vicentini deixou de servir para o trabalho que muito bem executara durante a vida inteira. Será que toda a experiência e o conhecimento adquiridos e acumulados durante décadas, simplesmente, evaporaram-se de um dia para o outro? Acometeu-lhe alguma espécie de amnésia profissional, um Mal de Alzheimer laborial? Por que, de súbito, a nova traquitana eletrônica passou a valer mais para a empresa do que a pessoa que antes a operava? Seo Vicentini, é certo, não perdera a sua competência e o seu conhecimento. Mas passou a valer mais a ferramenta que o hábil artesão que a manejava. Conhecimento? Mesmo nesse recente passado de que vos falo, valor ao conhecimento já era coisa do passado.
Por que tenho pensado tanto nisso? 
A pandemia da Peste Chinesa veio a intensificar e a cristalizar um processo já há muito em andamento : a digitalização do ensino, a substituição do sólido e confiável quadro-negro pela tela radiativa dos computadores e celulares; o professor pelas aulas gravadas. 
Pulularam "n" plataformas de apoio educacional, Meets, Zoom, Google Classroom e o caralho. Todo o subsídio necessário para o professor rasgar de vez o seu diploma e se tornar um youtuber.
Não usei nenhuma delas. Por relativa sorte, o Estado não teve como equipar os seus professores para que transmitissem aulas ao vivo, de suas residências. Dessa forma, não podendo nos obrigar a tal, criou um canal coletivo de transmissão de aulas gravadas por professores especialmente contratados para tal, o infame e famigerado Centro de Mídias de São Paulo. Aulas comuns a todos os alunos da rede pública estadual. Aos professores, coube a obrigação de também assistirem às aulas de suas disciplinas no CMSP, enviar atividades relativas aos temas tratados nelas para os alunos, recebê-las de volta e corrigi-las. E foi o que eu fiz. Enviei e recebi atividades por e-mail. E só. 
Teve professor - muitos - que não. Teve professor que pôs grana do próprio bolso para comprar computadores e celulares novos, e que, praticamente, montou um estúdio de edição em sua casa, transmitiu aulas, criou fóruns e o caralho a quatro; tudo gastando a sua própria internet, energia elétrica. E depois dizem que ganham pouco. 
Exploraram todas as plataformas, fizeram cursos on-line. A disputa passou a ser não mais por quem tinha a melhor aula ou o melhor domínio de sua disciplina, mas sim por aquele que usava a plataforma com a melhor interface, com recursos mais intuitivos, que tinha mais acessos, que recebia mais views. Como no caso do Seo Vicentini, a ferramenta superou, de longe e em importância, o conhecimento e a experiência docente.
Não sei mexer com essas plataformas digitais. Sou do tempo do giz e do apagador, as minhas máquinas de alavanca. Diferente do Seo Vicentini, eu poderia aprender a trabalhar com elas? Poderia me adaptar, me adequar ao uso dessa nova tecnologia? Creio até que sim. Mas, igualmente a ele, não sei se quero aprender o seu manejo. Aliás, sei : não quero
E não foram apenas os suportes e os aparatos físicos e analógicos do professor que se tornaram digitais, virtuais, etéreos; que, enfim, desintegraram-se. O chamado "material humano" com quem trabalhamos, o tal do alunado, a exemplo do sistema de ensino adotado durante a pandemia do vírus chinês, também completou a sua metamorfose para um ser híbrido. Cérebro que é parte massa encefálica, parte chip de celular; cada vez menos da primeira, cada vez mais da segunda. 
Um ser virtual, remoto, desintegrado. Que não tem coordenação motora nem para copiar a matéria do quadro, ser cuja única "habilidade" é mirar a lousa com a câmera de seu celular e a fotografar. Que só vai à escola pelo convívio social, para comer merenda, pelo Bolsa Família, para os seus rituais de acasalamento, para consumir e/ou fumar maconha no banheiro e, claro, para desrespeitar o professor.
Eu poderia me adaptar, me adequar, aprender a lidar com esse novo aluno, com esse apedeuta híbrido? Não! Ainda que eu quisesse, não conseguiria. E, terminantemente, não quero.
Pensando nisso tudo, agora, numa madrugada de sábado para domingo, ergo meu último latão de Lokal aos céus e emito um brado mudo, não obstante retumbante : Eu sou o Seo Vicentini!
Luiz Vicentini
19-e-guaraná-de-rolha - 2021
 
Descanse em paz, velho Abutre

sábado, 13 de novembro de 2021

Serenatas Sem Métrica

Eu disse
Que não mais diria da Lua.
 
Mas dizer mais sobre o quê?
 
Se a Lua é o meu T.O.C.
Minha TV de um só canal
Meu rádio quebrado em uma única estação
Meu disco riscado a gaguejar na vitrola?
 
Dizer o quê,
Se não d'Ela? 
Se Ela é a minha monomania,
Meu samba de uma nota só?
 
Fazer o quê?
Cortar-me os pulsos e os tendões?
Para nunca mais empunhar uma caneta
Feito lança e a defendê-la de santos e de dragões?
 
Ou, pior,
Castrar-me de minhas cordas vocais?
Para nunca mais uivar
Serenatas desafinadas e sem métrica
Sob as suas janelas orbitais? 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Cerveja-Feira (44)

Inúmeras, são as escalas termométricas. As medidas relativas do grau de agitação das moléculas de um sistema.
Quem tem para mais de quarenta, quarenta e cinco anos, e teve a sorte e o privilégio de estudar na escola pública durante o governo militar, conhece todas elas, ou, ao menos, se lembra delas. Celsius, Kelvin, Fahrenheit, Reaumur. Quem tem para menos de trinta e cinco, trinta anos, e teve o azar travestido de sorte (um travesti maquiado com um rouge vermelhíssimo) de frequentar a escola pública sob os auspícios da nossa chamada democracia, da Constituição Cidadã, do ECA e da LDB paulofreirista filha da puta, sobretudo se na moralmente falida região Sudeste do país, continua - e continuará por toda a vida - a confundir Física com Educação Física.
Portanto, escalas termométricas não são novidade para ninguém minimamente letrado. E Escalas Frescurométricas de temperatura? Escalas que indicam o grau de frescura e de viadagem, o grau de agitação das pregas e da argola do sujeito? Existem?
Sim, existem. Pãããããããta que o pariu se existem!!! Soube delas na semana passada.
Minha esposa, que tem o paladar e o salário muito mais gourmets que os meus, nos fins de semana, também toma a sua cervejinha. De uns tempos para cá, ela compra lá a sua cerveja comum, rotineira, uma Bohemia, uma Petra, ou outra puro malte e, para experimentar, compra mais uma ou duas latas de uma marca mais cara, mais artesanal, só para molhar o bico.
Na semana passada, ela apareceu com dois latões da Patagônia Amber Lager. Cerveja de cor dourada (como sugere o nome), bom corpo, boa formação e persistência da espuma; para o meu gosto, poderia ser um pouco mais amarga, mas uma boa cerveja.Como diriam os degustadores e outros afrescalhados de plantão : um excelente custo-benefício. Para mim, um excelentíssimo custo-benefício, uma vez que foi minha esposa quem pagou por ela.
Chamou-me a atenção e me causou estranheza, uma informação no rótulo. Temperatura ideal para consumo : 8 a 12ºC. Que putaria era aquela? Que estupidez era aquela, dizer que cerveja não se toma estupidamente gelada, trincando, quase no ponto de iceberg?
Recorri ao oráculo Google. Sim, segundo os "entendidos", cada cerveja tem a sua temperatura ótima de consumo, a depender de seu tipo, ingredientes e do clima da região. Mais : que cerveja tomada perto ou abaixo de zero grau adormece as papilas gustativas, prejudicando a apreciação do seu bouquet. E, com certeza, também do boquete. Que degustar é coisa de chupador de rola.
Sim, meus caros, existe uma Escala Frescurométrica de temperatura para o consumo dos diferentes tipos de cerveja.
É a Escala Michael Jackson! Pããããããta que o pariu!!! Nesse caso, não estou zoando, não. Nesse caso, se alguém está de sacanagem, não sou eu. A Escala Frescurométrica Cervejeira foi estabelecida pelo cervejólogo inglês Michael Jackson. Também conhecido por beer hunter, Michael Jackson foi um jornalista e escritor que se dedicou ao estudo e à publicação de diversos livros sobre cerveja e whisky.
Eis a Escala Frescurométrica Cervejeira:
 
1) Muito gelada (entre 2 e 4ºC) : cervejas para apreciar nos dias de calor e se refrescar. O teor alcoólico deve ser no máximo 5,5% com sabor leve e aromas mais frutados, como as Lager e as Pilsen;
2) Gelada (entre 4 e 6ºC) : cervejas claras, como as de trigo (Kristallweizen, Weizenbier, Witbier) Tripel belga, Fruit Beer e Lambics;
3)Fria (entre 8 e 12ºC) : cervejas com sabores e aromas mais complexos, que não serão percebidos se consumidos muito gelados. É a temperatura ideal para IPAs, Ales em geral, Weizenbocks, Porters, Dubbels e outros estilos de cerveja com teor alcoólico um pouco mais elevados;
4) Temperatura de adega (entre 13 e 15ºC) : cervejas muito complexas e que necessitam de certa temperatura para serem desfrutadas. Estamos falando de estilos mais fortes e alcoólicas como Belgian Dark Strong Ales, Stout, Barley Wines e Bocks.
 
Se meu velho e safado avô Bepim, cervejeiro e putanheiro das antigas, fosse vivo e ouvisse isso, morreria de rir. Bateria na sua enorme pança e soltaria um de seus sonoros arrotos em sinal de reprovação e desprezo.
Mas, enfim, tomei a minha Amber Lager com temperatura entre 8 e 12ºC ? Até procurei pelo termômetro. Não achei. Ele devia estar enfiado no cu do Michael Jackson. Sendo revezado entre ele e seus adeptos.

domingo, 7 de novembro de 2021

A Fase R.E.M. da Lua

Estou com a cabeça pousada
No ventre de odalisca da Lua,
Na doce e acolhedora cratera do seu umbigo,
Pouco acima do seu Mar da Tranquilidade,
Do qual ainda aspiro a lânguida maresia.
 
E Ela dorme,
E Ela revolve os olhos,
E Ela ressona,
E Ela ronrona.
 
E Ela irá faltar hoje
Ao seu expediente noturno
Na repartição pública do Firmamento.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Nigella Lawson : Cozinhar, Comer e Repetir

MasterChef é o caralho!!! Que se fodam o Tempero de Família, o Perto do Fogo, o Cozinha Prática da Rita Lobo, o Que Marravilha!, o Taste Brasil, o Bela Cozinha, o Mestres do Sabor e outras picaretagens gastronômicas.
Ela está de volta! Depois de um sentido e dolorido sumiço, ela volta para quebrar o nosso longo jejum de sua pungente ausência.
Ela está de volta. A Cozinheira Suprema, a Mestre-Cuca-Mor, a Deusa Mãe dos programas televisivos de culinária.
Ela, a apetitosa, a suculenta, a cítrica, a aveludada, a crocante, a caldosa, a bem temperada e cheia e umami Nigella Lawson!
Aos que, inafortunadamente, não a conhecem, aviso de antemão : Nigella não é para paladares frugais e politicamente corretos. Não é para quem gosta de um grelhadinho no almoço, uma frutinha no lanche da tarde e uma saladinha ou sopinha no jantar. Nigella é para quem gosta de comer! De se banquetear. De se fartar. De ter overdose de substanciosa comida!
Nigella não é gourmet! É gostosa! É prato que serve dois, três, quatro. Não esperem de Nigella um prato com uma azeitoninha aqui, uma flor de capuchinha ali e uma espuminha de salmão acolá. De Nigella, antes esperem por um besuntado pernil de javali.
Nigella não é para estômagos sensíveis nem para garfos broxas e inapetentes . Nigella não é para degustadores. Não é para sujeitos que comem saladinha de rúcula com endívias salpicadas com sementinhas de quinoa e de chia. 
Nigella é para o cara que saliva com o cheiro do torresmo a pururucar na panela, que fica de pau duro com a gordura a pingar sobre a brasa. É para quem gosta de carnes servidas em porções generosas - e como são generosas, as carnes da Nigella -, carnes firmes, malpassadas para cruas, gorduras nos lugares certos. 
E não tem miséria com Nigella. Ela é também a rainha da untuosidade e do buttercream. Bota manteiga em tudo, a bela e bem fornida Nigella! Valha-me São Marlon Brandon!!! Não é à toa que as más-línguas elegeram, tempos atrás, Nigella como sendo a precursora de um novo tipo de culinária, a food porn!!! E também a sua rainha indestronável. Inveja, Nigella, pura inveja!!!
Nigella está de volta. Em um novo programa, em uma nova produção, de 2020, baseada em seu livro Cook, Eat, Repeat (Cozinhar, Comer e Repetir) e homônima a ele.
Cozinhar, comer e repetir... Embora admita que não seja muito comum - muito menos fácil - um homem da minha idade repetir o prato, comer dois pratos sem tirar o garfo de dentro, no caso de Nigella, eu me garanto : eu repito. Repito e ainda lambo o prato, a frigideira e a tampa da caçarola!!!
O programa Cozinhar, Comer e Repetir passou a ser exibido nesta semana pelo canal de tv a cabo GNT. Dias e horários? Não faço nem ideia. Mas que seja, preferencialmente, nas madrugadas de sábado. Para concorrer (e ganhar) do Cine Privé, da Band.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

ELA

Podemos nos apaixonar por um sistema operacional? E por que não? Não somos todos, sistemas operacionais? Se acondicionados e enclausurados em um HD ou em um cérebro, qual a diferença? Se sistemas operacionais à base de carbono ou de seu primo, o silício, qual a importância? Não somos todos, cérebros? Não existimos se não enquanto pensamento? Não somos o que pensamos, e também o mundo como o vemos?
Pode, um sistema operacional, se apaixonar por nós? Desenvolver emoções próprias e genuínas, além das que lhe foram programadas? Nós desenvolvemos emoções próprias e genuínas? Que emoções são deveras nossas, quais parte de nossa programação, biológica e social? O que de fato sentimos além do que nos foi ensinado a sentir?
O que chamamos de emoções não são tão-somente interações físico-químicas que nos causam ora bem-estar, ora desconforto? Há dois tipos de reações químicas. As exotérmicas, que liberam energia : que bem podemos interpretar como alegria, amizade, amor, paixão, êxtase. E as endotérmicas, que absorvem energia : talvez as sintamos como tristeza, melancolia, frustração, depressão. Não são, os próprios pensamentos, fagulhas elétricas geradas por reações químicas?
Pode, um sistema operacional, desapaixonar-se? Ou polienamorar-se? Sentir forte interação por vários outros sistemas operacionais, simultaneamente, ter vários sistemas-gêmeos?
Não somos todos, insaciedade? Não somos todos, Desejo?
Há tempos que eu já colocara o filme ELA (Her) na minha lista de filmes a assistir. Em parte, porque, na época de seu lançamento (2013), ouvi boas críticas a seu respeito; nem me lembro agora do que diziam as críticas, apenas que eram boas. E em parte, na maior parte, por o elenco contar com a apetitosa Scarlett Johansson.
Sobre o filme, duas notícias. Uma boa e outra ruim.
A boa : o filme é bom pra caralho! Difícil, de uns bons tempos para cá, um filme (ou um livro, uma música etc) me surpreender. Que esse é o maior mal da velhice : já vimos tanto e tantas versões das mesmas coisas que não mais nos surpreendemos. ELA me surpreendeu. Pensei que assistiria a um filme "sessão da tarde", a uma comédia romântica, talvez com leves toques dramáticos, provavelmente com um final feliz.
Porra nenhuma! O filme é uma porrada existencial e filosófica do começo ao fim. Quinze rounds com Muhammadi Ali a nos socar com as luvas dos nossos próprios abismos e fantasmas íntimos. Um nocaute na concepção prepotente que fazemos do que é ser ou não humano. Final feliz? E há final feliz para nós? Por quanto tempo seríamos felizes vivendo num definitivo final feliz?
Assistam à ELA. Como dizem os viadinhos de hoje em dia : eu super recomendo.
A notícia ruim : a suculenta Scarlett não aparece em um único momento da película. Em nem uma ceninha sequer. Nem um rápido peitinho. Ela é apenas a voz do Sistema Operacional Samantha (puta nome de travesti), por quem Joaquin Phoenix se apaixona; e ela, Samantha, por ele. Aliás, o Joaquin Phoenix, de bigodão, está uma mistura do Tom "Magnum" Selleck com o Belchior. Pãããããããta que o pariu!!!!
Não vos deixarei, no entanto, na mão, caros leitores. A Scarlett não aparece em ELA, mas nunca deixa de aparecer por aqui, no Marreta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Um Dia na Vida (10)

Ontem, bebi bem. Bem e bastante. A noite estava favorável. O estômago, também. Beber é uma questão de estômago. Poderia ter bebido mais. Nem eu nem a madrugada apresentávamos sinais de embriaguez ou de exaustão. Há tempos que não éramos umas crianças sem dores nas costas e nas articulações. Poderia ter bebido mais.
Achei, sem querer, um CD antigo há tempos desaparecido. Cento e noventa e três músicas, das mais variadas. De A a Z. De Adoniran Barbosa a Zeca Baleiro; de Altemar Dutra a Zeca Pagodinho; de Ataulfo Alves a Zizi Possi; de Amado Batista a Zélia Duncan; de Alcione a Zé Ramalho. Todas baixadas pelo e-mule; na internet pré banda larga.
Velhas canções são como Engov, boldo e outros colagogos. Forram-nos o estômago com kevlar. Pedem por mais bebida, por mais estrelas, por mais OVNIs, por mais meteoros, por mais gatos no cio, por mais sacis-pererês.
Podia ter bebido mais. Mas algum tipo de prudência, algum cri-cri-cri de um Grilo Falante, convenceu-me a deixar para depois o que eu poderia beber hoje.
07h12. Acordei sem ressaca. Quatro horas e 22 minutos de sono ininterrupto. Um recorde para os últimos anos. Eu dormi. Mas a boa chuva, não. Começara por volta das 20h do sábado, varou a madrugada e não dava sinais, pela manhã, de que fosse tão cedo embora. Chuva mansa, boa e prazenteira. Um cafuné no asfalto ressequido. Na cidade que não faz por merecê-lo.
08h43. A casa ainda a dormir, eu, a empunhar meu guarda-chuva, saí à rua. Comprar cerveja na loja de conveniência (R$ 2,09 o latão de Lokal) e limão, batata, tomate, pimentões e cebola no varejão; a esposa programara uma tilápia ao forno para o almoço.
Gosto de andar. Mais ainda sob a chuva. O ar limpo. As ruas limpas. As calçadas limpas. As frutas nos pés de acerola, pitanga, amora e goiaba, plantados nas calçadas, limpas. A fealdade da grande cidade bem que tenta, mas não consegue abafar esses pequenos sorrisos sumosos e ricos em vitamina C. Nem impetrar ação de despejo contra os sanhaços, os tejos, os gaturamos, os tuins.
Como de três a quatro acerolas; um pouco mais de pitangas; e, enfim, dois sóis amarelos e perfumados de um jambeiro, que teimavam em não amadurecer.
Comprei a cerveja; depois os acompanhamentos para a tilápia da esposa. À saída do hortifrúti, ainda chovia. Infiltrações nas paredes dos prédios, roupas a mofar nos varais, o Morro do Bosque em uma esmeraldina festa de musgos e de líquenes. Uma pantufa de neblina a me envolver. O oxigênio a nadar de snorkel no oceano de vapor d'água suspenso na atmosfera. Não abri o guarda-chuva. Rendi-me à golden shower da Mãe Natureza.
Na rua em declive, em cada um de seus lados, em cada uma das margens de seus meios-fios, a enxurrada criara regatos plácidos e de águas límpidas. Descalcei-me e me pus a andar por eles. Gravetos, folhas, papéis, por vezes, enroscavam-se nos meus pés, por entre os meus dedos. Fechei os olhos. Imaginei serem lambaris-de-rabo-vermelho.
Cupins alados, as chamadas "aleluias", seguiam-me e me escoltavam. Pequenas e encantadas morganas a dançar para mim o seu balé de acasalamento e de morte. 
Iria ser um bom domingo.