sexta-feira, 27 de março de 2009

Roqueiros de Merda, Isso Sim

Entre 1998 e 2006, frequentei regularmente um bar de rock, o Paulistânia Rock Bar. Dessa data em diante, por motivos alheios à minha vontade e mais fortes que ela, minhas visitas foram se tornando mais esparsas (Durval, desculpe minha ausência mal-educada, e aparentemente ingrata, até) e, hoje, já têm uns seis meses que não vou até lá. Mas é um lugar do qual sinto imensa falta e pelo qual guardo grande carinho.
Sabendo da comunidade do Paulistânia no Orkut, resolvi ontem dar uma olhadinha nela. Só para matar a saudade - que só se intensificou -, como quem abre gaveta antiga para cheirar naftalina e olhar fotos de uma antiga namorada.
Estavam lá fotos, bandas que tocam no local,várias enquetes e fóruns
Os fóruns é que me estarreceram !
O fórum com maior número de participantes é o "o que falta para regularem uma área de fumantes?" Onde os tais "roqueiros" reclamam da fumaça dos cigarros a pairar pelo ambiente.
Puta que o Pariu!!!!!!!!!
Roqueiro reclamando de uma fumacinha?
Roqueiro politicamente correto?
Roqueiro com camiseta do Green Peace?
Vão todos tomar no meio dos seus cus.
Lembro do Paulistânia azul de tanta fumaça, de The Doors tocando sem ninguém a encher o saco,
lembro do frenesi das sapatões, que outrora pousavam por lá, ao tocar o Rock das Aranhas, do Raul. Não era uma época de choramingos por causa da roupinha que fica com cheiro de fumaça.
O autor do abjeto fórum é um tal Fernando, que tem um cavanhaque de bode, boca de lampreia e, pelo que vi no orkut dele, curte MPB, sambinha de raiz, João Gilberto e essas coisas. Ele que vá chupar o pau do João Gilberto enquanto este toca "Desafinado" pela oitocentésima milésima vez, ele que vá tocar punheta pruma roda de pagodeiros, ele que vá comer o cu magro do Caetano cantando "Esse cara".
E o pior é que esse sacripanta ainda consegue amealhar simpatias de outros "roqueiros", tudo um bando de "emos" doidinhos para dar o rabo.
Não resisti a tamanho sacrilégio, não me conformei com esses frescos cobrando do Durval (roqueiro das antigas) que ele seja fiscal de fumantes e inseri meu comentário no hediondo fórum, deixei lá minha assinatura, minha marca do Zorro.

Eis o comentário que postei:
"Eu não fumo, mas acho uma tremenda duma hipocrisia isso de perseguir os fumantes, uma puta duma viadagem.
Freqüento o Paulistânia desde 1998 e na época não tinha dessas reclamações de bichinhas politicamente corretas, não.
Lá era lugar de rockeiro de verdade, de macho.
Quer contradição maior que cara que se diz rockeiro ficar melindrado por causa de uma fumacinha?
Vocês devem ser rockeiros do tipo que vestem abadá, que vão nos shows da Ivete, Chiclete com banana e outras excrecências.
Uns merdas é o que vocês são.
Vocês não dirigem, não, seus filhos da puta?
E a fumaça que seus carros produzem?
Vão ser hipócritas assim na puta que os pariu.
É isso aí, Durval!!! Tem mais é que continuar sem dar muita importância a essas "moçoilas" de nariz delicadinho.
E viva o Paulistânia enfumaçado. "

Longa vida ao rock and roll.
E também ao Paulistânia e aos Durvais (pai e filho, sobretudo o pai).

segunda-feira, 23 de março de 2009

A (Falta de) Curiosidade Matou o Gato

Quem tem – ou teve – animais de estimação, desses comuns, gatos, cachorros, sabe da curiosidade inerente deles, da bisbilhotice inata desses bichos. Sobretudo em filhotes, sobretudo se forem gatos. Basta uma pessoa fora de seus costumes entrar em seus territórios para ser submetida a uma bateria de escrutínios: cheiradas, arranhadelas, pequenas mordidas, lambidas; até que se dêem por satisfeitos e voltem às suas almofadas. Basta chegar em casa com um embrulho, um pacote, uma caixa na mão e lá estão eles de novo. Cheirando, mordendo, lambendo e tentando abrir a caixa com suas garras e dentes. 
Uma vez satisfeitas suas curiosidades, eles abandonam a caixa aberta e retornam a seus afazeres de gatos. Na maioria das vezes saber o conteúdo da caixa de nada lhes vale, o conteúdo não é de seu interesse. Mas ele precisou constatar in loco.  
Essa curiosidade natural não é gratuita, nada na natureza o é. É essa curiosidade, aparentemente brincalhona, que irá treinar o filhote, que irá apurar seus instintos, que o ensinará a reconhecer o perigo, os inimigos, que irá fortalecer sua musculatura, afiar suas garras e dentes, que, enfim, irá azeitar sua maquinária, o tornará apto a sobreviver.  
Nem essa curiosidade natural, instintiva, o aluno médio tem mais. Até essa curiosidade primal - congênita a todos os animais (que também somos) - foi obliterada pela grande maioria de nossos alunos. É preciso deixar claro que ninguém (nem mesmo eu) quer o aluno debruçado horas e horas sobre os livros. Nada disso.  
Mas é preciso que ele seja curioso. O aluno médio atual não quer nem saber o que há dentro da caixa. Ainda que se abra a caixa para ele. Ele nem se interessa em dar uma espiadela pra dentro da caixa e ver se o conteúdo lhe agrada ou não. Falta-lhe até mesmo a curiosidade básica do animal. Curiosidade que não iria dar-lhe, obviamente, dentes e garras afiados ou faro apurado, mas que se traduziria em conhecimento, em capacitação. Tão necessários à nossa sobrevivência quanto uma musculatura tesa, pronta para explodir num salto, é indispensável à do gato.  
Filhotes de gato que não gostam de brincar: esses são nossos alunos. Nunca se tornarão gatos, portanto. Nossos alunos não são mais curiosos. E é a falta da curiosidade que irá matar o gato! A passividade ocupou o lugar de tal atributo. Não pensem, no entanto, ser essa passividade acompanhada por algum tipo de sofrimento, como erroneamente julgamos ser toda passividade. Não mesmo. É uma passividade cômoda, passividade de quem tem a certeza de que tudo lhe será provido sem esforço. Passividade de uma permanente leseira pós-prandial.  
O que fez apagar-se no aluno essa curiosidade? Professores não capacitados e insatisfeitos de suas funções e remunerações? A desestruturação das famílias, que muitas vezes nem podem ser reconhecidas como tal? Os valores em constante mutação? A permissiva progressão continuada? A velha lenda do sucateamento proposital do ensino público, pois é mais fácil governar ignorantes que esclarecidos, história que já ouço desde os tempos da ditadura militar?  
Não sei. Sinceramente não sei. Não percam o seu tempo, e fundamentalmente o meu, me perguntando o porquê do extinguir dessa curiosidade. Não sei, mesmo.  
Eu, tido professor, só o que faço, hoje em dia, é recolher os cadáveres. Não sei precisar os motivos de suas mortes, não realizo suas necropsias. Não tenho competência para tal. E também de nada me valeria se tal competência tivesse. Tão somente conheceria as causas. Não poderia, de qualquer maneira, reverter o quadro do defunto.  
As caixas estão todas por aí, disponíveis; hoje mais do que nunca, disponíveis. Não há interesse, contudo. E é a falta da curiosidade que irá matar o gato!  
Vivesse, hoje, no Brasil e fosse, Pandora, aluna de uma escola pública, sua notória caixa jamais seria aberta. Estaríamos todos, dos males do mundo, a salvo. Ou irremediavelmente condenados.  
Eu, de minha parte, um dia, quando for honesto o suficiente, talvez pare de (tentar) dar aulas. Talvez me torne tão simplesmente um criador de gatos

quarta-feira, 18 de março de 2009

terça-feira, 17 de março de 2009

O Dragão Na Minha Garagem

Recebi esse texto de um aluno a quem muito prezo.
O Dragão Na Minha Garagem
Carl Sagan

- Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem.
Suponhamos que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!
- Mostre-me – você diz. Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de dragão.
- Onde está o dragão? – você pergunta
- Oh, está ali – respondo, acenando vagamente. – Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível.
Você propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão
- Boa idéia – digo eu –, mas esse dragão flutua no ar.
Então, você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.
- Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.
Você quer borrifar o dragão com tinta para torná-lo visível.
- Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
E assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma explicação especial de por que não vai funcionar.
Qual a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas, afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de admiração. O que eu estou pedindo a você é tão somente que, em face da ausência de evidências, acredite na minha palavra.
Extraído do livro de Carl Sagan: "O Mundo Assombrado por Demônios - a ciência vista como uma vela no escuro" - Companhia das Letras

segunda-feira, 16 de março de 2009

A Excomunhão da Vítima

Por Miguezim da Princesa, poeta popular paraibano.
I
Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.
II
Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.
III
Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.
IV
Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.
V
O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.
VI
Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniriaAté a quarta geração.
VII
É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.
VIII
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.
IX
Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.
X
E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ponto De Ebulição

Caminho penosamente,
Minhas panturrilhas rangem.  
Passadas de, outrora, léguas  
Nem meio metro mais abrangem,  
O sol me prega no pavimento mal asfaltado.

Perco carnes e peso,  
Sou cada vez menos leve.  
Gradativamente a cabeça é maior fardo,  
A cada dia, mais inconsistente  
A vida se pinta,  
Em lábios de solo rachado de açude seco,  
Em caras de cal extinta.

Atolo na multidão,  
Suas vozes emplastam em mim  
Como suor meloso que não arreda.  
Quero explodir,  
Criar clareira atômica em meu redor:
 E não consigo.  
Não respiro.

Arfo.  
Inspiro amoladas facas,  
Expiro perfurantes garfos,  
O ar só traz debilidade e más notícias.  
E menos,  
Cada vez menos, suporto as pessoas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Eu, Robô

Eu sou um eletrodoméstico, daqueles multifuncionais.
Realizo a faxina da casa, gerencio a despensa, reponho estoque, ponho a roupa de cama e banho para lavar e as estendo e recolho, alimento as gatas e limpo o resultado disso, atendo aos rapazes dos correios e da companhia de força e luz, rego as plantas, baixo o toldo da sacada fazendo desfeita para o Sol e o ergo acolhendo a Lua, eventualmente pinto umas paredezinhas, reparo alguma instalação elétrica, rejunto um piso de banheiro, mato baratas, pernilongos, formigas e escorpiões, não sou programado para jogar futebol à noite com os amigos nem tampouco para assistir jogos pela TV, compro o gás de cozinha e vou escada acima com o botijão no lombo, preparo a comida, lavo a louça e a tudo guardo, troco lâmpadas e os rolos terminados de papel higiênico, desço com o lixo nos dias do lixeiro passar, checo portas, janelas, torneiras a pingar e desconecto aparelhos elétricos antes de dormir, sou despertador e cafeteira, também.
Assemelho-me àquela robô dos Jetsons (acho que Rose é o nome dela), a deslizar pela casa com seus indefectíveis avental, touca e espanador.
E nas horas vagas, para desgraçar de vez minha situação, sou professor.
"Profissão" que acaba por mais consolidar minha condição de eletrodoméstico. Afinal, é consenso geral: "ser professor é fácil, professor trabalha pouco, professor tem muito tempo ocioso, professor ganha bônus e computador do Governo, professor reclama de barriga cheia".
Até pessoas próximas - de nossas relações, inclusive - têm bem arraigado esse ponto de vista, brincamos de trabalhar.
O filho(a) vagabundo(a) não deu para nada?
A solução é fácil: colocam-no(a) a fazer um curso de fim de semana qualquer e o mandam a ser professor.
Como profissional, sou uma nulidade. Não tenho direito à opiniões. Na verdade, tenho. E posso até expressá-las, mas elas não são respeitadas, não são levadas em conta, são tomadas como choramingos de criança birrenta, nem são ouvidas na esmagadora maioria das vezes. Melhor ficar quieto, então. Melhor manter todo esse veneno empoçado na garganta. E torcer para que ele não assuma ares de um câncer.
Como homem, detenho status idêntico à minha supracitada condição profissional.
Como eletrodoméstico, acredito que funciono razoavelmente, não têm chegado a mim grandes reclamações.