sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Antiviral Viking

Estou resfriado,
Na melhor e catarrenta das hipóteses.
Talvez gripado,
Comum
Espanhola (quem me dera)
Suína
Aviária.
Ou dengue
Chikungunya
Zika
Enfim...
Alguma merda
Que me deixará mais prostrado 
Mais mal-humorado
Azedo
Com o saco murcho
Fará erupcionar a herpes
(Sempre no lábio superior e no canto esquerdo)
Mas não me matará :
Travessuras de saci.

Durante o dia
Que ganho para representar papéis
Que tenho que ser isso
Aquilo 
E aquiloutro
Tomo dipirona a cada quatro horas
Dou escudos de Capitão América aos meus anticorpos
Só escudos.
Só paliativos
Só subterfúgios
Só delongas.

Mas de madrugada
Ah, de madrugada!!!
De madrugada
Quando não tenho que encenar nenhum papel
Que não tenho nenhum vínculo empregatício com a vida
Tomo cerveja.
Uma lata a cada vinte ou trinta minutos.
Que não dá escudos
Nem quaisquer novas armas aos meus zagueiros imunológicos
(eles têm as armas deles, fornecidas pela Evolução).

Tomo cerveja.
Que dá a eles
Novos ânimos
Novas almas
Novas têmperas.
Que dá a eles
Cabelos ruivos
Machados de duplo gume com cabos de prata
E barcos velozes entalhados sobre dorsos de dragões.
Os mune de brados
E de brios vikings!
Lhes dá o raio, o trovão
E a marreta de Thor.
Puta que o pariu se dá.

Leão Broxa é Linchado Por Fêmeas

O título dessa postagem, que bem poderia ser manchete de primeira página do Notícias Populares do Zoo, não é puro sensacionalismo, não. É fato verídico. Ou, fato venéreo, como diria Paulinho Gogó. E não deixa mesmo de ser, afinal venéreo tem origem em Vênus, a deusa que comanda as coisas do amor.
Quem acha que a vida do Leão, o rei das selvas (o mais adequado seria dizer das savanas, mas enfim...), é um mar de rosas, está absolutamente certo. Ter todas as fêmeas do bando só para si. Para trepar quando bem lhe aprouver, para ser paparicado por elas, para que elas cacem para seu amo e senhor o pernil de zebra nosso de cada dia... Só não é um eterno mar de rosas.
Toda essa mamata e mordomia duram pouco. O mandato de um leão dura de quatro a cinco anos, no máximo.
Pois é, meu amigo, a Natureza não é repartição pública. Macho alfa não tem estabilidade assegurada. Nem pode concorrer à reeleição. Prevaricou, a Natureza exonera. Taca-lhe um impeachment na hora.
O sultanato de um leão alfa começa, via de regra, por volta de seus cinco anos de idade e se estende até os dez, intervalo que compreende o auge da força e da virilidade do bicho. Antes de concorrerem a donos do pedaço, os leões jovens, sem direitos às fêmeas, fazem troca-troca de montão. Não tem tu, vai tu mesmo. Uma viadagem de fazer inveja aos antílopes e às gazelas. Findo o reinado, ou ele já morre logo em seguida, em virtude dos ferimentos do combate que o depôs, ou, banido do grupo, erra e vaga sozinho pela vastidão africana, diminuindo suas chances de sobrevivência e morrendo poucas semanas ou meses depois, na solidão, no exílio, na vergonha.
Pois é, meu amigo, macho alfa não tem carteira assinada pela Natureza nem direitos trabalhistas. Não tem FGTS, seguro desemprego, muito menos aposentadoria. E nem enriquece depois, ganhando milhões a proferir palestras pelo continente selvagem.
Isso, é claro, na Natureza. Em cativeiro, a vida do leão pode ser, embora tediosa, mais longa e mansa : há notícias de leões que chegaram aos vinte, vinte e cinco, trinta anos. Mas se tem leão por ai pensando que o zoológico é aposentadoria de felino malandro, pode também dar com os burros n'água.
Acontece que a Natureza sempre encontra uma maneira de bater com o pau na mesa e pôr ordem na casa. Mesmo quando é deixada de fora da festa, mesmo quando, feito Baby Consuelo na Disneylândia, é barrada na entrada do zoo. A Mamãe Natureza conta com os instintos que bem programou em suas crias para assegurar o seu sagrado equilíbrio.
O leão Kenya, ilustre morador do Knowsley Safari Park, em Merseyside (Inglaterra), foi vítima dessa cláusula pétrea da Natureza. Kenya, que já era um senhor de 18 anos de idade e tinha como certa a vida mansa que levara até então, foi morto por suas fêmeas. Por estar velho demais.
As fêmeas pegaram Kenya de porrada, em linchamento. Os funcionários do zoo agiram rápido e, indo contra o ditado em que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, conseguiram separar os animais. Mas era tarde para o velho Kenya. As fêmeas foram implácaveis. Infligiram-lhe tal sorte de ferimentos que não restou outra alternativa ao zoo que não fosse a de sacrificar Kenya, que submetê-lo à eutanásia.
O porta-voz do parque disse que o ataque de leoas contra leões que já não podem cuidar delas e da prole não é incomum entre felinos.
Mesmo que, em cativeiro, os dotes protetores e caçadores de Kenya não se fizessem necessários à boa vida do bando, as fêmeas foram intransigentes. Elas passavam todos os dias e viam lá o Kenya, deitadão, roncando, a outrora juba basta e brônzea já grisalha e esparsa, uma barriguinha a se pronunciar, e aquele pinto mole a pender do meio das pernas. Não tiveram dúvidas : lincharam o pobre broxa.
Ingratidão : teu nome é mulher. Não tiveram a menor consideração por todas as boas fodas que Kenya, ao longo de seus anos de pujança, proporcionara a elas. Não levaram em conta a honra que foi servir ao seu macho alfa durante tanto tempo. Não serviu de atenuante a Kenya nem os filhos que ele dera às putas, Kenya lhes concedera a dádiva de poderem exercer a sua sagrada função biológica, a de serem mães.
Nada. Nada disso livrou a cara do leão broxa. A Natureza não perdoa pau mole.
Já pensou se essa moda também pega entre os humanos, caro Jotabê?
Pããããããta que o pariu!!!!!
Eis Kenya, o injustiçado.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O Espelho de Dorian Gray

Uma da matina
Sentado no vaso sanitário
A ler um livro policial que tomei em empréstimo hoje
Na biblioteca municipal.
Já terminei o "serviço" há algum tempo
E nem foi arriada das melhores
Mas continuo ali
A ler
Mesmo depois do desentupimento
Mesmo sabendo que a merda
Está a me secar no cu.
Gosto de ficar na privada
A ler.
O banheiro é o último refúgio à prova de som do planeta.
É o santuário de monges que fizeram voto de silêncio.
Ninguém respeita o seu silêncio
- A sua necessidade dele -
Quando você tenta assistir a um filme
Ler um livro
Ouvir um CD do Lupicínio Rodrigues.
Mas no banheiro
Ninguém vai lhe interromper
Ninguém profana o necessário silêncio a uma cagada.
Então
Tiro os olhos do livro
E os dirijo para a pia 
Para pegar a lata de cerveja barata ali colocada.
Gosto de cagar
Ler
E tomar cerveja ao mesmo tempo.
Entorno com vontade
(é a última)
Com sede de beduíno
Envergo o pescoço para trás numa boa talagada.
E quando retorno 
Quando recoloco a lata na pia
Dou de cara com o espelho
E nele, um sujeito.
Cabelo mal cortado
No barbeiro mais barato que ele conseguiu encontrar
Testa vincada
Olhos cansados
Vidrados
Dois pugilistas nocauteados em pé
Que ainda insistem em encenar
O seu balé de galinha decapitada.
Óculos para vista cansada na ponta do nariz.
Sulcos
Valetas cavadas pelo tempo
Que descem das abas do nariz
Aos cantos derreados da boca
"Bigode chinês" que ele tentar ocultar
Deixando crescer barba e bigode.
Olho para ele
E não é a cara que está no 3x4 do meu RG
Não é a cara que vejo quando falo de mim na terceira pessoa
Não é a cara de minhas boas memórias.
Ele
O cara do espelho
Também me olha
E me diz :
Foi o que sobrou, meu velho
Foi o que sobramos.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Fafá de Belém Fitness

Se, um dia, por ordens médicas e pelo inerente e notório sadismo da classe esculápica, a bebida me for vetada, tornar-me-ei um abstêmio. As noites, é verdade, terão menos risos e menos estrelas. As madrugadas, e essa será a minha maior dor, serão desperdiçadas apenas com o sono. Mas pararei de beber.
Se, um dia, por prescrição médica e pelo cruel e mórbido senso de humor da máfia de branco, for recomendado que eu frequente uma academia de ginástica, seja para condicionar a musculatura da perna e dar suporte aos periclitantes tendões do joelho, ou para tonificar os dorsais e mitigar a dor na coluna e dar-me postura mais altiva que a de um velho, ou ainda para fortalecer a velha bomba no peito com uns exercícios aeróbicos, morrerei andando de muletas, entrevado e, provavelmente, de infarto do miocárdio e coronárias.
Odeio academias de ginástica. Considero-as um ambiente insalubre e degradante. Um açougue de reses vivas. Claustrofóbicas. Ensurdecedoras. Cheiram a suor e a estábulo. Mas tem a mulherada, Azarão, argumentarão alguns ilusos. Estão a ver filmes pornô demais, meninos.
Há uma academia em frente ao mercado onde comumente me abasteço e vos digo que o contingente feminino, pelo menos nos horários em que passo por lá, se muito, perfaz uns 30% dos frequentadores. Desses 30%, uns 10% são compostos de gostosas, ou seja, por aquelas que nem precisariam estar na academia, a genética bem as favoreceu, as fez verdadeiras e bem adaptadas máquinas de meter; os 90% restantes do mulherio são formados pelas barangas plus size (que gordo, hoje, é politicamente incorreto), ou seja, por aquelas que academia nenhuma no mundo é capaz de dar jeito e boas formas, a genética, que também precisa se divertir, as sacaneou em berço, também metem, afinal, só 10% de gostosas não atendem à demanda. Acredito até que as gostosas sejam funcionárias à paisana das academias. Ficam a correr e a chacoalhar seus peitos nas esteiras, a pedalar e a empinar seu belos rabos nas bicicletas ergométricas e a desfilar por entre os aparelhos de musculação a soldo da academia. Que sejam contratadas como chamariz de baranga. A baranga passa na porta da academia, vê a gostosa na vitrine, conclui que séries de autoflagelo em máquinas de musculação podem também deixá-la igual, entra e se matricula.
Já os outros 70% dos habitantes da academia são formados pelos portadores do cromossomo Y. Desses, uns 20% são ou de magrelos raquíticos ou de gordos balofos, dois outros segmentos sem salvação. Os demais 80% do homaral parecem se dividir equanimamente entre os rinocerontes de sunga e as gazelinhas saltitantes de shorts de lycra, isso visualmente falando, porque na prática, funcionalmente falando, tem muito rinoceronte que, se apertar, saltita.
Mas se, por um lado, o meu temor pela primeira sentença médica de morte - a de deixar a cerveja - tem sólidos fundamentos e altas probabilidades de se concretizar em vetusto futuro, por outro lado, em relação à segunda condenação - a da academia -, acabo de me saber protegido, praticamente com imunidade parlamentar.
Pasmem : sempre fui - descubro agora - um grande atleta aeróbico. Desde minha adolescência.
Um estudo alemão, publicado no New England Journal of Medicine, afirma que olhar diariamente para belos seios femininos aumenta a longevidade e a qualidade de vida dos homens. Sem dizer que torna a vida muito mais agradável, também. Olhar para peitões é profilaxia das melhores para o coração. Muito melhor que ômega 3 e ômega 6. Melhor que margarina Becel.
Segundo o coordenador do estudo, o Dr. Weatherby, a excitação provocada pela paradisíaca visão de belos e bem fornidos peitos faz com que o velho e desiludido coração bombeie com mais vigor, com mais vontade, com um novo propósito na vida, faz com que impulsione mais rápida e caudalosamente o sangue por veias, artérias e capilares ( e pro pau também, claro; aliás, eu quero que o coração se foda, o que quero é meu pau sempre em riste). Olhar para uma vasta peitaria é excelente exercício cardiovascular.
E, segundo Weatherby, nem são necessários exageros : dez minutos diários de observação mamária são equivalentes a uma atividade de trinta minutos de exercícios aeróbicos.
É o Pilates com air bags! É o Fafá de Belém Fitness!!!
Não li o artigo na íntegra, apenas uma reportagem sobre ele, que não deu grandes detalhes. Mas acredito que a posologia recomendada - os dez minutos de deleite - e sua equivalência de trabalho muscular - os trinta minutos de suadouro, distensões e entorses - sejam uma média dentro do universo pesquisado.
Acredito que o tempo de observação e os resultados obtidos variem muito de observador para observador, assim como variem também os ganhos individuais. Creio que alguns consigam maiores benefícios com menores tempos, já outros, mais contemplativos, como eu, necessitem de maior tempo de exposição ao tratamento. Para alguns, inclusive, como é o caso de meu assíduo leitor, o ex-boiola, a terapêutica pode mesmo se mostrar danosa, seria-lhe altamente contra-indicada; ao invés de lhe azeitar o motor ao peito, poderia infartá-lo.
E não é só de observador para observador que a posologia pode variar. A adequada dosagem do fármaco depende muito também da concentração do princípio ativo por ml, ou seja, do tamanho dos peitões. Quanto maiores os peitões, maior a excitação e o bombeamento cardíaco. Cinco minutos de superpeitos podem equivaler ou mesmo suplantar uma hora de peitinhos.
A exemplo, se os 10 minutos recomendados pelo Dr. Weatherby forem nos peitões da moça abaixo, a tcheca Jana Defi, eles equivalerão não a trinta minutos de esteira, bicicleta e outras viadagens, valerão por uma maratona, por uma prova de decatlo.
Portanto, meu amigo, se a sua mulher o flagrar a olhar disfarçada, porém, fixamente, para peitos outros que não os dela, flagrá-lo a desejar os melões da mulher do próximo, conte-lhe sobre o estudo do Dr. Weatherby. Diga-lhe que você faz isso não por safadeza ou mau-caratismo. Explique a ela que o faz pelo bem de sua saúde cardiovascular, para que você viva mais e melhor, para que possa desfrutar de uma vida mais longa ao lado dela, a sua amada, para que a Morte, a única amante capaz de arrancá-lo dos braços dela, se demore o mais possível. Diga-lhe que se você olha para peitões é para que possa amá-la incondicionalmente por muito e muito tempo.
E, meu amigo, se ela acreditar, nunca, mas nunca mesmo, se divorcie dessa mulher.

Em tempo : e peitão é peitão, tanto faz se são peitões naturais ou, digamos assim, peitões genéricos. Por dentro, podem até ter uma bola de capotão de silicone, mas por fora é carne, carne da boa. Só não funciona, nesse caso, o efeito placebo, olhar um peitinho e acreditar que é um peitão.

sábado, 21 de novembro de 2015

E Ela Me Diz Que Não Pode Ficar

E ela canta
E ela dança
E ela suspira
E ela ainda acredita.
E eu dou vodka com coca pra ela
E lhe conto piadas sujas
E ela me dá seus olhos
E ela me mostra fotos de rolas gigantes que as amigas lhe mandam pelo whatsapp.
E ela não liga para as suas celulites
E ela não liga para as minhas rugas
E ela me pede pra colocar aquele CD
E eu não ligo pra nada
E eu ponho aquele vinil.
E ela cheira a sorvete de pistache atrás das orelhas
E ela se excita com cafunés
E ela rói o esmalte das unhas
E ela rilha os dentes
E ela me chupa a língua
E ela me diz que não pode ficar
E ela se vai
E ela tem luas e gatos nas omoplatas
E eu fico sozinho, sem satélites nem ronronares
E eu fico entornando no escuro
E eu fico andando só de cueca pela casa
E eu fico alisando a pança
E eu fico acariciando o saco
E eu fico feliz da vida.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Um Dia na Vida (5)

Nada como uma proposta irrecusável ao fim de mais um dia de trabalho, rotineiro e repetitivo. Para nos animar. Para inflar, feito pó Royal, o nosso ego.
Quando vou - e volto - do trabalho, e quem lê regularmente o Marreta sabe que cubro a pé os quase 5 km de percurso, quase que uma légua tirana, passo pelo centro velho da cidade e por sua famosa baixada. Cruzo, inclusive, o cansado, porém, persistente, rio que deu nome ao município, e cujas margens nada plácidas ouvem o brado dissonante e ensurdecedor dos veículos, dos latidos dos cachorros vadios, do chamado dos vendedores ambulantes. 
As mesmas margens abrigam a horrenda rodoviária - a mais feia que eu já vi até hoje -, o charmoso Mercadão Municipal, perfumado por seus queijos a curar, suas pimentas em conserva, especiarias in natura, fumo de rolo etc (se você conseguir abstrair e ignorar as pessoas que por ele circulam, é um bom lugar para se visitar e comer seu enorme pastel de carne seca) e, lógico, como em toda baixada que se preze, a clássica ZBM, a zona do baixo meretrício. Quase uma dezena de bares destinados ao entretenimento adulto se concentram em três de seus quarteirões ribeirinhos. No piso superior dos bares, ou por detrás de portas laterais a eles, que se abrem para longos corredores, estreitos e escuros e ponteados por inúmeros aposentos, estão os abatedouros, o suadouros, os quartos da furunfa. Encimando uma dessas portas, há uma plaqueta, de fundo preto e letras cor de bronze, onde se pode ler : residência familiar. Tá certo. É tudo puta de família. Puta também tem família, ora porra.
Quando passo na ida para o trabalho, por volta das 06 e 30 h, já tem um cara, o balconista de um dos bares, lavando o chão e arrumando as mesas. Quando retorno, por volta das 13 h, o funcionamento da ZBM já está a todo vapor. De vento em popa. Em popas, em grandes, gordas e flácidas popas. Todas tomando um ar, arejando as partes, mal cobertas por saias residuais; nem saias são, são abajures de perereca.
Acredito que o seleto ambiente comece as suas funções entre oito e nove horas da manhã. Abre mais cedo que praça de alimentação de shopping center. E tem lá a sua lógica, afinal, não deixa de ser uma espécie de fast food. O cara tá à toa, de bobeira, passa lá rapidinho e curte um McLanche Feliz. É o drive-thru da buceta.
E se pensam que as meninas ficam se oferecendo de forma ostensiva, que ficam cercando e laçando clientes nas calçadas, estão muito enganados. São muito respeitosas para com os passantes, orgulhosas, até. Sentam-se às entradas dos bares e ficam na delas, fumando um cigarrinho, tomando uma cervejinha em copo americano Nadir Figueiredo, ouvindo músicas de desilusões amorosas, Odair José, Amado Batista e outros que tais. Só se manifestam se forem requisitadas.
Tanto que já passei por ali milhares de vezes (e não exagero nos números, faço esse caminho há 13 anos, ida e volta, todos os chamados dias úteis, que, para mim, são os mais perdidos) e raras foram as vezes em que fui abordado, em que me ofereceram seus préstimos. Mesmo quando eu também lecionava à noite e passava pela baixada na, digamos assim, hora do rush.
Aí, ontem, havia uma a se exibir na calçada por onde eu estava a passar. Idade que julguei próxima dos cinquenta anos, mas que, dado o desgaste da profissão, possa se revelar em torno dos trinta. Pele de um moreno escuro e avermelhado, uma provável, ainda que distante, ascendência indígena, reforçada pelos cabelos pretos e lisos. E gorda. Gorda que não era pouca coisa. Tinha umas três barrigas, uma a se dobrar e a se sobrepor à outra, um prédio de três andares de banha. Peitos empacotados e comprimidos pela blusa colante amarela, e que, livres dela, escorreriam até o umbigo, oculto pela banha. Estava com as costas à parede do bar, uma perna esticada a lhe servir de arrimo e a outra dobrada, com o pé na parede. E mordiscava e degustava sensualmente - garanto que é verdade, que não estou inventando nada - um enorme salsichão. Um salsichão mesmo, de verdade, sem nenhuma metáfora. Daqueles salsichões em conserva que ficam boiando em enormes potes de vidro nos balcões, aqueles que, geralmente, ficam ao lado do pote dos ovos coloridos.
Quando passei por ela, para a minha surpresa, ela, sem tirar o salsichão da boca, mandou na lata : - vamu metê?
Vamu metê... Pãããããããta que o pariu!!!
Tamanhos foram o tesão e a volúpia que me tomaram de assalto frente a tanta elegância, sutileza e finesse, sem dizer da beleza e da formosura, que foi difícil me conter. Ainda assim, agradeci-lhe a oferta e segui caminho.
Vamu metê...
É mole? É. E, depois dessa, ficou mais mole ainda!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Bifurcações

Ficar recluso
No escuro
(talvez um simulado para a morte)
A beber
A lembrar da vida
A recordar histórias
A rabiscar autobiografia não autorizada
Ou
Me relançar ao asfalto
Dar a cara a novos infaustos
A novas e gloriosas inglórias?
Escrever com a universal e inócua tinta azul-bic
Em pautada e bem passada folha de papel de carta
Ou 
Com a gosma verde-raivosa
Que estupora em bravatas
Que jorra em vitupérios do estômago ulcerado?
Com a intacta memória
Ou
Com todos os ossos quebrados?
Vai ver o saudosismo e a memorabilia
Sejam o imago da vida
A sua definitiva forma
Que arrebenta do casulo.
Mas provavelmente não.

(e uma de minhas gatas cava fundo a caixa de areia, caga para as minhas bifurcações. Sabe que amanhã sua areia estará limpa, sua tigela de ração, abastecida, sua água, renovada. Por que algo além disso a preocuparia?)

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Cheiro de Cu, Não Há o Que Tire

É óbvio que o Marreta não é um site de piadas. Vez em quando, eu até me arrisco com alguma, mas só nas ocasiões em que o assunto do qual estou a tergiversar me remete a um chiste, a um contexto similar. Postar uma piada pura e isolada, uma piada per si, a piada pela piada, é a primeira vez.
Primeiro porque a piada é muito boa e, sobretudo, porque eu não a conhecia. Eu sou um péssimo contador de piadas, não tenho a menor teatralidade, a menor verve humorística; porém, modéstia à parte, guardo um vasto anedotário em minha velha memória. Tenho vinis antigos do Juca Chaves, do Costinha, do Ari Toledo, do Agildo Ribeiro etc. É ocorrência rara uma piada que eu não conheça.
Segundo porque estou numa daquelas minhas deprês brabas, com uma falta de assunto do caralho e sem nenhuma vontade de ir atrás de um tema para escrever. Vamos, portanto, a ela.
"O cara tava lá, no maior dos 69 com a mulher. Finda a função, ele se lembrou de que tinha dentista marcado para logo mais. Preocupação básica : erradicar o cheiro de buceta da boca antes de abri-la ao escrutínio do odontólogo. O cara passou fio dental, escovou os dentes uma, duas, três vezes, enxaguou a boca com listerine, cepacol, malvatricin, vinagre e sal, limão, soda cáustica. Conferiu o serviço : pôs a mão em concha em frente à boca e bafejou umas tantas vezes. Aprovado. Cheiro de buceta zero.
O dentista examinou a boca do cara, fez o serviço necessário, tirou tártaro, fez limpeza, aplicou flúor.
Fora da cadeira e já na mesa do dentista, para acertar a dolorosa, o doutor lhe diz : - olha, eu não tenho nada a ver com isso, mas o senhor estava fazendo um 69 antes de vir pra cá, não estava? Assustado com os poderes de clarividência do dentista, o cara diz que estava sim, mas que fizera assepsia total, que ele próprio não conseguia notar o mais sutil odor de buceta que fosse em sua boca.
- Realmente, diz-lhe o dentista, a sua boca não tem o menor cheiro de buceta, mas a sua testa tá com um cheiro de cu filho da puta!"

domingo, 15 de novembro de 2015

Bukowski, Definitivo

"é o mesmo que antes
ou que da outra vez
ou da vez anterior a essa.
eis um pau
e eis uma boceta
e eis um problema."

sábado, 14 de novembro de 2015

Tecla Replay

As pessoas
Sofrem danos irreparáveis
E
Óbvio
Ao contrário do que acreditam
Deles não se refazem
Não se regeneram
Uma vez que irreparáveis.
Mas seguem
Claudicantes e manquitolas
Alquebradas
Mutiladas e estropiadas
Felizes aleijões.
E seguem.
E seguem.
E seguem.
Maldito instinto de sobrevivência
Maldita tecla replay enxertada em nosso DNA :
Dispositivo feito para a diversão de Deus.

O Psicólogo de Guarda-Chuva, por Jota

Então você está deitado olhando para o teto, a pensar sobre a maravilhosa e entediante estadia vulgar ou existência das coisas, sobre o fervilhar indissociável do que lhe cerca de si, diante da tranquila e ilusória sensação de que nada acontece. 
Você estreita os olhos e tomba um pouco a cabeça, num movimento que lembra o que os cães costumam fazer quando não compreendem alguma coisa, ou o que os idiotas fazem sempre ao tirar selfies. Ângulos. Alguém já disse que não somos mais tão crianças a ponto de saber de tudo, ponto bem feito, as crianças sempre veem as coisas de baixo pra cima ou do mesmo patamar: coisa, bicho, gente. Tudo igual. 
Certa vez vi uma moça escolher um vestido num brechó, em uma dessas casas de aluguel de trajes, escolheu um vestido de festa, queria saber se fora usado em algum casamento ou comemoração de quinze anos. 
O vestido era rosa, inteiro de paetês e pelo tamanho se fazia óbvio que devia ter servido a alguma debutante. A moça sorriu com a resposta positiva da vendedora e se virou sem mais a ponto de que eu pudesse ouvi-la dizer “um vestido tão bonito, que alguém amou demais por uma noite e pra nunca mais, o que faz você aqui junto de outros vestidos?”. 
Quantas as coisas temos ou será que as coisas nos têm? Quantos corpos terá visto aquele espelho? Quantas Alices o atravessaram? Quantas vezes o velho relógio roubou seus sonhos cronometrados, como quem puxa o tapete debaixo dos seus pés, como quem anuncia que o seu tempo acabou? Percebe o olhar de reprovação das coisas que lhe cercam, todas que você amou por um momento e se esqueceu. Todos os boa-noite que você não deu para a luminária antes de apagar, todos os bom-dia que você não disse para as cortinas ao descerrar, não houve uma só despedida para a xícara partida, fiel companheira de todas as manhãs, nenhum funeral para a caneca de todas as noites que finalmente se quebrou. E por onde será que anda aquele maldito guarda-chuva quebrado, largado ao relento, que fim será que levou?

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa...(34)

Por várias vezes, cogitei em colocar essa música aqui na seção Que Fossa..., mas sempre fui deixando, deixando... Até que hoje ela me aparece como sugestão em um comentário anônimo. O anônimo, provavelmente uma anônima, diz que já chorou as pitangas ouvindo essa bela e pungente canção da dupla dinâmica Roberto e Erasmo Carlos.
A letra fala de uma fossa diferente, uma fossa aos avessos. Não é a fossa pelo amor que se vai, é a pelo amor que sempre volta, que não caga nem desocupa a moita. Não é fossa pelo inatingível, é pelo inescapável. 
É quando o desejo se concretiza e desmente e extermina com o que era sonho. É o veneno tomado no vinho a dois. É o arrimo que é areia movediça. É o martírio causado não pelo sumiço do ser amado, mas por sua onipresença, a emplastar e a sufocar todos os poros. É o ômega-3 que colapsa as linhas tortas pelas quais sempre escreve o incauto coração.
É a fossa que não pede, "volta, vem viver outra vez ao meu lado, não consigo dormir sem seu braço...", é a que implora, "não volte nunca mais pra mim, do fundo do meu coração, não volte nunca mais pra mim".
Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...
E quem será o canalha que fez/faz a anônima tanto chorar?
Do Fundo do Meu Coração
(Erasmo Carlos/Roberto Carlos)
Eu, cada vez que vi você chegar
Me fazer sorrir e me deixar
Decidido eu disse nunca mais


Mas, novamente estúpido provei
Desse doce amargo quando eu sei
Cada volta sua o que me faz

Vi todo o meu orgulho em sua mão
Deslizar, se espatifar no chão
Vi o meu amor tratado assim
Mas, basta agora o que você me fez
Acabe com essa droga de uma vez
Não volte nunca mais pra mim


Mais uma vez aqui
Olhando as cicatrizes desse amor
Eu vou ficar aqui
E sei que vou chorar a mesma dor
Agora eu tenho que saber
O que é viver sem você

Eu, toda a vez que vi você voltar
Eu pensei que fosse pra ficar
E mais uma vez falei que sim
Mas, já depois de tanta solidão
Do fundo do meu coração
Não volte nunca mais pra mim

Mais uma vez aqui
Olhando as cicatrizes desse amor
Eu vou ficar aqui
E sei que vou chorar a mesma dor

Se você me perguntar se ainda é seu
Todo o meu amor, eu sei que eu
Certamente vou dizer que sim
Mas já depois de tanta solidão
Do fundo do meu coração
Não volte nunca mais pra mim

Do fundo do meu coração
Não volte nunca mais pra mim.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Novembro Azul no Cu dos Outros é Refresco

Na esteira do Outubro Rosa, foi instituído o Novembro Azul.
Providencial e em tempo. Ou a politicamente correta e frouxa macharada dos dias de hoje já estaria de choramingos e chororôs. A macharada sensível do século XXI estaria a protestar com todas as forças de sua testosterona de salão de beleza que a falta de um mês também dedicado ao outrora sexo forte é puro preconceito, é discriminação flagrante, é feminismo xiita, é vaca chauvinismo, é machofobia.
O primeiro teve data definida em 1997, lá nos EUA, e alerta para a necessidade de exames preventivos regulares do câncer de mama, daí o rosa com que pintaram outubro, embora homens também possam padecer desse mal; o segundo, em 2003, lá em terras de cangurus e ornitorrincos, e avisa da precisão de exames preventivos regulares do câncer de próstata.
Um parêntese : discordo do termo "preventivo". Nenhum exame previne o câncer, ou qualquer outra doença. Também não concordo com exame de diagnóstico "precoce". Que nenhum exame também detecta o câncer antes dele surgir. Exames de diagnósticos regulares podem detectar tumores em seus estágios iniciais e aumentar as chances de cura. As chances.
Voltando. Então, a coisa ficou assim : um mês mar de rosas para as meninas e um mês tudo azul para os meninos. Mais politicamente correto e babaca, impossível. Devo, no entanto, nesses casos, apesar de abominar o politicamente correto, dar meu braço à torção e meu cu a dedo : as iniciativas são boas e meritórias.
Apenas um porém : os cartazes, os anúncios, os folhetos explicativos etc sobre o tal do Novembro Azul são, óbvio, politicamente correto demais. Polidos e comportados demais. Sutis demais. Suas mensagens, quase que subliminares. Próprios de um tipo de conduta de quem gosta de opinar sobre tudo, dar palpite e meter o nariz em tudo, mas sem se comprometer. Eu, mandei alguém ir levar dedada no cu? Imagine... onde está escrito isso? Diria um canalha politicamente correto frente a um machão ofendido.
Os cartazes do Novembro Azul trazem a famosa fita dobrada em laço, na cor azul, alguns recomendam que se faça o exame de próstata e, a confirmar que é uma campanha direcionada ao público masculino, ostentam um basto e viril bigodão como figura central. Com diversas variações, todos são mais ou menos assim :
Se para bom entendedor, meia palavra basta, para o mau, ou pior, para aquele que não é sequer capaz de entender porra nenhuma - nem bem nem mal -, nem todos os léxicos do mundo são suficientes.
No geral - e na melhor das hipóteses -, o brasileiro é um povo semiletrado. Duvido, inclusive, que o grosso da população - o povo que vota no PT, por exemplo - saiba o que é a próstata, qual sua função, onde se localiza e qual é a sua temerosa via de acesso.
Ler nas entrelinhas? Captar a intenção e as nuances da mensagem? Nem fudendo!
Provavelmente, esses cartazes são inspirados, ou seja, são cópias brabas mesmo de campanhas veiculadas nos EUA, Europa, Japão etc. Locais em que a escola é obrigação, não divertimento. Locais onde reprovar um incapaz que se recusa em aprender, ou expulsar um mau elemento em prol da comunidade escolar não são crimes previstos nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação. 
Aqui, não funciona! Com o brasileiro, há de se ser curto e grosso. Feito dedo de urologista. Há de se usar a linguagem mais primária possível. A pictórica. A das cavernas, de preferência. A rupestre. Entendeu ou quer que eu desenhe? O brasileiro quer que desenhem pra ele.
Foi pensando nisso, uma vez que o Marreta tem um compromisso de utilidade pública firmado para com a sociedade , que lanço agora um cartaz alternativo do Novembro Azul. Sem rodeios nem circunlóquios. Direto ao ponto.
O cartaz foi concebido, composto e editado por mim mesmo, que fui lá no programa Photofiltre e aprendi uns truquezinhos. O recado está dado. Daqui em diante, cada um que cuide do seu.
E esse tá zeradinho! Com todas as pregas no lugar! Em dia! Passa fácil no teste da farinha!

domingo, 8 de novembro de 2015

Coração de Lata

E o tolo Homem de Lata
Julgou que um coração
Resolveria seus problemas...
Antes tivesse
Pedido miolos.
É o que dá
Ir atrás de mágicos
Poetas
E outros ilusionistas.

Cuecão de Couro, Mano!!!

Se houve um sujeito (e digo houve porque as novas gerações de fãs de quadrinhos certamente nunca ouviram falar dele) odiado, execrado, abominado pelos aficionados em HQ das décadas de 50, 60, 70 e 80, se houve um filho da puta que seria amarrado a um poste e malhado feito um Judas e depois ainda empalado caso aparecesse numa Comicon, supondo que elas existissem à época, esse sujeito seria o psiquiatra Frederic Wertham.
Foi esse canalha que, em 1954, publicou o livro A Sedução dos Inocentes, cujas heréticas páginas colocava os quadrinhos de super-heróis, policiais, de terror e mistério no banco dos réus. As acusações do crápula : incitação à delinquência juvenil, ao uso de drogas e entorpecentes, à paronoia e à esquizofrenia, e o pior : segundo o doutor - que em seu currículo consta ter sido correspondente de Freud, um outro maníaco comedor de bosta e com tesão na mãe -, os quadrinhos levavam os adolescentes ao afrouxamento da rosca, à comichão do brioco, ao tesão na argola.
E os culpados de toda a viadagem enrustida da América : Batman e Robin.
Segundo o doutor, eles representavam os desejos de dois homossexuais vivendo juntos em condições escusas e de clandestinidade. Tanto que, à época, quando um sujeito assumia sua boiolagem, era usual dizerem : o fulano soltou a morceguinha, saiu da bat-caverna.
E tudo com base em um quadrinho em que Batman e Robin se trocavam na bat-caverna separados apenas por um biombo, que deixava entrever as sombras musculosas dos dois através de seu diáfano tecido. Frederic Wertham deve ter ficado excitadíssimo. Deve ter tocado muita bronha para as silhuetas definidas de Bruce Wayne e Dick Grayson. Como podemos ver, o "trabalho" do psiquiatra era realmente "muito bem fundamentado", com sólidos argumentos "científicos". Aliás, próprio aos da psiquiatria, psicologia, psicanálise etc.
Em virtude da publicação de A Sedução dos Inocentes, Wertham foi chamado a depor sobre delinquência juvenil na subcomissão do Senado do Tio Sam, e o resultado direto de seu depoimento foi a criação do Comic Code Authority, um código de censura para os quadrinhos sem cujo selo estampado nas capas, certificando a "qualidade" do material, o gibi não poderia ser publicado. Uma verdadeira Letra Escarlate dos quadrinhos.
Aqui, porém, assumo um pouco o papel de advogado do diabo e pergunto se o doutor estava mesmo totalmente desprovido de razão - tanta da razão psíquica como da analítica, a que se funda em argumentos.
Estaria o bom doutor a ver pelo em ovo, chifre em cabeça de cavalo, paudurescência em sunga de velho? 
Vejamos.
Tempos de plena liberdade tendem a ser tão perigosos quanto os de férrea opressão. Excessos podem ser cometidos - e sistematicamente o são - tanto em uma democracia quanto em uma ditadura. Irmãs xifópagas, a liberdade e a tirania. Tanto que períodos longos de uma acabam por exigir períodos da outra. 
Uma longo período de despotismo, de proibições, de falsos moralismos, de castração, acaba por eclodir em revolta, em revolução por liberdade, por um respiradouro. Um extenso período de liberdade acaba por afluir em desregramento, licenciosidades, libertinagens, devassidões mil e perda do norte; aí vem a vontade/necessidade de alguém que ponha ordem na casa, que assuma uma linha mais dura, que restrinja o Carnaval aos quatro dias que lhe é destinado. E o ciclo se repete, ad infinitum.
É triste. Mas é parte da dual e inerraigável indecisão e insatisfação humana, incapaz de se pautar pela moderação, pelo caminho do meio.
A década de 50 foi uma década de euforia para os EUA, eles haviam acabado de vencer a 2ª Guerra Mundial e se tornado donos do mundo, uma era de prosperidade se anunciava, a América e o resto do mundo estavam livres do terrível Eixo. Liberdade era a palavra de ordem. Não estaria certo o renomado doutor sobre possíveis excessos, decorrentes de toda essa euforia?
Esqueçamos o sutil e discreto biombo, que foi o pivô da suspeita do doutor sobre Batman e Robin, e tomemos outro quadrinho da dupla dinâmica.
Enquanto isso, na bat-caverna...
Robin : “Essa é a primeira vez que tivemos a oportunidade de catalogar esses troféus desde que você retornou. Nossa, Batman…lembra da sunga de couro? (a palavra THONG também pode ser traduzida como chinelo de dedo, ou “tira de couro”) Ela ainda tem amarcas de seus dentes nela.”
Pããããta que o pariu!!!
Cuecão de couro, mano!!! Macho até debaixo de outro macho!!!
Aí, por mais que eu queira, não dá pra tirar a razão do doutor Wertham!
Algum bat-maníaco pode estar a me amaldiçoar e a dizer que o quadrinho acima, assim isolado, foi tirado de seu contexto original e usado para propósitos vis de desmoralizar o Cruzado Embuçado.
Admito que esse tipo de expediente, de ardil, de filha da putice - descontextualizar um trecho, um excerto e fazer uso tendencioso dele - é cada vez mais comum hoje em dia. Mas nesse caso? Em que outro contexto, a marca de seus dentes, Batman, ainda estão na sunga de couro pode significar outra coisa a não ser a marca de seus dente, Batman, ainda estão na sunga de couro?
Ponto para o doutor Frederic Wertham.
Touché!
Ippon!

sábado, 7 de novembro de 2015

Ponto de Viragem

Fui ao mesmo dentista
Durante trinta e dois anos,
Ao mesmo barbeiro
Por vinte e três. 
O primeiro,
Troquei há quatro anos
(e os dentes vão bem e obrigado, amarelos e tortos como sempre)
O segundo,
Há dois
(e o cabelo está no ponto de viragem do charmoso azul-grisalho para o senil branco-paina; continuo lavando-o só a sabonete e penteando-o com os dedos).
E foi fácil.
Nenhum remorso
Nenhuma estranheza
Nenhum esforço de adaptação
Nenhum telefonema comunicando o rompimento.
Somos muito menos fiéis
Do que, às vezes, pensamos ser
Do que gostamos de nos considerar
Do que a imagem de nosso espelho interno.
Quase sempre, na verdade.

E tomo o primeiro gole do dia
E ofereço em sacrifício ígneo
A alma de um incenso de cravo.
Um rito de praga e maldição
À minha megalomania desmascarada.