quinta-feira, 31 de maio de 2018

Carnavais na Lua (Ou : de máscaras e de buracos negros)

Nos reconheceríamos,
Bela e ausente Colombina,
Sem as nossas máscaras negras?
Fora dos salões de nossas folias particulares,
Dos nossos carnavais existenciais?
Nos reapaixonaríamos,
Sem estarmos a trajar nossos retalhos de cetim,
Sem nossos lança-perfumes?
Pergunta um sol em estado vegetativo,
Uma estrela em colapso,
À fulgurante e túrgida Lua,
Que insiste
- talvez por pirraça, talvez por vingança -
Em espelhar a sua luz de hélio antiga,
Em espalhar pelos céus surdos-mudos
Fotografias de seus álbuns de infância,
Que não autoriza a sua eutanásia,
Que não o deixa morrer
Que não lhe concede o conforto da cova de um buraco negro. 

(É meu velho, lavar banheiro em pleno feriadão, ouvindo antigas marchas e tomando cerveja quente, dá nisso)

Que Tudo Acabe em Pizza

terça-feira, 29 de maio de 2018

Religião Velha

Esta é do blog P-O-E-S-I-A, de autoria de Gianndre, um ex-aluno meu e exímio artesão de haicais, o herdeiro de Paulo Leminski.

Religião Velha
na lata de cerveja
o deus que não
se encontra na igreja.

No Frigir da Greve

Gostei da recém-suspensa greve dos caminhoneiros. Da Guerra dos Nove Dias travada pelos centuriões das autoestradas. Pela novena conduzida pelos cavaleiros templários do asfalto. Da insurreição dos valorosos bandeirantes das rodovias malconservadas e superpedagiadas deste país de merda e de merdas.
A greve dos caminhoneiros (ou camioneiros) não me trouxe quaisquer aborrecimentos, transtornos ou prejuízos; não causou única alteração em minha espartana e kantiana rotina. Antes pelo contrário, presenteou-me com inesperados surpresa e prazer.
Senão, vejamos :
1) Não fiquei sem combustível. Não tenho carro, moto nem patinete motorizado. Nem, ao menos, dirijo. Andei, como de uso, meus 5, 6 km para ir ao trabalho e meus 5, 6 km para voltar. A caminhada revelou-se, nesses dias, ainda mais relaxante e salutar, com as ruas menos poluídas e infectadas de carros, motos, ônibus, vans e gente; mirem-se no meu exemplo, bichos-preguiça obesos, disformes, safenados e dependentes dos automotores, e no do cantor Leoni : Já tive carro e grana/E um monte de convites pra qualquer lugar/Hoje eu só ando a pé/Mas eu continuo a andar.
2) Não fiquei sem gás de cozinha. No segundo dia da greve, deduzi a possível e provável falta dos simpáticos bujõezinhos e comprei um de reserva, ainda que o em corrente uso, pelas minhas sempre precisas e infalíveis contas, dure ainda mais três semanas;
3) Não fiquei sem alimentos. No supermercado mais próximo, chegaram a faltar alguns produtos frescos - frutas, verduras e legumes -, porém, na quitando do japonês Sudo nada faltou, os dias transcorreram inalteráveis, na mais profunda calma e serenidade oriental, como se nada estivesse a acontecer de anômalo no país. O sábio nipônico se abastece com pequenos fornecedores locais, que fazem suas entregas com kombis e caminhonetes, quiçá riquixás, se preciso se mostrar.
4) Não fiquei sem cerveja. O sacrossanto combustível não sumiu, tampouco rareou das prateleiras; nem mesmo das lojas de conveniência dos postos de combustível. No sábado, precisei ir ao centro da cidade pela manhã e, na volta, entrei na loja de um posto de combustível - na frente de cujas bombas serpenteava uma imensa e colérica hidra, uma interminável fila -, comprei um latão de Bavária e a fui tomando passando rente às janelas dos carros à espera, fazendo pirraça aos dependentes dos automotores, como a dizer : não conseguiram o seu álcool? Eu consegui o meu.
5) Uma única escassez se abateu sobre o meu dia a dia. A escassez de alunos nas minhas salas de aula. Desde a sexta-feira, o espaçamento dos horários dos coletivos urbanos, somado à preguiça genética e inata do brasileiro de se reprogramar, de acordar uma meia horinha antes que seja, levou a uma debandada geral dos alunos, uma diáspora discente. Quando muitos, três ou quatro por sala; hoje, nenhuma alma semianalfabeta na escola. Uma escassez de indisciplina, de desacato e desrespeito. Uma escassez de filhos malcriados, de incivilidade e de bárbarie. Acrescentados ao feriadão de quinta-feira agora, estes dias se transformaram numa inusitada, temporã e muito bem-vinda férias professorais. Um alívio para a alma docente.
Um viva aos caminhoneiros! Longa e próspera vida aos guerreiros da boleia e dos encerados! Que venham e se sucedam outras greves! Quero uma desta a cada fim de mês! Pããããta que o pariu se quero!!!
Oh, Arlindo Orlando, volte! De onde quer que você se encontre... Volte para o seio de sua amada! Ela espera ver aquele caminhão voltando... de faróis baixos... de para-choque duro...

sábado, 26 de maio de 2018

Vagabundas e Biscates Irlandesas Conquistam o Direito de Serem Assassinas

Com 66% dos votos, um referendo realizado na Irlanda aprovou a liberação do aborto indiscriminado, aquele praticado sem nenhum motivo ou justificativa razoáveis.
Vagabundas e feministas (desculpem-me pela redundância) dos quatro cantos do planeta estão a comemorar a "vitória".
Vão poder, as biscates irlandesas, a partir de agora, liberar o bucetão de qualquer jeito, sem nenhuma preocupação ou prevenção. Se ficarem grávidas, é simples, é só matar o feto e lançá-lo à privada.
Muitos veem também, na "vitória" das suvacudas irlandesas, uma derrota fragorosa para a Igreja Católica, tradicional opositora a esta modalidade de assassinato e a religião predominante do país.
Neste caso, estou do lado dos religiosos, ainda que por motivos diferentes dos deles. Sou ateu e não nutro a menor simpatia pela Igreja Católica, ou por qualquer outra. Porém, sou menos simpático ainda a assassinos.  Aborto indiscriminado - sem nenhum motivo justo, seja por estupro, seja por colocar a vida da mulher em risco, a exemplos - é pura e simplesmente assassinato premeditado. A biscate vai, dá de qualquer jeito, não se previne, fica grávida, diz que não quer a criança, arranca o feto de seu útero, mata uma vida inocente e, na mesma noite, sai para tomar cerveja com as amigas? 
Direito sobre o próprio corpo? Apóio os direitos sobre o próprio corpo. Mas e os deveres sobre o próprio corpo, como prevenir uma gestação indesejada, onde ficam os deveres para com o corpo? Concordo com que as mulheres possam decidir sobre o próprio corpo - e os homens também -, mas acontece que o embrião, o feto não é o corpo delas, não é o corpo das feministas assassinas, é outro corpo, é o corpo de outro ser vivo, que, por azar, está crescendo e permanecerá por poucos meses dentro de uma assassina.
Direito sobre o próprio corpo? OK. Quer matar alguém? Então, se mate. Dou todo o apoio nesse caso. Até dou umas dicas de como se suicidar. Mas abortar indiscriminadamente não é exercer o direito sobre o próprio corpo, é decretar a pena de morte de outro.
Acho curiosas - e hipócritas - certas "visões" feministas, sobretudo as de viés esquerdistas. São a favor do aborto, da pena de morte para um inocente, mas se declaram contra a execução de criminosos, contra a pena de morte para um bandido. Matar o feto que é produto de um estupro, pode; matar o estuprador, não, é contra os direitos humanos.
E nem me venham com aquela (outra) lenga-lenga de que não sei até quantos meses o feto não sente dor, não tem consciência etc. Biologicamente falando, a partir do momento da fecundação, da formação da primeira célula do novo ser vivo, o zigoto, ele já é vivo. Essa única célula já se nutre, realiza respiração celular, se duplica etc, ou seja, apresenta metabolismo, atributo que define o ser vivo e o distingue da matéria bruta, inanimada.
Não tem condição de criar a criança? Outra balela. Qualquer gata vira-latas ou cadela de rua dá conta de cuidar da cria. Uma ser humano não? Papo de vagabunda! E vá lá que seja, vamos acreditar que a vagaba seja tão inútil e desprezível a ponto de não ser mesmo capaz de criar o próprio rebento. Simples : dê para a adoção. Basta ir a qualquer hospital público e manifestar a vontade de dar a criança para a adoção a uma assistente social. O parto é realizado, a biscate não precisa nem ver o rosto do bebê que pretendia matar e a criança vai viver em uma casa em que muito vão lhe querer e bem tratar.
Aborto indiscriminado não é exercer o direito sobre o próprio corpo. Não pode ser considerado uma vitória de ninguém. É assassinato. Premeditado. Qualificado. 
Abaixo, as biscates e a vagabundas irlandesas a comemorar os seus status de agente 007, ou seja, as suas licenças para matar.
Vejam a festa que as putas fazem! Elas, sim, é que deveriam ter sido abortadas pelas mães. Quem é a favor do aborto indiscriminado é que deveria ter sido abortado.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

As Memórias da Cabeça de um Pau

A imortal Nélida Piñon, autora do indispensável e calhamaçal romance A República dos Sonhos, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, declarou, em certa feita, que não é a cabeça, mas, sim, a mão que escreve. É a mão que escreve. Se não a parafrasear, ao menos dando nova vestimenta, ou, no mínimo, anuência a uma outra declaração, esta atribuída a Einstein, que creditou o êxito de seu trabalho a 1% de inspiração e 99% de transpiração.
É a mão que escreve. Deveras. O trabalho intelectual, o matutar, o escrever, é, também e sobretudo, um trabalho físico, braçal, brutal. Escrever um bom livro, um bom ensaio, uma boa reportagem ou um bom artigo científico é tarefa para quem tem a resistência e a obstinação de um burro de carga. E de sobrecarga.
Em 2011, quando do lançamento do CD Chico, de Chico Buarque de Holanda, trabalho que interrompeu um jejum criativo de quase 13 anos do compositor - o último disco de inéditas havia sido As Cidades, de 1998 -, eu fui mais além e escrevi aqui no Marreta : É o Pau Que Escreve.
Disse-o porque o hiato criativo de Chico, não coincidentemente, encerrou-se quando o compositor arrumou um novo amor. E bota novo nisso. A moça, Thais Gullin, mal contava, à época, com 30 aninhos, uma pré-balzaquiana, praticamente uma ninfeta, uma lolita, se comparada ao septuagenário cantor dos olhos de ardósia. Os eflúvios da nova xavasca inspiraram ao menestrel, ao poeta, ao bardo e ao cantor. Não é a cabeça que escreve. Nem a mão. É a cabeça do pau, embebida no tinteiro da buceta, que escreve, devo ter dito eu na ocasião.
Disse-o e volto agora a reiterá-lo. O próprio Marreta do Azarão foi escrito à força da cabeça do pau. Sejam as postagens mais virulentas, maledicentes e sardônicas, as marretadas propriamente ditas, sejam os poemas, nos quais um ou outro desavisado pode enxergar algum lirismo, sejam os pequenos contos, tudo e todos escritos pelo pau, tudo movido pelos ventos e pelos remos da testosterona, que, há 10 anos, quando comecei com o blog, ainda corria, caudaloso e perene rio, pelas minhas veias; não o fio d´água esquálido e intermitente que é hoje; não à toa, a produção caiu a olhos vistos, em quantidade e qualidade.
Tudo escrito pelo vigor e, sobremaneira, pela memória da cabeça do pau. O Marreta do Azarão bem que poderia se chamar As Memórias da Cabeça de um Pau. A exemplo mais específico e palpável do que falo, a série Pequeno Conto Noturno, que já se vai para mais de setenta episódios. Deste total, tão somente uns oito ou dez são narrativas romanceadas de experiências reais. Todos os outros foram concebidos pela releitura, pela revisita, pelo repisar das memórias da cabeça do pau. O arsenal da memória, porém, não é infinito, tampouco imperecível. Tem de ser, vez ou outra, renovado, abastecido com novas vivências. Indo de casa para o trabalho, do trabalho para casa, dormindo às 20h e levantando às 5h? De que jeito?
A memória pode ser editada, remodelada, maquiada, mas não criada. Valha-me São Lavoisier!
O meu açude de memórias da cabeça do pau se esgotou. Há tempos que entrei no meu volume morto. Até tento - insisto em - evocar velhas memórias da cabeça do pau. E nada. Nem sinal de vida.
No mês passado, na postagem Tempore Mortis, comuniquei a todos os leitores da morte cerebral do Marreta. Pois agora venho vos inteirar de uma outra morte, a da memória da cabeça do pau, o Alzheimer do caralho. Morte irreversível. Definitiva. Absoluta. Agora, é só chamar o gato para jogar a terra em cima. É a podridão, meu velho.
Acredito, contudo, feito um velho sentado no banco da praça dando milho aos pombos e já olhando a vida de fora, como mero espectador, e se aprazendo da missão cumprida, que produzi um bom trabalho aqui no Marreta durante essa quase década.
Aos que por aqui ainda caírem, ou por acaso, ou por azar, ou por estranha vontade própria, leiam e usem o Marreta como bem lhes convier, da melhor maneira que lhes for possível, como quem visita ruínas de antigas civilizações.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Travessuras de Menina Má (10)

A Hora do Pesadelo

Eis a pior hora do dia.
Quando tenho que extrair :
A vontade, de onde a vontade não mais há,
A coragem, de onde a coragem jaz,
O riso, da atmosfera que não consigo respirar,
O sonho, do álcool que não é capaz mais de me embriagar,
O impulso, do café que já é placebo;
Enfim,
A vida, desse poço seco. Dessa cova rasa.

Eis a pior hora do dia.
A hora de acordar.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

O Selvagem da Motocicleta

Era um cara
Que se encantava
Que adorava a escuridão,
A tela brilhante de um cinema,
O aconchego de uma sala de projeção.
Ali se sentia protegido,
Tinha controle sobre todo aquele espaço,
Sabia de cada grão de poeira refletido.
Não se cansava
De ver aquelas vidas armazenadas na películas,
Mas não servia para protagonista.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.

Era um cara 
Que lia e lia
Sem a menor pressa
Pra ninguém dava conversa
Se demorava por horas sobre cada linha impressa.
Se deleitava com aquele mundo portátil e silencioso
Que abria ou punha pra dormir quando fosse conveniente
E assim parecia contente.
Sorvia feito mel
As paisagens amareladas e empoeiradas
Do seu mundo de papel,
Mas não servia para escritor.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.

Era um cara
Que escutava e escutava
Com as portas e os olhos fechados
Pra que ninguém pudesse lhe perturbar.
Ouvia repetidas vezes cada melodia
Como quisesse incorporar cada acorde
À sua própria pulsação.
E lhe fascinava esse mundo sem imagens
Esse mundo de puro som,
Mas não servia para canção.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.

Era um cara
Que colecionava e colecionava
Gibis a rodo, quadrinhos de montão,
Lhe tomavam de escravo
Os perigos, as recompensas, a ação.
Cada personagem ali desenhado era um amigo
E de mais nada precisava.
Era perfeito pra ele aquele mundo agitado
Onde o bem sempre vence
Mas o mal nem sempre é castigado,
Mas não servia para herói.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.

E era eu,
Que era como os outros,
Parecidos em fracasso
Iguais em tormento.
Sem nenhuma qualidade
Sem qualquer talento.
Também não sirvo pra vida.
E como isso é tudo o que poderia me provocar o riso,
Também não vivo,
Agonizo.

domingo, 6 de maio de 2018

Cordialidades Constipadas

As pessoas chegam com seus sorrisos ensaiados e plastificados pendurados nos lábios;
Suas fotos felizes em seus brilhantes crachás funcionais de suas carreiras nada brilhantes.
Dão bons-dias como quem batem o cartão e assinam o livro-ponto.
Cordialidades constipadas,
Evacuadas à força.

Nesse aspecto,
Respeito muito mais os meu cagalhões de cerveja.

Poema

É preciso muito desespero,
descontentamento e desilusão para escrever alguns bons poemas.
Não é para todos nem escrevê-los ou mesmo lê-los.
                                                   (Charles Bukowski)

O que eu vejo é o beco...

Poema do Beco
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco.

                                                (Manuel Bandeira)