quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Visões de 2021, Quiçá de 2022

É como diz o velho ditado espanhol, possivelmente basco : “Yo no creo en pesquisas de popularidade, pero que las hay, las hay”.
E todas as mais recentes realizadas mostram um crescente viágrico da aprovação do governo do intrépido Bolsonaro, um acachapante incremento da aceitação, estima e bem-querer pelo Mito.
Os resultados divulgados por várias delas, promovidas pelos mais variados institutos de pesquisa, a se crer neles, mostram que Bolsonaro e o povo brasileiro, depois de um período de estranhamento, estão numa segunda lua de mel. Bolsonaro é o Namoradinho do Brasil.
A se manterem os números em 2021 e a se confirmarem em 2022, uma provável reeleição de Bolsonaro poderá ser a derradeira e definitiva pá de cal no túmulo da sempre podre, putrefata e mefítica esquerda brasileira.
Posso até concordar, em alguns aspectos, que mereceríamos um coveiro melhor, mas reitero que, se ele conseguir o sepultamento da esquerdalha, quaisquer outras de suas desastradas e malfadadas ações poderão ser tomadas como um mal necessário, um remédio dos mais amargos e, por vezes, mesmo intragável.
Vamos às pesquisas mais recentes.
A primeira foi realizada pelo Poder Data entre os dias 21 e 23 de dezembro e contou com 2500 entrevistas com moradores de 470 munícipios distribuídos entre as 27 unidades federativas. O infográfico abaixo fala por si.
A segunda foi realizada pela Quaest Pesquisa e Consultoria e fez o levantamento da popularidade de 12 personalidades da política brasileira no mundo digital. 
A pesquisa levou em consideração nomes de destaque em plataformas como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Wikipedia e Google. A avaliação foi feita de forma mensal e, em todos os meses, Huck ficou atrás de Bolsonaro. Em fevereiro, o global conseguiu uma aproximação no posicionamento do ranking, diminuindo a diferença entre os dois para 4,6 pontos. Nos demais meses, essa diferença ficou entre 20 e 30 pontos. Em terceiro lugar ficou Luís Inácio ‘Lula’ da Silva, o Sapo Barbudo, o Nove-Dedos, o Seboso de Caetés, cujo melhor desempenho aconteceu durante o primeiro semestre, e que, mesmo assim, manteve uma distância média de 30 pontos em relação a Huck. Ou seja, ainda que o Seboso pudesse ser candidato, ele ficaria a anos-luz de Bolsonaro.
E o Mito dá de goleada mesmo quando posto a jogar em campo inimigo. O que nos leva ao terceiro e último levantamento da popularidade de Bolsonaro, uma enquete realizada pelo jornalista esquerdista Ricardo Noblat em seu blog, o Blog do Noblat.
Claro que uma enquete é muito menos metódica que uma pesquisa feita por um instituto, ou até mesmo nada metódica, e, por conseguinte, com nível de confiança tendendo a zero, mas essa logrou um resultado inesperado para o jornalista.
Perguntou, Noblat, aos seus leitores : como você qualifica o desempenho do governo Bolsonaro até aqui no combate à pandemia do coronavírus? As únicas opções de resposta eram : excelente ou péssimo. De onde se vê, enquete extremamente tendenciosa, típica do pensamento esquerdista, feita para Bolsonaro perder. Por dois motivos : o primeiro, o que já foi dito, foi realizada na página de um jornalista de esquerda cuja grossa maioria de leitores, suponho eu, deve compartilhar da mesma nefasta ideologia; e segundo que é radicalmente polarizada (de novo, bem ao gosto do fanatismo esquerdista), só oferecendo duas respostas extremas, ou excelente ou péssimo. Nenhuma opção mais moderada, mais ao "centrão", como "bom", "regular" e "ruim".
Ainda assim, o Capitão enfiou o tarugo toba adentro dos esquerdistas:
Notórios maus perdedores que são, os esquerdistas seguidores do jornalista começaram, é claro, arrumar desculpas para a enrabada que levaram dentro de casa, insinuaram que a votação fora "tomada por robôs". Bolsobôs?
“Votar antes que chegue os robôs”, alegou um esquerdista.  
“Será que se organizam em grupo para vir na enquete e tentar mostrar que está tudo bem?”, disse outro, que, prontamente, tomou a lapada de uma boa resposta na cara : “Vocês só se organizam em grupo para depredar patrimônio público e invadir propriedade privada”, finalizou a conversa outro leitor.
Fazer previsões para 2021, é fácil! É teta! É coisa de profetazinho rastaquera, de Mãe Dináh e de Walter Mercado. Pois o nostradâmico Azarão irá mais longe : lançarei minhas previsões para 2022. Criador e único praticamente da ciência hermética e oculta da marretomancia, revelo-vos minhas antevisões para 2022.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Países Fetocidas, Pátrias de Herodes

Feminicídio, não pode (o "machocídio", pelo visto, está liberado)! É crime hediondo! Pecado capital! É tema pisado e repisado em todos os telejornais, da aurora ao ocaso; do ocaso à aurora! Mais presente na telinha da TV do que pastor evangélico e as facas Ginsu! Feminicídio virou carne de vaca (matar a vaca também não é um feminicídio pela óptica dos bovinos?). A gente acorda e só quer saber da previsão do tempo, das condições do trânsito, das falcatruas da política, do resultado da telessena, e o tal do feminicídio vem amargar o nosso café, deixar rançosa a manteiga do nosso pão. 
Feminicídio, não pode! E eu concordo. Em gênero, número e grau. Na dezena, na centena e no milhar! Porém, as mesmas mulheres que se dizem vítimas potenciais de morte pela mão de machos "tóxicos", clamam pelo direito de ter uma licença livre para matar, para matar fetos e embriões, que, desafortunadamente e por brincadeira, talvez, dos sacanas do Acaso e do Destino, foram fecundados em úteros de vagabundas, de biscates, que, mesmo cientes de todos os métodos contraceptivos possíveis e imagináveis, simplesmente resolveram abrir as pernas sem nenhum tipo de precaução.
O aborto indiscriminado, aquele feito sem nenhum motivo razoável para ser executado, que eu prefiro, como sempre, dando o correto nome aos bois, chamar de infanticídio, de fetocídio (Herodes é pinto pequeno perto disso), está ganhando cada vez mais a aceitação e a simpatia do hemisfério Ocidental do planeta, que se autoproclama o mais "civilizado". Aceitação e simpatia que são frutos da doutrinação esquerdista, da água da conversa mole em pedra dura,
O Ocidente critíca as práticas bárbaras do Oriente, o apedrejamento de mulheres adúlteras, a mutilação clitoriana, os casamentos arranjados, mas aplaude e incentiva a mortandade de fetos indefesos.
Defendem, essa canalhada, a vida do bebê-foca, do bebê-tartaruga; condenam à morte, sem nehuma prova de dolo ou culpa (até porque não as há), o bebê-gente.
Só para que a biscate possa continuar a levar a sua vida "leve", de solteira... de puta!!! É o fetocídio a garantir a promiscuidade, a leviandade, a putaria!!! 
Menos, bem menos que cadelas sarnentas de ruas, são essas aborteiras; bem menos que cadelas vadias, que, ao menos, cumprem com a dignidade e a obrigação de amamentar seu filhotes. A puta não pode, pois a amamentação irá deixar o seu peito flácido, repelente para o macho que a come na rua.
E agora, desgraçadamente, para a minha profunda decepção, a Argentina, país e povo que sempre tive em mais alta conta, aprovou o aborto indiscriminado, a matança de fetos ao bel-prazer das putas assassinas.
O projeto aprovado contempla uma cláusula que impede judicializações, que poderiam retardar e inviabilizar o assassinato do feto; devendo a execução sumária da criança, de acordo com as regras aprovadas, ser levada a cabo em até dez dias depois de o pedido ter sido feito pela requerente, conhecida popularmente como biscate. 
No máximo em dez dias... tempo de espera muito menor que o para uma consulta com um cardiologista, um urologista, um oncologista, tempo menor que o de espera por uma ressonância magnética, por uma tomografia, por um ultrassom, por um hemograma.
É o sistema público de saúde não a serviço da prevenção e da cura de doenças, da preservação da vida, mas sim a serviço do extermínio dela. Os médicos argentinos, a exemplo de inúmeros outros países, foram tornados em matadores de aluguel. 
E tudo de graça para a puta! Tudo às custas dos impostos dos contribuintes, que, muitas vezes, ao chegarem num hospital público não encontram médicos para atendê-los, muito menos têm às suas disposições e reais necessidades remédios de uso contínuo e/ou de alto custo como insulina, hipertensivos, imunossupressores, drogas anticâncer etc. Não há dinheiro para tudo isso, dizem os governantes e os gestores do dinheiro público. Mas para aliviar a biscate do "fardo" de ter que criar uma criança, para pagar um carrasco de jaleco branco, pelo visto, há de sobra.
Abaixo, o mapa-mundí e imundo dos países que legalizaram o assassinato de crianças. E dos que, heroica e, talvez, inutilmente (como é todo ato heroico), ainda resistem.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Bem-aventurados os Bons de Copo, Porque Deles é o Reino dos Céus, diz Padre Italiano (Ou : Fica Esperto, Jotabê!)

Assim, eu me converto! E quero ser batizado por esse padre, Don Pietro Cesena! Batizado com vinho bento! E nem me venham com aquela viadagem, com aquele miserê de um pouquinho só de vinho deitado e escorrido à testa, sem essa de ato simbólico! Eu quero um batismo das antigas, por imersão! Imersão num grande ofurô cheio até à borda de vinho benzido e consagrado.
Na homilia de sua missa de Natal, Don Cesena fez um pronunciamento que encheu de júbilo a alma de seus fiéis, que insuflou uma lufada de conforto espiritual em seu rebanho, que reforçou a fé de seus paroquianos; fé, esta, tão difícil de ser mantida nos dias atuais.
O padre incentivou suas ovelhas a beberem vinho, muito vinho, fartamente. O vinho é sinal de vida eterna, declarou. E é verdade. Uma verdade não só religiosa como também médica. Um copo de vinho por dia faz bem à saúde, apregoam os esculápios da ciência. Se um copo faz bem, por simples e incontestável regra de três, tomar um garrafão torna o sujeito em um imortal.
Garantiu que no paraíso se bebe vinho e que abstêmio não entra no reino dos Céus. É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que um abstêmio entrar no reino dos Céus, teria dito.
Fala reforçada, publicada e juramentada também em seu twitter :
"Bevete vino, non c’è spazio in paradiso per gli astemi" #DonCesena #Omelia #Vino pic.twitter.com/ZDJdVSKGiH"
Que, traduzida pelo Google, ficou : "Beba vinho, não há lugar no Céu para abstêmios"
Te cuida, Jotabê! Fica esperto, meu velho!
Apesar de suscitar grande surpresa,  a fala do padre foi bem recebida pela maioria de seus fiéis, que a entenderam e a levaram na esportiva. Mas por que a surpresa? É notório que padres e sacerdotes são por demais chegados a um copo; muitas cervejas e vinhos de grande qualidade são produzidos por mosteiros e abadias. Além disso, não é Jesus que Salva? E não é o vinho o próprio sangue do Nazareno? Pois este sangue, garanto-vos, tem poder.
Até eu gostei da fala de Don Cesena. Agora ficou mais fácil ter a alma salva e redimida. Antes, era preciso seguir à risca os ensinamentos de Cristo, conhecer e interpretar suas parábolas (grande contador de "causos", o Cristo), dar a outra face etc etc. A partir da fala do padre, basta tomar o sangue Dele. Isso, até eu posso fazer. Aliás, faço questão de.
Todavia, sempre existem, é claro, os falsos moralistas rançosos e sebentos de plantão, os empata-fodas. Um deles, sentiu-se desrespeitado : "Inaceitável... Ele deveria respeitar quem frequenta seu culto e não bebe álcool".
Um outro, mais contundente, chegou a acusar Don Cesena de manipulação da fé como forma de justificar um vício pessoal : "Acho que o sujeito tá fazendo de um vício pessoal uma manipulação aos pobres frequentadores de seu culto".
Vãs aleivosias, Don Cesena, vãs aleivosias. Perfídias sem nenhuma fundamentação bíblico-religiosa.
O padre italiano não está a cometer nenhum pecado ou heresia; antes pelo contrário, Don Cesena está a professar o seu sacerdócio dentro do rigor canônico das Escrituras, a exercer a sua profissão de fé acatando religiosamente a todos os conformes dos Evangelhos.
Afinal, nas bodas de Canaã, Cristo transformou água em quê? Em suquinho de tâmaras orgânicas e sustentáveis da Galiléia? Porra nenhuma! Transubstanciou-a, antes, em vinho, em bom vinho.
É Cristo que nos diz : bebam vinho! Deixai vir a mim os bebuns! Don Cesena só está a pregar os ensinamentos do Cristo, a seguir os passos do Salvador.
Estão certíssimos, o Cristo e Don Cesena. Nem um nem outro podem dar uma furunfada, afogar o ganso, dar um tapa na peteca. Se não pudessem nem tomar um goró vez em sempre, nem precisaria existir o inferno pós-morte para manter a padraiada na linha : o Inferno seria aqui mesmo.
Falando em inferno, eu, que já dava a minha alma ateia como perdida e endereçada às labaredas das profundas, vi que ela é muito mais cristã do que jamais supus. Católica praticante, a minha alma descrente.
Se fudeu, Mefistófeles! No Céu, entorna-se vinho! Bye, bye e vade retro Satanás!  Eu tô salvo! Vem ni mim, querubim!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Planeta Macho (2)

Antigamente, a aspiração de todo menino era se tornar um homem, um adulto de barba na cara e pelos no saco. Seguir os mesmos passos, adotar os mesmos valores e símbolos de masculinidade de seu pai e avôs. ( E não o avesso que hoje se nos apresenta, adultos e senhores de meia-idade vestidos e travestidos em trajes, modos e ares de garotões, mas isso já é outra história e hoje eu não quero me aborrecer).
Conforme o menino ia crescendo e fazendo por merecer e mostrando-se mais responsável, ele ia ganhando presentes, de seu pai, tios, padrinhos e avôs, que eram os imprescindíveis apetrechos a um macho das antigas. Gradativamente, o menino ia recebendo e tendo de arcar com cada vez mais responsabilidades de um adulto e, paralelo a isso, ia sendo também paramentado como um. O menino virava homem por dentro e por fora.
A uma certa idade, o menino ganhava um cinto de couro, por exemplo, para afivelar as suas também recém-conquistadas calças compridas. Mais para a frente, ganhava um conjunto de três lenços Presidente, para levá-los ao bolso traseiro da calça, feito o avô. Daí a pouco, um relógio de pulso do padrinho. Não demorava muito e ganhava um pente plástico Flamengo, para ter sempre ao outro bolso traseiro da calça e manter os cabelos emplastrados de Trim sempre bem alinhados, igual ao tio materno metido a galã do bairro.
Porém, um dos momentos mais ansiados pelo menino era quando, e finalmente, ele ganharia o símbolo de macheza mais ambicionado por todos : a carteira de couro. Para guardar seu dinheirinho? Até que podia ser, também. Se, eventualmente, ele ganhasse uns trocados, a carteira se prestaria a isso. Mas essa não era a principal e tão aguardada utilidade da carteira. Que dinheiro, que nada. A carteira iria servir para guardar calendários de bolso de mulher pelada! Sim, meus caros, aqueles calendários com gostosas, confeccionados no tamanho aproximado de uma carta de baralho.
Ser presenteado com uma carteira de couro, deixava subentendido que o menino receberia junto alguns calendários de mulher pelada. A ambição pela posse de uma carteira era impulsionada por um cobiça ainda maior, era motivada pela conquista do símbolo máximo e definitivo de sua juvenil masculinidade, o calendário de mulher pelada, o atestado da passagem do menino para o homem.
Os calendários de bolso de mulher pelada, tão em voga dos anos 1950 aos 1980, não tinham apenas as funções decorativa e punhetativa. Foram, durante muito tempo, importantes e eficazes ferramentas de propaganda e divulgação de produtos e serviços. Eram distribuídos à guisa de brindes, para fazer um agrado e fidelizar o público masculino da época.
Os mais diversos e variados setores da indústria, comércio e prestação de serviços vinculavam seus produtos e suas razões sociais a belos pares de peitos, a roliças coxas e a suculentas bundas lisinhas e xavascas peludonas.
Imprimiam-nos e distribuíam-nos : as padarias, os armazéns de secos e molhados, os postos de gasolina, os bares e lanchonetes, os escritórios de contabilidade, as farmácias, as quitandas, os depósitos de materiais de construção, as papelarias, os armarinhos, os salões de barbearia, as sapatarias, as alfaiatarias etc etc.
Os calendários de bolso de mulher pelada eram verdadeiros mini-outdoors (ou indoors, nesse caso?) publicitários do Planeta Macho.
Não pensem, contudo, que a propaganda disseminada pelos calendários de bolso de mulher pelada ficava restrita a pequenos estabelecimentos comerciais e produtos de fabriquetas de fundo de quintal, que era uma publicidade marginal, condenável e proscrita.
Nada disso. Grandes empresas e conceituadas marcas, muitas existentes até hoje, também estampavam suas logomarcas em calendários de bolso de mulher pelada. Por exemplo, as tintas Coral, uma das gigantes do ramo da pintura residencial, comercial e automotiva.
Praticasse hoje este tipo de publicidade, a Coral seria prontamente taxada de machista, sexista, de objetificar a mulher e seria, imediatamente, "cancelada" pelas patrulhas ideológicas esquerdistas da porra.
Tampouco as modelos que figuravam nos calendários eram putas baratas e bagaceiras catadas à zona do baixo meretrício. Muitas atrizes gostosas de então emprestaram suas desejáveis formas aos calendários de mulher pelada. Por exemplo, a atriz Alcione Mazzeo, que foi esposa de Chico Anysio, neste calendário da Dunlop, empresa fundada por John Boyd Dunlop, ninguém mais ninguém menos que o inventor do pneu como hoje o conhecemos.
Hoje, as feministas suvacudas e muxibentas de plantão a acusariam de traidora do movimento e também a "cancelariam", forçariam a sua demissão pela emissora que a tivesse sob contrato. E a Dunlop não conseguiria mais vender seus pneus nem para carrinhos de supermercado.
Bons e grandes tempos, os dos calendários de bolso de mulher pelada. Tempos mais simples e menos hipócritas. Mais sinceros e práticos. Afinal, do que o macho das antigas gosta? De ver mulher gostosa pelada. E do que a mulher gostosa das antigas gosta? De se mostrar e ser vista pelada pelo macho, de se sentir desejada por ele, de excitá-lo, ou seja, de ter orgulho em cumprir com a sua função biológica. Macho e fêmea. Alguém ainda se lembra deste simples e eficiente arranjo? Desta natural e profícua combinação?
Os calendários de bolso de mulher pelada são fósseis de uma das eras mais gloriosas do Planeta Macho. Do Planeta Macho em toda a sua pujança, virilidade e paudurescência. Antes dele ser atingido pelo asteroide do politicamente correto e da ditadura das "minorias".
No entanto, ainda que deslocados e desgarrados, ainda que destronados e acossados, alguns dinossauros ainda caminham por aí. Caminhamos por aí.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Dias de Chuva São Para se Ficar em Casa (parte 3)

Mandou-me agarrar à sua cintura (mas sem viadagem), pôr a mão direita em seu Mjolnir (no bom sentido, claro) e mentalizar a estalagem do Laércio. Num sopro, estávamos bem de frente ao bar do Laércio. Nunca ouvi dizer daquele poder de teleporte do Mjolnir, mas faz todo o sentido. Tornaria praticíssima, por exemplo, a viagem entre Asgard e Midgard (a Terra), mas acabaria com a poesia, eliminaria a Bifrost, a ponte do arco-íris, la vie en rose entre Asgard e Terra. Quer coisa mais bonita que um arco-íris feito em viaduto? Preferi não perguntar. Sempre que posso, procuro manter intactas certas doçuras de minha infância.
Houve época em que seguranças de ternos pretos revistavam os freqüentadores do bar do Laércio, Thor teria tido, à época, dificuldades de adentrar portando seu martelo. Ou os seguranças é que teriam passado sérias dificuldades. Em tempos de vacas magras, só há um porteiro, que anota os nomes no verso de um cartão onde se registra o consumo do bar. O único empecilho colocado pelo porteiro foi ter perguntado a Thor se o nome se escrevia com ou sem “h”. Com “h”, eu respondi ante a falta de entendimento do deus. Seriam os deuses uns analfabetos, como seus fiéis? E eu passei a vida acreditando naquela coisa da segunda do plural.
O bar estava mal-iluminado, abafado, merejando cigarro e uma meia dúzia de almas: o de sempre.
“Outra coisa, além do mulso, que vou ficar lhe devendo, Thor.”
“Mas que taberna pequena e fedorenta, mortal. Parece uma toca dos malditos Trolls, e ainda diz que me decepcionará ainda mais?”
“Pois é. Ficarei devendo aquelas mulheres carnudas e suculentas a dançar, se agitar e a servir as mesas, todas seminuas, ventres e seios de fora.”
“Há! Há! Há! Há! De onde tirou essa idéia, mortal? Em que lugar da gélida Escandinávia julga que as mulheres andem assim? Ainda que no interior aconchegante de uma taverna viking, junto a uma lareira, elas morreriam congeladas se trajassem a sua imaginação. Os nórdicos raramente vêem suas mulheres nuas ao todo.”
Verdade. Nunca havia pensado por aquele lado, pela prática. Mais uma fantasia destroçada de minha infância. Mas, também, de que merda serviria o pensamento se tivesse que se ater à prática. Doeu, apesar disso.
“E aí? Como vão as coisas, Laércio?”, perguntei, encostando-me no balcão que já tem até uma depressão justa para o meu cotovelo.
“Alguma coisa mudou na tua vida da semana passada pra cá?
Pois bem, aqui igualmente não.”, Laércio com a típica simpatia permitida a donos de bares de poucos freqüentadores, ele nem se deu com Thor ao meu lado, aliás como eu havia previsto.
“Sou Thor, estalajadeiro. Dê-me a mais generosa porção da sua bebida.”, e estendeu sua mão em aperto para o Laércio. O Laércio cumprimentou e olhou pra mim com cara de quem não entendeu picas. E nem estava interessado em entender.
Intercedi.
“Dois copos, Laércio, e uma garrafa de cerveja da mais barata.”
“A cerveja em garrafa ainda tá quente. Gelada só tem long neck e lata.”
O puto do Laércio sempre usa esse golpe. Nunca serve cerveja em garrafa antes das duas da manhã, estão sempre quentes. O negócio é que ele tem lucro maior na long neck e na lata, só libera a garrafa de 600 ml quando não tem mais jeito. Ele sabe que sei dessa sua mentira, sabe que eu sei que as garrafas estão geladíssimas, mas não liga, aplica o golpe mesmo assim.
“Bravo, estalajadeiro! Mande uma dessas quentes, é como gosto, de gelada nos basta as águas inclementes dos fiordes.”
“Manda uma quente pro cara, Laércio, ele prefere. E pra mim, uma long neck.”, e segurei, mas não muito, um riso de canto de boca para a cara de desgosto do Laércio. O Thor queria da quente, o Laércio tinha se fodido nessa, lá se ia seu lucro por água abaixo. Se bem que, eu já tinha previsto, quem iria se foder era eu. Improvável que o deus tivesse alguns reais em seus bolsos. A despesa certamente ficaria por minha conta. Como, de fato, ficou.
Thor pegou da garrafa de 600 ml e ela parecia uma long neck em sua mão. Pegasse uma long neck e ela seria uma daquelas ampolas de injeção. Levantou um brinde ao Pai Odin e emborcou. Puta que pariu, o cara era um sorvedouro. O líquido fez redemoinho dentro da garrafa, uma sucção cuja força achei que fosse arrancar o fundo da garrafa. Seiscentos mililitros de uma única talagada. Fiz sinal para que o Laércio trouxesse mais uma, das quentes, e fomos para uma das mesas. Já fazia conta do prejuízo. Sempre há contas a serem pagas quando se trata com deuses.
“Tá certo, mas em Asgard, o clima é mais ameno, lá as deusas circulam seminuas pelos salões suntuosos, carregando bandejas de prata repletas de ânforas do mais puro vinho. Elas vão até os guerreiros e despejam vinho em suas goelas, servem o vinho escorrendo entre seus volumosos e imortais seios.”, eu, empolgado, e imaginei-me como um daqueles afortunados deuses, escarrapachado num enorme estofado de peles, com uma dessas beldades em cada braço, molhadas de vinho e besuntada da gordura dos assados de carneiro.
“Há! Há! Há! Há! Você me diverte, mortal. Em Asgard é que a coisa fica feia, o Pai Odin não tolera putaria, e as deusas, nossas esposas, são as mulheres mais vingativas de todas as dimensões. Mesmo que mulheres circulassem nuas servindo vinho, duvido um deus asgardiano que as mirasse, as esposas asgardianas são terríveis”.
O bar do Laércio começou a encher, encher – fique bem claro, para os padrões do bar do Laércio -, entraram mais umas sete ou oito pessoas.
“Pensava mesmo que a vida dos deuses era só deleite, mortal?”
“Sim, afinal vocês são deuses”.
“Nada disso. A vida de um deus é das mais maçantes, ter de servir de exemplo e ainda aquele povaréu todo pedindo as coisas mais absurdas, como se fossemos capazes de milagres.”
“Ué, e não são?”
“Claro que não. Pedem-nos uma boa caçada, uma boa pesca, um bom tempo, uma boa esposa e, a mais absurda de todas, pedem-nos perdão, que os absolvamos. Que merda de diferença isso faz? A vida de deus não é fácil, mortal. E o que recebemos? Umas rezas insossas, um sacrificiozinho de um porco aqui, de um cabrito ali... Acredite, não é paga suficiente para tamanha aporrinhação.”
Curioso. Ninguém está satisfeito com suas ocupações, suas profissões. Todos se sentem injustiçados. O trabalhador braçal diz que sua vida seria melhor se fosse, sei lá, um bancário, entrar às 9 horas no serviço e sair às 16 horas, trabalhar em ambiente com ar condicionado; o bancário sonha com uma vida menos fatigante se vendo, sei lá, como professor, não mexer com dinheiro, ter hora de 50 minutos e duas férias por ano; o professor sonha-se médico, que sonha-se juiz e por aí vai. Ninguém se sente plenamente recompensado. Nem os deuses, fiquei sabendo.
“Além disso, os deuses, meu amigo, não são muito afeitos a prazeres. Nós criamos o prazer, semeamos essa idéia entre vocês, mortais, para que pensem que isso é o máximo que podem obter de suas vidas”.
“Bom, o dia em que eu estiver com uma gostosa em cada braço, besuntadas, a me derramar vinho pela garganta, deitado num amontoado de peles, vou achar, digo, vou ter certeza que será o máximo, o auge da minha vida”.
“Está enganado, amigo de Midgard. Tais prazeres carnais, longe de mim dispensá-los, nós os criamos para que vocês permaneçam saciados, contentes na sua condição de animal, para que não foquem sua atenção em coisas maiores.”
“Que coisa maior pode haver do que eu abraçado a duas deusas ruivas e peitudas, todas besuntadas?”
“Há! Há! Há! Há! Insiste nessa imagem, amigo mortal. O que há de maior? Ser um deus!!! O que te parece?”
Bem, quando penso em mim agarrado a duas deusas de crina da cor do fogo e dando trabalho a elas, implicitamente já me tenho como um deus. Como um mero mortal de quase 50 anos poderia dar conta? Mas nunca tinha pensado seriamente nisso. Até agora. Fiz sinal de que me esperasse, fui até o balcão e voltei com mais cerveja, uma long neck pra mim e outra ampola para o Thor. Traga seu amigo aqui mais vezes, me disse o Laércio, prevendo a quantidade de ampolas que Thor iria consumir. Pus a cerveja (a quarta ou quinta) à sua frente e metade dela já não existia na ampola quando me sentei e desatarraxei a tampa da minha long neck. Esse cara deve ser o Bukowski dos deuses, pensei.
“Peraí!!!”, eu já meio puto com aquele deus, “Você tá querendo dizer que enquanto nós, humanos, ficamos nos engalfinhando e fodendo, não percebemos que podemos ser mais que isso?”
E quem quer mais que isso, ser capaz de ficar engalfinhado e fodendo o dia todo? E quando se tem quase cinqüenta anos e se vê a potência decrescendo exponencialmente, é só nisso que se pensa. É somente a isso que almejamos, uma ninfetinha de seus vinte, vinte e poucos anos, se acabando em cima de nosso pau em riste. Quem é que quer ser a porra de um deus? Ainda mais agora, que sei que eles mal fodem.
“Exato, amigo mortal. O prazer carnal é para desviar suas atenções, para que não queiram também se tornar deuses. Perderíamos nossos empregos, enxerga? Os deuses criaram o sexo como uma espécie de suborno a vocês, nós mantemos seus membros duros e vocês nos adoram, nem pensam em tomar nossos lugares.”
“Enxergo, sim. Mas parece que não tem dado muito certo, não é? Você mesmo parece que tá meio assim de aviso prévio, prestes a ser demitido do panteão dos grandes deuses, sua audiência tá baixa, meu amigo de Asgard”, e pus naquele ‘meu amigo de Asgard’ todo o sarcasmo de que eu sou capaz, e com quase cinqüenta anos de prática, garanto que não é pouca coisa.
Puta que me pariu!!!! Lá estava eu, batendo de frente com um deus, provocando o cara acintosamente. Mas pudera... Primeiro o cara me jogou uma tempestade na cabeça, depois me teleportou até o bar do Laércio, me deu um prejuízo enorme (já se esvaziava a sétima ampola) e ainda veio dizer que a buceta é um suborno dos deuses, um cala-boca, uma propina para que permaneçamos não mais que macacos, veio dizer que nos manipulam a seu bel prazer. Convenhamos, o cara pediu pela minha falta de educação. Ele mereceu ouvir que já não estava também com essa bola toda. A mim, nenhum deus manipula, nunca lhes dei esse poder, nunca lhes dei minha crença. Acabei de falar e fechei os olhos. Esperando pela marretada em minha cabeça. A marreta de Thor versus minha cabeça. Seria uma briga das boas. A marretada não veio. Veio apenas uma pergunta, a mais prosaica de todas. 
(continua...)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Dias de Chuva São Para se Ficar em Casa (parte 2)

Um vento mais forte, suando chuva, fez-me apressar o passo e quase tentei entrar, de novo, pela quarta vez, no hotel Meridional. Localizado a uns 3 quarteirões do posto, tem um anexo no térreo que serve de bar depois das 20 horas. Pena que é restrito a hóspedes ou a convidados desses. Não sou hóspede, muito menos convidado. Não sou convidado há muito, muito tempo, mas não reclamo, eu faço por onde. Já tentei forçar minha entrada lá, geralmente quando já passava bêbado e queria um lugar calmo e de classe para terminar a noite. Na última tentativa, ganhei cinco pontos no supercílio esquerdo e quatro no queixo. Eles latejam sempre que passo em frente ao hotel. Cortesia do Jaimão, um segurança negão que mais parece um bloco de basalto. Passei e acenei para ele, do outro lado da rua; ele me respondeu silenciosamente com um trincar de maxilares e um cerrar de punhos. Todo vistoso no seu uniforme vermelho com cordames trançados no peito e dragonas douradas. Apressei ainda mais o meu passo. E, dessa vez, a eminência da chuva não teve nada a ver com isso.  
Havia poucas pessoas transitando pelas ruas esburacadas do centro da cidade naquele horário, os shoppings roubaram a alma dos velhos centros, mas ainda existem bares com preços honestos para os que sabem onde procurá-los, para as almas ainda não cooptadas pelas praças de alimentação, para as almas sem franquia. Até desviei do meu caminho usual para não ter que passar em frente ao bar do Laércio, local que freqüento há uns 12 anos, e só ele. Não estava disposto a ver as fuças do Laércio naquele sábado. O bar do Guimba, depois da morte dele e de seu violão, ficou com o filho meio retardado dele, virou um reduto de adolescentes, havia uns trinta deles, um bando de maritacas num coqueiro, passei reto. O Sótão foi arejado, iluminou-se, tem apresentações de música ao vivo, agora. Sertaneja, clientela da mais alta estirpe. Passei batido, também. O Sociedade Alternativa era tão alternativo que fechou, virou uma sorveteria, podia ter sido pior e uma igreja evangélica ocupar agora suas fundações. O bar do Jóquei, numa desolação de deprimir eremita. Não teve jeito. Na verdade, eu tava procurando um bar do Laércio sem o Laércio. É foda.  
Resolvi, então, que ia tomar umas três ou quatro ampolas na pastelaria do Coreano e voltar pra casa. Mas tive que estacionar sob a marquise do Teatro Municipal, a uns cinqüenta metros do coreano. Um estrondo, mais sentido como tremor que ouvido, me fez olhar para cima. E ver o céu constipado, ventre roxo que não caga há uma semana.   
Foi, então, que depois de nem sei quantos anos, saído de nem sei de onde, veio meu pedido, que Thor segurasse aquela merda toda por uns 40 minutos, tempo pra eu estar em companhia do meu rum, em casa. Ou Thor não me ouviu ou o deus estava com diarréia naquele dia. O ar ganhou peso, meus tímpanos sentiram a compressão, os barômetros ficaram loucos e toda aquela merda veio abaixo. Uma tormenta inédita nos últimos 20 anos. A marquise não valeu de nada, ventava para todos os rumos, era possível ver os pingos se cruzando em todas as direções, pernilongos líquidos me picavam em todas as minhas latitudes, rosto, costas, pernas. Enxurradas de raios erodiam a atmosfera, lombrigas de alta-tensão naquele ventre que se aliviava de sua carga podre. 
Trovejou uma voz ao meu lado, sem me ter dado conta da chegada de seu emissor, ribombou uma voz: 
“Bela borrasca! Primorosa!” 
Porra!!! E lá estava o cara. Ele. Não o loiro dos quadrinhos, não aquele de anúncios de xampú. Sim o abrutalhado, o que arrota à mesa, o vermelho. Nem olhava para mim, sua mira era exclusiva para a tempestade, sua cria. Ele. A bordo de seus 2,10 metros e de seus 270 quilos (a carne dos deuses nórdicos é três vezes mais densa que a nossa), olhava embevecido para a sua criança mal-criada, um pai a sorrir com as traquinagens da filha. Cabelos e barba da cor da palha de aço oxidada, corpo maciço, nada daqueles corpos desenhados dos viadinhos de academia, uma única massa de braços, tronco e pernas. Trajado com botas, calças e uma manta que lhe caía por sobre os ombros, tudo de couro, couro de rena ou alguma coisa do gênero, couro não-curtido, cheirando mal, cheirando ainda ao seu dono original. E na cintura, pendurado à esquerda, o martelo. Mjolnir, o rompedor de tormentas. Um bloco, quase um monolito do mineral Uru. Mjolnir também parecia vivo, parecia regojizar-se. Pequenos coriscos acendiam-se em seu interior, riscavam seu corpo, alguns corriam pela sua superfície negra e saltavam ao ar, fagulhas percorrendo seus veios como sangue nas artérias. E repetiu: “Belíssima borrasca! Esplendorosa! 
Não falava comigo. Consigo mesmo. Um artista a admirar sua obra, uma vaca lambendo sua cria. Se me é permitido um trocadilho sincretista: um Thor narcisista. 
Inesperadamente, dirigiu-se a mim. 
“Não dava para segurar essa, amigo. Bonita demais para se adiar, não concorda?” 
“É. Quer dizer que me escutou?” 
“Claro que sim, mortal. Eu sempre escuto, fazia tempo que não me pedia ajuda. Deixou de crer em mim?” 
Devo ter vestido uma expressão do mais puro espanto, terror, surpresa, incredulidade, tudo misturado. 
“Não se exaspere, mortal, sei que me pedia sem verdadeiramente acreditar, mas há eras que não estou podendo escolher muito os pedidos dirigidos a mim, por isso atendia até aos descrentes, como os seus”. 
“E não os atende mais?” 
Caralho! Eu tava lá falando com um deus. E onde estavam todos aqueles “vós”, “miladys” e “milordes”? Deuses não falam sempre na segunda do plural? É claro que não, sempre foi óbvio. Os deuses são rebentos do povo, do que o povo quer acreditar e o povo é analfabeto. Segunda do plural... Só mesmo eu para acreditar nisso. 
“ Se eu os atendo, ainda? Por acaso você é cego?” 
Tudo bem, eu tinha merecido a martelada. 
“Sabe o que é, mortal? Depois que pregaram aquele rapaz barbudo, boa-praça, que sempre dava a outra face, numa cruz, comecei a perder meus crentes. Não só eu, outros deuses, também. Fomos reduzidos a lendas, superstições. E sabe como é, né? Sem crentes, sem poderes. Sou bem menos poderoso, hoje.” 
Olhando para aquele rochedo de Gibraltar feito em carne e ossos era difícil imaginá-lo mais poderoso. 
“Quer dizer que não teria sido capaz, ainda que quisesse, de atender-me hoje? Quer dizer que não é mais capaz de controlar as tempestades?” 
“Claro que ainda sou, mortal. Mas isso não me dá mais prazer, fazia para impressionar os mortais com minha força, amedrontá-los com meu poderio. Hoje, prefiro deixá-las livres, dá-me mais júbilo as ver assim, correndo pelo pasto etéreo com suas crinas desgrenhadas.”
“Pois é. Eu também gosto de apreciar uma boa tempestade, mas prefiro fazê-lo de minha casa, na companhia de uma boa bebida.”
“Haaaaa!!!!! Você chegou ao ponto, mortal!!!”, e deu-me um “tapinha” no ombro que deve ter deslocado minha omoplata.
“Deixemos de coisas e cuidemos da vida. Conduza-me a uma de suas tabernas. Beberemos do bom mulso.”, com uma alegria na face da qual só os deuses bêbados são capazes. 
O tal do mulso é uma mistura de água e mel que pode ser fermentada, tornando-se alcoólica. Chamada também de hidromel, era usual entre os nórdicos adoradores de Odin e companhia. 
Tentei explicar que não acharíamos mulso em local algum da cidade e lhe expus as qualidades da cerveja. Um deus esquecido não pode lá exigir muita coisa, ele me disse, resignado. Num gesto quase imperceptível de dedos, pôs a tempestade para ninar. Cessou tudo. Chuva, coriscos, trovões.   
Problema: onde levar Thor? Onde levar um ogro daqueles sem que ele chamasse muita atenção? Onde até um deus passaria despercebido? Resposta fatal e inevitável: o Bar do Laércio. No Laércio, um centauro servindo ao balcão seria normal, o ET de Varginha no banheiro, mijando ao seu lado, não causaria surpresa.
“Resolvido, então, mortal. À estalagem desse bom homem Laércio.” 
O Laércio, um bom homem... Esses deuses creem em cada coisa.
(continua...)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Dias de Chuva São Para Se Ficar em Casa (parte 1)

Quando eu contava com quinze, dezoito, vinte anos, sei lá, ia a pé para tudo que é lado, andava muito. Nada de carro, motocicleta; tampouco era habilitado a dirigir tais engenhocas. 
Também lia muito, muito de lendas, folclores, sobretudo dos grego e nórdico. Livros e adaptações para quadrinhos. Bem mais quadrinhos. 
Confissão: não tenho um cisco da cultura da qual me julga contendor a maioria das pessoas. Noventa por cento do meu conhecimento vêm dos quadrinhos. Ah! E das palavras cruzadas, nível difícil. Mas como as pessoas não lêem nada – nem quadrinhos - e quando preenchem palavras cruzadas é na revista Caras do cabelereiro, médico ou dentista, eu engano bem. 
Locomovia-me a pé, ficava exposto às adversidades do tempo, aos hormônios e humores do clima. Por vezes, eu a meio do meu caminho, com muito chão ainda pela frente – ou já com um tanto às costas que impossibilitava um retorno às pressas -, o céu se armava, grávido de temporal. Nem sei quando fiz isso pela primeira vez, mas nessas urgências costumava mentalizar um pedido a Thor, o deus nórdico do trovão, para que ele segurasse, contivesse a chuva por mais uns tantos minutos. Eu era sempre específico, pedia quinze, vinte, quarenta minutos, ou tantos quantos meus cálculos apurassem ser o suficiente. 
Não era bem eu quem pedia. Quem caminha sabe do que vou dizer. A gente que caminha não tem o que fazer entre o primeiro e o derradeiro passo, a não ser pensar. Apreciar a paisagem urbana? Tá certo! Praças sujas de merda de pombo, um povo que, apesar de não, também parece sujo de merda de pombo, lojas e mais lojas, barracas de ambulantes, todas a vender merda de pombo. 
O escape é pensar. Em minhas andanças, já ergui cordilheiras e fiz naufragar continentes, vivi e desvivi romances, esquiei por catástrofes, fui mártir, verdugo, povoei planetas, espalhei jardins de pteridófitas, fiz minar mares de urina radiativa, beijei cada boca peçonhenta do cabelo da Medusa, reescrevi a biblioteca de Alexandria. 
Dito isso, era um personagem, um alter ego meu, amigo de Thor, quem pedia. E pedia não porque acreditasse, antes pelo contrário : para desafiar a impossibilidade da existência de qualquer deus; muito menos pedia em tom de oração, sim de quem solicitava mesmo um favor a um amigo, como quem tomava um disco emprestado, um filme pornô, uma resposta esquecida (não estudada, mesmo) de uma prova, a república emprestada no fim de semana para economizar no motel. 
Coincidência ou não, costumava funcionar, umas oito em cada dez vezes. 
Beiro os cinqüenta anos, hoje. Continuo indo a pé para tudo que é lado. Nada de carro, motocicleta; tampouco sou habilitado a conduzir tais estrovengas. 
Leio menos, pouco, quase nada. Hoje, bebo. 
O céu já peidava chuva naquele sábado quando pisei o asfalto e a noite me recebeu com seu bafio azedo e sincero, acariciou-me com seu mau-hálito de amante recém-desperta. 
Preferia ter ficado em casa – sempre prefiro -, tenho um estoque de bebidas que me permitiria resistir calmamente a um inverno nuclear. No entanto, o bar, volta e meia, é necessário, é salutar. O bar impõe limites, preserva a saúde mental, no que lhe obriga a ouvir outras vozes que não o eco de sua própria a reverberar pela caixa craniana; impõe-lhe a beber todas menos uma, aquela que lhe derrubaria, você sabe que precisará das pernas para tornar à casa. O bar é a ante-sala da demência, a sala de espera da loucura. Beber sozinho em casa, não. É pior. É ter com a loucura sem hora marcada. 
As ruas estavam lavadas, mas fediam ainda mais pungentes. Uma tromba d´água vespertina havia engasgado os bueiros e eles regurgitaram toda a sujeira humana empurrada suas goelas abaixo. O cheiro da cidade fica pior quando ela toma banho. 
Seis quarteirões descidos retos, quebrei à esquerda e dei com o primeiro monturo de gente a uns trinta metros. Um bar encravado na confluência de cinco esquinas, três das quais entulhadas por suas mesas, cadeiras e vozes a obstruir o passeio público. Se eu fosse prefeito, colocaria, à rua, um esquadrão de fiscais para multar tais ocupações ilegais do espaço público, vetaria o funcionamento de bares em calçadas. Especialmente como é o caso desses bares freqüentados por um razoável poder aquisitivo. Nesses bares todas as mulheres são gostosas ou, no mínimo, bem-tratadas, cheirosas, com os 32 dentes, desejáveis, na pior das hipóteses. A cerveja é sempre gelada e daquela que a atriz famosa faz comercial, as garçonetes freqüentam faculdades, os suores são todos de quem trabalha em escritórios com ar condicionado. São uma afronta, esses bares. Um ultraje aos que passam e não podem por ali ancorar. Seja por falta de dinheiro, beleza ou de suores refrigerados. São vitrines dos prazeres dos bem-sucedidos e bem-nutridos. E toda exibição de prazer é obscena. 
Nessas conjeturas e eu já estava uns dois quarteirões além, prestes a transpor uma das pontes do rio que corta a cidade, margeado por uma de suas avenidas mais caudalosas. A cidade inundou o rio. Se é que ainda lhe concerne tal designação. Um leão com as garras arrancadas, dentes limados e posto a saltar por aros de fogo ao estalar do chicote, ainda é um leão? Um pau por onde o sangue não mais dá cabriolas é ainda um pau? É ainda um homem quem o carrega penduricalho? Se afirmativas as três respostas,então, sim, é um rio o choroso fio d´água a manquitolar pelo leito de cimento em que lhe aprisionaram. Têm uns 30 anos que atravesso quase que diariamente o dito rio. No início, mente e corpo quase imberbes, eu me impressionava da tanta vida a insistir por lá. Musgos e algas em seu tapete, samambaias parasitando seus canos de esgoto, tilápias, cascudos, um sem-número de cágados se aquecendo em suas pedras de meio-dia e até eventuais brancuras em forma de garças. Como a vida poderia resistir a tanto lixo? A maioria se impressiona até hoje, eu, não! A natureza gosta da confusão, da sujeira, prima pela desordem, pelo barro, pela imundície. Não surgiu a vida de um lodo primordial? A assepsia e a ordem são conceitos humanos, nada é puro na natureza, os elementos rodopiam em plena promiscuidade pelo planeta. O açúcar refinado é uma aberração humana.
Pensei em dar uma parada na loja de conveniência de um posto de combustíveis à saída da ponte, ficar por lá uns quarenta minutos, tomar umas duas latas. Porém uma caminhonete estacionada às portas da loja me fez desistir. Veículo fálico, com portas escancaradas, que mugiam a plenos pulmões um falso country num volume que devia dar pena capital e quatro imbecis rodopiando à sua volta, executando movimentos (executar é o termo exato) que julgavam ser dançar. Só não digo que são o pior tipo de imbecis que existe – com seus chapéus, botas, fivelas do tamanho de tampas de privada e calças a rachar-lhes o saco – porque imbecis das mais sortidas modalidades são o que não faltam nessa cidade, há imbecis para todos gostos. Contudo, os do tipo cowboy urbano conseguem congregar tudo o que eu desprezo no ser humano, e olha que muitas são as coisas que eu desprezo nos humanos. 
(continua...)