terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Metrópoles e Pequenas Infidelidades

A noite vai esvaziando. 
Tomo-a em doses puras, sem gelo. 
Inútil. 
A noite não me embebeda mais. 
Transcorre tranqüila, no entanto. 
Não há tristeza daquelas densas, 
Irrespiráveis. 
Apenas móbiles de angústias leves 
A balançar e tilintar 
Pequenos e melancólicos sons de bronze. 
Vai amanhecendo a garrafa de rum 
Projetando um nascer do sol âmbar 
Na um dia branca toalha da mesa 
E em minha, outrora, face bela. 
Dispensável arrebol : 
Não pode devolver o viço a nenhum dos dois. 
Vasculho o armário de remédios 
À cata de um paregórico, uma panacéia, 
Para corrigir a azia, 
O incômodo de uma vida confortável 
Que não me deixa arriscar mais nada: 
Todos com prazos de validade vencidos. 
Você dorme 
E eu sonho. 
Dorme a roncos vistos 
E eu sonho à vozes trancafiadas. 
Absorto, em meu pensamento torto, 
Eu tramo. 
Arquiteto metrópoles silenciosas 
E pequenas infidelidades.
"Você não estava procurando a alma humana? É por isso que você continua mudando pessoas e coisas por aí e ao seu redor, a cada noite, a cada noite, a cada noite, a cada noite..."

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Pena Gêmea

Não acredito nisso de "carne e unha, alma gêmea, bate coração, as metades da laranja..." Acho que nem o Fábio Jr. acredita em alma gêmea. Na verdade, parece que ele, espiritualista que diz ser, crê em almas tirgêmeas, quadrigêmeas etc, haja visto o tanto de vezes que já se casou.
Se não acredito, e realmente não acredito, em alma gêmea, o que dizer, então, de pena gêmea? Aí, é que é mais improvável ainda. À pena, não basta ser gêmea para ser gêmea. Pena gêmea, para ser mesmo gêmea, tem que ser concomitantemente gêmea em seus três aspectos, em suas três possíveis conotações, encarnações. Pena gêmea, para ser mesmo gêmea, tem que ser univitelínica em três fecundações, em três úteros, em três placentas. Pena gêmea, para ser mesmo gêmea, tem que ser gêmea elevada à terceira potência : óctuplas idênticas, portanto. Quer tentar calcular a probabilidade disso?
Primeiro, a pena gêmea, para ser gêmea de fato, tem que ser gêmea quando é pena-caneta, feita em instrumento de registro das ideias, em interface das sinapses com o papel, em Caronte a transportar o pensamento para o mundo dos vivos. Cada pena tem um ritmo, uma velocidade, uma frequência cardíaca, uma impressão digital, seus próprios e intransferíveis caprichos. Duas penas iguais? Não sei o porquê, mas algo me diz que até a sua caligrafia é parecida com a minha.
Segundo, a pena gêmea, para ser gêmea de fato, tem que também ser gêmea quando é pena-penar, sofrer, padecer, pesar tonelada tirana. O motivo do sofrimento é, basicamente, um só : a frustração, caudaloso Amazonas abastecido por seus diversos afluentes, a frustração amorosa, a financeira, a profissional, a social, a sexual, a religiosa  etc. Um único estímulo à dor, a frustração, igual para todos. O que muda é a maneira com que esse mesmo estímulo afeta cada um, o como cada um sente a mesma porrada dada pela vida e, acho que principalmente, como cada um reage à dor, como lida com ela, como a supera, ou não. A dor é uma só, o que muda é como cada um desmembra, disseca, desossa, destila a sua dor. Nós, modestamente, me parece, que somos do tipo dos que chegam a fingir que é dor a dor que realmente sentem.
Terceiro, e por fim, a pena gêmea, para ser gêmea de fato, tem que igualmente ser gêmea quando é pena-pluma, a leveza, a paina, o dente-de-leão, necessária para que não ruamos, não implodamos (só de vez em quando) sob o peso das duas penas anteriores. E aí, cada um também tem a sua maneira de se alar, de tecer seu tapete mágico, de se encasular em sua bolha de sabão. A nossa, corrija-me se tiver coragem, é a ironia, a autoironia, inclusive e principalmente, é o desdém, é o não fazer muito caso do que o mundo pensa de nós, é até não levar muito a sério nem as nossas pena-caneta e penas-penar.
E então? És minha óctupla idêntica?

domingo, 26 de fevereiro de 2017

As Proibidonas do Azarão (3)

É tão grande a ira fascista e burra dos integrantes dos tais movimentos sociais que eles acabam abrindo fogo, inclusive, contra os seus, contra "minorias" cujos interesses dizem representar.
Querem proibir até a alegria do índio do Bananal, que está de olho no apito da mulher branca. Aliás, há uma curiosa história que teria dado inspiração para Haroldo Lobo e Mílton de Oliveira comporem a marchinha, e que, se não for verdadeira, no mínimo, é muito espirituosa.
Segundo o cantor baiano Walter Levita, numa visita a uma comunidade indígena, a esposa do então Presidente Juscelino Kubitschek, Sarah, havia levado muitas bugigangas para agradar os índios.
Na hora em que ela tentava colocar um colar no pescoço do chefe índio (que era bem mais alto do que ela), a primeira-dama soltou um leve “pum”.  Aí o chefe, inocentemente, ou sacanamente, teria dito a famosa frase que passaria a circular no anedotário do carioca : índio não quer colar, índio quer apito!
Querem banir a marchinha Índio Quer Apito. Bons tempos em que o índio só queria apito! Hoje, ele quer também computador, internet, smartphone, camionete 4x4. Só não quer carteira de trabalho assinada.
Índio Quer Apito
(Haroldo Lobo e Mílton de Oliveira)
Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito
Se não der, pau vai comer!
Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito
Se não der, pau vai comer!

Lá no bananal mulher de branco
Levou pra pra índio colar esquisito
Índio viu presente mais bonito
Eu não quer colar! Índio quer apito!

Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito
Se não der, pau vai comer!
Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito
Se não der, pau vai comer!

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Nos Tempos de Pelé (Ou : o Verde é a Cor da Viadagem)

Quem lê o Marreta, sabe : odeio futebol. Ainda assim, dói-me vê-lo em processo de embichamento. Ainda assim, entristece-me ver o outrora truculento e viril esporte bretão ser solapado, enfraquecido e desfigurado pela viadagem reinante que campeia solta, ver um coliseu de gladiadores transformado em uma gaiola das loucas.
Sim, gostando ou não de futebol, admito que ele era uma das últimas fortalezas do macho das antigas, dos varões que faziam jus e méritos a esse nome. Afinal, originalmente, os esportes surgiram como substitutos civilizados das antigas guerras entre tribos e clãs, uma maneira sem baixas de subjugar e humilhar o inimigo. O próprio nome football, em sua origem, não especificava, ou restringia, que bola os pés deveriam chutar, podendo ser, inclusive e preferencialmente, as do saco do adversário.
Um jogo entre Palmeiras e Corinthians, ou entre Atlético e Cruzeiro, ou entre Inter e Grêmio, nada mais são que guerras travadas entre duas tribos do paleolítico, entre dois clãs de highlanders, cada um a defender o seu totem. Ou, pelo menos, eram. Nos tempos de Pelé. 
Nos tempos de Pelé, não havia viadagem dentro de campo, e onde o goleiro pisava, a grama não nascia jamais. Podia até ter viado no vestiário, mas viadagem durante o jogo, não.
Nos tempos de Pelé, o cara mandava um arroz com feijão e toucinho e uma costela com mandioca pro bucho e ia jogar cheio de energia e "sustança", ou uma buchada de bode, um sarapatel com jerimum e entrava em campo e marcava dez gols. Hoje, o jogador tem nutricionista, nutrólogo e dieta balanceada.
Nos tempos de Pelé, o cara tomava bico na canela, joelhada na coxa, arrebentava o menisco, distendia tendão e musculatura; aí, ia pra casa, fazia uma compressa de gelo, passava um unguento - o famoso gelol - e tava pronto pra outra; no máximo, quando o caso era mais grave, ia até uma benzedeira, que lhe fazia uma reza braba com arruda e guiné. Hoje, o jogador tem ortopedista, fisioterapeuta, quiroprático, massoterapeuta e acupunturista.
Nos tempos de Pelé, o cara jogava com chuteira de couro cru - dura pra caralho - com pregos na sola, com uma bola de capotão que, caso chovesse, encharcava e passava a pesar uns quinze quilos, com shorts e camisas, idem. Hoje, a bola, as chuteiras e os uniformes são feitos de polímeros levíssimos, impermeáveis, indeformáveis e antitranspirantes - tecnologia espacial, da Nasa.
Nos tempos de Pelé, se o cara errava o pênalti, se fazia um gol contra, ou perdia aquele debaixo do travessão, se entregava a final do campeonato, era vaiado, xingado, achincalhado, reduzido a pó de merda pela torcida e pela imprensa esportiva; sem mais, o cara baixava a cabeça, botava o rabinho no meio das pernas e ia pra casa, remoer e digerir sua vergonha, ia pro boteco, tomava uns gorós pra afogar as mágoas, levantava, sacudia a poeira, dava a volta por cima e, no jogo seguinte, dava de goleada no adversário. Hoje, o jogador tem psicólogo, para ajudá-lo a lidar com a pressão e a rejeição da torcida.
Nos tempos de Pelé, não havia, inclusive, nem a perobagem de cartão amarelo e cartão vermelho. O juiz repreendia verbalmente o jogador, dava uma bronca no marmanjo, mas ficava por isso mesmo, não virava nada, não tinha expulsão nem suspensão por tantos jogos posteriores. A porradaria e o quem-pode-mais-chora-menos, corriam soltos e eram a regra central do futebol, como deve mesmo ser a uma contenda de machos.
Mas como um juiz tcheco, por exemplo, poderia dar um esporro num jogador espanhol e ser entendido? Com o aumento dos campeonatos internacionais, isso passou a ser considerado um problema. Foi, então, que começou a viadagem no futebol.
Foi, então, que, em 1970, o juiz inglês Ken Aston, buscando solucionar essa torre de Babel que se interpunha entre árbitros e jogadores em disputas internacionais, nas quais um árbitro português tinha que se fazer entender num jogo entre Suécia e Cazaquistão, teve a ideia de criar um meio visual de advertências, que, tornado em padrão internacional, todos passariam a entender, independente de suas línguas maternas.
Inspirado pelas cores dos semáforos de trânsito, Ken Aston propôs à Fifa que a cor amarela fosse mostrada ao jogador como uma primeira advertência em caso de uma falta grave, e, no caso de reincidência durante a mesma partida, a cor vermelha, que o expulsaria de campo. A ideia de usar cartões para isso foi da esposa de Ken Aston, Barbie Aston. A Fifa aprovou e os cartões amarelo e vermelho foram instituídos já na Copa do Mundo daquele ano, 1970.
Aí, começou o embichamento! A partir daí, se o gladiador da bola, se o guerreiro de chuteiras fosse muito eficiente e contundente no combate ao inimigo, ele não seria mais condecorado, não teria mais o melhor lugar à mesa do banquete, não teria mais à sua disposição as mulheres mais gostosas da tribo : ele seria expulso, humilhado, eliminado da batalha. Os jogadores passaram a ficar mais contidos, mais educados, afrescalharam-se.
Agora, quarenta e sete anos depois, ainda não saciada, a viadagem faz mais uma incursão no já afeminado futebol - hoje, tem escolinha de futebol, tem jogador evangélico a dar com pau, o craque já não coça mais o saco nem cospe em campo.
Agora, quarenta e sete anos depois do surgimento dos cartões amarelo e vermelho, a CBF (Confederação Brasileira dos Frescos) anuncia uma novidade para 2017 : nas partidas da Copa Verde, competição disputada por equipes do Norte do Brasil, haverá o cartão verde, além do amarelo e do vermelho.
Muito dizem mal e injustamente da cor rosa, mas é o verde, desde que foi adotado por ecologistas, ambientalistas e outros queima-roscas como a cor de suas bandeiras, que é a verdadeira cor da viadagem. Se o sujeito se declara como verde, ou em defesa do, não há dúvidas, ele entuba. PV é o partido verde, ou da viadagem. E é o verde da viadagem que, agora, na forma de um aparentemente inofensivo cartão, vai acabar de embichar o futebol.
O cartão verde, ao contrário dos amarelo e vermelho, será mostrado ao jogador não quando ele der uma entrada mais dura no adversário, não quando ele se portar como um macho de respeito, mas sim quando ele se comportar feito uma gazela purpurinada, quando o jogador tiver uma atitude em prol do fair play.
Como nem fazia ideia de que viadagem fosse essa de fair play, fui pesquisar e descobri que fair play significa "jogo limpo". Sempre que o Bambi se comportar bem, o juiz lhe mostrará o cartão verde, como forma de reforço positivo à sua boa conduta, de homenagem e reconhecimento ao seu bom comportamento. Feito o médico que, ao fim da consulta, premia com um pirulito o capeta que não lhe mordeu o dedo nem lhe chutou a canela. O cartão verde, inclusive, passará a constar das súmulas dos jogos.
Serão consideradas atitudes de fair play dignas do cartão verde as abaixo :

1 – ter feito a falta em favor dos adversários; 
2 – parar na jogada, pois tocou a mão na bola, sem que o árbitro tenha percebido; 
3 – assumir que a penalidade foi marcada de forma correta contra sua equipe; 
4 – dizer que a falta marcada a favor de sua equipe não ocorreu;
5 – dizer ter sido tiro de canto para o adversário e não tiro de meta;
6 – dizer ter sido arremesso de lateral para o adversário e não para sua equipe; 
7 – que um cartão aplicado a um companheiro foi incorreto e deveria ter aplicado; 
8 – parar um ataque de sua equipe ao perceber que o adversário está caído por uma lesão; 
9 – um integrante da comissão técnica agiu de forma proativa ao evitar reclamações; 
10 – evitou que um companheiro reclamasse da decisão de um dos árbitros da partida; 
11 – árbitro percebeu que o treinador orienta o jogador para jogar na bola e não fazer falta; 
12 – outras ações de “fair play”

Que outras ações de fair play seriam essas, por exemplos? Que outras demonstrações de viadagem?
Sugiro mais três, que me ocorrem assim de pronto. O cartão verde será dado quando : 

- o jogador, ao invés de xingar a mãe do juiz, se colocar à disposição para levar a velha às compras, ao médico, à hidroginástica e acompanhá-la na excursão para Caldas Novas;
- o jogador, depois de fazer falta grave no adversário, der um beijinho na região machucada, olhar bem dentro dos olhos do outro e perguntar : sarou?;
- o jogador, solícito e prestativo, se abaixar para pegar o sabonete que o outro deixou cair durante o banho.

Pãããããta que o pariu!!!!
Só queria saber o que pensam Serginho Chulapa e Edmundo Animal sobre o cartão verde.

As Proibidonas do Azarão (2)

Maria Sapatão, aquela que de dia é Maria e de noite é João, é mais uma das marchinhas carnavalescas na mira fascista, iracunda e hidrofóbica dos bandos de encostados autodenominados movimentos sociais. Composição do genial João Roberto Kelly, o mesmo de a Cabeleira do Zezé, e imortalizada na voz do não menos genial Chacrinha, garoto levado da breca que está com tudo e não está prosa.
Maria Sapatão
(João Roberto Kelly)
Maria Sapatão
Sapatão, Sapatão
De dia é Maria
De noite é João

Maria Sapatão
Sapatão, Sapatão
De dia é Maria
De noite é João

O sapatão está na moda
O mundo aplaudiu
É um barato, é um sucesso
Dentro e fora do Brasil

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Quem é Você?

"Quem é você? 
Adivinha, se gosta de mim..."

As Proibidonas do Azarão

Em mais uma atitude de patifaria explícita e desavergonhada, blocos carnavalescos ligados aos tais movimentos sociais (essas máfias de vagabundos), aos tais grupos de defesa das "minorias" (tadinhos deles, sempre vítimas indefesas), tentam, agora, estender suas ramificações, seus tentáculos sujos sobre uma das últimas reserva de alegria do brasileiro, querem podar do povão, como diz o Chico, o direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval, o carnaval, o carnaval.
Fascistas que se dizem democratas, querem censurar e banir as tradicionais marchinhas carnavalescas, um estilo musical de um dos períodos mais áureos de nossa música, a era do rádio, estilo não só dos mais emblemáticos de nosso cancioneiro como também dos mais profícuos - existem mais marchinhas gravadas que toda a produção somada da bossa nova, tropicália e jovem guarda.
Blocos carnavalescos formados por feministas-fascistas-de-extrema-esquerda-crias-do-PT-de-sovacos-cabeludos-tetas-muxibentas-e-grelos-de-15 cm querem proibir marchinhas que consideram ofensivas às "minorias".
Povo sem talento nenhum, o esquerdista, vagabundo que só, incapaz de produzir qualquer coisa que preste, até porque produzir algo, geralmente, envolve trabalho, e trabalhar é pecado mortal para esses grupos, inventou uma maneira de aparecer, de ficar em evidência : destruir a obra de quem tem teve a capacidade de produzi-la.
Mas, aqui no Marreta, suvacuda rançosa, recalcada e invejosa não tem vez nem voz, aqui não tem proibição de porra nenhuma, aqui, quanto mais politicamente incorreto, melhor, aqui, quanto mais "ofender a sensibilidade" desses canalhas vermelhos, que querem instaurar a ditadura do pensamento (ou, nesse caso, da falta do), melhor.
Pra começar a fugaz seção As Proibidonas do Azarão, ela, a marchinha das marchinhas, A Cabeleira do Zezé, do grande compositor de marchinhas João Roberto Kelly.
Cabeleira do Zezé
(João Roberto Kelly)
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é?
Será que ele é?

Olha a cabeleira do zezé
Será que ele é?
Será que ele é?

Será que ele é bossa nova
Será que ele é maomé
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é

Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!


E os foliões deram uma de co-compositores nessa muito alegre (ui!!!) marchinha. Depois da pergunta que não quer calar, será que ele é, será que ele é, o salão todo grita em uníssono : bicha!!!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Mimetismos (26)

A pareidolia é um evento em que uma coisa aleatória e vaga acaba sendo percebida pelo indivíduo como algo distinto e com significado, ou seja, um fenômeno no qual pessoas reconhecem imagens que lhes são familiares em locais onde elas, simplesmente, não existem. A culpa é do cérebro, que é programado para procurar e reconhecer padrões que ou sejam prazerosos, ou favoreçam a sobrevivência, ou ponham a existência em risco.
São ocorrências de pareidolia, a exemplos, ver o cachorrinho de estimação da infância numa nuvem, ou o perfil da avó que nos fazia bolinhos de chuva; distinguir a face de Cristo, ou a imagem da Virgem Maria, num nó da madeira, na fumaça de um incêndio, numa mancha de mofo na parede; visualizar a silhueta do capeta, um fantasma, um monstro, uma assombração na sombra projetada por uma cortina esvoaçante, por um galho de uma árvore, por um gatinho que salta de um telhado a outro numa noite de lua cheia.
A grosso modo, pelas minhas observações, ora sóbrias, ora ébrias, mas, de qualquer forma, nunca confiáveis, são três as classes mais recorrentes de pareidolia. A que evoca recordações que nos são caras e preciosas, sobretudo as lembranças da infância - o bichinho de estimação, a vovó, os peitões da babá (eu já vi belos pares de peitos em nuvens); a de natureza místico-religiosa - a da cara do Cristo e/ou do manto sagrado da Virgem -, que parece ser a mais frequente e que podemos considerar uma dupla pareidolia, uma ilusão visual que dá ao seu observador a ilusão de que ele é uma espécie de ser abençoado, iluminado, afinal, muitos antes dele passaram por aquela vidraça trincada e não viram o claro rosto do Nazareno, ele se sente como se o próprio Cristo o tivesse escolhido para revelar-se na forma de uma mancha de óleo, de um nuggets mordido, nas pintas de uma banana nanica ou no cu de um cachorro; e, por fim, a que traduz nossos medos inconscientes e nossas paranoias - fantasmas, monstros e assombrações?
Não! Donald Trump!
Depois da eleição de Donald Trump a presidente dos EUA, os casos de pareidolia envolvendo o topete mais poderoso do planeta dispararam. Trump está prestes a desbancar o Cristo e a Virgem Maria, campeões absolutos na modalidade delírio coletivo.
A obsessão e o cagaço pela figura de Trump estão fazendo com que o chefe da Casa Branca esteja sendo visto nas situações mais inusitadas, ao redor de todo o planeta.
Donald Trump já foi visto na cara de um peixe, o blobfish, o peixe-bolha australiano,
Na cara de um outro peixe, o Cowfish, o peixe-vaca do Atlântico,
Nas cerdas venenosas da lagarta peluda peruana,
Na loura cabeleira de um nobre habitante do corn belt americano,
E, a minha preferida, no majestade faisão-dourado da Ásia.
Mimetismo pouco é bobagem!!! Donald Trump é de deixar qualquer camaleão roxo de inveja - roxo, vermelho, verde, amarelo, branco, bege, quadriculado...
Até agora, a única pareidolia que não ocorreu envolvendo Donald Trump foi ele ter sido visto e reconhecido na figura de um Presidente dos EUA.
Pããããããta que o pariu!!!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Para Não Dizer Que Não Falei das Tetas

Tenho grande simpatia pelo considerado antipático e arrogante povo argentino. Digo "considerado" porque não concordo com tal pecha. Considerado antipático e arrogante por quem?, é necessário antes saber, antes de bater tal carimbo.
Pelo brasileiro, é claro. Povinho subaculturado, que tem na inveja e na maledicência suas únicas defesas contra o que lhe é inequivocamente superior, uma vez que estudar e trabalhar duro para se equiparar ao seu objeto de inveja não está nem nunca esteve em seus planos, mais fácil caluniá-lo. Tão fácil quanto ineficiente.
O argentino não é antipático nem arrogante : ele simplesmente não faz questão - aliás, nenhuma - de esconder sua superioridade, ele tão-somente não se faz de falso modesto, não dá uma de humilde, de demagogo, que é do que o brasileiro gosta, que alguém melhor que ele diga que todos são iguais, que pague uma cachaça pra ele e diga que todos são filhos de Deus.
A exemplos irrefutáveis do que falo : a Argentina já foi laureada com 5 prêmios Nobel - dois da Paz, dois de Medicina (simplesmente a técnica do marca-passo) e um de Química. O ônibus, a caneta esferográfica, o sistema de impressão digital são inventos argentinos. A Argentina já ganhou dois Oscars. Segundo o site Portal Aprendiz, há mais livrarias na cidade de Buenos Aires que no Brasil inteiro (note-se que a capital portenha conta com 4 milhões de habitantes; o Brasil, com 200 milhões), há uma enorme indústria de pirataria de livros na Argentina, lá eles pirateiam livros, meus caros, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez etc; no Brasil, pirateia-se sertanejo universitário.
Sempre na contramão do brasileiro, eu, como já disse, simpatizo por demais com o povo argentino. Tanto que até pelas hermanas suvacudas e muxibentas, pelas feministas argentinas, eu guardo as mais favoráveis impressões.
As feministas argentinas não ficam, por exemplo, querendo proibir propaganda de cerveja, ou de lingerie, protagonizada por gostosas, valendo-se daquela velha e batida lenga-lenga de que a publicidade objetifica o corpo da mulher - a publicidade, ora porra, objetifica a tudo e a todos, mulher, homem, criança, cachorro -, ou dizendo que elas, suvacudas e muxibentas, não se reconhecem na gostosa da propaganda, que aquela deliciosa suculenta não as representa - ora porra, é claro que não se reconhecem na biquinuda, tetuda e rabuda da cerveja, é óbvio.
E nem poderiam : feminista, seja ela brasileira, argentina, russa, chinesa, francesa, tibetana ou marciana, é tudo um bando de barangas de dar pena, que jamais seriam chamadas sequer para fazer propaganda da cachaça Pitu; dai a inveja, daí o ranço. Só estando em um estado de total delírio e alucinação é que uma feminista poderia se reconhecer numa modelo de comercial de cerveja.
O anacrônico e patético movimento feminista diz representar todas as mulheres, mas isso não é verdade. A feminista olha apenas para o seu próprio umbigo - isso quando a teta caída não o está tampando; se a ela algo não serve ou não diz respeito, ela diz que aquilo ofende e deprecia todo o mulherio. Duvido que a Juliana Paes, a ex-BOA da cerveja Antarctica não se reconheça na Aline Riscado, a atual Verão da cerveja Itaipava e vice-versa.
Mas as argentinas não estão nem aí para isso, não ficam de mi-mi-mi, não perdem seu tempo com superficialidades. Las hermanas greludas não fazem rodeios nem ficam de prolegômenos, vão direto ao assunto, querem somente o que lhes é básico e inalienável : querem mostrar e bronzear as tetas - las tetitas e los tetones - livremente pelas praias argentinas, sem censura ou repressão.
Querem direito mais nobre, intrínseco e inextirpável que mostrar as tetas?
Os movimentos em prol do topless são a nova moda do verão argentino. Os tetazos, como ficaram conhecidos, começaram nas cidades litorâneas, foram ganhando volume e adeptas por outras regiões do platino país e desembocaram numa grande passeata de tetas em frente ao famoso Obelisco, principal monumento do país, localizado no centro de Buenos Aires.
Pois é, meu amigo, lá na Argentina não tem essas porras de panelaço, de beijaço, de abraçaço e o escambau. Lá tem é tetaço!!! Tetaço, meu amigo! Dá pra não simpatizar com um povo desse, portador de tanta consciência cívica e patriótica?
Os tetazos tiveram início como um protesto contra a polícia do balneário de Necochea, que, no início desse mês, exigiu que três mulheres cobrissem seus corpos porque sua exibição se tratava de uma contravenção e que alguns frequentadores da praia se diziam “assediados” pelo gesto das moças.
Mas, hoje, ninguém mais se lembra, ou quer saber, como se originaram os tetazos; hoje, todas querem é mostrar as tetas. Na praia, no campo, na cidade, na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapé.
Abaixo, algumas imagens do tetazo em Buenos Aires, ocorrido no dia 7 desse mês.
Na primeira, um dos cartazes diz : Tetas, nosotras decidimos. E ainda a sigla MST. Movimento das sem-teta? Ao fundo, o emblemático e fálico Obelisco, em riste e ereto. Por causa do tetazo, ou apesar dele? Eis a questão.
Nas duas seguintes, a barangada em festa, pois, finalmente, tem alguém olhando para as suas tetas.

Claro que não podia faltar a plateia masculina para prestigiar o flácido evento, todo mundo filmando e tirando fotos. Todos usando o pau de selfie, é claro.
E, como não podia deixar de ser, sempre tem alguma bichinha infiltrada e camuflada no meio, tentando abiscoitar uma rola.
 Pãããããããta que o pariu!!!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A Volta do Rum Pródigo

A boca chegou a estranhar
(pega de surpresa, uma água-viva a lhe queimar);
O nariz, a repelir
(desavisado, um flato de fogo-fátuo a lhe causticar);
O fígado, a soar seus clarins
Tocar suas sirenes
Acordar e perfilar em ordem unida o seu exército de mortos-vivos
Para combater o fogo amigo.

Mas o sangue reconheceu
E se aqueceu :
Atravesseirou-se;
O cérebro,
Esse túnel do tempo,
Oitentou-se;
E a alma,
Ah, a alma,
Puta que o pariu, a alma!
A alma
Arreganhou-lhe as pernas.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Estamos Todos Sem Máscaras

Não quero voltar à realidade,
Aos sorrisos sem graças,
Às meias-verdades.
Melhor seria ficar aqui,
Onde a noite não termina,
O sono não nos vence
E os beijos são molhados e densos como a neblina.
Estamos todos sem máscaras
E, apesar disso, gostamos do que vemos
Ainda assim, o espelho não nos assusta.
E de repente
Me descubro
Feito da mesma matéria podre que todos os outros
E, sem remorso, deixo minha podridão extravasar.
Seria eu menos podre
Se a mantivesse trancada aqui dentro?

Só sei que não quero voltar pra casa
Não quero mais o meu quarto
Não quero mais guardar minhas asas
Melhor ficar aqui,
Onde o dia foi feito pra ser jogado fora,
A luz do sol não retalha nossa cara
E os desejos são afiadas lâminas
Que cortam também quem as empunham.
Estamos todos sem máscaras
E, apesar disso, não sentimos vergonha
Ainda assim, estamos abraçados.
E de repente
Me descubro
Feito da mesma matéria suja que todos os outros
E, sem escrúpulos, deixo minha sujeira aflorar.
Seria eu menos sujo
Se a mantivesse fermentando aqui dentro?

Só sei que não quero mais passar as noites
Cochilando em frente à TV na sala
Não quero mais arrumar minhas malas
Não quero mais recolher minhas garras.
Melhor ficar aqui
Explorando terrenos cutâneos desconhecidos
Onde as dores e os rancores são amortecidos
E valem cada gota da bile vomitada.
Estamos todos sem máscaras
E, apesar disso, deixamos as luzes acesas
Ainda assim, não há constrangimento.
E de repente
Me descubro
Feito da mesma matéria imunda que todos os outros
E, sem culpa, deixo minha imundície transbordar.
Seria eu menos imundo
Se a deixasse aqui dentro criando vermes?

Só sei que estamos chegando de volta
Tiremos, então, nossas máscaras do bolso
E as recoloquemos. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Mas Esse Caminho é Tão Comprido...

Essa Linda Canção
(Camisa de Vênus)
Eles lhe fodem se você vai trabalhar
Eles lhe fodem quando querem seu lugar
Eles lhe fodem se você é um campeão
Eles lhe fodem se você é um cuzão

Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido

Eles lhe fodem quando você é uma gostosa
Eles lhe fodem quando você é gulosa
Eles lhe fodem se você fica calado
Eles lhe fodem quando estão do seu lado

Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido

Eles lhe fodem quando você marca touca
Eles lhe fodem se você é bicha e louca
Eles lhe fodem quando você contra ataca
Eles lhe fodem se você é um babaca

Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido

Eles lhe fodem se você é um negão
Eles lhe fodem baby se você é um mulherão
Eles lhe fodem se você é japonês
Eles lhe fodem quando chega o fim do mês...

Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido

Eles lhe fodem se você é dedo-duro
Eles lhe fodem quando você pula o muro
Ah! eles lhe fodem se você é um valentão
Eles lhe fodem quando você tem razão

Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido

Eles lhe fodem quando você vai votar
Eles lhe fodem se você vai acreditar
Eles lhe fodem quando a coisa fica preta
Eles lhe fodem e não é na buceta

Mas esse caminho é tão comprido, oh yeah!
Todo mundo tá fudido
Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido
Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido
Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido
Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido
Mas esse caminho é tão comprido
Todo mundo tá fudido.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Hóstia Batizada

O padre José Antunes, 47 anos, pároco no distrito de Lourinhã, em Portugal, vinha dirigindo tranquilamente pela estrada, na paz de Deus e como o diabo gosta - talvez, suponho, trouxesse até aquele famoso adesivo no vidro traseiro, com os dizeres : eu guio, mas é Deus quem me dirige -, quando foi parado por uma blitz de rotina, o que na Santa Terrinha eles chamam de operação stop, da GNR, a Guarda Nacional Republicana.
Os agentes da GNR disseram que o padre apresentou um comportamento estranho ante a abordagem, ao ser solicitado que abrisse o porta-malas para que fossem verificados os itens de segurança obrigatórios em Portugal, o extintor de incêndio, um triângulo e um colete refletor em condições de uso.
O padre já desceu nervoso do carro, aparentando uma certa confusão mental, um desnorteamento, não falando coisa com coisa, falava enrolado, engrolado, emitindo sons ininteligíveis, talvez estivesse a receber o milagre de Pentecostes, o dom das línguas do Espírito Santo. Mas os agentes da lei, uns hereges sem fé, ao invés de se ajoelharem e darem graças ao céus por presenciarem tal prodígio bíblico, desconfiaram do bom padre.
Disse um deles : "Notava-se claramente que o senhor estava nervoso. Não sabíamos se tinha algum problema de saúde ou não, mas ele estava com dificuldades de falar e demorava alguns segundos a reagir ao que dizíamos, o que causou nossa suspeita."
No eclesiástico porta-malas, dois volumes embalados em plástico transparente chamaram a atenção e foram alvo da inspeção da GNR, e não deu outra : 10 kg de cocaína, 10 kg da branca, da pura, do pó, do brilho, da bendita, do sazon do Maradona.
O padre, preso e grampeado já no local do flagra, do bote perfeito, indignou-se com a ação dos policiais, disse se tratar de uma arapuca, de uma armação contra sua santa pessoa, afirmou que comprara a mercadoria crente que era farinha para a confecção das hóstias. 
"Eu não fazia ideia que aquilo pudesse ser droga, tinham me dito que aquilo era farinha para hóstias. Estou chocado, nunca pensei que pudesse ser vítima de uma emboscada destas e não aceito que me prendam sem haver provas contra a minha pessoa", esbravejou ainda o Pablo Escobar do Senhor.
Pãããããããta que o pariu!!! Batizaram a farinha da hóstia do padre!!!
José Antunes pode até ser um homem de Deus, mas mostrou que também está inteirado das malandragens e trambicagens dos homens.  Esse padre é "liso", é "safo", é "vaselina", como costumava se dizer antigamente, isso lá nos tempos do JB. Tentou se safar a la Bezerra da Silva, como na memorável A Semente : "quando os federais grampearam e levaram o vizinho inocente, na delegacia, ele disse, doutor, não sou agricultor, desconheço a semente..."
Comprou cocaína por farinha, José Antunes, o padre vítima de uma armação do Capiroto. Será que ele não estranhou o preço? Das duas, uma : ou, em Portugal, a branquinha está de graça, ou a farinha de trigo pela hora da extrema-unção.
Ou será que a "farinha" foi uma generosa doação de algum traficante local para as obras de Deus, com intenção sub-reptícia de aliciar clientes entre os cordeiros do Senhor? Afinal, como é dito por aí, a primeira hóstia é sempre de graça.
Ou será que batizar a hóstia com cocaína foi uma tentativa desesperada do padre em fidelizar ainda mais os fiéis de sua igreja, frente ao crescente e inexorável processo de secularização pelo qual passa a Europa? Chega o domingo e o fiel está na maior fissura de assistir a missa, não vê a hora de chegar o momento da comunhão. Decidira, José Antunes, a exemplo de seu Deus, tentar escrever certo por linhas tortas? Atingir um fim louvável via um meio torpe? Deus, acredito, apoiaria o padre. Mas os hereges da GNR, não, enjaularam o padre.
Fico a imaginar se a coisa fosse mesmo adiante, uma hóstia de cocaína para reforçar ainda mais o vício em Deus. Acabado o estoque inicial, como renovar a mercadoria, visto que o padre não poderia cobrar por cada "tirinho" dado aos fiéis? Chamar Cristo para que ele realizasse o milagre da Multiplicação do Pó?
Mesmo assim, o padre não se dá por vencido, exige que instâncias superiores cuidem de seu caso : "Só Deus pode me julgar."
Enquanto Deus não se manifesta a favor de seu cliente, José Antunes continua em prisão preventiva, no aguardo de que mais fatos sejam apurados.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Tédio

Colocamos nossas recordações no front, 
Nossos bons anos a proteger nossos flancos. 
Nossos exércitos de mutilados são nossos cabelos brancos. 
Nossas fotografias do que já não somos 
São a última resistência para a rendição final. 
Matamos o inimigo de tédio. 
Mas a guerra ainda prossegue, 
Esse nosso esforço sem meta. 
Essa nossa guerra estéril. 
Que travamos, por hábito, 
Na tentativa de nos reconciliarmos.

Postamos nossas tristezas de sentinelas de nossa falta de assunto, 
Nossa indiferença como barreira farpada à ânsia de nos esganarmos. 
Nossos batalhões de leprosos são nossas rugas e dentes já podres e vacilantes. 
Matamos o inimigo de velhice. 
Mas o cerco ainda se mantém, 
Numa salvaguarda inútil e risível 
De nossa cidade arruinada, 
Nossos poços d´água cheios de varíola, 
Nossas ruas sem nem escorpiões nem baratas, 
De nosso mundo sem árvores nem livros : 
Totalmente sem sobreviventes.

Gosto da Fernanda Takai

"Pode ser no coração
Pode ser numa canção
Eu só quero é ter você
Por perto"

Travessuras de Menina Má (7)

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Apenas a Terra Sobre meu Esquife Lançada

Cheguei ao final da jornada 
E encontrei nada. 
Nada ao fim dessa estrada 
Nada que justificasse tamanha caminhada. 
De que valeu tudo isso, então? 

Cheguei até a foz desse rio 
E encontrei o vazio. 
Vazio do aço mais vil. 
Vazio como recompensa por anos de esforços a fio. 
De que serviu tudo isso, então? 

Cheguei ao fim desse livro 
Onde como protagonista figuro 
E só encontrei o escuro 
Escuro onde julgava porto iluminado e seguro 
O escuro como vela a me orientar o futuro. 
De que proveito foi tudo isso, então? 

Cheguei ao final dessa vida atribulada 
E consegui nada. 
Nada ao fim dessa escalada. 
Nada. 
Apenas a terra estéril, sobre meu esquife, lançada.

Enfiem as Panelas no Cu (2)!!!

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Enfiem as Panelas no Cu!!!

O texto é de Edilberto Carvalho e a foto do final foi surrupiada do Blog Chumbo Grosso.

"Não estamos felizes pela morte de Marisa Letícia, mulher de Lula. A morte sempre é uma tragédia. Porém não somos hipócritas. Marisa Letícia viveu uma vida de crimes. Foi a fiel comparsa de Lula, o maior bandido da história do Brasil. Usufruiu do melhor que o dinheiro pode comprar, dinheiro roubado que poderia ter salvo milhões de vidas se fosse bem aplicado nos hospitais públicos. Infelizmente Marisa não foi alcançada pela Justiça. Não pagou por seus delitos. Viveu e morreu no luxo, em um dos hospitais mais caros do país e nem gastou para isso.
Todos os custos de Marisa no Sírio Libânes foram custeados pelo povo brasileiro pois o Governo Federal banca todas as despesas de Presidentes, vices, Senadores, Deputados Federais e de seus familiares nesse hospital,mesmo apos o fim dos mandatos. Ou seja, Marisa ja era rica,dinheiro fruto de roubo e morte de milhões de brasileiros, e ainda se internou no melhor hospital do Brasil com o nosso dinheiro. Morreu em cama quente ao lado dos melhores médicos do Brasil.
Enquanto isso trabalhadores honestos morrem no chão gelado dos hospitais públicos sem qualquer tipo de atendimento digno. Não vamos endeusar bandido aqui. A morte não transforma ninguém em santo. Agora que pague o que deve do outro lado, pois se a justiça dos homens e falha, a justiça de Deus e implacável. Uma a menos para roubar o sofrido povo brasileiro."
Cada povo tem, realmente, a primeira-dama que merece! 

Sovina São as Putas Que os Pariram

A minha sovinice é lendária entre meus amigos. Como todas as lendas, minha sovinice tem um fundo, mal-interpretado, de verdade. Que é isso o que as lendas são : explicações simplórias, tacanhas e equivocadas dadas por olhos inábeis em bem observar, por mentes ineptas em inferir e por línguas de exímias maledicências a um fato estranho, ou raro, pouco usual.
Procuro, é verdade, sempre comprar da marca mais barata, seja de que artigo for; mas isso não faz de mim um sovina. O que não sou é um perdulário, um esbanjador, um otário que sai por aí jogando seu dinheiro fora.
Eu compro o produto, não o conceito criado para envolvê-lo e vendê-lo. O produto em si, que é tão-somente a matéria-prima transformada, é barato, o que onera em muito o preço final é o conceito concebido para promovê-lo, a ideia comercial e publicitária que o embala. Há, ainda, um outro valor somado ao produto, o da ideia que faz o comprador sobre a ideia que aqueles que o virem usando e adotando tal ideia, tal conceito, farão dele. Sim, há embutido até o valor da ideia que farão de nós as pessoas que nos virem consumido esse ou aquele produto.
Isso é mais óbvio e ululante nos produtos da chamada "linha ecológica". O boçal paga caríssimo, por exemplo, por uma sacola de compras de mercado de juta crua e rústica urdida por tecelãs do vale do Jequitinhonha só para que aqueles que o virem a desfilar com ela pelo mercado, o olhem com admiração e pensem : lá vai um cara preocupado com o planeta, com o meio ambiente e com as questões sociais.
A sacola é uma merda, não vale um cruzeiro velho, mas traz entranhada em suas toscas fibras o verniz da consciência ambiental e social. E comprar uma consciência, como quem compra um modelo novo de roupa, ou de carro, pronto e fabricado em série, ao invés de, a duras penas e queimares de mufa, erigir e sedimentar a própria, é caro.
Não sou sovina por comprar da marca mais barata, só não sou um idiota iluso de que um determinado produto possa me tornar uma pessoa diferente e melhor. Compro função, não embalagem, slogans, designs ou status. Quisesse comprar status, compraria logo um título de conde, barão, ou duque.
Aliás, comprei Status uma única vez. Quando Status era uma revista de mulher pelada, publicada entre meados da década de 70 e fins da de 80. Comprei a edição antológica da Sandra Bréa; até hoje um dos dinheiros mais bem aplicados da minha vida, um relação custo-benefício insuperável, usufrui-a à exaustão, literalmente.
Como disse, compro produto, compro função. A exemplo, a cerveja, o sacrossanto suco de cevadis, como dizia Mussum. Qual a função da cerveja? Me deixar bêbado. Se a Glacial, a R$ 1,19 a lata de 350 ml, em promoção de fim de semana num mercado perto de casa, me deixa tão bêbado quanto uma cerveja mexicana de nome e rótulo com motivos astecas, à venda no mesmo mercado por R$ 11,99 a long neck de 350 ml, por que comprar a mexicana, se as duas cumprem a mesma função?
Pelo conceito artístico pré-colombiano impresso em seu rótulo? Pelos elementos da cultura asteca a que seu nome faz referência? Montezuma que se foda! Quetzalcóatl que vá a puta que o pariu! Só quero ficar bêbado. E ponto. Se quiser saber da história asteca, vou atrás de um livro.
Todo esse palavrório para, enfim, chegar ao motivo, à inspiração dessa postagem : ele, o fósforo, o palito de fósforo. Um dos produtos mais subaproveitados em seu vasto e pleno potencial funcional. 
O palito de fósforo não é somente um excelente e prático substituto de dois gravetos sendo atritados, ou de duas pedras de sílex sendo batidas uma contra a outra, não é somente um suspiro de Prometeu encapsulado numa cabeça de enxofre, carvão e salitre.
O palito de fósforo pode também tomar o lugar, com máxima eficiência e mínimo custo, de um dos produtos mais ineficazes e caros destinado à higienização de banheiros, os sprays desodorizantes de ambiente, conhecidos genérica e popularmente como Bom Ar. No mesmo mercado já citado, os preços variam de R$ 10,49 a R$ 27,60 por uma lata desses sprays. Todos com odores campestres, bucólicos e pastoris. Flores do Campo, Jasmim, Alfazema... Tudo muito bonitinho, floridinho e caro; porém, não cumprem com sua função, não se prestam a merda nenhuma, literalmente.
O cara caga e depois asperge o Bom Ar. Aquilo não elimina o cheiro da bosta. Só se mistura a ele em estranha sinergia. Não some o cheiro da bosta. Só fica parecendo que alguém cagou atrás de uma touceira de margaridas, ou embaixo de um pé de jasmim, ou ao lado da penteadeira da vovó.
Não existe rival à altura para ele : nada tira mais o cheiro de bosta de um ambiente que um palito de fósforo.
Se nunca experimentou essa função alternativa do palito de fósforo, se nunca tocou esse seu lado B, experimente. Acenda um palito de fósforo depois de soltar um barro, de arriar bonito, de riscar a porcelana. Deixe-o queimar um tanto e o sacuda no ar para apagar a chama e espalhar sua branca fumaça. O cheiro da bosta some instantaneamente, como que por mágica.
E quanto custa uma caixa de palitos de fósforo com 40 unidades? Não chega a cinquenta centavos de real. Um custo de cerca de um centavo por "borrifada" desse tradicional Bom Ar. Função, meus caros. Eu compro função. 
A eficiência do palito de fósforo se deve à liberação de dióxido de enxofre durante a queima, gás que dopa e sobrecarrega nossos sensores nasais e reduzem momentaneamente a capacidade de detectar outros odores. Além disso, a fumaça branca contém enxofre coloidal, que forma uma espécie de cola, de areia movediça no ar com alta capacidade de absorver odores. Não bastasse, a chama ainda dá conta de eliminar certos gases fedorentos e inflamáveis da merda, como o metano.
Função, seus porras, função. Sovina são as putas que os pariram. Eu só me atenho às minhas reais necessidades.
Mas agora é madrugada, passada a hora de ir dormir. Vou colocar a cerveja da última Glacial no meu poderoso canecão e acomodar-me com ele à privada para uma retumbante cagada, garantindo, assim, uma noite de sono tranquilo à minha esposa. Finda a bela obra, riscarei um fósforo, tomado de uma caixinha estrategicamente colocada ao canto da pia e ao alcance da mão, pra não ter que levantar com o cu sujo.
Mas que marca de fósforo você recomenda, ó sábio economista doméstico Azarão?, poderão perguntar alguns. Fiat Lux, Paraná, Guarany, Argos, Queluz? 
Ora, porra! A que estiver mais barata, é claro.
Penso, depois de aposentado, sabe-se lá quando, para complementar minha renda, em lançar uma marca de palitos de fósforos que mire esse nicho mercadológico dos desodorizantes de banheiro. O slogan até já me veio : Não queime seu filme, queime um Fósforo Azarão.
"Ou, compre um Bom Ar, e vá queimar a rosca!" - acatando a sugestão de meu ex-pupilo, Gianndre Roberto, que há muito superou o farsante mestre.