terça-feira, 28 de março de 2017

Assento Preferencial Pra Boiola

O metrô da Cidade do México está a oferecer um novo e inusitado serviço aos seus usuários : um assento dotado - muito bem dotado - de uma rola, um banco com um senhor de um cacete acoplado. É o assento Kid Bengala! E não é só o tarugo, o assento foi também modelado com virilha, barriga tanquinho, tórax sarado e mamilos eriçados. É o assento Paulo Zulu!
A bizarra novidade, entretanto, como poderiam julgar os viadinhos de plantão, não se destina a proporcionar um maior conforto e comodidade aos passageiros, não pretende promover um ambiente mais relaxante e de bem-estar, não é uma tentativa de fidelizar a clientela.
Antes pelo contrário. A intenção do assento dotadão - reservado apenas para homens - é causar estranheza, mal-estar, desconforto e constrangimento à macharada. O assento taradão é parte de uma campanha de combate ao abuso sexual dentro de transportes coletivos, como ônibus, trens e metrôs. A famosa encoxadinha na hora do rush. A ideia é chamar atenção para o assédio e a humilhação por que passam as mulheres vítimas de tal canalhice.
Colado à janela, imediatamente acima do assento roludo, um adesivo com os dizeres : "É desagradável viajar aqui, mas não se compara ao que as mulheres sofrem nas suas viagens cotidianas".
Opiniões colhidas entre os usuários do metrô revelaram que o assento ricardão tem surtido o efeito desejado, a maioria dos homens entrevistados manifestaram indignação, revolta e mesmo repulsa; alguns chegaram a dizer que passariam a denunciar casos de encoxada caso presenciassem algum. E o assento consolador viaja sempre vazio, como se vê na foto.
Mas isso é lá no México. Terra de hombres, de Emiliano Zapata e de Pancho Villa. Terra onde só a guaca é que é mole. Isso, aqui, no Brasil, não iria prestar. Iria dar merda, como de costume.
No Brasil, ele seria o assento mais disputado do vagão, ou do ônibus. Para evitar brigas, tumultos e arranca-rabos pela posse do assento pirocudo, máquinas de pegar senha teriam de ser instaladas logo à passagem da catraca, e o revezamento se daria a cada parada do transporte. Parou numa estação, ou num ponto, o nº 523 desocupa a rola e o nº 524 se acomoda, e assim por diante.
Mas logo o sistema de senhas se mostraria insuficiente e ineficaz para organizar e atender à tamanha demanda pelo assento dotadão. Medidas mais severas, mais draconianas, mostrariam-se necessárias e teriam de ser urgentemente adotadas. Medidas legais. Via decreto-lei do Legislativo, o assento trolhudo ganharia status e categoria de assento preferencial, como os já reservados a idosos, gestantes, deficientes físicos, obesos etc. Um só assento caralhudo por vagão, ou ônibus, como é o caso na Cidade do México, não bastaria; no mínimo, metade deles ganharia uma rola. Ninguém mais, sobretudo nas grandes cidades, se queixaria de passar duas, três, quatro horas do seu dia dentro de um transporte público coletivo.
E já deixo a sugestão para a placa indicativa do assento preferencial pra boiolas :
Pããããããta que o pariu!!!! Se eu já não gostava muito de sentar em ônibus, agora é que vou viajar em pé pelo o resto da vida! E com a minha mão bem espalmada a salvaguardar o toba!

em tempo : aliás, tantos e cada vez mais são os tais grupos preferenciais que, dentro em breve, eu viajar em pé não será uma questão de opção; no Brasil, todo mundo é preferencial, todo mundo é VIP. Pããããata que o pariu!!!

em tempo (2) : aliás, esse assunto me lembrou de uma piada. A mulher estava em pé dentro de um ônibus lotado, seis horas da tarde, todo mundo saindo do trabalho. Um homem veio caminhando pelo corredor do ônibus, parou exatamente atrás dela e ali se deixou ficar, próximo a ela. Ela quase podia sentir o bafo quente na nuca. Ela esperou um pouco e o cara continuou lá. Mais um pouco e o cara lá. Mais um pouco e o cara lá. Ela perdeu a paciência, virou-se pro sujeito e perguntou : "o que é que o senhor pensa que está fazendo aí?" Assustado e envergonhado, o cara respondeu : "nada, minha senhora, garanto que não estou fazendo nada." "Então sai daí e dá logo o lugar pra outro!!!", disse enfurecida. Pããããããta que o pariu!!!!

sábado, 25 de março de 2017

Guerra Fria

Elaborar e confeccionar drinks é coisa de viado! 
Aquelas frescuras de bebidas coloridinhas e açucaradas, meia dose disso, um quarto de dose daquilo, raspinhas de limão siciliano, ou, pior, de lima da pérsia, duas ou três gotinhas de licor de anis, cassis, cacau, menta e papaya (com y mesmo, que é pra ficar mais bicha ainda), enfeitadas com canudinhos sanfonados, com guarda-chuvinhas de papel crepom, ou, pior, com flor de hibisco, e, claro, servidas sempre sobre um guardanapo dobrado em origami, que é pra bichona limpar os cantos da boca de chupar rola. Uma simples e aparentemente inofensiva rodela de limão na borda do copo já é excesso de viadagem. Que a única rodela de que macho de respeito gosta é a rodela do cu!
Elaborar e confeccionar drinks é coisa de viado!
Não obstante, criei um. Mas é bebida de macho das antigas, tipo rabo de galo, de macho-jurubeba, de macho que faz a barba à navalha e cauteriza os cortes com aqua velva, que corta as unhas do pé com o mesmo canivete com que pica o fumo de rolo e descasca laranja.
Isso foi lá em 2000, 2001 - virada do século, alvorada voraz -, quando de meu exílio (quase) voluntário de três anos na pequena e pacata cidade de Mococa. Tempos estranhos, aqueles. Foi o pior dos tempos e foi o melhor dos tempos. Tempos, ao mesmo tempo, de solidão e de mesa sempre posta de  bucetas.
Minha criação se mostrou à minha imagem e semelhança : simples, bronca, rude, áspera, grossa e mal-educada, e que desce redondo pela garganta, feito um ouriço-do-mar.
É o Guerra Fria. Que consiste tão-somente em misturar doses iguais de vodka e de coca-cola e completar o resto do copo com muito gelo - siberiano, de preferência. O Guerra Fria reúne e congraça o melhor de dois mundos, a quintessência dos dois gigantes que dominaram o mundo polarizado pós-Segunda Guerra, a vodka das estepes russas e a coca-cola, que, ao lado da bandeira e da águia-careca, talvez até suplantando as duas em popularidade, é um dos símbolos americanos por excelência.
O Guerra Fria é Mikhail  Gorbachev e Ronald Reagan enchendo a cara num boteco pé-sujo e beliscando amendoim e tremoço.
Não pode, porém, o Guerra Fria, ser feito com qualquer vodka. Esse é o único detalhe a se atentar. Sei que detalhe é coisa de viado, mas esse detalhe, paradoxalmente, é justamente no sentido de evitar a viadagem : nada de vodkas como Smirnoff, ou Orloff, que é tudo nome de russos barbudões que, quando se encontram, beijam-se calorosamente na boca, lascam uma beiçada um no outro, a manter vivo esse estranho costume russo.
Tem que ser vodka Natasha! Tridestilada, fabricada pela Bacardi, a mesma do rum.
Natasha : nome de russa loira e peitudíssima, vaca leiteira criada nos dourados trigais soviéticos, Natasha Romanoff, a Viúva Negra, Scarlett Johansson.
Hoje, cada vez mais saudosista, resolvi entrar no túnel do tempo, retroceder na história - na minha história -, voltar aos meus tempo de Guerra Fria.
A Natasha está no congelador desde manhã, tomando corpo e consistência, noiva a se preparar para as tão ansiadas núpcias; a coca-cola - garrafa de vidro, é claro - também está no ponto.
Daqui a pouco, eu começo. Daqui a pouco, aciono o botão da bomba H.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Bela Adormecida

Por que não te acordei?
Muito se diz e se alerta
Dos riscos de acordar um sonâmbulo.
Que dirá, então, dos riscos
De acordar um poeta?
O sonâmbulo por natureza,
Sempiterno?

Por que não te acordei?
Não parecia ser o que querias,
Gozavas em sonho.

Porque não te acordei?
Porque o príncipe é sempre um estraga-prazeres,
Um empata-foda.

Por que não te acordei?
Porque estavas tão bela.
Assim,
Adormecida.

sábado, 18 de março de 2017

Deus Me Livre Desse CD

Sai com esse gospel pra lá!
Esse deve estar em primeiro lugar na playlist do Marco Feliciano!

Conquistador Barato

Não é sempre. Nem de costume nem corriqueiro. Mas, às vezes, só às vezes, pããããããta que o pariu, às vezes (como agora, início de madrugada, sangue cheio de rum), eu sinto uma puta duma saudade dos meus tempos de conquistador barato.
Conquistador Barato
(Léo Jaime)
Eu mando os mesmos versos para um bando de garotas
Eu mesmo faço as manchas de baton na minha roupa
Eu sei que um dia desses eu ainda vou em gana
Porque eu mando mais torpedos que a marinha americana

Mas quando eu vejo um broto e digo "agora é pra valer"
Eu ouço os meus dentes batendo e os meus joelhos a tremer
Eu faço mil bobagens, eu não sei o que dizer
Mas mando a minha brasa e vou fingindo não saber

Que eu queimo o meu filme, eu enfio o pé na lama
Eu sujo o meu nome e ainda pioro a minha fama
De conquistador barato
Bam-bam-bum-bam-bum, bambolê

Eu sempre bato o carro olhando os brotos na calçada
E não decoro nomes - isso então é uma piada
Na praia ou nas festinhas eu só me meto em confusão
Porque eu paquero a garota e nem reparo o garotão

Mas quando encontro um broto e digo "agora é de verdade"
Eu fico como se tivesse apenas dois anos de idade
Eu falo mil bobagens, eu não sei o que dizer
Eu tiro o meu time pois eu sei que vou perder

Eu queimo o meu filme, eu enfio o pé na lama
Eu sujo o meu nome e ainda pioro a minha fama
De conquistador barato
bam-bam-bum-bam-bum,bambolê,bam-bam-num-bam-bum,bambolê
Rodando mais que um bambolê

sexta-feira, 17 de março de 2017

Sorri

Há aqueles
Que levam pela vida
A pesada bola de ferro de uma diabetes agrilhoada em seus calcanhares.
Cortam-lhes o açúcar,
O doce da vida,
E eles não morrem.
Acomete-lhes a cegueira
E eles não morrem.
Assalta-lhes o caos vascular
E eles não morrem.
Amputam-lhes os membros
E eles não morrem.
E ainda sorriem.

Há aqueles
Que penam pela vida
A rotina tirana de uma hemodiálise.
Cortam-lhes o sal, 
O tempero da vida,
E eles não morrem.
Limitam-lhes até a água,
Condenam-lhes a um exílio em deserto fisiológico,
E eles não morrem.
Implantam-lhes cateteres nos braços e no pescoço
E eles não morrem.
Acinzentam-lhes a pele e as faces,
Suam urina,
E eles não morrem.
Amputam-lhes os membros
E eles não morrem.
E ainda sorriem.

Há aqueles
Que arrastam pela vida
O fardo intransportável de um câncer.
Bombardeiam-lhes com radiação de cobalto-60
E eles não morrem.
Administram-lhes venenos incandescentes nas veias
- Napalm-terapia -
E eles não morrem.
Tosam-lhes os cabelos
E eles não morrem.
Sabotam-lhes o sistema imunológico
E eles não morrem.
Amputam-lhes os membros
E eles não morrem.
E ainda sorriem.

Há aqueles
Que puxam pela vida
A inútil carroça de rodas quadradas do magistério.
Desprezam-lhes o conhecimento e a formação
E eles não morrem.
Desacatam-lhes em sua função e em seu ganha-pão
E eles não morrem.
Ridicularizam-lhes os valores morais
E eles não morrem.
Pagam-lhes salários de fome
E eles não morrem.
Submetem-lhes a ambientes insalubres,
A pelourinhos irrespiráveis,
E eles não morrem.
Não lhes amputam os membros, é verdade
Mas o orgulho profissional e a dignidade
E eles não morrem.
Dentre esses, porém,
Nenhum é pego
Ou se pega
- Ainda que raramente
Ainda que por descuido 
Ainda que por distração -
A sorrir.

terça-feira, 14 de março de 2017

Outras Estações

A escolha é sempre fácil.
O difícil é decidir
Se a faremos
Ante a realidade,
Ou ante as possibilidades.

Aí, é que os entroncamentos
Se encruam e se desentendem;
Aí, é que os ramais ferroviários
Se entrevam;
Aí, é que os trens
- o bala-japonês e o fantasma -
Colidem.

domingo, 12 de março de 2017

É a Podridão, Meu Velho (15)

Todos os meus inimigos me venceram.
Nenhum, porém,
Em confronto direto;
Nenhum, porém, 
Como um macho das antigas,
Como um macho de respeito.
À minha sinceridade peçonhenta,
Revidaram com indiferença, pouco caso e sonsice;
Aos meus rosnados hidrofóbicos, com sorrisos fingidos e amarelos, de meia boca, ortodônticos;
Às minhas bravatas, provocações e cusparadas, com condescendência, hipocrisia e tapinhas nas costas.

Todos os meus inimigos me venceram.
Nenhum, porém,
Em um duelo de espadas à sombra de um carvalho medieval,
Ou em um de pistolas fumegantes ao pôr-do-sol em uma cidade-fantasma do velho oeste,
Ou em um de baionetas caladas na calada da noite em uma trincheira alemã;
Nenhum, porém,
Em um ringue de boxe num porão de paredes gotejantes,
Sem luvas, sem protetor bucal,
Sem interrupções de round,
Sem redenção pelo gongo.

Pelo cansaço!
Todos meus inimigos me venceram pelo cansaço.

Em suma, o que sou,
Em re-sumo, o sumo que sobrou :
Um velho cansado,
Cansado de ser vencido pelo cansaço.

(sorte, a dos super-heróis, de poderem quebrar os ossos de seus inimigos e transformar suas caras em massas sangrentas, ou de serem desossados e abandonados, pacotes disformes de carne, no chão fedendo a urina de um beco escuro)

Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa... (41)

Johnny Hooker é pra ser tocado até o disco furar nas vitrolas dos bordéis, dos lupanares, dos cabarés, das casas das luzes vermelhas e dos zonões do baixo meretrício. Johnny Hooker é o tecno-Odair José.
Johnny Hooker é o requinte do brega. É o brega-rococó.
Johnny Hooker é um escândalo, é a versão feminina da Ângela Rô Rô. Johnny Hooker é o exagerado que o Cazuza blefava ser.
Johnny Hooker diz que Bowie, Madona e Caetano são a Santíssima Trindade que lhe inspira e à qual ele ergue suas preces, relicários e catedrais. Audácia da Pilombeta, como diria Didi Mocó. Não é nada disso. É muito mais que isso. Modéstia do rapaz. Johnny Hooker é Reginaldo Rossi misturado com Ney Matogrosso, é Lupicínio Rodrigues com Elke Maravilha, é Nélson Gonçalves e Adelino Moreira com Dzi Croquettes, é Bibi Ferreira com Rita Cadilac.
Johnny Hooker é burlesco, é belvedere, é Moulin Rouge, é teatro de revista, é Cassino do Chacrinha. Johnny Hooker é viadagem pura, explícita e genial. Da melhor qualidade, ISO 9000.
Johnny Hooker é fossa rasgada, desbragada, estuporada. Johnny Hooker não é fossa que se recolhe com o rabinho entre as pernas, que gani baixo, que se encaramuja e submerge em saco amniótico das próprias lágrimas. Johnny Hooker é fossa arreganhada, que berra e dilacera a garganta, que esfola o cotovelo até os ossos no balcão sujo do bar, que raspa o nome do amado tatuado no peito com estilete enferrujado, que, Godiva e nua, galopa a cidade a te procurar.
Johnny Hooker, sem pudor nem medo de ser infeliz, se descabela e berra : "Volta, que o caminho dessa dor me atravessa, volta, que eu perdoo teus caminhos, teus vícios..."  Se isso não é a boneca de trapo, o farrapo de gente, a vadia que há muito não sabe o que é luz solar do Nélson Gonçalves - "boneca vadia de manha e artifícios, eu quero para mim seu amor, só porque aceito seus erros, pecados e vícios, pois, na minha vida, meu vício é você..." -, pãããããta que o pariu que eu não sei o que mais pode ser.
Se isso não é a Volta do Lupicínio - "Volta!Vem viver outra vez ao meu lado!Não consigo dormir sem teu braço, pois meu corpo está acostumado..." - , pãããããããta que o pariu que eu não sei mais o que pode ser.
Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...
Volta
(Johnny Hooker)
Volta
Que o caminho dessa dor me atravessa
Que a vida não mais me interessa
Se você vai viver com um outro rapaz

Volta
Que eu perdoo teus caminhos, teus vícios
Que eu volto até o início
Te carregando mais uma vez de volta do bar

Volta
Que sem você eu já não posso viver
É impossível ter de escolher
Entre teu cheiro e nada mais

Volta
Me diz que o nosso amor não é uma mentira
E que você ainda precisa
Mais uma vez se desculpar

Então procurei
Nos bares da Aurora me lamentei
E confesso que talvez joguei
Tuas fotos e discos no mar

Então procurei
Pelo teu cheiro nas ruas que andei
Nos corpos dos homens que amei
Tentando em vão te encontrar

Então procurei
Nos bares da Aurora me lamentei
E confesso que talvez joguei
Tuas fotos e discos no mar

Então procurei
Pelo teu cheiro nas ruas que andei
Nos corpos dos homens que amei
Tentando em vão te encontrar

Volta!
Que o caminho dessa dor me atravessa
Que a vida não mais me interessa
Se você vai viver com um outro rapaz

Volta!
Que eu perdoo teus caminhos, teus vícios
Que eu volto até o início
Te carregando mais uma vez de volta do bar

Volta

quarta-feira, 8 de março de 2017

ºG.L.

O tempo, se a tudo: 
Dissolve, 
Enfraquece, 
Dilui, 
Cura... 
No meu caso se faz contrário : 
Minha insônia não resolve, 
Meu vácuo não aquece, 
Ao meu desânimo contribui, 
Desmorona mais e mais minha estrutura... 

O álcool, se a tudo : 
Anestesia, 
Abranda, 
Metamorfoseia, 
Alegra... 
No meu caso se faz avesso : 
Não extrai a dor do meu dia, 
Não põe samambaias em minha varanda 
Nem pulsação revigorada em minhas veias. 
Até a distorção do tempo me nega. 

Passa-se o tempo e nada... 
Esvaziam-se as garrafas, e nada... 
Passam as ressacas, e nada ... 
Esvaziam-se as ampulhetas, e nada... 
Bebo o tempo 
Transbordo meu copo com a espuma de décimos de segundos, 
Encho a cara de minutos destilados 
E acompanho a contagem regressiva para a minha morte 
Em meu relógio graduado em ºG.L.

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER, RESOLVI COMPRAR UMA VAGINA NO SEX SHOP...

Como o que tem me faltado em inspiração tem me sobrado em preguiça, nesse ano não vai ter texto do Azarão em homenagem ao Dia Internacional das Bucetudas. Não pensem, porém, que deixarei meu fiel público feminino na mão. Brindarei-o com um texto de um verdadeiro cavalheiro, um gentleman, um lorde inglês, um cabra que entende a alma feminina como poucos, que decifra os anseios das mulheres melhor até que o Chico Buarque : Altamir Pinheiro, o Guerrilheiro de Garanhuns.
Altamir ataca em várias frentes. Escreve sobre política, sobre filmes de faroeste, sobre poderosas garrafadas. O texto a seguir é de sua vasta obra de vertente erótica-fuleiragem : 

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER RESOLVI COMPRAR UMA VAGINA NO SEX SHOP...
Meu nome é BERNARDÃO CAXIADO, pois além de ser possuidor de uma pica de jumento eu sou daqueles que tenho por obrigação foder o dia todo, além de bater de 3 a 4 punhetas todos os santos dias... Eu trato minha esposa, carinhosamente, por NARIZINHO. Ela é uma ativista política que se diz pertencer a um partido político por nome de Partido dos Trambiqueiros, mas eu não tô nem aí para o que ela pensa ou a bandeira que defende. O que me interessa nela é simplesmente, único e exclusivamente o seu priquito!!! No ano passado, prestes a chegar o DIA INTERNACIONAL DA MULHER, eu e NARIZINHO, minha esposa, estávamos de mal. Brigamos que sou cachorro e ela, por vingança, resolveu me pregar uma peça. Justamente no dia internacional da mulher ela ia fechar a sua tabaca e avisou através de um discurso raivoso: FUDER, DE JEITO NENHUM!!! Pois cismou de fazer greve de sexo e encerrar a phudelância por um bom espaço de tempo... Mas, imagina mesmo, BERNARDÃO, o fogosão, sem pelo menos uma fodinha de leve?!?!?! Tô fudido!!! Daí, então decidi a não entrar na onda dela e procurei me vingar de sua atitude fuderosa. Eu já conhecia o Sex Shop de Ana Rasgão, já era cliente de um tempo atrás, decidi comprar uma prótese feminina, uma vagina virgem dentada, daquelas que fica mordendo o cacete e fazendo cosquinhas... Nesse tal dia que NARIZINHO estava com a buceta lacrada, ela estava chegando em casa vindo de uma passeata de rua com suas colegas que também fecharam o tabaco pros seus homens, ela entrou foi ao banheiro tomar banho e eu fui para o quarto, botei a minha pica ajegaiada pra fora e comecei a traçar aquela vagina gostosinha e quentinha que eu havia comprado lá no Sex Shop de Ana Rasgão. Pense numa buceta inflável gostosa!!! Nossa, que delícia!!! Era empurrando a pica e, logo, logo, no sacolejar da coisa, ia logo gozando... Sem que eu percebesse minha esposa NARIZINHO entrou no quarto e me viu empurrando até os cunhão na vagina de plástico. Estupefata com aquela cena, indagou: BERNARDÃO, o que porra é isso que você está fazendo!!! Pois não é que NARIZINHO ficou muito brava e começou a chorar dizendo que eu não precisava mais dela, eu apenas falei que foi por causa das Greves dela, mas NARIZINHO estava inconsolável... Pois não é que a BUCETA DE PLÁSTICO resolveu este tremendo dilema: nunca mais na vida quis fazer greve de sexo!!! É verdade que ela ficou chateada por um tempo, mas nunca mais fez Greve de Sexo, agora é todo dia toda hora e a todo momento fudemos bem gostoso e não tem lugar para a phudelância: em todo canto a gente fode!!! É em cima da caixa-d’água, na cozinha, no berço das crianças, no banheiro e até na casinha do cachorro a foda come no centro... "

terça-feira, 7 de março de 2017

Um Dia...

Uma das mais pungentes canções do Chico.

Basta um Dia
(Chico Buarque de Hollanda)
Pra mim
Basta um dia
Não mais que um dia
Um meio dia.
Me dá
Só um dia
E eu faço desatar
A minha fantasia
Só um
Belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
Se tritura, se atura e se cura
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia

Só um
Santo dia
Pois se beija, se maltrata
Se come e se mata
Se arremata, se acata e se trata
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia, viu
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia

segunda-feira, 6 de março de 2017

Haicai em Dois Atos

Madrugada sem sono
Horas caídas
Ponteiros em outono

Manhã de segunda
Hiberno
Só quero que você me aqueça  nesse inferno.

sábado, 4 de março de 2017

Pequeno Conto Noturno (67)

Madrugada quente, seca e abafada de início de ano. Nem uma brisa. Nem um vento - ainda que também quente, como que saído de um secador de cabelos, como que enviado do inferno - sopra pelo apartamento de Rubens. Nenhuma nuvem. Nenhuma água de março candidata a fechar o verão. Umidade no ar, só a das transpirações de Rubens e de Yrina.
Rubens está só de cuecas, samba-canção, velha, desbotada, puída no saco e frouxa, sentado, escarrapachado no lado direito do sofá. Yrina, deitada com a cabeça no braço esquerdo do sofá, pés no colo de Rubens, só de calcinha, de algodão, com bolinhas amarelas.
Embora três ou quatro anos separem o último encontro desse, embora não tenham dado ainda a trepada reinaugural, embora os peitos fartos, túrgidos, irretocáveis de Yrina estejam à mostra, cobertos apenas por fina e luzidia camada de suor, não há faísca de erotismo no ar.
Rubens tira dois latões de cerveja de uma bolsa térmica ao seu lado, no chão, abre-as e passa uma para Yrina.
- Quase todas as noites, Rubens, saio por aí... acordo e vou dormir com os gatos, mas sempre acabo aqui, com você.
- Então, devo ter alguns sósias espalhados pela cidade. Pelas minhas contas, já se vão lá uns quatro anos.
- Sempre acabo aqui em pensamento, em intenção.
Os dois dão vigorosos e afoitos goles na cerveja.
- Acho que sempre saio - continua Yrina - com a esperança infundada - que você diria ser o único tipo de - de que o acaso me faça esbarrar com você por aí.
(na vitrola, Caetano Veloso, conta pra mim, diz como eu te encontro, mas deixa o destino, deixe ao acaso, quem sabe eu te encontro de noite no Baixo, brilho da lua oh oh oh, noite é bem tarde, penso em você, fico com saudade).
- Não saio mais por aí. Só por aqui.
- Eu sei - em tom triste, Yrina -, nesse tempo todo passei algumas vezes de carro por aqui, em frente do seu apartamento. No começo, as luzes estavam sempre apagadas, você fora, na rua, estava por aí, à procura de outras, deduzia eu. O que me causava um certo desconforto, mas, por outro lado, me dava certa esperança, pois entre essas outras, um dia, poderia estar eu. Depois, não muito tempo depois, eu passava e as luzes estavam sempre acesas, podia até adivinhar o seu vulto na sacada, bebendo, nunca pondo a cara pra fora, desinteressado de tudo o que havia e do que se passava na rua. Você, deduzia eu, não mais saía à cata de outras, estava enfastiado de todas. O que me dava um certo conforto, mas, por outro lado, me minava as esperanças, pois entre essas todas, poderia estar eu. Não sei o que mais me dói, Rubens. Você, caçador insaciável, ou, você, velho sentado no banco da praça, jogando damas, dando milho aos pombos.
(na vitrola, Zizi Possi, Oh meu amigo, meu herói, oh como dói saber que a ti também corrói, a dor da solidão...)
Rubens abre mais dois latões. Os últimos.
- Eu chego em casa, Rubens, de volta da rua, e está tudo lá, quando volto, me encontro em meio a papéis amarelados e garrafas de vinho derramadas. Não sei o que fazer com tantas lembranças. Penso em queimá-las, numa grande fogueira de bruxa. Mas, o mas... Sou apegada à elas. E, de qualquer maneira, terei que limpar as cinzas. O certo é que ficarão comigo. E, vez ou outra, as olharei de longe.
Rubens dá uma grande talagada, drena quase a lata toda.
- O que prefere, Yrina, o que te parece melhor? Fotos e poemas amarelados de saudade e de melancolia, ou folhas em branco, nunca dilaceradas pela pena, robóticas, clones gerados e mantidos em sarcófagos criogênicos de animação suspensa? Chorar sobre o vinho derramado, ou passar a vida toda como guardiã de uma adega nunca aberta? Lembranças de sangrar o cérebro e de assombrar a alma, ou uma lobotomia? Incômodos e, às vezes, nas piores noites, barulhentos esqueletos pendurados em seu guarda-roupas, ou urnas mortuárias com motivos orientais a ornar sua estante ou lareira?
- Prefiro fotos que não amarelem e poemas que não se tornem mentiras com tempo; garrafas de vinho que sejam abertas sempre à beira de um lago que guarde uma Atlântida submersa, em germinação; lembranças que confortem, ou, melhor, que nunca se tornem lembranças, que se perpetuem em realidade; e corpos e amores que não descarnem.
- Temo que tais opções, há algum tempo, não estejam disponíveis no cardápio.
- E por que não, Rubens? Não temos o livre-arbítrio? Não podemos decidir em função de nossas próprias vontades?
- Livre-arbítrio, para quem acredita nisso, Yrina, é só o poder de decidir entre as opções que são postas à nossa frente. Não o poder de decidir sobre quais serão essas opções. Livre-arbítrio não é o poder de estabelecer os pratos do cardápio, só de escolher, entre os determinados pelo Chef, o que mais se adequa ao seu gosto, ao seu bolso, aquele pelo qual você decide que vale a pena pagar pra ver, aquele pelo qual você se arriscaria, inclusive, a ter uma indigestão, uma infecção intestinal.
- Livre-arbítrio, então, Rubens, é escolher entre o ruim e o tragável, entre o impossível e o pouco provável, entre o impensável e o moralmente duvidoso, entre o coma e a morte?
- Aí é que está a grande sacanagem, a grande pegadinha de Deus, Yrina. E como ele deve se divertir nos observando em suas câmeras escondidas.
- E se eu rejeitar todas as opções oferecidas? Se declarar solenemente que nenhuma me serve?
- Nenhuma das alternativas anteriores? N.D.A, a alternativa "e", feito nos antigos exames de vestibular? Não tem alternativa "e" na vida, minha linda, não tem n.d.a. Também não tem resposta certa. Todas são ambíguas. Não tem também como pedir anulação da questão.
- E se eu rejeitar o livre-arbítrio? Não quero mais essa merda.
- Acha mesmo que tem o livre-arbítrio para abrir mão do livre-arbítrio?
- Me declaro, então e desde agora, uma ateia - bravateia Yrina, e seca o último gole do latão.
- Yrina, olha pra mim, olha bem pra mim... acha que ser ateu resolveu alguma coisa pra mim?
......................................................................................................
- Tem mais cerveja, Rubens?
- Essa era a última.
- E quais opções temos agora?
- Rum, uma garrafa cheia embaixo da pia da cozinha.
- Só rum? Isso é uma única opção.
- Como na maioria das vezes.
- Sem gelo e com gelo, pelo menos?
- No copo ou no gargalo.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Tetraplegia

E por falar em saudade,
Onde anda você?
(a eterna canção que não quer calar).

Por aqui.
Perdi o mapa do por aí.
Só por aqui.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Superboy

Sua casa lhe foi arrancada do peito,
Seu coração, desenraizado do útero de quartzo de seu planeta,
Seu espantalho sem miolos, destronado dos campos de milho natimortos que não interessavam nem mais aos corvos e às gralhas,
Seu leão sem coragem, aprovado em concurso público, ganhou terno, gravata, escritório e plano de carreira, virou atração de circo,
Seu Homem de Lata, à eterna espera por um transplante de coração, levado à usina de reciclagem pelo catador de lixo, misturado às latinhas de cerveja barata.

É só você contra o furacão.
Só você,
Zelador dos ossos de seu clã,
Claviculário de todas as residências-fantasma sem cães.
É só você contra o tornado.
Só você,
Sua capa vermelha
E sua tristeza de kryptonita.