sábado, 28 de novembro de 2009

Pequeno Conto Noturno (6)

O que você tem?

Nada.

Nada? Tá estranho...

Então é tristeza. Essa resposta te satisfaz mais?

E por quê?

Por nada.

Tem que haver um motivo.

Já ouviu dizer de pessoas que implodem em combustão espontânea?

Já.

Pois então.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Com Que Rosto Que Eu Vou ?

Dois procedimentos legais, quero ainda tomar.
Um é providenciar meu desbatizado, outro - nem sei se é possível ou previsto em lei - é lavrar um documento em cartório impedindo que meus familiares realizem meu velório. Não quero ser velado. Uma vez dado como morto, quero também que me eviscerem, aproveitem para doação ou ração de cachorro os órgãos que ainda se prestarem a uma coisa ou outra, pois eviscerado não haverá chance de um erro médico me fazer acordar sepulto.
Não quero velório. Não quero ficar exposto ao público. Não sem ter controle.
Eu-defunto seria o ponto de convergência do evento meu velório, mas não controlaria nada, seria o centro das atenções e não seria nada.
Seria só meu rosto e meu rosto, per si, não é nada. Meu rosto é somente a base para todas as máscaras que desenhei, para cada tipo de situação, cada tipo de pessoa, me apresento com uma máscara.
Tenho máscaras temíveis e horrendas... bem como máscaras belíssimas e suaves.
Eu, morto, só ostentarei meu rosto, tela em branco onde cada passante de meu funeral projetará em mim a ideia que tinha a meu respeito.
Dirão, uns e outros, que até fui uma pessoa boa, justa... Nunca fui bonzinho, sempre quis que meu inimigo (e por inimigo, entenda: quem não pensa igual a mim) se fodesse.
Não quero velório, não gosto do cheiro da vela queimando, não quero cravos e crisântemos me cobrindo, enfiados nos meu cu, não quero uma imagem de cristo atrás do meu caixão, quero que cristo se foda (aliás, ele já se fodeu).
Ninguém tem o direito de me ver uma imagem alheia à que eu tenho de mim.
Ninguém tem o direito de olhar para mim e não se arriscar a receber meu olhar de volta, no funeral, o morto é julgado sem poder julgar.
A morte é triste, sobretudo a minha.
A morte é - talvez - o evento mais triste na cultura ocidental.
Pudera,
a morte não é o fim da vida, é o fim da mentira, sustentáculo da civilização.
Pudera,
A morte é o fim de todas as máscaras.
E nada é mais triste que isso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ao Anônimo

Há um anônimo que volta e meia faz comentários de minhas postagens. Adoro os anônimos.
Acerca do meu "Pequeno Conto Noturno (5)", ele disparou: "Dá menos aporrinhações e nenhum tesão também... é a lei da compensação???"
Caro anônimo (seja você lá quem for), vamos por partes, como diria o Jack.
"É a lei da compensação?", você pergunta.
Sim. É. Claro que é.
Pense em suas relações, misterioso anônimo, nas profissionais, nas familiares, nas amorosas, nas escusas, nas inconfessáveis, qual delas não se pauta pela lei da compensação? Nenhuma, não é?
Não há incondicionalidade nas relações humanas, deixe de ingenuidade. Ou de burrice.
"Dá menos aporrinhações e nenhum tesão também...", você afirmando algo que eu não escrevi no conto.
Nenhum tesão? Quem disse?
A conversa entre Rubens e Calil é cheia de provocações, sarcasmos, defesas de pontos de vista (ainda que de futilidades, mas o que não é?) e até argumentações físicas, ou seja, é um diálogo repleto de tesão.
Não de tesão sexual, não da parte de Rubens, pelo menos, que conheço bem e é macho de verdade, Calil conheço menos, não ponho a mão no fogo. Deixe de maniqueísmos, de reles dicotomias, caro anônimo. Existem os mais variados tipos e graus de tesão.
Você me parece uma pessoa de visão limitada, tacanha, capaz de entrever um único aspecto de cada questão (isso quando muito), amplie sua visão, amigo anônimo.
Conselho do Azarão: leia os grandes pensadores, os filósofos, procure uma terapia, fume maconha, sei lá.
Devo, antes, confessar a inutilidade do conselho sugerido em minha própria pessoa: comecei a ler os filósofos e não encontrei nada que já não tivesse observado ou deduzido por conta própria; comecei a fazer terapia e também não descobriram nada de mim que eu já não houvesse desbravado; maconha, oficialmente, nunca provei, mas acredito que não me apetecesse.
Sou meu próprio filósofo, próprio bandeirante da minha psiquê e meu próprio THC.
Foi inócuo para mim, mas pode funcionar para você, siga meu conselho.
Abraços, caro anônimo, nos vemos por aí.
(mas nem iremos nos reconhecer... e não é isso que é o legal?)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pequeno Conto Noturno (5)

- Ainda tem cerveja na geladeira? - Calil pergunta a Rubens, cansado, entretido com um livro.
- Tem.
- Quantas?
- Umas quatro.
- Das normais ou daquelas grandes?
- Das grandes.
- 'Cê já reparou quantos ml tem essas porras, Rubens?
- Meio litro, sei lá.
- Algumas até têm, mas a maioria tem 473 ml, de onde tiraram isso, 473 ml?
- Nem imagino.
- 'Cê não pensa nessas coisas, não?
- Não, só bebo.
- Tenho certeza - se empolga Calil - que é mais uma daquelas merdas de medidas inglesas, saca, né?, aquelas porras de libra, milha, jarda...
- Não, não saco.
- Escuta o que eu tô dizendo, Rubens, inglês é tudo doido, Jack Estripador, a família Real inteira, aqueles museus de cera, aqueles ônibus de dois andares, os caras gostam de Duran Duran e Elton John, puta que o pariu, viver numa ilha dá nisso, cara.
- Pode ser.
- Minha teoria é que parte da loucura dos ingleses vem dessas medidas fudidas que eles usam, medir é uma coisa exata, certo? Para a inglesada, não. Uma polegada é 2,541 cm, uma libra, 0,4536 kg, um pé, 30,48 cm, uma jarda, 0,9144 m, tem até uma tal de onça, que é 28,352 g, tem uns xampús e produtos de beleza que usam essa porra. Já pensou medir usando essas merdas? Deixa qualquer um doido. Imagina o moleque querendo medir o pau pra ver se cresceu... 4,32 polegadas, até o moleque entender, o pau já murchou, deve ser por isso que os ingleses são dos povos que menos trepam. Esses 473 ml devem ser uma doideira dessas, vou lá pegar uma, tá?
- Não.
- Não?
- Você já matou a meia garrafa de rum que eu tinha, se quiser cerveja, vá comprar.
- Ei, já são quase três da madrugada...
- O Posto da Forquilha fica aberto direto, e só tá a uns 3 quarteirões daqui.
- É que não sou muito bem visto por lá...
- Caloteiro não é bem visto em lugar nenhum - e Rubens fecha o livro, desistindo da leitura.
- Que merda é essa que 'cê tá lendo?
- Que eu tava tentando ler.
- Que seja.
Rubens vira o livro e mostra a capa a Calil.
- Só podia... não sei o que 'cê vê nessa merda de Bukowski, o cara só fala de bebedeira, buceta e cu.
- E do que mais há para se falar?
- Muitas coisas, não lembro nenhuma agora, mas muitas coisas. Taí, Rubens, o Bukowski negaria cerveja a um amigo?
- Bukowski não tinha amigos, e ainda que os tivesse, seria capaz de negar-lhes a própria merda recém-saída do rabo. E você não é meu amigo.
- Puta ingratidão, Rubens, eu tô aqui nesse seu momento de necessidade...
- Eu nunca te chamo pra vir aqui, você é quem sempre aparece sem avisar e sem cerveja, e não estou com porra de necessidade nenhuma.
- Como não tá? Olha, até admiro esse tipo durão que 'cê faz, mas a Andréa foi embora, não foi? Te deu um pé na bunda, certo? Todo mundo que toma um pé na bunda quer companhia.
- Se você tivesse um fornido par de mamas, isso seria verdade, só que não é o caso. Além disso, Andréa ter me dado um pé na bunda é só um modo de ver a coisa.
- Só um modo? Que outro? Ou foi você que deu uma bundada no pé dela?
- Talvez eu tenha deixado ela me dar um pé na bunda, tenha induzido ela a isso, mais fácil que dispensá-la e aguentar choradeira, gritaria, ser taxado de canalha, essas coisas.
- Sei. Pra cima de mim? Ninguém dispensa um bucetão daquele, com todo respeito, Rubens, mas ela devia ter um bucetão, certo?
- Tinha. Tem.
- Então, eu tô aqui pra te ouvir, dar um apoio moral, vou lá pegar uma lata.
Calil levanta e tem seu passo bloqueado por Rubens, que também se levanta e sabe que só há um modo de parar Calil quando ele entra nesse estado frenético.
Rubens não é brigador, não sabe técnicas de bater, porém tem seus 90 e alguns quilos contra os 60 e poucos de Calil. O soco de Rubens, na boca do estômago, faz Calil dobrar ao meio, chega a erguê-lo uns centímetros do chão.
Calil cai em posição fetal, xingando.
Rubens vai à geladeira, volta com uma lata, senta-se no sofá e retoma o livro.
- Rubens... - diz Calil antes de apagar, derrubado pelo soco e pela meia garrafa de rum - enfia o Bukowski no cu.
O Bukowski não iria gostar disso... nem eu, pensa Rubens, e retoma a leitura, não se concentra.
Andréa se foi.
Mulheres se vão, são assim.
Mulheres enjoam rápido, amam um vestido hoje, usam duas ou três vezes e já o odeiam, o mesmo com sapatos, cortes de cabelo, homens.
Homens são mais estáveis, confiáveis. Até usam uma roupa diferente de vez em quando, pra variar, pra brincar, mas são fiéis ao básico, usam a mesma roupa por anos, até gastar e furar, ainda assim só a jogam fora porque a mulher reclama que ela está gasta e furada.
São assim com os relacionamentos, também.
Homens são muito mais confiáveis, só que não têm peitões, conclui Rubens.
- Vai continuar a me negar essa merda dessa tua cerveja barata? - Calil, do chão, sem abrir os olhos.
Rubens não se sente disposto a lhe dar outro soco. De mais a mais, Calil é outra voz no pequeno apartamento, que não a sua. Outras vozes, que não a nossa, ajudam a manter a loucura afastada, adiam-na.
Rubens levanta, tem ânimo e punhos cansados, calça seus chinelos, põe uns trocados no bolso da bermuda, verificando se não é o furado, e desce. Vai ao posto, comprar mais um fardo com 6 cervejas, para quando Calil acordar.
De qualquer maneira, Calil lhe dá muito menos problemas e aporrinhações que Andréa.
Ou que qualquer outra.

domingo, 22 de novembro de 2009

Um Pouco Mais de Bukowski

CERVEJA
não sei quantas garrafas de cerveja consumi
enquanto esperava
que as coisas melhorassem
não sei quanto vinho e quanto whisky
e cerveja
sobretudo cerveja
consumi
após pedaços de mulheres
- à espera que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e que o telefone tocasse
à espera do som dos passos,
e o telefone nunca toca
a não ser quando é demasiado tarde
e os passos nunca chegam
a não ser quando é demasiado tarde
quando o meu estômago está a subir
a sair pela minha boca
eles chegam frescos como flores primaveris:
"mas que merda fizeste contigo?
demorarão 3 dias até que me possas
dar uma foda novamente!"
a fêmea é durável
vive sete anos e meio mais que o macho
e bebe muito pouca cerveja
porque sabe que faz mal à figura.
e enquanto nós estamos a enlouquecer
elas saíram
e andam lá fora a dançar e a rir
com cowboys entesados.
pois bem, há cerveja...!
sacos e sacos de garrafas vazias
e quando apanhas um do chão
a garrafa cai através do fundo molhado
do saco de papel
rolando
fazendo barulho
entornando cinza molhada
cerveja fresca,
ou o saco cai às 4 da manhã
produzindo o único som da tua vida.
cerveja...
rios e mares de cerveja...
a rádio a passar canções de amor...
enquanto o telefone permanece silencioso
e as paredes permanecem direitas
de cima abaixo
de cima abaixo...
e cerveja...
cerveja é tudo o que resta.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

E La Nave Va

Alegre-se, não há funerais;
Enlute-se, não há ressurreições.
Resigne-se,
Não há finais nem recomeços:
Só continuações.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sem Direito De Morrer

Noite dessas, o céu estava iracundo.
O tecido negro de sua raiva rasgado por raios, na horizontal, na vertical, nas diagonais. Grandes talhos a jorrar sangue de elétrons, como que feitos por uma grande navalha. Ou por um poderoso martelo.
Outrora, eu saía semidesnudo na tempestade e me expunha aos seus rigores, largava-me alvo de suas agulhadas. Hoje, não faço mais isso. Não mereço. Portanto, deixei lá a tempestade e fui dormir.
Nem bem adormecido nem bem desperto, naquela fase de modorra, ouvi um barulho na sacada, algum vaso vitimado pelo vento, talvez.
Acendi a luz e lá estava o cara, com a tempestade a lhe fazer fundo, ele, o Thor.
Não o Thor loirinho e barbeadinho da Marvel, que bem podia se prestar a ator de propaganda de xampú e prestobarba, não mesmo.
Era O Thor, o ruivo, de barba de arame farpado, o ogro.
- Como ousaste abandonar a marreta?, ribombou Thor.
Eu nada respondi, até porque havia acabado de me cagar todo.
- Teu blog tinha enorme repercussão em Asgard, até Loki, meu meio-irmão, mais traiçoeiro que uma prostituta troll, muito o apreciava.
- Tá brincando comigo, né?, eu falando com Thor como fosse a mais natural das coisas.
Olhos de cumulus nimbus me atingiram, deixando bem claro que deuses não brincam, e seguiu:
- Somos deuses esquecidos, moribundos... A cada acesso ao teu blog, alguém via lá estampada a minha marreta e lembrava de mim e dos meus, a cada acesso ao teu blog, eu e toda Asgard recebíamos pequenas injeções de poder, a cada acesso, uma taverna voltava a se acender.
Fiquei comovido com a coisa das tavernas.
- Eu nem fazia ideia de que...
- Basta - atalhou-me Thor - reassuma meu martelo, reempunhe Mjolnir.
E tirou do cinto uma réplica menor de seu martelo, o qual empunhava à semelhança de um cajado, o martelo a mim ofertado era mais próximo ao dos quadrinhos, cabo curto. Tomei-o em minha mão esquerda.
- Guarda e honra esse símbolo. És o único, entre os mortais de Midgard, digno de brandir e fazer erguer minha marreta.
Dita dessa maneira, pareceu-me um pouco coisa de viado, mas eu é que não ia dizer isso praquele cara ali, com seus 2,30 m, uns 300 kg (a compleição asgardiana é três vezes mais densa que a humana) e músculos de fiorde.
Agradeci e prometi honrar a marreta.
- Tens aí uma cerveja? - perguntou Thor.
Eu tinha. Abri o litrão, ele pegou e emborcou no gargalo, o litrão parecia uma ampola de injeção na mão do cara.
- Até mais ver, mortal - sentenciou Thor.
E o cara sumiu, teleportou-se pela bifrost, a ponte do arco-íris.
O foda é que ele levou a cerveja junto, era a última.
Espero que ele devolva o "casco" depois.

domingo, 1 de novembro de 2009

Oh, Crianças, Isso É Só O Fim

Agradecendo a Thor pelo inestimável empréstimo de sua Marreta,
esse blog encerra, hoje e definitivamente, suas atividades.