sábado, 30 de janeiro de 2021

A Nova Caneca do Azarão

Nunca cogitei, nem sequer na adolescência, quando temos o direito de ser inocentes, puros e bestas, de abraçar o comunismo, o socialismo, ou qualquer outra ideologia assemelhada, dessas que, em discurso, pregam a justiça social, a igualdade social e outras utopias e desatinos, e que, na prática, acabam apenas por distribuir igualmente a miséria entre o povo e a concentrar a dinherama na mão da alta cúpula. Nunca.
Não obstante, sou um dos mais poderosos e mortais inimigos do capitalismo na forma que ele se nos apresenta. Não de forma proposital e planejada, não porque o queira mal, não porque eu o considere selvagem e opressor (ele é tão-somente a seleção natural, da qual nos excluímos, na forma de um sistema econômico, só isso), muitos menos, como já disse, por questões ideológicas.
Sou letal e involuntário adversário do capitalismo por meus raquíticos hábitos de consumo. Quase que monásticos. Se todos, ou ao menos a grossa maioria, consumissem aos meus moldes, o capitalismo viveria uma eterna pandemia, viveria na fase vermelha o tempo todo. Ou teria que se remodelar.
Do que tenho, tenho só para o uso. Não acumulo. Não coleciono. Não tenho sobressalências.
Calças compridas : tenho (e sempre mantenho esse número) três; uma melhorzinha, para sair (embora eu nunca saia) e duas para o dia a dia, para "bater". Enquanto uso uma, a outra está lavando. Uso-as até não ser mais possível utilizá-las, aí quando chegam a esse ponto, ainda as uso mais um pouquinho. Rasgou, eu remendo etc. A última, eu comprei há 5 anos.
Bermudas : também três; duas para o dia a dia (mesmo esquema da calça, enquanto visto uma, a outra está lavando) e uma de náilon ou material parecido, para entrar na água com meu fillho, quando, raramente, vamos a algum lugar que tenha piscina.
Sapato : não tenho.
Tênis : dois; um mais caprichado e o outro para o cotidiano, usado igualmente as calças, até que se lhes esgotem todas as possibilidades, quando não dá mais para tapar os buracos da sola e remendar o tecido esgarçado. Só, então, compro outro par.
Cuecas : uma para cada dia da semana. E já é muito, e ainda sobra, visto que não as uso nos fins de semana.
Camisas : social, não tenho. Entre camisetas e camisas de gola polo, devo contabilizar umas quinze. Uma enormidade, eu sei. Também acho um exagero e jamais teria chegado a esse montante se só eu as comprasse. É que, volta e meia, na esperança de que eu me desfaça de alguma camiseta já mais usada, minha esposa compra umas para tentar realizar essa barganha. Claro : eu não me desfaço das velhas, e elas, então, vão ganhando número. Tenho camisas polo de oito, dez ou mais anos.
Um único luxo. Um único bem de consumo o tenho em excesso, em  número maior do que posso usar, que compro sem que haja a necessidade de uma reposição por desgaste ou quebra do que já possuo : canecas de cerveja.
Teoricamente, eu só precisaria ter uma delas no armário. Uma segunda só sendo adquirida na eventualidade da primeira quebrar. Pois as possuo em número de dez; agora, onze.
Gosto de comprar canecas de cerveja quando:
1) Faço alguma viagem. Nessas ocasiões, a acompanhar a esposa pelas infindáveis lojinhas de artesanato e de lembrancinhas, fico sempre de olho, sempre buscando por alguma caneca diferente, que valha a pena somar à minha coleção. Tenho uma de cerâmica (500 ml) com a estampa da bandeira argentina, de quando estive em Buenos Aires. Duas, uma de louça e a outra de vidro, ambas com 500 ml de capacidade, da Cervejaria Fritz, de Monte Verde (MG). Outra, de vidro (500 ml), da Cervejaria Baden, de Campos do Jordão (SP). Duas outras, também de vidro, da Cervejaria Rasen, de Gramado (RS), uma de 500 ml e a outra de 1 litro, o meu Santo Graal.
2) Quando abre alguma nova loja de departamentos na cidade, dessas de inutilidades domésticas. Tenho uma de 300 ml comprada no Leroy Merlin e outra de 500 ml (uma das minhas preferidas) comprada na Sodimac Homecenter. Já comprei caneca até em brechó, uma de 500 ml, de louça, da 1º Festa Regional da Cerveja de Ribeirão Preto, promovida pelo Lions Clube, em 1967, ano do meu nascimento; a caneca está muito mais conservada que eu.
E ontem, eu comprei a minha 11ª caneca. Há alguns meses, abriu uma grande loja de departamentos, A Casa Shopping Variedades numa das marginais de uma rodovia que passa pela cidade, e pela qual eu costumo fazer minhas caminhadas. Depois de ter passado por ela sei lá quantas dezenas de vezes, ontem, resolvi entrar e dar uma olhada na seção de copos.
Dei de cara com uns três ou quatro modelos de caneca. Um deles me interessou. Confeccionada em vidro reforçado e robusto, 500 ml de capacidade. Não havia, porém, o quanto ela custava, nenhuma indicação visível de seu preço. Os modelos menores, de 300 ml, estavam por R$ 12,99. Estimei uns 15 reais pela maior e saí pela loja a procurar um daqueles leitores de código de barras que ficam nos corredores. Não achei nenhum. Eu teria que falar com algum funcionário. Emputeci-me.
Mas foi a minha sorte. Não existiam mesmo leitores pelos corredores e a menina com quem falei me levou para os fundos da loja, onde havia duas caixas registradoras. Eu estava certo : R$ 14,99. Considerei um preço razoável, pelo tamanho da caneca e pela qualidade do vidro. O melhor, sem que eu desconfiasse, estava por vir. A menina, me mostrando uma etiqueta no fundo da caneca, em letras miúdissimas, próprias para sacanear velhos, disse que aquele preço era pelo conjunto de duas canecas.
Pããããããããta que o pariu!!!! Melhor ainda! R$ 7,50 por cada canecão. Uma pechincha!
Ei-la. Já em uso. Já a combater o bom combate.
Cabe um latão. Certinho.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Uma Elegia à Cláudia Ohana (22)

Eu, de máscara, fico parecendo a Cláudia Ohana de biquíni.
"Ela tem um jeito de andar 
(Sopra o vento, sopra o vento)
O cabelo esconde o seu olhar 
(Sopra o vento, sopra o vento)."

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Cuzinho... E Quem é Que Não Gosta, Tchê? (Ou : Explicado por que o Corona é um "Retro"vírus)

Lembro-me bem - e isso deve ter 30 ou mais anos e se deu num churrasco de família - de quando um primo, alguns anos mais novo que eu, chegou para o seu pai, absorto com um copo de cerveja e com um velho e arranhado LP dos Demônios da Garoa, e, meio que do nada, sem o menor aviso prévio, lascou a pergunta : "pai, como é que se pega AIDS"?
Meu tio não se abalou. Ou não deu mostras de. Nem mesmo o menor sinal de engasgo com a cerveja. Olhou ao redor, para os lados, para a frente e para trás, feito uma ressabiada coruja, acho que para se certificar de que não havia nenhuma tia, ou mesmo a sua esposa, por perto, enrolou o dedo indicador da mão direita por dentro do respectivo polegar, a imitar a forma de um fiofó, mostrou para o meu primo e respondeu : "é pelo roscofe, AIDS pega é pelo roscofe". E, cumprida a sua função educativa de pai, voltou tranquilamente à sua cerveja.
Mais pedagógico, didático, lúdico e assertivo, impossível! À época, alguns veículos de comunicação - já poucos, é verdade - ainda se referiam à AIDS como o "câncer gay", a "praga gay" etc.
Mas esse meu tio, hoje bem velho e amansado, do alto de toda a sua sabedoria de "tiozão de churrasco", do alto de toda a sua bolsonarice, não estava de todo errado, ou, ao menos, estava parcialmente correto. Uma das vias preferenciais de transmissão do HIV é, de fato, através do toba, do famoso jilozinho. O erro, ou o lapso, ou mesmo a desinformação do meu tio foi não dizer que o HIV não fazia distinção a respeito do sexo ou preferência sexual do dono do cu que infectava, deixando sutilmente explícito que AIDS era coisa de viado.
Mas será que é só o HIV que é chegado num cuzinho? Sempre suspeitei que não. E essa minha dúvida antiga mais do que procede, afinal, quem é que não gosta dum cuzinho?
Pois descobertas recentérrimas, fresquinhas e recém-saídas do forno de cientistas chineses vêm a confirmar as minhas desconfianças : o novo coronavírus também é muitíssimo chegado num cu! Também se sente muito à vontade no conforto e no aconchego de umas pregas.
Sim, meus caros. Não se trata de mais uma azarão news. É a mais pura verdade.
Tanto que, na China, além do teste realizado com amostras do nariz, boca e garganta, as populações de vários bairros de Pequim estão também a ser submetidas a um exame retal para o coronavírus, segundo a emissora pública CCTV.
É o corona pondo literal e metaforicamente no nosso cu!
O médico Li Tongzeng, do hospital You'an, em Pequim, afirmou à CCTV : "o teste retal aumenta a taxa de detecção de pessoas infectadas porque o coronavírus permanece mais tempo no ânus do que no trato respiratório".
O que não me foi motivo de surpresa ou de admiração; afinal, assim como o HIV, não é o corona, um "retro"vírus? 
É o novo novo coronavírus. Antes, disponível apenas em spray. Agora, também na versão supositório!!!!!
Nas redes sociais, alguns chineses têm reclamado do teste : "não é muito doloroso, mas é super-humilhante", escreveu um usuário da rede social Weibo. Outros, reclamam de que o cotonete, apesar de longo, é muito fino. 
No Brasil, se a moda pega, os hospitais vão lotar de gente exigindo a contraprova do teste.
A nova medida para a contenção do vírus é válida também para turistas que quiserem desembarcar em solo pequinês. Não bastará ao viajante apresentar os resultados negativos para os exames sorológico e PCR : vai ter que fazer também o teste do cu. Concordo : quem quer ir pra China tem mais é que tomar no cu!
Resta saber agora se, uma vez que tão bem aclimatado ao cu, o coronavírus não possa também ser transmitido por essa via, literalmente de mão dupla. Não sei se algum desses cientistas chineses pensou nisso e está a realizar pesquisas complementares neste sentido. Não sei se alguém já tem essa resposta e, para não disseminar o pânico entre a população, a guarda a sete chaves.
Mas a possibilidade me parece plausível. Afinal, e aquela cuspida, aquela salivada que se dá na cabeça da rola e no enrugadinho antes de sua sumária execução? O corona pode estar lá, na saliva. E o famoso e controverso beijo grego? Se o coronavírus pode ser transmitido pelo beijo francês, por que não pelo grego? Duvido que o vírus seja xenófobo.
Perguntado sobre o porquê de permanecer mais tempo no cu do que na boca e na garganta, o corona teria respondido : "um boquetinho é bom, né?, chinês gosta muito, mas cuzinho é "melhol".
Pããããããããããta que o pariu!!!!!

Fonte : Portal G1

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Bolsonaro é o 38º Presidente do Brasil. E o 16º Bozo.

O intrépido Bolsonaro é o 38º da degenerada e corrupta linhagem de Presidentes da República do Brasil. E o 16º da nobre dinastia brasileira dos palhaços Bozo.
Enlatado norte-americano criado em 1946 por Alan Livingston, o palhaço Bozo nasceu em berço de vinil, concebido originalmente para a série de coletânea de discos com histórias infantis Bozo at the Circus, estreando na TV americana apenas três anos depois, em 1949, e, a partir daí, exportado para o mundo.
O primeiro Bozo brasileiro também não surgiu nas telinhas, não foi dado à luz em terras tupiniquins pelo SBT; na época, a TVS. O Bozo desembarcou em terras de Cabral através da gravadora Odeon, em um disco de versões compostas e interpretadas por ninguém mais ninguém menos que o humorista, showman, ator, produtor, dublador, diretor, radialista, compositor e de quem, dizem, os judeus americanos copiaram e patentearam o stand-up, José Vasconcelos, considerado por Chico Anysio e por Juca Chaves o maior comediante brasileiro de todos os tempos.
Aqui no Brasil, a migração do palhaço Bozo para a TV demorou um tanto mais, ocorrendo apenas em 1980, pelas mãos de outra lenda (literalmente ainda viva) do entretenimento, Silvio Santos, o Homem do Baú, em seu recém-inaugurado canal TVS.
Vários intérpretes vestiram a pele do palhaço Bozo. A maioria pela TVS São Paulo, mas também, a respeitar a diversidade e os variados sotaques do povo brasileiro, existiram Bozos regionais, cariocas (TVS Rio), mineiros (TV Alterosa) e baianos (TV Itapoan).
Quatorze Bozos televisivos, no total. Os mais famosos, da esquerda para a direita na foto a seguir : Wandeko Pipoca (o primeiro, 1980 a 1982), Luis Ricardo (de 1982 a 1990, e até hoje no SBT) e Arlindo Barreto (1983 a 1986).
Arlindo Barreto, que inspirou o bom filme (eu recomendo) Bingo, o Rei das Manhãs, foi tomado pelo turbilhão do sucesso e do show businnes e despirocou e tacou fogo no próprio circo. Viciou-se em cocaína e em outras drogas mais pesadas, como a cantora Gretchen. Sim, meus caros, o Bozo comia a Gretchen! Pãããããta que o pariu!!! Frente às câmeras, a rainha do bumbum cantava para a criançada; nos bastidores, chupava o DipnLik do Bozo, descabelava o palhaço.
A primeira e exitosa temporada do Programa do Bozo durou de 1980 a 1987, tendo, o palhaço, sido ressuscitado numa segunda temporada, inexpressiva e incapaz de repetir o antigo sucesso e a antiga glória da primeira, vinte anos depois, em 2007, para morrer definitivamente em 2013.
Morrer definitivamente? As lendas não morrem, meus caros. Apenas descansam, ficam incubadas, encasuladas, reinventando-se, para voltarem ainda mais fortes e atuantes, quando forem de novo necessárias, respondendo aos urgentes chamados e apelos populares.
Com o palhaço Bozo, não foi diferente. Em 2018, atendendo às eternas súplicas populares por pão e circo, Bozo ressurgiu reeditado e repaginado. Não mais o "rei das manhãs". Sim o rei das alvoradas. Do Palácio da Alvorada. Bozo ressurgiu na figura do intrépido Bolsonaro. Tentou passar despercebido, o palhaço. No entanto, foi reconhecido de imediato pelos seus opositores, pelo povinho escroto da esquerda, que viram o Bozo por detrás da maquiagem de Presidente e prontamente expuseram a tentativa de escamoteio. De cara, denunciaram : é o Bozo.
Em vão. Inclusive, que boa propaganda lhe fizeram. Sempre foi, é e será o Bozo que o brasileiro quererá. Quantos Bozos já não foram eleitos para o Planalto desde a volta da "democracia", desde o advento da Nova República do Sarney, em 1985? Quantos mitos já não envergaram a faixa presidencial? Bolsonaro guarda uma única diferença para com seus antecessores : ele não reclama dos apelidos, antes pelo contrário, os assume; macho das antigas que é, não fica de mi-mi-mi pra bullying, sabe que reclamar do apelido é a pior a coisa a se fazer; ao invés disso, debochadamente, incorpora-os à sua imagem, ao seu personagem, fortalece-se deles.
Mas Bolsonaro está a ser um Bozo à altura do seu papel? 
Ninguém melhor para nos dar a resposta que ele, Wandeko Pipoca, o primeiro Bozo brasileiro. E a resposta do veterano Bozo é um sonoro e convicto "sim". Wandeko deu a sua chancela, o seu selo de aprovação para Bolsonaro assumir o papel do Bozo em 2018 : o primeiro Bozo votou em Bozo para a Presidência da República. 
E voltou a manifestar seu apoio e aprovação a Bolsonaro agora, neste fim de semana, por ocasião das pífias manifestações antimito ocorridas em alguns cantos do país, nas quais o nome Bozo voltou a ser fortemente associado ao Presidente da República. 
À coluna do jornalista Chico Alves, do portal UOL, o pioneiro Bozo disse que o Presidente não deve se chatear com o cunho pejorativo que seus antagonistas tentam imprimir ao compará-lo ao palhaço Bozo. Muito pelo contrário, deve tomar isso como um elogio :
"Bozo é um personagem sério, um personagem bom, honesto", disse ele à coluna. "Eles não têm nada a dizer de ruim sobre o personagem".... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2021/01/25/primeiro-bozo-do-brasil-aprova-apelido-de-bolsonaro-e-reprova-carreatas.htm?cmpid=copiaecola
“Bozo é um personagem sério, um personagem bom, honesto. Eles não têm nada a dizer de ruim sobre o personagem”.
Sobre as "carreatas" pró-impeachment, Wandeko disse: “O pessoal tinha que parar com esse negócio, por muito tempo a onda vai ser Bolsonaro. Não adianta a mídia ficar pegando no pé do filho dele, no pé da mulher dele. O cara que é Bolsonaro é igual ao cara que é flamenguista: não muda”. E ainda deu uma zoada : "Meia dúzia de carrinhos, só".  
Orgulhoso, finalizou dizendo que gosta que usem o nome do Bozo para se referir ao Presidente : "É sinal de que ainda se lembram de mim".
Por fim, talvez a única parte séria desta postagem : não culpemos o Bozo. Nunca! Sob hipótese alguma! Digam o que quiserem da democracia brasileira, mas, sem sombra de dúvidas, ela é representativa. Até demais, para o meu gosto. No país do sertanejo universitário, do baile funk, do "pancadão" e das "universidades" a distância, Bolsonaro até que nos está de muito bom tamanho, até que nos saiu melhor que a encomenda.
Não culpemos o Bozo. O Bozo não é o autor nem o dono do seu discurso, não é o roteirista do seu script de governo. É só o porta-voz. O menino de recados. O Bozo é só o mensageiro : da índole, do caráter e da formação cultural, moral e ética do povo que o elegeu.
E muitos outros Bozos ainda virão.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Hasta la vista, babys!

O.K.!
"Nenhuma cárie",
Diz o dentista,
Retirando o dedo enluvado
Da minha boca,
"Volte em seis meses".

O.K.!
"Nenhuma alteração na sua próstata",
Diz o urologista
Retirando o dedo enluvado
Do meu cu,
"Volte daqui a um ano".

O.K.!
Penso eu comigo:
Nos vemos em uns cinco ou seis anos,
Ou quando
Algum canal me torturar,
Ou quando
Eu mijar
Ou esporrar sangue.

domingo, 24 de janeiro de 2021

A Pele Que Habitas

Se ao subires
Os trinta
Os cinquenta
Os oitenta andares de um prédio
Tivesse
O elevador
O piso transparente
Em acrílico ou vidro
A te mostrar o fosso
Abaixo de ti
O negro da gravidade
Ávido e à espreita de te abocanhar
Te sentirias confortável em tua viagem?
 
E se a vida,
Te vinda em presente ou castigo,
Ao longo dos seus trinta
Dos seus cinquenta
Dos seus oitenta anos
Tivesse também
O assoalho transparente?
 
Te sentirias tão bem e despreocupada
Na pele em que habitas?

sábado, 23 de janeiro de 2021

Porque o Lula não Pega o Comunavírus

Bukowski na Sala dos Professores

O escritor universal é aquele que, fazendo um retrato 3 x 4 de sua aldeia, pinta um imenso painel do mundo. Menos ainda que falar da sua aldeia, que uma aldeia, por menor que seja, já tem gente demais. É aquele que, escrevendo de dentro das quatro paredes de seu quarto, atravessa, sem passaporte e sem as alfândegas do idioma, todas as fronteiras, de todos os países. É aquele que bem falando só do próprio mal-lavado umbigo, fala da beleza e das mazelas de toda a humanidade, de todas as épocas. 
Bukowski é um desses caras, desses escritores universais.
Bukowski, sobre os hipódromos e as apostas em cavalos, principalmente sobre o intervalo entre as apostas, quando não se há muito o que fazer, e ninguém consegue guardar o respeitoso e inteligente silêncio :
 
"A gente sente a vida sendo reduzida à polpa pela inútil perda de tempo. Quer dizer, a gente fica ali sentado na cadeira ouvindo vozes que discutem quem vai ganhar e por quê. É realmente nauseante. Às vezes a gente pensa que está num asilo de loucos. E de certa forma está. Cada um daqueles babacas acha que sabe mais que os outros, e lá estão todos juntos num mesmo lugar. E lá estava eu, sentado no meio deles".
 
Nunca pus meus pés num hipódromo. 
Bukowski, no entanto, parece-me, conhece intimamente uma sala de professores! Igualzinho à sala de professores da minha escola! Sem tirar nem pôr! Cuspido e escarrado! Pãããããããããta que o pariu!!!! 
E lá estou eu, sentado no meio deles.
Tá rindo, né, velho safado?

Durmam Bem, Meninas, Durmam Bem...

Uma vez
Que não posso foder
Carnes novas 
(e que esse "não posso"
não se dá por falta de querência ou de potência
mas sim por não dever
por ser prudente
por cagaço),
Escrevo -
A caneta
Fálica substituta em riste -
Poemas.
 
Poemas para as minhas paixões escusas,
Para todas as minhas musas,
De todas as mitologias
E de todos os alfabetos.
De gregas e sumérias,
De nórdicas e astecas,
De alfa a "zê",
De "a" a ômega.
 
Meus poemas
Não são a rola dura
À qual elas fazem tanto jus
E gosto
(são o que posso lhes oferecer; nem elas nem eu satisfeitos).
São acalantos de ninar e de apagar incêndios
São beijinhos de boa-noite
Em suas peraltas
E insones bucetinhas.
 
Durmam bem, meninas...
Durmam bem...
 
(eu não dormirei)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Sinais de Vida do Planeta Jota

Feito um cometa errático e vagabundo, de cuja trajetória e de cujo período entre uma passagem e outra nada é sabido, a não ser que são tristes e demasiadamente longos, o Planeta Jota também gosta de brincar de esconde-esconde na órbita do Marreta, de se divertir a transmutar-se ora em Lua Cheia, ora em Lua Nova, quando bem quer, ao seu bel-prazer, gosta de bailar a provocativa dança das cadeiras de seu afélio e de seu periélio.
Quase nada é sabido acerca do Planeta Jota. Salvo que é um planeta avulso, livre, leve e solto, que não se apega nem se aferra nem contrai núpcias com nenhum sistema solar. Também que, igualmente ao B612, planeta descoberto pelo aviador Antoine de Saint-Exupéry, é habitado por uma única pessoa. Porém, não por um Pequeno Princípe lamuriento e sensível e sua paciente e confidente rosa vermelha; sim pela Pequena Jota e sua Dionaea dentata, voraz, insaciável e carnívora que só ela.
Quando o Planeta Jota penetra a órbita aqui do Marreta, ele não causa cataclismos e desastres naturais, não faz cumprir aziagas profecias, não se alinha em funestas conjunções, não encerra nem inaugura eras cósmicas e kármicas. O Planeta Jota lança poemas à superfície do Marreta. Poemas ardentes e incandescentes. Meteoritos verbais.
Em suas raras passagens, em algumas vezes, o Planeta Jota faz isso de forma anônima - como se o seu estilo peculiar e picante não o denunciasse de pronto -, em outras vezes, como agora, talvez de melhor humor, identifica-se e salpica-nos com mais um malicioso poema, com mais um pouco de seu pó de pirlimpimpim.
Um poema sem título, pra variar. Não sei o que a Pequena Jota tem contra eles, os títulos. Por outro lado, eu tenho até um TOC quanto a isso, exasperam-me coisas sem título. Por isso, sempre tomo a ousadia e me arrisco em nomeá-los. A este mais recente, chamei-o de :
O Sonho dos Mil Gatos, por Jota
Eu nao vim pra fazer visita
Pra gente tomar um café fresco
na sala
recém-coado na minha calcinha
 
Eu nao cheguei na melhor das horas
Sequer no momento certo
Ou numa manhã chuvosa
caixa aberta
deixada no seu portão
 
Eu adentrei a janela entreaberta
E derramei alguns copos
E quebrei algumas taças
Procurando deixar a minha marca
Desarrumando tudo de acordo com o meu agrado
 
Eu vim pra me esfregar nas suas roupas
Deixar meu cheiro nas suas paredes
Mijar no seu colo e na sua cama
E destruir tudo que você possa amar mais do que a mim 
 
Eu vim pra lamber os seus olhos
E mordiscar a sua barriga
Todas as vezes em que você me chamar.
 
Para ler, ou reler, outros poemas da Jota já publicados aqui é só clicar nos links abaixo:

https://amarretadoazarao.blogspot.com/2015/04/j-atraves-do-espelho-e-o-que-ela.html

https://amarretadoazarao.blogspot.com/2015/05/estrela-cadente-por-jota.html 

https://amarretadoazarao.blogspot.com/2018/08/noticiario-local-da-sucursal-do-planeta.html 

https://amarretadoazarao.blogspot.com/2016/10/a-mulher-de-roxo-por-jota.html 

https://amarretadoazarao.blogspot.com/2015/11/o-psicologo-de-guarda-chuva-por-jota.html 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A Eficácia de Merda da CoronaVac

Será que a resistência (derrotada) de Bolsonaro em adotar a vacina chinesa foi de fato uma atitude tão tacanha, tão burra? Teria mesmo se portado Bolsonaro de forma tão assim "negacionista" frente à eficácia da vacina amarela? Teria sido a falta de apoio público de Bolsonaro à CoronaVac, embora a aprovação dela em nada tenha dependido do Presidente da República, motivada apenas por picuinhas políticas, umas contra o regime comunista ditatorial chinês e outras contra o governo mauricinho de Dória, em total detrimento e descaso pela Saúde Pública?
Será que não houve outros motivos por detrás da "burrice" do Mito? Como, por exemplo, a vacina chinesa ser uma merda se comparada às outras já disponíveis? Como, por exemplo, a vacina chinesa ser um produto vagabundo, de qualidade pra lá de questionável, de lojinha de R$ 1,99? Pois, de novo, estamos comprando refugos da China. De novo, pagando caro por produtos xing ling.
50,38% de eficácia? Parece um valor aproximado e acochambrado só para a chinesinha "passar" de ano. Sou professor, e aluno que fica com média 5,0 é aquele meio lerdinho, fraquinho que só ele, porém, bonzinho, bem comportado e educado; e a gente dá aquele empurrãozinho nele. Para mim, 50,38% é isso, o empurrãozinho camarada para o sujeito ser aprovado, aquela maquiada na coisa.
No caso do aluno, ainda existem argumentos atenuantes e paliativos de seu pouco aproveitamento acadêmico : ele pode não ser bom em matemática, português, história, biologia etc, mas ele pode ter outras habilidades, ser um bom esportista, um bom trabalhador manual, ter talento para o desenho, para a música, para a informática etc. Claro que, no mais das vezes, é só peidagogia barata a justificar a vagabundagem do sujeito, mas algumas vezes isso é bem verdade, o cara tem outros talentos, que não são trabalhados ou incentivados na escola.
E no caso da vacina chinesa? Será que ela também tem outros "talentos", que atenuem ou até compensem a patente falta deles para ser uma... vacina? E que outras qualidades podem caber ou nos interessar em uma vacina que não seja a de... nos imunizar?
Repito, estamos a receber e a pagar pelo que há de pior no mundo nesse quesito. Um dos argumentos de merda a favor da chinesinha é que a coronavac é mais acessível financeiramente que as outras, assim, por exemplo, "se vacinar 1 milhão com uma vacina que reduz 95% (a chance de covid-19), o máximo que você protegeu foram 950 mil pessoas. Se vacinar 200 milhões com uma vacina que reduz 50% você protege até 100 milhões de pessoas"
Faltou acrescentar : e joga fora 100 milhões de doses, um desperdício de dinheiro e da mão de obra empregada na vacinação. E, na minha opinião, o mais canalha : dá uma falsa esperança a 100 milhões de pessoas, que, na confiança de que estarão imunizadas, poderão relaxar ainda mais com os cuidados preventivos. E, claro, se foderem de verde e amarelo. Aliás, de verde e amarelo, não; de vermelho e amarelo. Com as bençãos de Dória e da ditadura chinesa!
Abaixo, um infográfico comparativo da eficácia das principais vacinas contra a peste chinesa. Para quem quiser mais detalhes, leia a reportagem da BBC de onde eu o copiei. 
Volto à questão original : terá sido Bolsonaro mesmo tão burro e tão turrão à respeito da CoronaVac?
Enfim, a CoronaVac é feito o meu salário : uma merda, mas melhor que nada.

Sobre (e sob) Uma Leve Embriaguez

É um estado
Da percepção
Que me agrada muito;
 
Mesmo e ainda
Que sob ele
Eu não perceba nada;
 
E,
principalmente, 
Por isso.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Vox Populi, Vox Dei

A voz do povo é a voz de Deus. Então, Deus é um idiota. Não é à toa que Deus os fez, aos idiotas, em tal e insuportável quantidade, à Sua imagem e semelhança.
A voz do povo é a voz de Deus. É a voz das redes sociais, ambiente tecnológico e simulado da onipresença divina.
A voz do povo é a voz de Deus. É a voz da democracia.
Valha-me São Nelson Rodrigues! E mande lá a ira de sua marreta exterminadora de idiotas. Mas eles são infindáveis. E com que rapidez se reproduzem. São feito as moscas na sopa do Raul : "e não adianta vir me dedetizar, pois nem o DDT pode assim me exterminar, porque 'cê mata uma e vem outra em meu lugar". 

“Os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”;
"O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota.";
“A maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade."
Nelson Falcão Rodrigues foi escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista e cronista de costumes e de futebol brasileiro.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A Vacininha do Capeta

Quando eu era criança, as visitas ao médico eram sempre eventos temerários. Não havia todas essas guloseimas farmacológicas à época, não existia um segmento farmacêutico voltado para o público infantil a oferecer xaropes sabor abacaxi, pastilhas sabor morango para a garganta, balinhas mastigáveis de vitaminas, antissépticos para raladas no joelho que não ardessem etc.
Os xaropes eram mais amargos que jiló em conserva de boldo. "Você vai ver o que é bom pra tosse" é ditado surgido nessa época. "Remédio não é para ser bom, é para ser remédio" e "se tá ardendo é porque tá sarando" também eram frases "motivacionais"  muito ditas à petizada de antanho. E quando não amargos, nojentos, asquerosos. Os intragáveis óleos de fígado de bacalhau e de rícino. De provocar engulhos em urubu. Sem falar dos constrangedores e vexatórios supositórios de glicerina, com os quais muito moleque despertou para a sua sexualidade.
Porém, o que tanto nos apavorava numa visita ao pediatra nem eram os amargos remédios. O pior era a quase infalível injeção. "Dói, mas faz efeito mais rápido", nos diziam das injeções.
Na época, creio eu, não devia existir todo esse sortimento atual de antibióticos de segunda, terceira etc gerações, nem os seus acondicionamentos na forma de comprimidos ou de soluções. Era só a penicilina e na forma de uma dolorida injeção. A penicilina curava tudo. De tuberculose a unha encravada. De gonorreia a terçol. E era fatal : garganta inflamada? Injeção no moleque. A temida Benzetacil. Escreveu, não leu, a Benzetacil comeu. E depois dá-lhe compressa de água quente na bunda para desinchar o calombo. Uma semana sentando de lado e dormindo de bruços.
E se escapássemos da agulhada da benzetacil, havia ainda a atualização das vacinas. O médico do posto de saúde avaliava nossa carteirinha de vacinação e decretava uma nova dose dessa, daquela ou daqueloutra vacina, muitas vezes nos aplicada à sequência da consulta.
Como em nós tudo é condicionamento, se nos comportássemos durante a consulta e não abríssemos o berreiro na hora da injeção, recebíamos um reforço positivo pela nossa boa conduta, o médico, geralmente, nos presenteava com um pirulito. Que a meninada mais chegada ao supositório de glicerina deixava para "chupar" em casa.
Talvez a se lembrarem das suas infâncias e das suas idas ao médico, os integrantes de uma ONG estadunidense, de Washington, DC, resolveram aplicar as mesmas técnicas de condicionamento e reforço positivo para premiar os adultos que se vacinarem contra a peste chinesa e também tentar quebrar a resistência daqueles que não querem tomá-la, ou estão hesitantes em.
Às saídas dos locais de vacinação, cada bem comportado cidadão que se deixar inocular receberá da ONG não um pirulito como prêmio (o que só funcionaria para o segmento LGBT), mas sim um saquinho cheio de maconha. Orgânica, autossustentável, biodinâmica, cultivada com responsabilidade social e embalada à vácuo. Com o selo de aprovação do Ministério da Agricultura lá deles e vinda direto do Cannabis Belt.
O nome da Ong?
DC Marijuana Justice (DCMJ). Parece nome de grupo de super-heróis chapadões!
Pãããããta que o pariu!!! É a vacininha do capeta!!!
Vou apertar, mas não vou vacinar agora - berrarão os negacionistas e os adeptos das teorias da conspiração. Um amigo encontra com outro na rua e pergunta para onde ele está indo. O outro responde : estou indo ali, dar um tapa na vacina!
A ideia da Ong de maconheiros, é claro, é promover e alavancar a legalização do uso recreativo e medicinal da marijuana em todo território americano pegando carona no lançamento da vacina contra a praga chinesa, dizendo que a ciência que criou a vacina é a mesma ciência que há tempos comprova e exalta os benefícios do THC à saúde. Que se a população e os seus governantes confiam no que a ciência afirma a respeito da eficiência da vacina, também devem se fiar no que ela diz dos ganhos em se dar um tapa na pantera.
"Se você acredita na ciência que apoia a eficácia da vacina, , deve acreditar na ciência que apoia a cannabis medicinal", disse Adam Eidinger, um dos fundadores do ONG e o criador desta campanha, que, segundo ele, tem o objetivo de apoiar a ciência.
Nikolas Schiller, outro fundador do grupo, declarou à revista Forbes : "Estamos procurando maneiras de celebrar com segurança o fim da pandemia e desconhecemos algo que una mais as pessoas do que a cannabis".
Só sei que aqui, no Brasil, como diz o outro, isso não iria prestar. Se a moda pega por aqui, o que iria ter de malandro entrando duas, três, quatros vezes na fila da vacina, querendo a décima dose de reforço, dizendo que a vacina não "pegou, ou, no caso, que a vacina não "bateu", não estaria escrito no gibi. E ainda que estivesse, ninguém leria, usariam as páginas dos quadrinhos para enrolar e apertar um "fino"
Pãããããããta que o pariu!!!!

sábado, 16 de janeiro de 2021

Dieta Flexitariana. Que Viadagem é (mais) Essa?

Quando volto das minhas cada vez mais esporádicas e desanimadas caminhadas matutinas, passo pelos fundos de uma igreja evangélica, um grande pátio que serve de estacionamento para os veículos dos fiéis. Aliás, igreja, não. Uma puta duma igreja! Que ocupa um quarteirão quadrado inteiro. 100 m x 100m. 10.000 metros quadrados. Um hectare de louvor e devoção ao Senhor!
Pelo que é possível ver de fora - e que acredito ser apenas a ponta do Monte Sinai -, na sua parte da frente, a igreja é composta pela igreja em si - um grande salão em que são promovidos os cultos, com potentes e modernas aparelhagens de som no púlpito (que é pra Deus não ter a desculpa de dizer que não ouviu; Deus não é surdo, ele só está é cagando pra vocês) e um datashow ao teto -, e por um salão de festas contíguo, provavelmente destinado às festas de casamentos, aniversários, batizados etc, além de um grande e bem cuidado jardim; na sua parte de trás, aos fundos, o imenso e já citado pátio quadrangular a servir de estacionamento e cujo perímetro é todo guarnecido por uma variedade de lojinhas e biroscas. Lojas de "lembrancinhas", de artesanato, de artigos religiosos, uma sorveteria, uma lanchonete, uma boutique, um salão de cabelereiro e até um restaurante de comida caseira.
Um bem-sucedido complexo empresarial da fé, a tal igreja. Nada, é claro, se comparado ao que vi em Aparecida do Norte, por exemplo (ninguém sabe melhor capitalizar a fé que a Igreja Católica), mas, de qualquer forma, uma próspera franquia de Cristo.
Bem à entrada do estacionamento, pendurado em um de seus portões, um cartaz de propaganda (o que a viadada, hoje em dia, chama de banner) do restaurante, cartaz que é o motivo desta postagem e que anunciava orgulhosamente : temos culinária flexitariana.
Pãããããããta que o pariu!!!! Antes mesmo de me pôr a conjeturar sobre o significado daquilo, ato reflexo, pensei : vem aí mais uma picaretagem politicamente correta, ou seja, vem aí mais uma viadagem.
Então, durante o resto do caminho até minha casa, uma meia dúzia de quarteirões, fui dando tratos à bola sobre o que poderia ser a tal culinária flexitariana. O termo "flexi" só poderia vir da palavra flexível, cuja gama de usos é bem vasta, que se aplica a várias áreas e segmentos das atividades humanas, que é, digamos assim... bem flexível. No ramo automobilístico, o veículo flex é aquele que roda com gasolina, álcool, gás etc; no métier (e chupiér) LGBT, flex é o cara que dá e come, aquele que, antigamente, era conhecido como giletão. O "tariana" me pareceu vir de dieta vegetariana.
A seguir o mesmo raciocínio semântico-etimológico, um flexitariano seria o quê? Um vegetariano que, de vez em quando, surta e solta a franga e come um franguinho, ataca uma coxa e uma asinha? Um vegetariano pero no mucho? Não lá muito católico? Um vegetariano não praticante? Seria, o flexitariano, o cara que diz gostar só de cenoura, que garante escorregar só no quiabo, mas que, vez ou outra, às escondidas, também dá a ré num quibe?
Uma vez em casa, fui reverenciar e orar ao oráculo Google, que não me deixou sem respostas, que me revelou o acertado de minhas ponderações.
A dieta flexitariana, criada pela nutricionista e loira gostosa Dawn J. Blatner, não prega ou muito menos impõe a brusca, súbita e radical privação de carnes nas refeições. Propõe a redução gradativa, e ao gosto e ao ritmo do freguês, do consumo de proteína de origem animal em detrimento da de origem vegetal, e também a maior inclusão de fibras,vitaminas e minerais, também conhecidos por frutas, verduras, legumes e grãos.
A redução da proteína animal, inclusive, nem precisa chegar a zero; o seu consumo ocasional, em pequenas quantidades, no máximo em duas refeições semanais, é permitido. A dieta flexitariana até pode ser um caminho inicial para se chegar ao vegetarianismo, mas não tem nisso o seu objetivo. Carne, coma com moderação, talvez pudesse ser um bom lema de campanha para o flexitarianismo
Pelo que entendi, é um vegetarianismo mais relax. Mais à brasileira,  inclusive. Um vegetarianismo sem neuras, culpas ou encanações. Um zen-vegetarianismo. Tanto que a dieta flexitariana também é conhecida por semivegetarianismo. 
Ah, o prefixo semi-... sempre distorcido e corrompido de seu sentido original e usado para encobrir patifarias e trambicagens. Sempre desvirtuado de seu significado original e exato, o de metade, como em semicírculo, e tomado com o sentido vago, indefinido e mal-intencionado de "quase", "um tanto". Se prestando a adulterar, a maquiar e a nublar a real condição do termo que precede. Prestando-se ao papel de um rábula de defesa que desvia a atenção e o foco dos jurados apenas para as supostas boas qualidades de seu cliente como forma de eximi-lo da más.
Semijoia, por exemplo. Se é semijoia, também não é uma semibijuteria de latão? Carros seminovos não são também carros semivelhos? O semi- é posto a prefixar apenas a virtude. E pudera. Quem compraria uma semibijuteira? Ou quem se disporia a dispensar uns tantos mil reais por um carro semivelho?
Quem se assumiria um semicarnívoro? Já dizer-se um semivegetariano é até chique e benquisto em meios mais refinados, posudos e inteligentinhos, parece ser uma pessoa que está num processo de aprendizagem, de elevação espiritual, até. Para mim, o semivegetariano é o carnívoro enrustido. É o carnívoro que ainda não saiu do armário.
Se alguém vier tentar lhe vender um semiproduto qualquer, fuja. Ou até compre, mas fazendo a seguinte contraproposta : eu compro o seu semitreco se eu puder lhe semipagar.
Em defesa de sua indefinida dieta, Dawn Blatner diz que uma de suas grandes vantagens é que o seu adepto, em confraternizações, festas e churrascos com amigos, não precisa se tolher de comer o que todos comem, nem se sentir constrangido por isso, ele pode beliscar uma carninha. Ou seja, o flexitariano é o carnívoro de fim de semana. É o vegetariano que só come carne "socialmente". Feito o bêbado não assumido. O senhor bebe? Só socialmente, responde o pé de cana. Mas você não é vegetariano? Só como carne socialmente, responde o sujeito.
No fim das contas, a "inovadora" dieta flexitariana nada mais é que  o bom e velho onivorismo. O comer de tudo um pouco e nas devidas porções e proporções. Condição biológica, diga-se de passagem, à qual a Natureza nos programou. Temos aparatos mecânicos e bioquímicos para processar tanto matéria animal quanto vegetal; logo, nosso organismo necessita de componentes presentes nas duas.
Nova dieta é o caralho, nova proposta alimentar é o cacete! É como me ocorreu logo de cara : mais uma patifaria, mais uma enganação, mais uma conversa para boi (e saladinha de alface e quinoa) dormir, mais um pretexto para se vender livros e dvds; e como vendem essas desgraças!
Enfim, sobre dietas, dois sábios ditados (criados por mim mesmo) resumem a questão : "Dieta é coisa de quem pode se dar ao luxo de passar fome" e "Fazer dieta é reclamar de barriga cheia".
Dawn J. Blatner. Dando uma chupadinha num suquinho detox.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Algum Veneno Que me Dê Alegria

E se um dia 
Eu morrer de umas doses,
De cirrose,
Se da vida
Essa for a minha alforria,
Se eu morrer de folia,
Irei sereno
Feliz e sorridente na despedida.
Terei morrido
Não de doença
Ou de falência :
Do tiro de clemência
Do veneno
Que tanto me ajudou a suportar a vida.

sábado, 9 de janeiro de 2021

Nas Nuvens

Há a vodka,
A querer me lançar
Para fora da órbita.
 
Há o suco de maracujá
Misturado a ela
A tentar me ancorar ao travesseiro.
 
Falta você,
O seu cafuné, o seu voto de minerva :
Para me deixar nas nuvens.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

O Cabelo Novo do Rei (Será que Ele Cortou no Jassa?)

O intrépido Bolsonaro, como todo e qualquer macho das antigas, volta e meia, tem que ir ao cabelereiro, ou, melhor, ao barbeiro : cadeiras Ferrante de ferro fundido, navalha na nuca e aqua velva na cara. E barbeiro barato, dez contos o corte, no máximo. Sem lavar o cabelo antes de cortar e sem secador! Mais que dez contos e massagem no couro cabeludo já é coisa de metrossexual!!!
Mas Bolsonaro, talvez preocupado com a contenção de despesas, com a lei de responsabilidade fiscal e com o cuidado em não dar dilmescas pedaladas, parece ter colocado o corte dos gastos públicos acima do corte do próprio cabelo. 
Ontem, surgiu assim, madeixas aparadas e repaginadas. 
É o novo cabelo do Rei! Mas diferentemente do conto dinamarquês em que todos fingem não perceber que o rei está nu, para não expor o monarca à vergonha e ao constrangimento, o sempre lúdico e gaiato brasileiro quer mais é que o rei se foda!
Comparações e memes zombeteiros já tomam de assalto a web. O novo corte de Bolsonaro é comparado ao de Lloyd, personagem de Jim Carrey no filme Débi e Loide, passando pelo corte de Justin Bieber em início de carreira, bonequinho do Playmobil, e culminando com o estilo de Joselino Barbacena, da Escolinha do Professor Raimundo.
De minha parte, acho que o Bolsonaro, repito, para não prevaricar da lei de responsabilidade fiscal, cortou o cabelo no Pombo, aquele que caga na sua cabeça; ou no barbeiro Bezerra, aquele que a vaca lambeu, ou ainda na Barbearia Quatro Irmãos : dois seguram, um corta e o outro fica dando risada !!!!!!
Pãããããããta que o pariu!!!!!
O que sei é que ele não cortou no Jassa! Nem no meu chapa Antenor Barbeiro!

Mate o Véio

"Mate o véio, mate o véio, mate o véio, maaaate o véio..."
O comunavírus ouviu e pensou que fosse com ele. 
O corpo e a barriga serão velados na boutique de Severina Xique-Xique.

Genival Lacerda
1931 - 2021

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Dias de Chuva São Para se Ficar em Casa (parte final)

“E seu meio-irmão Loki, deixou de querer destruir-lhe?”
“O Loki... Ele nunca quis me fazer mal, realmente. Ele é só o irmão mais novo querendo atenção. Ademais sendo adotado. Sabe aquele engraçadinho da família? Aquele que põe sal no açucareiro, aquele que amarra bombinhas no rabo do gato, que dá pra você uma bala com tinta dentro?” 
“Sei, sim.”, dei um gole e lembrei de que eu fui um desses na minha infância. 
“Pois é, Loki era dessas crianças travessas, uma criança travessa com as habilidades de um deus, mas ainda uma criança. Ele nunca teve chance alguma de causar mal real, a mim ou a Asgard. O danado é quem animava os almoços da família aos domingos. Pai Odin se fazia de sério, cerrava seu único olho em reprovação, ralhava com Loki, castigava-o, às vezes. Porém sempre gostou de suas momices.”
“E o que é feito de Loki, hoje?”
“Cresceu, mortal. De criança traquinas, verteu-se em adulto triste. Não apronta mais das suas, anda abusando do mulso, deve fortunas em todas as tabernas de Asgard. No começo, ele mandava o taberneiro pôr a despesa na conta do Pai Odin, mas depois descobriram seu embuste e ele é persona non grata em todo o circuito boêmio de Asgard. Aliás, beber e mandar a conta para Pai Odin deve ter sido sua última traquinagem, depois disso, nunca mais um sorriso demente foi visto em seu rosto.” 
“Sempre pensei que vocês fossem parecidos com as famílias Reais daqui, que ainda existem em certos países, cada membro tem lá uma espécie de salário, uma mesada. Vocês não têm?” 
“Já tivemos, mortal. E como já tivemos!!! Na ocasião, Asgard era próspera, luminar, os impostos nos chegavam aos borbotões. Hoje, além das atividades de subsistência, nada é produzido, a população empobreceu, Pai Odin desonerou os cidadãos da maioria dos impostos, mal temos para a manutenção do palácio - só conseguimos manter uma velha Troll que faz limpeza uma vez por semana -, quanto mais para mesadas e salários. Eu, felizmente, ainda tenho umas reservas, vou ter uma confortável aposentadoria”. 
“E como Loki faz pra beber até cair, pra encher o cu de mulso?” 
Pergunta oportuna, inclusive. Lembrei naquele momento que eu também não tinha dinheiro para pagar todas aquelas ampolas que Thor tava tomando, menos de vinte tivessem sido, até aquele instante, e eu cortava meu saco. 
“Não sei ao certo, perdemos contato há muito tempo e não se pode dar muito crédito ao que o povo comenta, povo adora uma maledicência. O corrente é que Loki anda de amizades com os deformados Trolls, que desce aos seus infectos subterrâneos e com eles bebe e dança a noite toda. Intoxica-se de uma imitação de mulso, um mulso clandestino produzido por tais anões. Espanto não seria, corre das más-linguas , que, logo, Loki passeie por Asgard pisando em cascos ao invés de pés. Pai Odin certa vez baixou um decreto proibindo a fabricação clandestina dessa bebida, asgardianos de menos posses a obtinham por contrabando, certos Trolls amealharam fortunas, mas o decreto não pegou e, hoje, como todos os asgardianos são de poucas posses, Pai Odin faz vista grossa – a única que Ele tem – ao contrabando. Ao menos, a bebida é uma maneira barata do povo aliviar as mágoas, a bebida entranhada na cultura de um povo é um excelente auxiliar para um Rei a governar miseráveis”. 
“E não tem jeito, Thor? Essa ruína de Asgard é irreversível, definitiva? “ 
“Sabe do que Asgard precisa há eras, mortal? Uma guerra. Uma guerra que deixaria as suas duas Mundiais, reunidas, a parecer briga de vizinhas. Uma guerra poria desenferrujadas todas as engrenagens, todos se mobilizariam, as forjas, novamente aquecidas, paririam armas reluzentes, os campos abandonariam sua menopausa, abasteceriam cornucopiosamente as despensas, resguardo para um possível cerco, as mulheres se reuniriam em torno de seus tachos e caldeirões e, em meio ao seu intrínseco falatório confuso e estridente, cozinhariam para seus guerreiros, preparariam emplastros e poções para curá-los, os guerreiros colocariam os dentes a tomar sol, beijariam suas mulheres ao sair e, à noite, ao seu retorno, teriam seus paus duros a oferecer, as crianças teriam o principal, amigo mortal, as crianças teriam esperança!!!"
 “Esperança, Thor? Que tipo de esperança uma guerra pode trazer?” 
“A melhor de todas, mortal! A esperança de ficar vivo!!! Numa guerra, todos se ocupam de permanecer vivos. Uma sociedade não dura muito tempo sem guerras. Tanto os homens como os deuses só caminham com uma espada em seus rins.” 
“E os inimigos clássicos de Asgard, Thor? Ymir, o gigante do gelo, Surtur, o do fogo?” 
“Há! Há! Há! Há! Sim, eles invadem ainda a sala do trono do Pai Odin. Surtur às terças-feiras e Ymir às quintas. Revezam-se em intermináveis jogos de xadrez com Pai Odin. A maior ameaça que representam é darem um xeque-mate no Todo-Poderoso.”, e o conteúdo de outra ampola desapareceu goela abaixo. 
“Você disse que não existem mais batalhas, certo?” 
“Certo. Ninguém mais quer invadir e tentar a posse de um reino em ruínas”, e botou uma tristeza enorme na face, tristeza de quem já sabia o que eu iria perguntar em seguida. E eu perguntei, fui cruel. 
“E como fica o maior momento da vida de um guerreiro como você? Não terá mais direito à glória do Valhalla? Nada de Valquírias peitudas a buscar seu corpo tombado na justa? Nada de batalhas ao dia e banquetes e orgias à noite sob o teto do castelo de Valhalla?”, achei que tinha pegado pesado, mas Thor pouco se importou. Que merda vale o comentário descuidado de um mortal? 
“Verdade todo o seu dito. Nada de Valhalla para mim e os que ainda vivem. Morreremos, sim. Pela falta de fé, morte lenta, agonizante, inglória. Morreremos como seus anciãos, prostrados em um leito, cagando-se e se mijando, sufocados em nossos excrementos. Sem batalhas, sem sangue, sem Valquírias em cavalos alados. As Valquírias, hoje, cuidam dos netos, fazem tricô e ganham peso, tornam-se velhas obesas, de peitos caídos, e felizes.” 
Se deuses fossem capazes de pranto, Thor teria chorado naquele instante. Arrependi-me da minha pergunta. Busquei desviar o assunto, consertar a situação. 
“Olha, Thor, vamos mudar de assunto, certo? Nós viemos aqui para nos divertir. Eu tô indo de novo ao banheiro e na volta trago mais duas ampolas pra você. E sabe aquelas duas maravilhas com quem conversei há pouco? Pois então, estão querendo te conhecer, perguntaram se não poderiam sentar aqui com a gente. O que acha de, depois de ir ao banheiro e pegar as ampolas, eu chamá-las?” 
“Faça como quiser, mortal. Aqui é seu reino.” 
Não foi resposta das mais animadas, mas tomei-a como uma afirmativa. A guerra traz esperança... Só na idéia de deuses. A possibilidade de uma boa buceta ao fim da madrugada é que traz. Mijei cantarolando e cantarolando cheguei ao balcão do Laércio para mais duas ampolas e uma long neck. 
“O teu amigo acabou de ir embora, falou que não era possível esperar por você, a coisa me pareceu uma emergência”, me informou tristemente o Laércio, mais umas duas horas e Thor teria limpado o estoque do bar. 
“Como assim foi embora? Por quê?”, e um início de remorso começou a se avizinhar. Será que ele se ofendeu com minha rude pergunta? Burro!!! Sempre fui burro!!! 
“Só o que ele me disse é recebeu uma convocação de um tal Pai Odin. Achei estranho esse negócio de Pai Odin, ele me pareceu um rapaz distinto, nunca pensei que pudesse mexer com essas coisas de macumba. E como esse Pai Odin falou com ele? Aqui ninguém entrou já faz quase uma hora e o rapaz nem celular tinha.” 
Tá certo. Para o Laércio, distinto é quem lhe dá lucro; nesse sentido, ele nunca terá freguês mais distinto que Thor; eu nem queria pensar na conta. E aquilo da macumba só podia ter vindo mesmo do Laércio, pensar que Pai Odin é uma espécie de pai de santo, orixá ou que tais, pai Ogum, mãe Oxum, oh misifio... Só na cabeça do Laércio. 
“Tá, tá, Laércio!!”, apavorei-me, como iria conseguir uma buceta? Thor era meu chamariz, “E o que esse Pai Odin falou pra ele?” 
“Não entendi direito, ele falou muito rápido, e que sotaque mais excomungado esse seu amigo tem, hein?” 
“Fala logo, porra. Desembucha, caralho”. 
“Parece que a casa deles tá sofrendo uma invasão, um assalto, sei lá, e o velho tá chamando todos os filhos em socorro. Mas sabe o mais engraçado? Uma invasão, um assalto, seqüestro ou sei lá o quê, é uma coisa triste, certo? E o rapaz disse isso com um enorme sorriso, como se tivesse ganho a mega-sena acumulada. Deve ser louco esse seu amigo.” 
“Tem certeza do que ouviu, Laércio? Asgard está sendo invadida?” 
“Ei!!! É isso mesmo, é esse o nome que ele falou, que nome estranho para uma casa, não acha? Onde fica essa porra?” 
Deuses têm deuses? Se sim, os deuses de Thor haviam atendido às suas preces. E torci, naquele momento, para que ele perecesse naquela batalha, provavelmente a derradeira de Asgard, torci para que ele se acomodasse no aposento que lhe é de direito no castelo de Valhalla e torci para que, todas as manhãs, uma Valquíria-camareira chegasse até ele com o café, trocasse as suas roupas de cama e fizesse-lhe uma boa duma chupetinha. Sorte para você, amigo. 
“O rapaz deve mesmo ser louco”, prosseguiu o Laércio, “ficou tão eufórico que, tá vendo aquelas duas boazudas ali?, enlaçou uma em cada braço, as levantou do chão, tascou um puta dum beijo em cada uma e saiu quase derrubando a porta.” 
Olhei para as duas e elas estavam mesmo com caras de quem foram beijadas por um deus. Pensei em ir até lá fora, mas sabia ser inútil. Naquele momento, Thor já estava em Asgard, ou a caminho de lá, todo feliz Fiquei feliz por ele. Eu não terei minha chance de batalha derradeira, não terei Valhalla e nem Valquírias peitudas e de tranças. E era hora de acertar a conta com o Laércio, hora mais temida que a do Ragnarok, ao menos por mim.” 
“Foram quatro long necks e 26 ampolas, das de 600 ml.”, proferiu Laércio seu veredicto final, sua condenação sumária. 
“Mas teu amigo deixou algo aqui pra te ajudar nas despesas”, disse Laércio e jogou , sobre o balcão, uma moeda amarelada, que fez um som pesado, maciço, ao chocar-se contra o granito. 
“Digo a você que é ouro puro.”, garantiu Laércio com a segurança de um numismata. 
“E como pode saber, Laércio?” 
Laércio pegou a moeda no balcão e cravou-lhe os dentes. 
“Tá vendo? É puro ouro.” 
Tudo bem. Se existe alguém que, no século XXI, é capaz de saber o ouro apenas mordendo-o, esse alguém tinha que ser o Laércio. 
“E deve ter quase uns cem gramas aqui.”, avaliou Laércio, movimentando sua mão para cima e para baixo, sopesando a moeda, “dá para pagar todo o meu estoque e ainda sobra para uma fodelança da boa com aquelas duas boazudas.” 
Peguei a moeda da mão do Laércio e a observei. A efígie de Odin, o caolho, em uma das faces e Asgard e sua Bifrost na outra. Fiquei contente em saber que a Bifrost era real, o teleporte devia ser apenas uma opção, uma opção mais rápida, menos poética. Um deus que paga suas contas, pensei, um deus honesto... Que decadência. 
“Tudo bem que eu possa comprar essa sua espelunca com essa moeda aqui, mas hoje vou ficar lhe devendo, vou guardar a moeda comigo. Faz as contas.” 
E o Laércio as fez. Com vontade. Com gana. Acho que acrescentou até os 10% do garçon. Não existem garçons no bar do Laércio. Ele tava muito afim de ficar com aquela moeda. O que eu tinha no bolso cobriu a quarta parte da despesa, o resto eu paguei na semana seguinte. E o Laércio nem exigiu que eu assinasse promissória ou algo do gênero. E não foi por amizade nem pela solidez de um cliente de 12 anos, nada disso. Ele sabia que eu não fugiria do seu bar, sabia que eu voltaria na semana seguinte. Esperto, o Laércio, sabia que eu não tinha outro lugar pra ir. 
Tentei, à saída, conversar com as duas gostosas. Disse-lhes que meu amigo tinha dado uma saidinha rápida e que logo voltaria. Propus que, enquanto isso, elas se sentassem comigo. Não as convenci. Perceberam minha mentira logo de cara. Ele disse que não voltaria tão cedo, elas me disseram. Valeu pela ajuda, Thor, amigão. Não seria ainda daquela vez que eu pegaria alguma coisa no bar do Laércio. Que se fodessem as duas, estavam pensando o quê?, que enfiassem aquelas bucetas no cu. 
Sem buceta, sem Valhalla, sem dinheiro... 
E a noite terminou muito mais triste do que começou. 
Não obstante, o céu, a caminho de casa, não exibia única nesga de nuvem; era quase possível divisar uma figura, com uma marreta à cintura, a caminhar de alma leve por sobre o imperceptível arco-íris noturno. 
O céu, a caminho de casa, estava estrelado. 
Soberbamente estrelado.