terça-feira, 31 de março de 2015

O Deus-Hambúrguer-de-Minhoca

"A Igreja é a casa de Deus, é a morada do Senhor." 
Tive mais contato com religiosos - padres e fiéis - do que gostaria de. Como aluno, estudei por 3 anos em colégio de padres e como professor, lecionei para muitos meninos seminaristas, que, antes de ingressarem no seminário maior, iniciarem seus estudos em teologia e filosofia, precisavam terminar seus colegiais em escolas comuns, o que me levava a ter contato, nas reuniões de pais e mestres, com os padres responsáveis pelos menores aos seus cuidados.
E na boca deles, a tal casa do Senhor era o clichê dos clichês, o chavão-mestre dos chavões. Algumas vezes, inclusive, fui convidado a fazer uma visita à casa do Senhor, como alguém que convida um vampiro para se sentar às suas mesas. Incautos, bem-intencionados e sortudos religiosos... parece mesmo que a sorte favorece os descuidados : nunca lhes aceitei os convites, não me interesso pelo sangue eclesiástico, muito menos pelo de Cristo.
Supondo a absurda existência de deus, a sua casa, a casa do criador, gerenciador e mantenedor do Universo, não poderia ser outra que não o imenso, embora finito, não obstante em constante expansão, Universo. Cada átomo de hidrogênio, cada grão de poeira cósmica, cada cauda de cometa, cada buraco negro, cada embrião de galáxia, cada estrela natimorta seriam a casa do Senhor, a toca, o abrigo, o ninho de deus.
Trancafiá-lo em um claustro de engenharia humana? Reduzir-lhe a pagador de IPTU? Fazê-lo cativo de quatro paredes de cal, argamassa e tijolos, decoradas por santos ensanguentados vestidos de púrpura e de culpa, e encimadas por um sino de bronze a anunciar que a hora de visitação a um deus feito em atração de circo chegou?
Imputar uma casa física a deus é a tentativa de torná-lo, literalmente, em uma dona de casa, de colocá-lo à disposição e à servidão de um marido truculento e machista - o ser humano - que só recorre à esposa para satisfazer as próprias necessidades; é botar deus numa garrafa de gênio e deixá-lo à mercê de seus três desejos. Contemplar deus no sorteio do Minha Casa, Minha Vida é reduzir demais a importância do Todo-Poderoso. Melhor não acreditar no dito cujo do que diminui-lo assim.
As Igrejas não são as casas do Senhor. São franquias de deus. McDonalds da fé. De mesma praticidade das referidas lanchonetes, as igrejas; feitas sob medida para quem não quer preparar a própria comida, definir o cardápio, pensar sobre os ingredientes, sair à compra deles, selecioná-los, limpá-los, condimentá-los, dosá-los à suas corretas proporções, pô-los a marinar, a pegar o tempero, proceder a lento e parcimonioso cozimento e, finalmente, degustar cada garfada, com calma e em silêncio, tentando reconhecer no produto acabado cada componente formador, ponderando se o resultado foi o esperado, no que ele poderia ser mudado, melhorado.
As Igrejas são os fast foods de deus. Os drive-thrus da fé. Pegam deus, acrescem-lhe mitologias difusas e vãs filosofias e põem tudo no moedor de carne. O resultado é uma maçaroca disforme, de má aparência e, no mais das vezes, fedorenta, sabendo a sebo e a decomposição. Acrescentam-lhe corantes, aromatizantes, conservantes, prensam-no em discos, acondicionam-no em embalagens coloridas e brilhantes e está pronto o hambúrguer de deus. Repito, de mesma praticidade que o do McDonalds, e tão insípido, insosso e sem substância quanto ele.
E, feito também o do McDonald, o hambúrguer de deus não é um hambúrguer de verdade, não corresponde ao anúncio que se faz dele. 
O verdadeiro hambúrguer de carne vem de verdejantes pastos, de portentosos animais, de nobres carnes bovinas; o do McDonalds, reza uma lenda urbana, vem em parte de lugares mais subterrâneos, tem boa proporção de carne de minhoca, de minhocuçu.
O verdadeiro hambúrguer de deus, supondo de novo a absurda existência Dele, seria encontrado na contemplação e admiração dos supostos feitos e obras divinos, na observação reverente da Natureza e de suas forças, de seu intrincado equilíbrio e funcionamento. E não na consumição em culpa e remorso, não na purgação pelo sofrimento e privação, não no temor, nos joelhos dobrados e na cabeça baixa frente ao hipoteticamente divino, ou seja : nunca dentro de uma Igreja, de um McDonalds. É o deus-hambúrguer-de-minhoca.
Por preguiça e mais ainda por burrice, que todos empurram para debaixo dos tapetes, que todos disfarçam sob a máscara da "falta de tempo", continuam comprando gato por lebre, minhoca por boi, igreja por deus, e deus por salvação.

domingo, 29 de março de 2015

Sábio Serguei

Certíssimo, o Serguei. Novela cozinha o cerébro mais do que LSD. Lúcido pra caralho, em seus delírios psicodélicos. E cantando os clássicos do rock'n'roll, aos 81 anos.

sábado, 28 de março de 2015

A Origem do Azarão, para "J"

O bom e velho rum é elemento recorrente em meus contos e poemas, como também é recorrente os leitores do blog que não me conhecem pessoalmente perguntarem qual a minha relação com a bebida âmbar, com o maná das antilhas, com o néctar que beija-flor não beija. Qual a relevância, a influência, a inspiração, a medida do rum na vida do Azarão?, querem saber.
Pois, finalmente, a verdade que só os iniciados conhecem será revelada ao grande público. A origem do mito do Azarão será agora descortinada. Sim, o Azarão, como todo alter ego, como toda identidade secreta que se preze, tem uma origem acidental, conturbada e traumática, uma dessas brincadeiras que o Destino apronta para matar o tédio. Eis a gênese do Azarão.

Kal-El, retirante espacial, parido sob o rubro e sanguíneo sol de Krypton, quando exposto ao nosso amarelo, icterícico e anêmico astro-rei, paradoxalmente, tornou-se o Super-Homem, o invulnerável Homem de Aço; Peter Parker, CDF quatro-olhos, bombardeado pelas quelíceras de uma aranha de hiroshima, transformou-se no incrível Homem Aranha, forte, acrobático, o amigo da vizinhança; Robert Bruce Banner, cientista cinzento de porão, no clorofilado e vicejante Hulk se transfigurou ao ter suas células adubadas por raios gama; Steve Rogers, voluntário raquítico a serviço do Tio Sam, inoculado pelo supersoro e posto a fermentar em cultura de levedos de raios vita, cresceu feito massa de pão, reconfigurou-se no embandeirado Capitão América, o primeiro super-herói anabolizado das HQ.
Eu, portador da síndrome da timidez congênita, eremita de mim mesmo, cabação até a medula, entrei de gaiato num navio, num navio pirata, e, clandestino, fui posto a caminhar pela prancha, jogado a um encapelado e revolto mar de rum, a um oceano furioso de cuba libre. Contudo, o que era pra ter sido meu funeral, foi minha fênix; o que era pra ter sido meu esquife, nova placenta. Emergi, ainda que não soubesse à ocasião, transmudado no Azarão : foi só questão de tempo até perceber minhas novas habilidades, aprender a lidar com meus recém-adquiridos poderes e, como com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, usá-los na cruzada mais justa e santa de todas, a conquista de bucetas, campanha de guerra impossível antes do rum. A cuba libre tornou-se a poção mágica do druida Panoramix, e eu, seu mais digno e dedicado Asterix.
Fui batizado e convertido ao rum em 1989, na cidade de Araraquara, durante uma semana de estadia na república de meu primo Leitinho, num evento interdimensional de proporções e desdobramentos cósmicos que ficou conhecido, pelos que dele participaram e sobreviveram, como As Guerras Secretas.
Era mês de junho, foi em uma semana de festividades e folguedos universitários - quando universitário tinha que fazer jus ao título, quando não havia facilitações para o incapaz ingressar nos quadros acadêmicos, Enem, Sisu, ProUni etc, quando se ouvia Ira!, Barão, Doors e Ramones nas festas e não o abjeto sertanejo -, e eu, de saco cheio do trabalho e do próprio curso superior que também cursava, chutei o balde e para lá me dirigi em temporário autoexílio, na boa e canalha companhia dos amigos Marcellão e César.
Então, a semana chegou ao seu ponto culminante - creio que era uma quinta-feira -, era o tão esperado dia da Festa na Bat-caverna, no D.A. da Farmácia. Antes de prosseguir, devo registrar que 1989 foi um ano atípico e memorável, foi o cinquentenário do Batman, o morcegão estava em evidência, Tim Burton lançou Batman, o filme que devolveu o personagem ao rol dos heróis sérios - feito que, nos quadrinhos, Frank Miller havia realizado dois anos antes -, várias foram as minisséries e graphic novels comemorativas lançadas pela editora Abril, 1989 foi o ano chinês do morcego; e foi sob os auspícios do signo do morcego que eu ganhei meu duplo, meu Mr. Hyde, meu totem, o Azarão.
Voltando : foi quando, no pré-aquecimento para a Festa na Bat-caverna - a canalhada toda reunida na república do Leitinho -, alguém apareceu com uma PET de dois litros de Coca-Cola e um litro de rum Montilla, com um sorridente pirata estampado no rótulo.
Até então, eu já com 22 anos de idade, nunca pusera solitária gota de álcool na boca, nem mesmo a rasa taça de Cidra Cereser permitida nas festas de fim de ano da família.
Não me lembro de quem me deu a primeira dose da alquímica e transmutadora mistura, mas gostei e fui entornando como se ali só refrigerante houvesse - desconhecia as vantagens e os reveses da cuba libre, sua benção e sua maldição. Depois de sei lá quantas doses, comecei a sentir o formigamento, o anestesiamento da face e dos membros, uma leveza inédita, uma força sem precedentes a me correr pelas veias. E fui entornando.
Sem anticorpos nem ao menos enzimas contra o álcool, despenquei sem aviso, de um momento para o outro, de uma asséptica estratosfera ao esgoto mais infecto. Em um infinitesimal átimo, do Olimpo ao Hades. Comecei a dar trabalho. A vomitar e vomitar. A golfar feito a menina do Exorcista, a não mais conseguir me manter de pé. E a hora da Festa na Bat-caverna chegando.
Meu amigo Marcellão, o único abstêmio do lugar, levou-me para o chuveiro, vomitei no chão do box, pela boca e nariz, um grão de feijão entalou em minha narina esquerda; ele, estoicamente, limpou tudo, pôs-me sob a supostamente revigorante água fria - não me revigorou em nada.
Decretaram, então, que eu estava imprestável, totalmente incapacitado para a Festa na Bat-caverna (e eu estava mesmo, apesar de me sentir o dono do mundo), decidiram que eu só ia dar trabalho, causar transtornos e, portanto, que eu iria ficar em casa.
Após o banho, jogaram-me em uma das camas da república; eu, desfalecido, só de cueca e a perceber nitidamente o movimento de rotação do planeta, e como girava o filho da puta. Resolveram me deixar para trás, amigo caído em campo de batalha, trancado na república. Lembro deles saindo pela porta da sala, trancando-a e eu incapaz de segui-los, tentando decidir o que era chão e o que era teto.
E só me lembro dos acontecimentos até esse ponto da história. Tudo o que vem a seguir é baseado em relatos de outros, do que me contaram no dia seguinte.
Ocorreu que, não obstante mente e memória estarem tombadas ao poder do rum, o meu corpo, jovem e viril, catapultou-se em arco reflexo da cama, não jogou a toalha no ringue da embriaguez, um pugilista nocauteado em pé que continua a procurar pelo queixo ou pelo fígado do adversário.
Conta meu amigo Marcellão, para quem quiser ouvir, e também para quem não quiser, aliás, conta para todos que tiver oportunidade, que assim que percebi que fora abandonado ao leito, talvez o de minha morte, levantei-me e tentei alcançar meus carcereiros, mas era tarde, a porta já estava trancada e eles todos, fora da casa, à calçada. Conta que eu, então, escancarei a grande janela da sala, que dava para a rua, agarrei-me e subi em suas grades e, só de cueca, comecei a tentar arrancá-las, a chacoalhá-las. E a gritar e esbravejar : - eu quero comer um cu! eu quero comer um cu! eu quero comer um cu!
E continuo querendo até hoje.
O Azarão havia se instalado. Definitivamente.
O resto, é história. São histórias.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Morre Zé Bonitinho, o Perigote das Mulheres

Ele entrava altaneiro, com suas roupas que já eram cafonas no tempo em que se usava o termo cafona, de coloridos berrantes e tecidos laminados, a envergar a indefectível gravata-mariposa, um manequim de brechó, topetão e costeletas brilhantinados, bigodes finos de finório, magro de fazer pena, feio de dar dó, andar de um gingado desengonçado, de ganso manco e bêbado.
Não obstante, caminhava como se a Praça e tudo e todos nela lhe pertencessem, seguro e confiante de seu poder de sedução, feito um besouro que só voa porque não sabe de sua impossibilidade aerodinâmica de voar. E não se fazia de rogado nem de modesto, já abordava e se atracava à mais gostosa do lugar, à mais peituda, e, sem delongas nem prolegômenos, apresentava-se : "Zé Bonitinho, o perigote das mulheres, aquele que não é caminhão de gás, mas a mulherada tá correndo sempre atrás, voz quente e olhar extremamente caliente, bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche  la última vez".
A gostosa, claro, repelia, rejeitava e desprezava aquela figura franzina, encurvada e caquética. Ferido em seu brio de garanhão resfolegador, o que Zé Bonitinho não conseguia por bem, obtia por mal. Usava sua suprema arma secreta. Puxava de novo a gostosa para si, abria seu paletó, sacava um enorme mandiocão de seu interior e o exibia para aquela que o desdenhara : "garota, pegue a mandioca do Zé Bonitinho".
E a mágica donjuanesca se fazia. Diante de tão grosso e taludo tubérculo, a gostosa capitulava, afogueada de tesão : "mas que mandiocão, Zé Bonitinho"!!! E começava a agarrar freneticamente seu conquistador. Mais uma vítima havia sido feita pelo perigote das mulheres. Mas para Zé Bonitinho não bastava apenas conquistar sua presa, ele tinha que deixá-la totalmente subjugada e submissa, jogada a seus pés, a implorar por seus beijos. E vinha o arremate, Zé Bonitinho olhava para a câmera e ordenava : "câmeras, close; microfone, please. Agora, garotas do meu Brasil varonil, vou lhes dar um tostão de minha voz, if I had a thousand women, au, au, au, au..."
A voz maviosa de Zé Bonitinho era o golpe de misericórdia, a gostosa pulava em seu pescoço, afogava-o entre os seus peitões e pedia : "me beija, Zé Bonitinho, me beija". Zé Bonitinho, a la Clark Gable, tomava a donzela em seu braços e aproximava seus lábios dos dela, até quase beijá-los, aí, afastava-se bruscamente e largava a gostosa : "negativo, garota, hoje já beijei 999 mulheres, estou de boca mole"
A gostosa insistia : "me fala, Zé Bonitinho, me fala, o que é que eu faço para lhe ter"? "Para ME TER, garota? - dizia Zé Bonitinho - para ME TER, me espere ali na esquina, ao lado da farmácia". A gostosa ia e o eterno dono do banco da Praça, Carlos Alberto de Nóbrega, perguntava : por que ao lado da farmácia, Zé Bonitinho? "É que hoje ela vai ver o que é bom para tosse!!!" E saía vitorioso em seu passo desengonçado.
A cena acima, com pouquissimas variações, repetiu-se milhares de vezes desde a estreia de Zé Bonitinho, personagem criado por Jorge Loredo, no programa Noites Cariocas, transmitido pela extinta TV Tupi, em 1960.
Foram mais de 50 anos de Zé Bonitinho. E a sua atuação imutável, sem novidades, nunca o tornou cansativo, tampouco menos engraçado. Pelo contrário, quanto mais se repetia, mais hilário ficava, o que é próprio dos grandes personagens, dos clássicos. E à medida que a idade avançava sobre Jorge Loredo, mais ela se adequava a Zé Bonitinho, quanto mais velho, mais encurvado, mais feio, mais coerente e sedutor o absurdo Zé Bonitinho se tornava.
As garotas do meu Brasil varonil estão de luto. Jorge Loredo morreu hoje, aos 89 anos, por falência múltipla dos órgãos. Falência de quase todos os órgãos. Menos do seu mandiocão. Que o mandiocão do Zé Bonitinho é imperecível!
E deixou um último desejo : "enterrem meu mandiocão embaixo do banco da Praça".

quarta-feira, 25 de março de 2015

Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa... (28)

Zé Ramalho é o alquimista da MPB!
Suas letras nos evocam imagens de antigos sábios, doutos nas ciências ocultas, debruçados sobre pergaminhos, palimpsestos e incunábulos, cozinheiros a condimentar caldeirões de Medeia, a alimentar fornos, cadinhos e retortas, dourando o chumbo, prolongando a vida; imagens rubro-fuliginosas, em amarelo velho, em color sépia, certo?
A linguagem de Zé Ramalho é a dos místicos, dos ascetas, dos iogues, dos que se elevaram do carnal, do terreno, do mundano, é rica em cabalismos, mantras e aliterações que se prestam a induzir transes de além-consciência, que conduzem à unificação com planos astrais superiores, certo?
A poesia de Zé Ramalho anuncia novas eras, novos Aeons, realinhamentos planetários, comunhões de galáxias, astros vagabundos, é um alerta hermético para que o ser humano se dedique ao autoconhecimento e se reintegre, uno e indissociável que é, filho rebelde, à matriz universal que foi seu berço, certo?
Certo porra nenhuma!!!
Não tem nada de místico, de transcendental, de Hermes Trismegisto, de transmutações ou de gnoses no trabalho de Zé Ramalho. Não há logosofias nem teosofias, não há mensagens cifradas ou subliminares, não há sociedades alternativas nem fraternidades secretas, milenares e conspiradoras.
Nada disso é matéria-prima nem estopim para a obra do primo mais bonito da Elba Ramalho. O que nutre e move o talento criador de Zé Ramalho não é o etéreo e o imortal da alma nem a elevação espiritual rumo à reunificação cósmica, dilacerada pelo Big Bang, que fendeu matéria e essência.
A força motriz das canções de Zé Ramalho é o trivial e mais que palpável pé na bunda. É a desilusão amorosa, é a dor de cotovelo, é a fossa, meu chapa, é a fossa...
Um exemplo é a letra de uma de suas mais belas canções, Chão de Giz, para a qual já ouvi, de fãs e de críticos musicais e literários, as mais diversas, estapafúrdias e rebuscadas interpretações, todas atribuindo conotações místicas e espirituais aos versos do trovador-mor de Brejo da Cruz.
Então, dei de cara, no blog de meu primo Leitinho, o Química Mix, com a verdadeira explicação para Chão de Giz, dada por ninguém mais ninguém menos que o próprio Zé Ramalho, que desmistifica, literalmente, a complexa e intrincada letra.
O negócio foi o seguinte : quando jovem, em um dos velhos carnavais de João Pessoa, Zé Ramalho se envolveu com uma mulher mais velha, uma coroa muito da gostosa casada com uma figura ilustre e influente da sociedade local e manteve um caso escuso com a dona durante algum tempo. Diante do fato posto de que essa dama da sociedade jamais abandonaria seu casamento para ficar exclusivamente com um "garoto pé rapado", que estava com ele por diversão, apenas para "usá-lo", Zé Ramalho pôs fim ao relacionamento, sofreu barbaridades e chegou a mudar de casa e cidade para não mais vê-la e evitar, assim, a tentação de uma volta, de uma recaída. E compôs Chão de Giz.
O que mostra, mais uma vez, que não há vencidos nem vencedores na velha e eterna luta dos chifres. Corno e corneador saem igualmente feridos da peleja
Chão de Giz não tem nada filosofias indecifráveis nem de contatos extraterrestres e abduções, tem é da boa e velha buceta, a esquiva e fugidia buceta.
Antes, porém, de reproduzir a explicação de Zé Ramalho e, em seguida, a letra completa de Chão de Giz, se faz necessário um parêntese, uma ligeira observação : já imaginaram a desgraça que não devia ser o marido da biscate, a ponto dela trai-lo com o Zé Ramalho? Imagine um amigo, ao ver o corno de chifre baixo e semblante macambúzio, perguntar-lhe sobre o motivo de tanta tristeza. Fui traído, responde o corno. O amigo toma ares consternados, solidariza-se com o corno. E pergunta : sabe com quem ela te traiu? Com o Zé Ramalho, responde o corno. Aí, o amigo, e não o culpem pela injuriosa falta de companheirismo, faríamos o mesmo em seu lugar, não aguenta, desbraga-se em gargalhadas. Corno do Zé Ramalho! Humilhação dupla para o chifrudo. Ainda se fosse do Chico Buarque...
Eis a explicação dos principais versos de Chão de Giz:
“Eu desço desta solidão e espalho coisas sobre um chão de giz”
Um dos seus hábitos, no sofrimento, era espalhar pelo chão todas as coisas que lembravam o caso dos dois. O chão de giz indica como o relacionamento era fugaz.
“Há meros devaneios tolos, a me torturar”
Devaneios e lembranças da mulher que não o amou. O tinha como amante, apenas para realizar suas fantasias. Quando e como queria.
Fotografias recortadas de jornais de folhas amiúdes”
Outro hábito de Zé Ramalho era recortar e admirar TODAS as fotos dela que saiam nos jornais – lembrem-se, ela era da alta sociedade, sempre estava nas colunas sociais.
“Eu vou te jogar num pano de guardar confetes”
Pano de guardar confetes são balaios ou sacos típicos das costureiras do Nordeste, nos quais elas jogam restos de pano, papel, etc. Aqui, Zé diz que vai jogar as fotos dela nesse tipo de saco e, assim, esquecê-la de vez.
“Disparo balas de canhão, é inútil, pois existe um grão-vizir”
Ele tenta ficar com ela de todas as formas, mas é inútil, pois ela é casada com um homem muito rico.
“Há tantas violetas velhas sem um colibri”
Aqui ele utiliza de uma metáfora. Há tantas violetas velhas (Como ela, bela, mas velha) sem um colibri (um jovem que a admire), dessa forma ele tenta novamente convencê-la apelando para a sorte – mesmo sendo velha (violeta velha), ela pode, se quiser, ter um colibri (jovem).
“Queria usar, quem sabe, uma camisa de força ou de vênus”
Este verso mostra a dualidade do sentimento de Zé Ramalho. Ao mesmo tempo que quer usar uma camisa de força para se afastar dela, ele também quer usar uma camisa de vênus para transar com ela.
“Mas não vou gozar de nós apenas um cigarro”
Novamente ele invoca a fugacidade do amor dela por ele, que o queria apenas para “gozar o tempo de um cigarro”. Percebe-se o tempo todo que ele sente por ela um profundo amor e tesão, enquanto é correspondido apenas com o tesão, com o gozo que dura o tempo de se fumar um cigarro.
“Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom”
Para quê beijá-la, se ela quer apenas o sexo?
“Agora pego um caminhão, na lona vou a nocaute outra vez…”
Novamente ele resolve ir embora, após constatar que é impossível tentar algo sério com ela. Entretanto, apaixonado como está, vai novamente à lona – expressão que significa ir a nocaute no boxe, mas também significa a lona do caminhão, com o qual ele foi embora – ele teve que sair de casa para se livrar desse amor doentio.
“Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar”
Amor inesquecível, que acorrenta. Ela pisava nele e ele cada vez mais apaixonado. Tinha esperanças de um dia ser correspondido.
“Meus vinte anos de ‘boy’ – that’s over, baby! Freud explica”
Ele era bem mais novo que ela. Ele era um boy, ela era uma dama da sociedade. Freud explica um amor desse (Complexo de Édipo, talvez?).
“Não vou me sujar fumando apenas um cigarro”
Depois de muito sofrimento e consciente que ela nunca largaria o marido/status para ficar com ele, ele decide esquecê-la. Essa parte ele diz que não vai se sujar transando mais uma vez com ela, pois agora tem consciência de que nunca passará disso.
“Quanto ao pano dos confetes, já passou meu carnaval”
Eles se conheceram em um carnaval. Voltando a falar das fotos dela, que iria jogar em um pano de guardar confetes, ele consolida o fim, dizendo que já passou seu carnaval (fantasia), passou o momento.
“E isso explica porque o sexo é assunto popular”
Aqui ele faz um arremate do que parece ter sido apenas o que restou do amor dele por ela (ou dela por ele): sexo. Por isso o sexo é tão popular, pois apenas ele é valorizado. Ela só queria sexo e nada mais.
“No mais, estou indo embora”
Assim encerra-se a canção. É a despedida de Zé Ramalho, mostrando que a fuga é o melhor caminho e uma decisão madura. Ele muda de cidade e nunca mais a vê. Sofreu por meses, enquanto compôs a música.

Chão de Giz
(Zé Ramalho)
Eu desço dessa solidão
Espalho coisas sobre
Um Chão de Giz
Há meros devaneios tolos
A me torturar
Fotografias recortadas
Em jornais de folhas
Amiúde!
Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes
Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes


Disparo balas de canhão
É inútil, pois existe
Um grão-vizir
Há tantas violetas velhas
Sem um colibri
Queria usar, quem sabe
Uma camisa de força
Ou de vênus
Mas não vou gozar de nós
Apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom


Agora pego
Um caminhão na lona
Vou a nocaute outra vez
Pra sempre fui acorrentado
No seu calcanhar
Meus vinte anos de boy
That's over, baby!
Freud explica


Não vou me sujar
Fumando apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom
Quanto ao pano dos confetes
Já passou meu carnaval
E isso explica porque o sexo
É assunto popular

No mais estou indo embora!
No mais estou indo embora!
No mais estou indo embora!
No mais!

terça-feira, 24 de março de 2015

Houdinis, Almas Presas e Cubas Libres

Hoje
(talvez já seja amanhã),
Minha alma está indomável
Insofismável
Indopável. 

Acabará por aquietar-se,
Incubar-se-á
A favor do corpo
Que precisa
Em poucos giros do relógio
Levantar-se
Prosseguir
Dar mostras de vida
Dar-se ares de humano.

Mas tranquilizar-se-á, minh'alma?
De forma alguma.

Minha alma é Houdini
Que se ri
Dos cadeados
Das camisas de força
Das cervejas
E das desesperadas cubas libres
A lhes pedir a mão em casamento
Em cativeiro.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Revés

Era certo que um dia você viria. 
E você veio. 
Ver se de sangue e dor 
Meu peito ainda anda cheio. 
Veio e – estupor! – nem mesmo fóssil de qualquer dor. 
Veio e – quem diria? – nem mesmo resto seco de qualquer sangria. 
Não encontrou nem mesmo mais em meu peito 
Naquele peito, o ninho morno de estrume que lhe acolhia. Era certo que chegaria o dia em que você surgiria. 
O dia não chegou 
E ainda assim você surgiu. 
Ver se em cadeados e tuberculose 
Meu sorriso se consumiu. 
Surgiu e –decepção! – nem sinal de seu grilhão. 
Surgiu e – nem creu em sua vista – encontrou os tubérculos floridos em tulipas. 
Encontrou meu sorriso, mas ele nem lhe percebeu 
Nem sentiu seu cheiro, o meu sorriso 
Sorriso que era o seu travesseiro e seu esgoto.
 
Era certo que um dia você voltaria 
E, cão faminto, você voltou 
Ver se meus ossos ainda estavam onde você os enterrou. 
Voltou e – quase caiu das pernas! – estava vazia a sua caverna 
Voltou e – quis seus olhos vazados por espetos – havia saído para passear, o meu esqueleto. 
Não encontrou meu crânio: sua lanterna, 
Meu fêmur: seu amuleto 
Nem mesmo minha caixa torácica: seu escudo e alvo principal de sua traição. Veio para aumentar minha hemorragia, 
Reforçar minhas amarras, cariar meu sorriso, 
Roubar minhas flores 
E parasitar o último tutano de meus ossos. 
Saiu anêmica, com bolas de ferro nos pés, 
Extirpada de seus molares, 
Sem cor, seiva, nem perfume: 
Totalmente desnutrida.

domingo, 22 de março de 2015

Bukowski, Para Animar o Domingão

Se uma musa grega - sim, tem que ser grega -, uma Calíope de helênicos lábios, dóricos glúteos e jônicos peitos e cabelos e pelos bastos, revoltos, encapelados e encrespados feito o Mar Egeu em dia de ressaca de Posseidon, viesse a mim, sabendo à ambrosia brotando-lhe do entrepernas, e, em oferta, me perguntasse : - gostarias de escrever feito quem? Homero? Ésquilo? Hesíodo? Eurípedes? Virgílio? Camões? Dante? Cervantes? Shakespeare? Pessoa? James Joyce? Machado de Assis? Suassuna?
Eu, passando a ela uma lata aberta de gelada cerveja, já com uma semiereção e a imaginar carnais odisseias, pentelhos tricotados de Penélope e ilhas de Lesbos, responderia-lhe, com a maior certeza que já tive na vida, em uma única palavra : - Bukowski. Quereria escrever como o velho Buk.
Anexo à inspiração, que ela me concederia em troca de gozos mortais, pediria-lhe também um fígado de Prometeu. Para me pôr em pé no dia seguinte a uma noite de intensa produção de textos. Um fígado de Prometeu para me recuperar do abutre, da rapina, do urubu do álcool, da insônia, da solidão. Junto ao talento, um renascimento para me salvaguardar dele - poucas coisas são mais nocivas que o talento. 
Junto ao abutre e ao urubu, a cegonha - sim, urubu e cegonha são primos taxonômicos, da ordem dos ciconiformes. Um decompõe e limpa o lixo, o outro traz vida nova a ser carcomida.
- Bukowski - responderia à pentelhuda Calíope -, quereria escrever feito Bukowski.

"Por mim eu ficava em casa, deitado em minha cama com uma boa garrafa de algo qualquer para molhar o bico; só não fico porque há de chegar o dia em que a preguiça me roubará os sonhos, a força para realizá-los. 

Tenho sonhos para concretizar, transformar em metas; sonhos inferiores a fama e fortuna; sonhos pequenos como realização pessoal e felicidade de fim de tarde, à noite, acompanhado, não dormir e acordar ao lado de quem me fez companhia nessa insônia. 

Deixo minha cama e enfrento esse mundo cheio de calamidades, rodeado por pessoas tão desinteressantes, pois no fundo ainda tenho fé que em meio a tantos humanos, resida um pouco de humanidade. Humanidade de saber respeitar, de entender que estamos abaixo da ordem natural, que uns virão, outros irão, é o normal de se acontecer. Humanidade que os animais parecem conhecer melhor, aquela que faz famílias firmes, nada desses abandonos que se vê nessas caixas coloridas que se tem hoje em dia; seja por qualquer motivo que for. 

Vou trabalhar, exalar mal humor, soltar sorrisos de vez em quando, em busca de alguém que encontre algo pelo qual lutar por trás desse casmurro que venho me transformando. Visto minha roupa de ser humano dia após dia pois há alguém lá fora que é para meu bico, que é a minha garrafa. 

Os problemas não se resolverão, sempre cá estiveram, sempre cá estarão, mas a preocupação com o que se tem de errado se amenizará. 

Vou viver com uma e somente uma pessoa e quando essa garrafa esvaziar-se, não será hora de arranjar outra na esquina por dinheiro, será minha vez de também esvaziar e da cama não levantar novamente. 

Findarão-se as diversões vazias, as preocupações com uma sociedade que nem me diz respeito, as poesias bêbadas de fim de domingo. Só não findará a consciência de que algo está fora de lugar, não findará a poesia que luta, o engajamento. Alguém há de se tornar a garrafa e assim como eu, dar continuidade ao legado dos tolos. Legado dos que ainda acreditam que há muito a ser explorado, mas que não vivem no tempo em que esse potencial será alcançado.”

sábado, 21 de março de 2015

Robocop Gay

Não gosto nem de ouvir falar da tal raça dos comunas, sejam eles leninistas, marxistas, trotskistas, bolivaristas etc. Mas em um aspecto lhes declaro minha simpatia : comunistas cagam pro politicamente correto, dizem as coisas na lata, como elas são. 
O hoje chamado politicamente incorreto vê o mundo como ele é, e dele faz descrição precisa, crua e visceral; não está a dizer se gosta do mundo que vê ou não, se acha que ele seja bom ou mau, apenas diz, sem frescura, sem polimento, sem maquiagem ou rebocos e argamassas, como ele é. 
Já o bichânico do politicamente correto vê as coisas como ele considera que deveriam ser; pior ainda, vê o mundo da maneira que sociólogos, filósofos, pedagogos, cientistas sociais (que puta farsa, hein, cientista social...) e a mídia mal-intencionada em geral dizem para ele que o mundo deveria ser. Desprovido de personalidade e capacidade própria de pensamento, o sujeito compra a ideia do politicamente correto na hora, como quem compra qualquer outra produto de ocasião. Por isso, o politicamente correto pegou tão rapidamente, é uma cartilha pré-fabricada de ideias, pensamentos e opiniões sobre os mais diversos assuntos e temas, política, religião, desigualdades sociais etc. O politicamente correto vê um mundo sem atritos, sem litígio, sem competição, sem diferenças, um mundo eufêmico, ou seja, um mundo desprovido não só do ser humano como também de qualquer outra forma de vida, pois só onde não há vida é que não há competição, é que não há desigualdades, é que não há o mais forte comendo o toba do mais fraco.
Por esse prisma, o da falta de frescura e polimento, o comunista pode ser um sujeito muito engraçado, burlesco. Desde que, é claro, você não o leve a sério como governante e, sobretudo, desde que ele não seja o governante de seu país; afinal, comunismo no cu dos outros é refresco.
Dito isso, vamos até à nossa Cuba mais próxima, a Venezuela. 
Freddy Bernal, o comissário para a Reforma Policial da Venezuela, encarregado da modernização policial no país que tem o segunda maior taxa de homicídios do planeta (em números absolutos, o Brasil é campeão disparado, 64.357 em 2012), declarou à rede de televisão Globovisión que os policiais venezuelanos podem ser homossexuais, mas que devem esconder sua orientação sexual quando em atividade : "Um homossexual pode ser funcionário policial, desde que não manifeste publicamente sua orientação sexual, porque imagine um oficial da polícia que queira usar uma camisa rosa, ou pintar os lábios", disse Bernal, entrevistado pelo jornalista Vladimir Villegas.
Ou seja, o problema não é o cara ser viado, mas sim a viadagem!!!
Concordo com Bernal. E vou mais longe, e amplio : independente da função que exerça, nenhum profissional, sobretudo os que tratam diretamente com o público, deve dar mostras e exibições da orientação sexual que o faz gozar e virar os olhinhos; seja ela qual for, homo, hetero, bi ou pansexual. Um policial, ou qualquer outro funcionário público - médico, professor, bancário etc -, em suas horas de labuta, tem que ser um ser assexuado. Não tem nem que ficar quebrando a munheca nem coçando o saco e assobiando pra gostosa que passa.
E Bernal vai mais fundo, deita e rola, lambuza-se no estereótipo : "Os que vão entrar nos corpos da polícia têm que ser jovens com idoneidade, com ética, com desprendimento, têm que ser garotos saudáveis (...) Um garoto com uma tatuagem não pode entrar na Polícia Nacional Bolivariana; um garoto com um brinco não pode entrar na PNB. Eu já disse isso. Podemos mandá-lo ao ministério da Cultura"
As bichanas, Bernal vai mandar para o Ministério da Cultura. Ha! Ha! Ha! Genial. E concordo com ele, de novo. Há lugar sob o sol para todos, mas cada macaco devidamente no seu galho. O que parece ser um preconceito de Bernal, na verdade é um preconceito que se tem em achar que um estereótipo seja um preconceito. Um estereótpio não chega a ser um preconceito, acho que está mais para uma simplificação de um conceito. E tento me explicar : por exemplo, qual é o estereótipo traçado de um japonês? Que são pessoas disciplinadas, responsáveis, estudiosas, cumpridoras de suas obrigações, certo? Todo japonês é assim? Claro que não. Tem muito japonês preguiçoso, safado, vagabundo. Mas a maioria, sim, corresponde ao estereótipo do bom nipônico. O estereótipo é mais uma espécie de média dos hábitos, costumes e comportamento de um grupo humano, seja de uma classe profissional, de um partido político, de um estilo musical etc.
E vamos e venhamos, sejamos minimamente solidários a Bernal, imagine um policial dando a ordem de prisão a um meliante : "teje preso"! E um piercing com a carinha sorridente do Smile ser vislumbrado em sua língua? Ou, quando for grampear à força o vagabundo que resistir à prisão, uma tatuagem de um golfinho, de um boto cor-de-rosa ou da Minnie Mouse salientar-se em seu desenvolvido bíceps?
E vamos e venhamos (2), se um sujeito todo rude e grosseirão - descabelado, mal barbeado, roupas mal passadas, mamadaço de cerveja, arrotando e ajeitando o saco - subir ao púlpito de um sarau e se apresentar como poeta, alguém lhe dará crédito? Agora, se o cara entrar todo a passinho leve e tímido, vestido com displiscência e despojamento elegantemente planejados, magérrimo daqueles que se alimentam apenas de suflê de alface, óculos retangulares de grossos aros coloridos (vermelho ou roxo de preferência), sentar-se apenas com um lado da bunda ao banquinho, cruzar as perninhas, bebericar delicadamente seu café expresso e pôr-se a ler, pouco importará a qualidade de seu trabalho, pode ser uma merda só, mas imediatamente o cara será proclamado o novo Pessoa pelos "intelectuais" presentes.
Macho para a força policial, bichanas para o Ministério da Cultura !!! Isso é que é reengenharia social!!! Isso é que é direcionar as habilidades e potencialidades individuais para o bem da coletividade!!!
Concordo com Bernal. E há um caso verídico a dar apoio aos seus ditames, acontecido no Brasil, com uma figura conhecida. 
Os que tem mais de quarenta anos, como eu, certamente sabem quem é o ator e humorista Eliezer Motta, alçado a sucesso nacional, na década de 1980, pelo sacristão Batista, dedicado ajudante do Frei Carmelo (Jô Soares) : Cala a boca, Batista!!! 
Na época, Eliezer Motta exercia, concomitantemente, duas profissões aparentemente inconciliáveis, a de humorista e a de policial. Durante algum tempo, ele conseguiu levar essa vida dupla sem maiores problemas. Até que um outro personagem seu fez ainda mais sucesso que o sacristão Batista : o Carlos Sueli, fiel escudeiro do Capitão Gay (de novo, Jô Soares), uma espécie de Robin do primeiro super-herói GLS do mundo. 
Aí, não teve jeito, ele teve que escolher ou ser humorista ou ser policial. O próprio Eliezer Motta conta que era reconhecido nas batidas policiais e a compostura ia pras picas. A bandidagem começava a chamá-lo de Carlos Sueli e a imitar seus trejeitos, perguntava se o Capitão Gay também estava na viatura etc etc. Eliezer abandonou as fileiras policiais.
Bernal está certo. Viado, tudo bem, mas sem viadagem, que aí a coisa esculhamba, avacalha.
Vejam a força policial venezuelana retratada abaixo, em plena ação campal.
Tente agora imaginar os valorosos homens da lei a usar capacetes Coco Chanel, fardas Lacoste, colete à prova de balas Dior, escudos com pinturas de Romero Brito e coturnos Louboutin
Não dá! O comissário Freddy Bernal está certo. Desmoraliza o regimento, acaba com a autoestima do batalhão! Pãããããta que o pariu!!!!

sexta-feira, 20 de março de 2015

Faça Sua Escolha

Sexta-feira é o dia nacional da cerveja. Recentemente, aproveitando uma oferta de fim de semana, provei da cerveja Itaipava. E vos digo : ela é boa e, às vezes, barata. A Itaipava está disponível em embalagens de vários tamanhos e formatos, ao gosto e ao apetite do bom bebedor de cerveja.
Particularmente, prefiro o litrão, mas, na falta, a embalagem de 600 ml muito me apetece, também.

Mimetismos (15)

Na verdade, isso está mais para camuflagem que para mimetismo - sim, uma coisa é diferente da outra, um dia explico, mas não hoje nem muito menos agora, que hoje é sexta-feira, acabo de encher o pandu e vou fazer o meu sono de beleza vespertino (ou tardino, como prefere meu amigo Fernandão). 
O que vocês veem na foto?

quinta-feira, 19 de março de 2015

quarta-feira, 18 de março de 2015

Irmãs Siamesas

Indissociáveis ancestrais
Bastet
Tigresa de unhas negras e íris cor de mel
Selina de Gotham
Nastassja Kinski do Povo Gato.
Univitelínicas
Que artimanhas da Evolução
Que recombinações cromossômicas
As fizeram transgênicas de alma?
Carne e unha
Que hábil esculápio
Procedeu tal cirurgia de correção estética
Que Dr. Moreau
Realizou temível e majestoso transplante de faces?

Troféu Óleo de Peroba da Arte Moderna (Ou : cadê o burro?)

Quem, por alguma razão (ou por falta dela), lê o Marreta há algum tempo, sabe que, volta e meia, eu manisfesto aqui meus sinceros "apreço" e "admiração", quase que um fascínio, pela tal arte moderna ou contemporânea, mormente a chamada arte conceitual.
Conceitual é o cacete! Arte não é conceito, é realização. Ou, pelo menos, não é só conceito. O conceito, a ideia, é a fagulha, é a chispa criativa, importantíssimo, portanto, mas se não for tornado em concreto, em belas formas materiais, não é arte porra nenhuma. É embuste, é fraude, é embromation, é 171, é empulhação de afetados sensíveis, preguiçosos e sem talento.
Arte conceitual é o cacete! Atividade intelectual porra nenhuma! Arte é trabalho braçal e suarento. De paciência, de privação, de vigor físico e habilidades motoras de ginasta. É trabalho de macho!
Arte é pôr as mãos à massa. É a tinta em feroz litígio contra a tela, a impregnar o virgem branco, os dedos, o rosto, as roupas e, dada a toxicidade de muitas delas, pulmões e fôlegos. É briga de 12 rounds contra a argila amorfa e desobediente. É armar-se de pesada marreta e afiado formão e extirpar e amputar sem anestesia do monolítico mármore tudo o que do mármore não for estátua.
O quilate da arte é direta e infalivelmente proporcional ao talento do artista em transpor barreiras dimensionais, do plano da ideia para o da realização. Conceitual, somente? Balela! Logro!
A exemplo, vá que eu, em um belo e ocioso dia, resolva esculpir um novo Davi. Preparo-me, então, para a empreita : muno-me de atlas de anatomia, faço um estudo minucioso da figura humana; visito também os laboratórios de anatomia de uma universidade, manipulo braços, pernas, troncos, pés, mãos, todos tirados do formol, sinto-lhes a consistência, a textura, cada reentrância e saliência de seus relevos, quase sinto a energia que os habitou outrora; visito academias de fisiculturismo, fico observando (tomo um Dramin antes, claro) aquela viadada toda se exibindo um para o outro em frente aos espelhos, atento para a musculatura humana em ação, seus movimentos coordenados, seu tônus, o trabalho sincronizado de músculos, ossos e tendões.
Emerjo desse estudo com o conceito de um corpo humano dos mais proporcionais e harmoniosos - de fazer inveja ao Homem Vitruviano - perfeitamente formado em minha cabeça, em minhas ideias. Vou ter, então, com a argila, para dar-lhe forma. Luto contra a argila, soco-a, sovo-a, estrangulo-a, modelo-a e a submento a meu bel-prazer. Finda, a minha obra, com muita boa vontade, pode ser reconhecida e tomada, mal e mal, por um daqueles bonecos de neve de filmes infantis. E o conceito? E a ideia? Que se fodam! O resultado não é arte e pronto.
Ou vá que eu decida pintar um belo nu, uma maja desnuda. Imagino a Scarlett Johansson peladinha, perfeitinha, lânguida e no cio, a posar para mim depois de uma bela trepada. Pincéis para cá, telas para lá, paletas e aquarelas para acolá, e voilà : o resultado é a Dilma Rousseff fazendo topless. Cadê a Scarlett? Cadê a arte? Estão na puta que o pariu do mundo das ideias. O conceito do nu perfeito de Scarlett só me servirá a uma boa bronha.
Esses janotas empoados da arte conceitual deveriam receber o Prêmio Óleo de Peroba da Arte Moderna, uma espécie de Taça Jules Rimet da cara de pau, mas não precisa ser de ouro, pode ser de papelão mesmo, afinal, o que importa é o conceito.
Só sendo muito cara de pau para chamar o que fazem (o que pensam em fazer, nesse caso) de arte. Ou são muito dos caras de pau, ou têm como certa a burrice do público pagante em suas exposições, instalações, intervenções etc. Ou ambas as coisas.
Tem que ser muito do pilantra para, a exemplo, amarrar um barbante à grade de um ventilador em funcionamento deitado no chão e dizer que o fio ereto pelo vento é arte - essa, desgraçadamente, eu vi, ao vivo, ninguém me contou. Ou ainda, na mesma mostra, em sala contígua à do barbante-boneco-posto-de-gasolina, espalhar quilos de farinha de trigo pelo assoalho e dizer que as pegadas impressas pelos visitantes que transitavam pela sala se configuravam na mais genuína das artes; as  marcas dos pés, cada uma diferente da outra, no desenho do solado do calçado, no tamanho, na profundidade, o desenho errático da trilha seguida por cada um, o randômico das escolhas dos caminhos humanos em exposição.
Caras de pau até os ossos! Safardanas e picaretas até à medula! Achei que depois dessas e de outras, estivesse vacinado, que nada mais me surpreenderia. Enganei-me.
Hoje, e eu não procuro por essas coisas, elas simplesmente caem nas minhas vistas, tomei conhecimento, folheando uma revista Isto É em meu intervalo de trabalho, de uma artista que elevou a picaretagem conceitual a um patamar estratosférico : o da arte imaterial! 
E parece que a moça, Marina Abramovic, é cachorro grande no mundo das artes. Foi uma das pioneiras da arte performática nos anos 70, autoconsidera-se "a avó da arte da performance". Ela possui até um instituto onde ensina o seu método para o aprendizado da arte imaterial, o Marina Abramovic Institute (MAI), sediado em Hudson, Nova York.
A reportagem fala do método de ensino da artista, inspirado, segundo ela, em monges budistas, diz que a proposta da artista é a transformação física e mental por meio da arte, com promessas até de autocura, conta das conversas e da pesquisa dela sobre métodos de cura e imersão com o médium brasileiro João de Deus, grande influência em sua arte e com quem aprendeu sobre a mudança de consciência e de estrutura de nosso planeta, revela que Lady Gaga, com que passou três dias em retiro espiritual, é uma grande entusiasta de sua arte e método, e mais ainda um amontoado de sandices e despropósitos
Mas nada que se possa falar sobre Marina Abramovic substitui o visualizar de sua arte. Vamos a alguns de seus trabalhos mais respeitados e cultuados.
A artista (de branco) se senta e as pessoas vão se revezando à sua frente, buscando sintonia espiritual com ela.
"Crystal Cinema", a artista olha pra um cristal e o público olha para ela.

E a minha preferida:
Cadê o burro? Com certeza, não está na foto. 

Arte imaterial... Pããããta que o pariu!!!
Por essa, nem meu primo Leitinho, emérito entusiasta da arte contemporânea, esperava. Desafio-o, Leitinho, a dar a sua abalizada interpretação das obras.
Em tempo : se quiserem ler sobre o infortúnio que foi minha (única) incursão ao mundo das instalações, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Temporada das Flores

Sou pesado, denso, mercúrio feito em carne e temperamento; áspero, cheio de relevos acidentados e arestas, um carrapicho com cabeça, tronco e membros; cínico, sardônico, desdenhoso, um rolo compressor de mau humorada e peçonhenta ironia.
Donde me atraem e agradam autores de iguais características, sejam escritores, músicos, cineastas, pintores. Em minha gravítica visão, dificilmente alguém compõe obra alegre ou otimista sem despencar, inevitavelmente, para a pieguice e a idiotia. Para mim, a priori, todo alegre é um bobo alegre, é uma hiena que nem sabe do que ri.
Ou seja : ninguém que está feliz escreve ou compõe algo que preste. Ninguém produz nada de relevância se não se sentir profundamente incomodado.
Como exemplo irrefutável, olhem para os alegres da MPB - axezeiros, pagodeiros e sertanejos universitários - e, querendo ou não, não terão como discordar de mim.
Há exceções, no entanto. Uma das mais belas e honrosas (continuando dentro da MPB) é a canção Temporada das Flores, de Leoni. Leoni foi um dos integrantes originais do Kid Abelha e o responsável pelos primeiros e maiores sucessos da banda, depois liderou os Heróis da Resistência e, por fim, lançou-se em carreira solo. Leoni, entre outros feitos, comeu a Paula Toller.
Temporada das Flores é uma canção otimista, alto-astral, carregada de esperança, ou seja, tem tudo para eu não gostasse dela, mas Leoni faz alguma mágica e eu gosto pra caralho! 
Não há melodramas, sentimentalismos baratos, não há clichês nem chavões. Há a alegria genuína e íntima, sem exibicionismos; há cores simples e primárias, não obstante fortes e luminosas; há majestade que impera e sombreia o ambiente, mas sem ser impositiva, sem se fazer por decretos. 
Em Temporada das Flores, há um ipê-amarelo que abre seus canários empetalados, não por soberba nem para causar inveja ou espanto, e sim porque, e simplesmente, é a hora de pô-los a voar, de desengaiolá-los, porque é o natural a se fazer.
"Eu era a causa e a saída de tudo", bom pra caralho!

Temporada das Flores
(Leoni)
Que saudade agora me aguardem
Chegaram as tardes de sol a pino
Pelas ruas, flores e amigos
Me encontram vestindo meu melhor sorriso
Eu passei um tempo andando no escuro
Procurando não achar as respostas
Eu era a causa e a saída de tudo
E eu cavei como um túnel meu caminho de volta


Me espera amor que estou chegando
Depois do inverno a vida em cores
Me espera amor nossa temporada das flores


Eu te trago um milhão de presentes
Que eu achava que já tinha perdido
Mas estavam na mesma gaveta
Que o calor das pessoas e o amor pela vida


Me espera estou chegando com fome
Preparando o campo e a alma pra as flores
E quando ouvir alguém falar no meu nome
Eu te juro que pode acreditar nos rumores


Me espera amor que estou chegando
Depois do inverno a vida em cores
Me espera amor nossa temporada das flores


Me espera amor que estou chegando
Depois do inverno é a vida em cores
Me espera amor nossa temporada das flores


Me espera amor que estou chegando
Depois do inverno é a vida em cores
Espera amor nossa temporada das flores

Para ouvir e assistir ao clipe, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO.