sábado, 25 de fevereiro de 2023

Aos Que Votaram em Lula (10)

Começou cedo. Muito mais cedo do que eu imaginara. Muuiiiiiito mais cedo, mesmo.
A procissão das Madalenas arrependidas que ajudaram a reeleger o Sapo Barbudo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Testamentos e Inventários

Dos nossos pais,
Recebemos a hipoteca da vida;

Dois ou Três Dentes

Sou um homem
De quase 60
E que
Com muito mais que isso
Há muito se sente
(a podridão e a decrepitude a tocar a campainha de minha casa nunca foram novidade ou assombro para mim).

Olhos de Bicho Empalhado

E então é isso?
Então é esse
O saldo e o balanço?
Uma mesa para o caderno
E o toca-discos
Ao canto da sacada
Com vistas 
À bela paisagem da cidade feia?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Tolete Azul, Azul Tolete...

O ideal de cada civilização é superar a anterior em feitos, conquistas e realizações. Mas como suplantar, ou mesmo se equiparar, quando a perfeição numa área já foi alcançada anteriormente? No campo das artes plásticas, como sobrepujar, ou mesmo se colocar ombro a ombro, com os grandes da Renascença, Michelângelo, da Vinci, Botticelli etc? Como não corar de vergonha ao se dizer um artista, um pintor ou um escultor, quando, visivelmente, não se detém sequer uma fagulha do talento e da destreza destes monstros renascentistas?
Simples. Partindo para a picaretagem, para o lero-lero, para a embromação. Para o embuste semântico. Os tais artistas contemporâneos aproveitam-se da ignorância geral a respeito de arte (na qual, eu me incluo), descontruem o conceito do que é arte, ressignificam o belo, subvertem o sublime. A partir daí, saem a dizer que qualquer coisa pode ser considerada arte, que qualquer merda - literalmente -, desde que descontextualizada de suas origens ou funções iniciais, é o supra-sumo da genialidade humana.
Os adeptos e praticantes da chamada arte contemporânea são muito mais hábeis (pensam que são) em pintar ou esculpir conceitos do que propriamente trazer-lhes ao mundo em belas e concretas formas. Em suma : um bando de charlatães empoados.
O francês Marcel Duchamp, por exemplo, roubou um mictório de um banheiro, desses nas paredes onde os caras mijam e ficam um a manjar a rola do outro de canto de olho, e o instalou em uma galeria de arte. Pronto : o mictório passou a ser considerado uma das obras mais revolucionárias de todos os tempos, um marco para a sua época. Foi e continua a ser aplaudido e incensado por uma pretensa elite intelectual.
Um outro, o italiano Piero Manzoni, recebeu a sua consagração no meio das artes com a criação de uma série de 90 latas, que enchia com suas próprias fezes e as lacrava hermeticamente. O rótulo constava de informações sobre a quantidade e a data de envazamento do produto : "merda de artista/conteúdo líquido 30 g /conservada ao natural/ produzido e embalado em maio de 1961".
Mais aplausos, mais olhares idiotas e abobados de admiração. Em 2016, a lata de número 69 foi vendida por 275 mil euros em um leilão na Itália.
E é lógico, é óbvio, que esses caras fizeram escola, arrebanharam magotes de discípulos e imitadores mundo afora. Qualquer um pode cagar numa lata.
Tão significativas foram as suas contribuições para as artes plásticas que os reflexos e o ecos de suas obras chegaram até mesmo à inculta e feia Ribeirão Preto.
Hoje, ao ir buscar meu filho na escola, deparei-me com essa obra-prima da arte contemporânea exposta numa calçada. Por pouco, não piso nela.


Toletes de bosta de cachorro pintados com spray azul.
Algum cachorro no aperto, tutoriado por um humano dos mais porcos e mal-educados (sim, que agora animal de estimação não tem dono, tem tutor), aliviou-se de suas necessidades fisiológicas na calçada e ali elas permaneceram, à mercê do sol, da chuva, de alguma sola de sapato distraída.
Para qualquer um que por ali passasse, os três toletes de merda seriam tão-somente o que de fato são, três pedaços de merda. Mas não para o artista. Não para um sujeito tão iluminado e agraciado com tanta sensibilidade. E aí é que entra em cena a centelha da criação. Para o artista, aqueles pedaços de merda não são mera matéria fecal, não são lixo ou dejetos indesejáveis. São o substrato sobre o qual ele irá edificar a sua arte, são o embrião de sua próxima criação. São a tela de sua Mona Lisa. O mármore de Carrara de seu Davi.
Esse cara, esse anônimo, fez uma releitura da bosta, lançou um novo olhar sobre a obra de outro artista, o cachorro. O cachorro obrou naquela calçada e o artista obrou sobre a obra do cachorro.
Senti-me numa Bienal a céu aberto, numa galeria ao ar livre, em Inhotim. A arte ao alcance de todos. Se o povo não vai até a arte, a arte vem até o povo. O artista deve ir aonde o povo está. Arte viva, interativa.
O que passa na cabeça, o que leva um sujeito a pintar toletes de merda com um spray azul? Não sei. Mas quem somos nós, meros e fúteis mortais, para querermos entender e decifrar o que acontece na alma de um artista?
E tão inovadora é essa obra que o seu conceito poderá se estender para além das artes plásticas, tão vanguardista que poderá gerar uma série de desdobramentos, de spin-offs em outros âmbitos da criação humana, poderá se tornar uma arte multimídia.
Na música, por exemplo : tolete azul, azul tolete, tolete azul...
Pãããããããta que o pariu!!!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

E o Pior é Que Eles Funcionam

Não há quem possa com a engenhosidade inata do brasileiro, com a nossa malemolência, com a nossa latinidade malandra, enfim, nada no mundo se iguala ao nosso famoso "jeitinho".

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Não é Carnaval, Mas é Madrugada (16)

Acredito que um autoquestionamento seja recorrente entre nós, aqueles que, nos raros e desocupados momentos, ocupam-se assoberbadamente em pensar na vida, em dar asas e tratos à bola, sobretudo os já passados do meio da vida : é possível sentir saudades do que não vivemos?

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Sensações Perdidas

O alívio pela chegada 
Do gibi do mês
Às bancas
(enfim, retomar o gancho da história como quem prossegue em conversa interrompida com um amigo).

A descoberta daquele LP fora de catálogo
Na prateleira de um sebo
(a viril agulha de diamante a fazê-lo gemer sem sentir dor).

O esperar pela carta,
O rasgar do envelope
E o prazer tátil do desdobrar
Do papel de seda pautado
(suas trilhas tomadas por uma procissão de garranchos azuis-bic).

A primeira medalha de ouro 
Conquistada no judô
(sim, cheguei à faixa laranja),
O primeiro grau 10 em Química no colégio
(depois de um vexaminoso 3).

O primeiro beijo em nova boca
(o primeiro beijo em língua nunca dantes navegada é sempre o primeiro da vida),
A primeira brochada
(os deuses a me lembrar de minha mortalidade de finitude).

Ex-sensações
Expatriadas
Extraditadas
De mim
(por mim?).

Em algumas madrugadas,
Contudo 
(minha imunidade mais desatenta),
Elas me voltam e me atingem 
Com tudo :
Como um prurido de sarna,
Como uma coceira de urtiga
Em membro fantasma
De um mutilado de guerra.