sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Free Willy

Uma correção é necessária antes de qualquer coisa : a Orca não é uma baleia, é um golfinho, e muito menos uma baleia assassina, só há um animal na natureza a quem se pode chamar de assassino, o homem. Os outros animais, ditos irracionais pelo primeiro (dito racional por ele próprio), só matam para o sustento e defesa.
Pois bem, uma Orca matou sua querida treinadora no Sea World, Orlando, Flórida, tadinha da treinadora, vítima que confiava e tanto carinho dispensava ao bichinho. Tadinha é o cacete.
A Orca em questão foi capturada em 1983, portanto já amargava 27 anos de cativeiro, qualquer um nessa situação mataria seu carcereiro na primeira oportunidade, ainda que fosse quem lhe trouxesse a comida.
Além disso, alguém acha mesmo que um animal portentoso e magnânimo de 5,5 toneladas se sente mesmo feliz e recompensado em dar umas cambalhotas para a diversão de um bando de humanos?
Alguém pensa mesmo que ser Orca de show aquático é o que todo cetáceo tem por objetivo de vida? Mamãe-orca pergunta ao filhinho-orca, o que você quer ser quando crescer?, e ele responde, ser palhaço no Sea World e, se deus me ajudar, aparecer num filme do Jacques Costeau. Alguém acha mesmo que é isso? O caralho que é!
Prefiro nem imaginar os flagelos e maus-tratos impostos a esse animal em seu condicionamento, o tanto de porrada que ele tomou até aprender a dar sua primeira cabriola.
Pra piorar, olha só o nome que deram ao coitado, Tilikum.
Puta que o pariu! O cara é uma Orca macho, muito macho, que macho suporta um nome de viado desses? Tilikum é tão bicha que parece nome de poodle.
Na minha opinião, esse Orca aguentou tempo demais, foi muito paciente. Eu acho ótimo quando acontece algo do gênero.
Parece que agora foi aberto um inquérito investigativo, Tilikum será acusado de quê? Ingratidão? E se condenado, será sacrificado?
Não duvido.
Enquanto isso, Tilikum, mostre que você não é igual àquele seu primo afrescalhado, o Flipper. Não se acanhe, mate quantos outros puder.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Uma Pequena Visão Do Vácuo

Acordar e fazer sempre o mesmo: nada;
Pôr-se a prumo e caminhar pelo mesmo: nada;
Fingir-se vivo e trabalhar pelo mesmo: nada;
Colocar-se a dormir na esperança do mesmo: nada;
Ter um sono tão inútil quanto a vigilia,
Uma vida à luz tão inerte quanto em ventre.
Nada. Nada.
E cruzar, pelas ruas,
Pessoas de tão maiores infelicidades...
E tão mais alegres que eu.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Esse Merece o Nobel Que Ganhou

"Deus da Bíblia é má pessoa", diz José SaramagoPublicidade
da France Presse, em Lisboa

O escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura em 1998, voltou a criticar a Bíblia nesta quarta-feira, reavivando a polêmica levantada por seus comentários por ocasião do lançamento de seu novo livro, "Caim".
O romancista português, conhecido por suas posições de esquerda e seu gosto pela provocação, disse no domingo que a Bíblia é um "manual de maus costumes". Seu mais recente livro conta, com bastante ironia, a história de Caim, filho de Adão e Eva que matou o irmão Abel.
Suas declarações irritaram membros da Igreja Católica, que o acusou de ter ofendido os católicos e de fazer uma "operação publicitária".
"O Deus da Bíblia é vingativo, rancoroso, má pessoa e não é confiável", declarou Saramago, de 86 anos, nesta quarta-feira.
"Na Bíblia há crueldade, incestos, violência de todo tipo, carnificinas. Isso não pode ser desmentido; mas bastou que eu o dissesse para suscitar esta polêmica", ressaltou.
"Há incompreensões, já sabemos que sim, resistências, também sabemos que sim, ódios antigos", disse Saramago, durante uma entrevista coletiva perto de Lisboa.
"Sou uma pessoa que gera anticorpos em muita gente, mas não ligo. Continuo fazendo meu trabalho".
E voltou suas baterias contra a Igreja.
"O que eles querem e não conseguem é colocar ao lado de cada leitor da Bíblia um teólogo que diga à pessoa que aquilo não é assim, que é preciso fazer uma interpretação simbólica, e a isto chamam exegese", estimou.
Mas, continuou, "o direito de refletir sobre isso de todos nós", e denunciou "a intolerância das religiões organizadas".
"Às vezes dizem que sou valente. Talvez seja valente porque hoje não há Inquisição. Se houvesse, talvez não teria escrito este livro. Me apóio na liberdade de expressão para poder escrever", ponderou o escritor, que diz estar preparando um novo livro para o ano que vem sobre um tema completamente diferente.
"Espero que não seja tão polêmico. No ando atrás das polêmicas. Tenho convicções e as expresso", concluiu o autor de "Ensaio sobre a Cegueira".

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Novas Inteligências? Merda Nenhuma !

Hoje em dia, a grossa massa de jovens com idade próxima aos 17 anos sai semianalfabeta das escolas públicas, ao fim do chamado Ensino Médio, o antigo e mais eficaz Colegial.
Entretanto, mesmo iletrados, esses jovens demonstram notável habilidade com computadores, telefones celulares e tecnológicos outros. Alguns teóricos, sem muito o que fazer e nenhuma noção da realidade, chegam a dizer de um novo tipo de inteligência, uma inteligência tecnológica ou coisa que a valha.
Balela, mais uma vez. Conversa pra boi dormir, para dar emprego a peidagogos.
Não há nenhuma nova ou superior inteligência surgindo nesses jovens, antes pelo contrário. Seus raciocínios e capacidades cognitivas são os mesmos que os dos homens pré-históricos, por isso são tão hábeis com suas maquininhas infernais, para cujo manuseio é o bastante uma inteligência básica e primal, quase que somente de instintos, uma inteligência muito mais de atos reflexos que de ponderações.
Explico: a destreza que eles exibem com esses eletrônicos vem do simples fato de que tais artefatos não lhes exigem nenhuma capacidade de leitura da linguagem escrita, a interface entre eles se dá meramente por desenhos, os ícones. Esses jovens não têm novas modalidades de inteligência ou cognição, eles têm as de mesmo tipo do Neanderthal e seus desenhos rupestres, que eram representações do cotidiano esboçadas nas paredes de suas cavernas.
Explico mais: praticamente tudo pode ser feito pelo computador, via internet, sem a necessidade do sujeito pôr o pé à rua, comprar comida, roupas, medicamentos, pagar contas sem precisar ir ao banco, até namorar e trepar. O computador reconduzirá o ser humano à época das cavernas, uma caverna tecnológica, mas uma caverna.
Continuo: a linguagem escrita já vem sendo truncada, mutilada, estuprada pelo usuário-padrão da internet, logo voltaremos a abrir a boca e só emitiremos sons guturais e simiescos, ah, ah! uh, uh! ah, ah! uh, uh!
Tornaremos às cavernas, sim. E as paredes dessa nova caverna (entenda-se aqui como limites, cercas) são as telas dos computadores conectados a outros computadores e a outros...
Ora, o que se espera encontrar nas paredes de cavernas habitadas por humanos? Uma escrita bem regrada e elaborada? Claro que não! Apenas desenhos toscos e mal-acabados, como as pinturas rupestres, como os ícones do Windows. E a habilidade em ler tais desenhos não é uma nova inteligência, é um retrocesso da atual.
Acho que eu, que desenho pessimamente, preciso me matricular urgente numa escola de desenho, para bem me fazer entender futuramente.
Preciso?
Porra nenhuma que preciso!!!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Navalha Na Jugular

A minha não mais procura por você
Será, pra você, apenas pequeno,
Porém passageiro incômodo.
(Nada que uma aspirina não possa resolver);

O meu não mais implorar pela sua volta
Será, pra você, apenas tiro que passa zunindo pelo seu ouvido
(Irá até assustar, mas também não lhe causará mal algum);

As notícias de que já não sinto tanto sua falta
Serão, pra você, um pequeno corte na ponta do dedo
(Incomoda um pouco, mas cicatriza de um dia para o outro);

A minha recusa em falar com você
Será, pra você, azia numa manhã de segunda-feira
(Você tentará ignorar);

A minha não resposta ao seu recado
Será, pra você, alfinetes em seu travesseiro
(chá de erva-cidreira, maracujá, meditação, Valium, Rivotril...);

Mas a minha felicidade longe de você
Será a navalha na sua jugular.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cachacinha Benta

Mais uma vez, a religião a serviço dos vícios.
As imagens dos santos são vestidas de roxo no início da quaresma, não faço a menor ideia do simbolismo por trás disso e tampouco me interessa.
Acontece que no distrito histórico de Morro Vermelho, em Caeté, a 60 km de Belo Horizonte, a imagem de Nosso Senhor dos Passos é purificada num ritual antes de ser coberta de roxo.
É um ritual que data de 200 anos e é realizado a portas fechadas por uma seleta confraria de oito homens, o restante da população, mulheres e crianças, aguardam o fim do ritual do lado de fora da igreja.
O cristo de Caeté é lavado da cabeça aos pés com pinga, isso mesmo, a tradicional cachaça brasileira. A cachaça vai escorrendo e banhando a imagem, e é recolhida numa gamela colocada aos pés da estátua, são utilizados de três a quatro litros no processo, que dura cerca de uma hora.
Findo o ritual, cada um dos homens bebe uma generosa talagada da cachaça benta e o restante é disponibilizado para a população, que a recolhe em pequenos frascos para uso terapêutico, para passar nas juntas, curar reumatismo, lombalgia, passar em feridas, curar dor de cabeça e até broxidão. Dizem que funciona, só que é preciso ter "muita fé".
E ao coitado do Cristo não é oferecido nenhum golinho.
Folclore? Cultura regional? Tradição?
Pura ignorância, mesmo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Saudades de Christopher Reeve

Vi o mais recente filme sobre o Superman, "O Retorno".
O Azul não era bem um azul,

Era um azul-musgo, se musgos azuis houvesse,

O Vermelho, mais marrom, sangue começado a coagular,
E o amarelo, brônzeo, o das fotos envelhecidas.


São apenas tons diferentes, me disseram, nada de mais.


Ai é que está!!!

O Superman não tem tons, nuances.

O Superman não tem dúvidas ou titubeações,
O Superman é primário, raso, contumaz.

E primárias devem ser as cores por ele envergadas

E os sentimentos que demonstra.

Não gostei do filme!!!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A Mesma Máscara Negra

Não gosto de Carnaval, nunca gostei e nem nutro a ilusão de que os antigos fossem bons, puros, ingênuos ou mais decentes, nada disso, não tenho saudades do que não vivi. Mas sei das músicas dos carnavais antigos - ah, sim, as músicas -, essas eram belíssimas.
Dentre uma miríade delas, e que ainda me comove por vezes, está a clássica "Máscara Negra", de Zé Keti (lembrei-me agora, e também, de "Vila Esperança", do Adoniran, mas essa fica pra outro dia).
Há aspectos tocantes e de singular brandura na letra da canção.
A surpresa nada surpresa do Pierrot frente ao reencontro com Colombina, seu espanto comedido, mais feito de gentileza que de sobressalto, ante aquela coincidência presumida. Entendam por coincidência presumida que o casal nada fez em planejar tal encontro, mas sabiam da inevitabilidade de estarem ali, naquele momento, naquelas exatas circunstâncias.
Belo também é o saber tácito e mútuo, e sem dramalhões posteriores às cinzas, acerca da brevidade - e mesmo da especificidade - de sua relação. Eles sabem que ela muito bem existe ali e só ali pode muito bem existir. Não ousam, não têm intenção, urgência ou mesmo vontade em ampliá-la para os outros dias do ano, são inteligentíssimos emocionalmente em aceitá-la como um doce hiato, um respiradouro, uma bolha iridescente de tempo. Por isso é uma relação sem desgaste, por isso já atravessa alguns séculos, e a música de Zé Keti pelo menos dois, por isso voltarão sempre a se encontrar, mesmo que em outros carnavais, mesmo que sejam outros por sob a fantasia.
E há, óbvio, o aspecto da Máscara Negra, as Luas de Veneza, o furtivo, Casanova a escalar janelas, o salão escuro, o anonimato, o ninguém por detrás da máscara, a não-necessidade de despir e vivissecçar o outro, bem como a não-necessidade de que os outros saibam deles. Dessa elegante discrição, tenho saudades, sim.
Os foliões contemporâneos querem notoriedade, holofotes, querem ser celebridades, os salões escuros recendendo a lança-perfume e as máscaras de mesmos matizes foram esmagados pelos sambódromos com luzes de mercúrio, pelas capas de revistas, orkuts, facebooks e twitters da vida.
Mas podem ainda ser vistos, Pierrot e Colombina. Sei disso porque os vejo de vez em quando, há de se olhar, no entanto, com zeloso reparo e dolência. Já consegui divisá-los fugazmente nas madrugadas umbrosas, nas esquinas de breu, nas escadarias enfumaçadas e fedendo a cigarro de bares enfumaçados fedendo a cigarro e até, em algumas ocasiões, os flagrei em sua dança de serpentinas dentro de mim.
Pierrot e Colombina ainda sobrevivem por ai. Aos frangalhos, mas sobrevivem. Na música do Zé Keti e em meus fevereiros existenciais.

Abaixo, a letra:
Máscara Negra

Tanto riso, oh quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão
Arlequim está chorando pelo amor da Colombina
No meio da multidão

Foi bom te ver outra vez
Tá fazendo um ano
Foi no carnaval que passou
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou
Que te beijou, meu amor
A mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Vou beijar-te agora
Não me leve a mal
Hoje é carnaval.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Os Carnavais do Bandeira

Dois poemas do livro "Carnaval", de Manuel Bandeira, de 1919.

Poema de Uma Quarta-Feira de Cinzas

Entre a turba grosseira e fútil
Um Pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
Feita de sonho e desgraça...

O seu delírio manso agrupa
Atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro o apupa...
Indiferente a tais ataques,

Nublada a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
Veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e desgraça...

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Epílogo

Eu quis um dia, como Schumann, compor
Um carnaval todo subjetivo:
Um carnaval em que o só motivo
Fosse o meu próprio ser interior...

Quando o acabei - a diferença que havia!
O de Schumann é um poema cheio de amor,
E de frescura, e de mocidade...
O meu tinha a morta mortacor
Da senilidade e da amargura...
– O meu carnaval sem nenhuma alegria!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

No Reino Das Bundas Moles

Em todos os elementos da natureza, seja bicho, planta, fungo, bactéria e mesmo matéria inanimada, existe uma nítida e lógica correlação entre forma e função.
Nenhum orgão seu tem o desenho que tem à toa, a forma atual deles é produto de milhões e milhões de anos de seleção, de um burilar constante, incansável e preciso que o conduziu à forma que lhe conferisse a maior eficiência possível em sua função.
Essa correlação forma-função não é verificada apenas no macroscópico, ela se estende também ao nível celular, uma hemácia sua (glóbulo vermelho) tem em sua forma de um disco bicôncavo a eficiência ótima para ela fazer o que faz, transporte dos gases respiratórios, e não existe - nem existirá - um engenheiro projetista que seja capaz de melhorá-la, o mesmo sendo verdade para os demais tipos celulares. Essa correspondência se alonga ainda ao nível molecular, as proteínas, por exemplo, apresentam conformação tridimensional que lhes confere sua utilidade, seja ela um anticorpo, uma enzima ou um hormônio, se tomarmos uma proteína e desfizermos essa sua configuração, ela perde a função, desnatura-se.
O ser humano com sua imensa arrogância, não maior apenas que sua burrice, julga-se um elemento à parte da natureza, e pior: acima dela, não submetido às suas leis.
Ledo engano. Pode até parecer, mas a natureza dá o seu jeitinho.
A vinculação forma-função é inexorável, e se manifesta no homem e suas profissões, algumas são evidentes como é o caso dos atletas, modelos, atrizes e biscates em geral, mas outras são mais sutis, horrendamente sutis.
Sou professor e, hoje em dia, escola é um local onde pouco se trabalha, quanto mais se ascende na hierarquia, mais indolente é o sujeito. Os que ainda trabalham são os funcionários da limpeza, da secretaria e alguns professores, daí pra frente há o bloco carnavalesco dos "encostados", a saber: coordenadores, vice-diretores, diretores, supervisores e etc, essa turma é denominada em seu conjunto como Equipe Gestora.
Deveria ser Equipe Digestora, vista a quantidade de comida que engolem, mesmo em horário de serviço, e é dessa turma um dos casos mais horrendos de forma-função.
Óbvio que comendo feito uma nuvem de gafanhotos e ficando sentados em seus gabinetes sem nada fazer, a obesidade passa a ser regra, mas não é só isso, a grande adaptação dessa subespécie humana é a bunda.
Todas elas tem uma enorme bunda, gigante, de proporções paquidérmicas, gritantemente desproporcional ao restante do corpo, ainda que esse também seja imenso.
É a característica física ideal para a função, bunda grande, permite que elas fiquem sentadas por horas e horas a fio, sem cansar ou doer o bundão. Eu, por exemplo, com meu pouco estofamento, não estou apto a ocupar uma função de gestor, quinze minutos numa cadeira e minha bunda já dói.
Há casos mais extremos, até mórbidos do ponto de vista clínico, em que o Estado deveria acrescer ao salário desses gestores um auxílio-limpador-de-bunda, a exemplo dos lutadores de sumô que possuem serviçais com a função única de lhes limpar o cu que seus próprios braços não alcançam ou, no mínimo, financiar aos digníssimos a compra de um daqueles aparelhos de limpeza que esguicham água em alta pressão, o famoso WAP.
É o reino dos bundões moles.
Pãããããta que o pariu!!!!!!!!!!!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Martínis e Resinas Fósseis

Os lábios envolvem macia, com vagar e umidamente a borda delgada da taça cônica prolongada em haste fina de seu martíni, seu sexto martíni, e Nívea Névoa sente o cheiro de perfume do gim e o salgado da azeitona imersa.
 O sexto martíni é perigoso, leva-a a pensar sobre a desolação de sua vida, a ambicionar um amor. Lembra-se, num átimo, já ter tal amor desde muito, amor dos grandes, dos intermináveis, dos que não cedem espaço ou brecha a outro ou outros. 
Nívea Névoa tem, sim, um amor; ele só não está disponível por ora, por enquanto, por quando.Todavia, desvinculado desse amor indissociável, o sexo lhe é possível e prazeroso, plenamente possível. E ela terá sexo, hoje, em pouco. 
Tão-logo o casal que a observa do outro lado do bar, e já ensaia movimentos em sua direção, a abordar e lhe oferecer solicitamente um novo martíni, o sétimo, que irá abrasar e lubrificar suas entranhas, o seu corpo. 
E porá em um bloco fóssil de âmbar - a isolar e salvaguardá- la -, a sua alma.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Prefiro o Bandeira, mas...

Gosto, porém, não me arranca faíscas a poesia de Carlos Drummond de Andrade, prefiro imensamente o Manuel Bandeira, no entanto talvez pela vontade que me deu de beber com um amigo, aí vai o convite de Drummond, quem sabe feito ao Bandeira.

CONVITE TRISTE
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.
Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira,
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.
Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber, apenas.
Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.
Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros seqüestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Cubos Imperfeitos

Essa faca em tua mão
- cujo fio faz tua salada, teu bife,
Põe manteiga no teu pão
E que agora quadricula o queijo
Que contraporá o amargo da tua cerveja -,
Já pensaste em pô-la ao peito?
Senti-la atravessando teus poucos centímetros de carne,
Tocando-te o osso abaixo e,
Com um pouco mais de força,
Rompê-lo, também,
Beijando-te o coração?

Ato simples, rápido, irreversível.
Muito mais fácil e indolor que continuares
A te arrastar por ai, pelas ruas,
Pelas pessoas, pelos teus empregos.
A morte é fácil e simples demais,
A vida é que é foda!
Desconfiamos do fácil,
A morte - dadas as suas vantagens -
Nos parece um conto do vigário:
Nosso medo da morte
É o medo de passarmos por otários.
É isso!
Só pode ser isso!
É o nosso medo do ridículo
Que mantém a lâmina afastada do nosso peito.

Bebe, então, a tua cerveja
E dê graças ao teu provolone em cubos imperfeitos.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Honra Ao Mérito

Sou professor do Estado, titular de cargo, e seja o que for que essa merda possa representar, significa que passei por um concurso de provas e títulos e fui aprovado.
Nessa semana, apesar disso, submeti-me a uma outra prova instaurada pelo Estado, a Prova por Mérito, cujo intento foi declarar-me digno ou não - vejam só - de um aumento salarial.
Não quero discutir aqui - não agora - os aspectos inconstitucionais ou até morais dessa avaliação, quero dizer tão-somente do nível do conteúdo cobrado : baixíssimo, prova para retardados.
Foi fornecida no edital da prova, como em todo concurso, as bibliografias a serem exigidas, uma da parte pedagógica e outra, específica para cada área.
Há 12 anos, fui aprovado no concurso que me conferiu o cargo que hoje ocupo e, de lá para cá, tenho o orgulho de dizer que nunca mais pousei minhas vistas num único texto pedagógico sequer. Nesses 12 anos, dezenas de novos pedagogos de merda com ideias imbecis surgiram e caíram no gosto dos chamados "educadores", eu não conheço nenhum e nem os estudei para a prova de mérito, aliás, não estudei nada.
Necessário parênteses: eu não me considero um "educador" porra nenhuma, sou um professor de Biologia e ponto; professor é o que anda escasso atualmente.
Pois bem, todas as teorias inúteis desses "peidagogos" me foram bombardeadas na prova, e querem saber o resultado?
Acertei 54 do total de 60 questões da prova, exatos 90%, 9 numa prova que valesse de 0 a 10.
É como dizia Raul Seixas: "eu não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz".
Tirei 9,0 em uma prova para a qual nada estudei. Isso é palhaçada, é patifaria. Foi, como já disse, uma prova para imbecis, uma espécie de ENEM para professores; devo registrar que considero o ENEM um dos maiores embustes educacionais de todos os tempos.
Claro que eu não conhecia patavina dos autores da bibliografia, mas nas questões havia textos dos tais e só em seguida a pergunta. Ora, porra, eu sei ler bem pra caralho, fui alfabetizado no estilo antigo, cartilha Caminho Suave, com decoreba, sabatina, reprovação e tudo o mais que esses peidagogos condenam, condenam o tradicional, mas não põem nada no lugar.
A tônica peidagógica atual diz que o indivíduo não precisa angariar e armazenar conhecimento, desde que saiba onde buscá-lo, interpretá-lo e ajustá-lo ao contexto, são os abomináveis "saberes e fazeres", nas palavras dos peidagogos.
Merda! Merda em cima de merda!
É óbvio que precisamos, sim, de uma grande bagagem de conhecimentos, um grande banco de dados, sou professor, ora essa. Imaginem-se num consultório médico e o doutor lhes dizendo que não sabe o seu problema, mas sabe onde pesquisar, imaginem o médico lhes dando as costas e indo fuçar nos livros da estante à cata de achar a cura de vosso mal.
Ridículo! Surreal! Pois é exatamente isso o defendido pelos peidagogos.
Concordo que as questões, algumas delas, deviam mesmo testar meu poder de interpretação e inferição, porém deveriam igualmente exigir-me conhecimento. E não exigiram, sequer gota dele. Acertei questões de assuntos dos quais não fazia a menor ideia, pois estavam lá os textos, estavam lá os fazeres e saberes, estava lá o ENEM.
O Estado deveria ter me ferrado pela minha falta de conhecimento e preguiça em obtê-lo, no entanto, vai me premiar.
Está errado! Isso está muito errado! Eu deveria ter ido pessimamente mal nessa prova: tirei 9,0 (não sei por que não me canso de dizer isso e nem por que me vem sempre um sorriso bobo à cara).
Mas uma coisa me consola: é saber que fui muito melhor nessa prova que a grande maioria dos "educadores" (massa acéfala que abraça essas peidagogias), é saber e confirmar-me superior àqueles que acreditam nas peidagogias, é tê-los vencido em seu próprio jogo, e sem saber as regras. Pau no cu de vocês, peidagogos de bosta.
Claro que estou desconsiderando outro fator desse meu estrondoso êxito: eu sou foda! Sou bom, mesmo!

Fanatismo Coerente

Um jovem de 16 anos morreu em Oregon City, Estados Unidos, em 2008, por falta de ajuda médica, negligenciada essa pelos próprios pais do rapaz, adeptos da igreja Seguidores de Cristo, que prega a cura estritamente pela fé e rejeita auxílio médico.
Antes de continuar, quero dizer que isso é um total e absoluto absurdo. E ponto.
Todavia o que não é absurdo no ser humano? Todavia que outra religião não afirma o mesmo, que deus e a oração são capazes de curar?
Ao menos, esses fanáticos seguidores de Cristo levam a cabo o que pregam. Diferente dos fanáticos das outras religiões que procuram um médico, farmacêutico, benzedeira, ao menor sinal de um mero resfriado e ainda se saem com a bela e hipócrita desculpa de que deus "opera" através dessas pessoas, o fato é que realmente não creem naquilo que pregam e com o que enchem a paciência dos ouvidos alheios.
O casal em questão acabou de ser condenado por homicídio. Não acho justo, nesse caso. A legislação que agora os condena é a mesma que lhes deu o direito de exercer o seu credo e sua fé, por mais absurdos que eles fossem e são.
Esse jovem foi vítima primária dessas permissivas legislações atuais que dão liberdade de tudo a todos. O casal fanático em deus não teve culpa, ao menos não teve dolo, fanático é fanático, é burro, é irracional. E irracionais de qualquer espécie não devem ter respaldo assegurado aos seus atos por nenhuma Constituição.
De qualquer forma, é mais um que morre por causa dessa insanidade humana chamada religião.
Também... o que é mais um frente a milhões de outros?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Mais Um Bobo Para A Corte Do Capeta


Jornal "A CIDADE"
Terça, 02 de Fevereiro de 2010 - 10h45 ( Atualizado em 02/02/2010 - 13h39 )

Morre em São Paulo o comediante ET
Aos 46 anos, ele apresentava problemas pulmonares e insuficiência renal.



Morreu nesta terça-feira, em São Paulo, o comediante Carlos Chirinian, 46 anos. Ele ganhou fama nacional como o personagem ET, da dupla com Rodolfo, nos programas "Ratinho Livre", na Record, e "Domingo Legal", no SBT.


O comediante estava internado havia cinco dias na UTI do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, com um quadro de problemas pulmonares e insuficiência renal. Durante a madrugada, ele sofreu uma parada cardíacada devido a um choque séptico, broncopneumonia e crise renal.

Carlos Chirinian deve ser enterrado nesta tarde, em Osasco.

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obs. do Azarão: ORDINÁRIO !!!!!!!!!!!!!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Pequeno Conto Noturno (10)

- Ainda dou uma boa chupada? - Sabrina pergunta a Rubens, tirando a cabeça do meio das pernas dele, subindo e recostando em seu peito.
- Dá - diz Rubens.
- Sei lá, tô achando meus lábios meio ressequidos, ficando meio murchos, tô pensando em injetar gordura neles, acho que é lipoescultura que chama, para eles voltarem a ficar viçosos, apetitosos.
- São bem apetecíveis para mim.
- É que homem não repara nessas coisas, eles tão meio murchinhos, sim. Quer ver só?
- Diz.
- Eu tenho celulite?
- Não.
- Estrias?
- Não.
- Meus peitos já estão com uma curvatura mais "cansada"?
- Até onde vejo, não.
- A pele embaixo dos meus braços tá flácida, balançando quando agito a mão?
- Não.
- Tá vendo, só... ou vocês são uns mentirosos, ou não reparam, ou não se importam. Eu tenho tudo isso, sim, e agora também os lábios.
- Olha, você não precisa fazer porra de lipo-coisa-nenhuma, está tudo coerente em você.
- Coerente? Que merda é essa? Vai continuar dizendo que eu tô com tudo em cima? Olha isso...
E Sabrina aponta as estrias, os focos de celulite, aperta os culotes, bate na pele embaixo dos braços.
Rubens gargalha.
- Tá rindo, né, filho da puta? Quero ver o dia em que teu pau cair.
- Aí, eu procuro um médico.
- Tá vendo...
- Mas aí eu estaria me ocupando da função, da falta dela no caso, e não da forma. E você está funcionando direitinho no que me concerne.
- Vai continuar dizendo que não tenho que consertar nada disso.
- Não, não tem. Vai pegar uma cerveja pra gente que na volta te explico.
Ela vai e volta, enrolada num lençol, dá um bom gole, limpa a espuma do lábio superior e passa a garrafa para Rubens.
- Pronto, me explica agora essa merda de "coerente".
- Você não tem que consertar nada porque não tem nada a ser. Você não tem celulite, estria, culote... nada disso. O que você tem são, pura e simplesmente, 42 anos.
- 41!
- Que seja, e é isso o que eu digo ser coerente.
- Não sei se entendi onde você quer chegar - e Sabrina dá outro gole, entorna quase toda a garrafa.
- Veja meu caso - continua Rubens -, eu não tenho cabelos brancos, rugas, pescoço estriado, nem uma protuberância no ventre que resiste a todos os meus esforços para que não se torne uma barriga, não tenho nada disso, o que tenho são 48 anos.
- Sei...
- O que tô dizendo é que olho pra você e não vejo nada flácido ou murcho, e sim uma mulher de 42 anos...
- 41!!!!
- ... de 41 anos plenamente funcional e desejável.
- Sério?
- Sim.
- Huuummm... você faz isso parecer tão simples.
- Eu sou um cara simples, de fácil trato.
- Você, simples? Tá bom. Fica parecendo uma coisa boa, natural...até romântica.
- E é bom, é natural. E eu sou um incurável romântico.
- Você, romântico? Tá bom.
- Pega outra cerveja? - pede Rubens, matando a garrafa.
- Pego.
E Sabrina vai, sem lençóis enrolados dessa vez.
Se ainda não em plena concórdia com seu corpo, ao menos segura de que os olhos que a acompanham pelas costas estão satisfeitos e desejam o que veem, e isso lhe dá um passo mais altivo.
- Toma - diz ela - é a última.
- Tudo bem, já passam das duas horas, logo tenho que me levantar.
- Rubens... - ela voltando a se recostar.
- Diz.
- Você foi sincero mesmo quando respondeu minha pergunta?
- Claro.Você ainda tem uma bela duma, digamos, "embocadura".
- Safado...
- Mas se ainda estiver duvidando, se quiser uma corroboração, uma análise mais apurada, meticulosa...
- Tá querendo outra chupada, é?

Bukowski

Poema nos meus 43 anos 
Terminar sozinho
no tumulo de um quarto
sem cigarro
nem bebida –
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter
um quarto.

... de manhã
eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores, médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carros,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiras,
motoristas de taxis...

e você se vira
para o lado esquerdo
pra pegar o sol
nas costas
e não
direto nos olhos.