sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Testemunhas de Jedi

No último censo demográfico realizado na Inglaterra, 175 mil súditos da Rainha, respondendo ao quesito religião, declararam que são...cavaleiros de Jedi.
Sim, 175 mil britânicos se consideram - se sentem - pertencentes à ordem dos cavaleiros espaciais criada por George Lucas em sua série de filmes Star Wars, e cujo nome, Jedi, revelou o próprio Lucas, foi inspirado em "jidaigek", um gênero japonês de cinema e teatro que retrata samurais do período Edo, do Japão Feudal.
Tal número de adeptos, 175 mil, torna os cavaleiros de Jedi a sétima denominação religiosa da Inglaterra. Eles estão presentes em quantidades significativas também na Austrália (65 mil), na República Tcheca (15 mil) e no Canadá (9 mil).
Absurdo? Depende. À luz de uma análise, digamos, mais cartesiana, sim, absurdo puro e genuíno. Porém, dentro da "lógica" da crença no divino e do culto às religiões, não, absolutamente, não; pelo contrário, é da mais perfeita e simétrica coerência.
Deus não existe! Logo, qualquer coisa pode ser alçada à condição de e, objetivo maior, tornar-se em objeto de adoração e de renda.
Qualquer coisa pode ser deusificada, desde fenômenos climáticos - ventos, relâmpagos, a "fúria" dos vulcões etc -, passando por pedras e monolitos sagrados, até animais como o bíblico bezerro de ouro; a história está cheia desses tristes exemplos da irracionalidade, da fraqueza e da imaturidade humana.
Atualmente, o exemplo mais didático que me ocorre é o da Índia, um dos lugares do mundo que faço questão de não conhecer antes de morrer. Lá, elefante é deus, rato é deus, macaco, rato, vaca, irmãos siameses, hermafroditas etc.
Por que não, então, uma religião de culto à Força, os cavaleiros de Jedi?
Para quem nada sabe dos Jedis, um resumo : a doutrina Jedi acredita que todos os seres vivos compartilhem de uma mesma energia cósmica, que os une entre si e também ao Universo, a Força. Os cavaleiros Jedi desenvolvem o domínio da Força e se tornam capazes de canalizá-la para exercer influência sobre pessoas, animais e objetos, com o objetivo de promover e preservar a paz da República Galáctica Interplanetária, da qual sãos guardiões, sempre a portar seus indefectíveis sabres de luz. 
Afirmam que há registros da "Força" em fenômenos físicos e até nas escrituras de livros sagrados como a Bíblia : "Quando Moisés abriu o Mar Vermelho, fez uso da Força", garante um dos cavaleiros Jedi. A igreja Jedi não possui templos físicos, os devotos se reúnem pela internet; pautam-se por um código de conduta, mas não seguem nenhum livro sagrado. E, ao contrário do que possamos pensar, garantem que não rezam para Yoda, o mestre Jedi supremo.
Loucura? De novo, depende. Isso de loucura, ou de sanidade, é muito relativo. Relativemos, pois. Comparemos a história dos Jedis com uma outra, bem mais conhecida nossa, vejamos a história do Cristo :
um salvador concebido por uma mãe virgem, fecundada por obra e graça de um tal Espírito Santo cuja vinda foi anunciada por um Anjo do Senhor, portador de uma espada flamejante. E o Filho, na verdade, não é Filho, é o Pai, é próprio Deus tornado em homem pela essência do Espírito Santo, que também é o próprio Deus, declarado uno e que também é trino, e que no fim, para redimir a humanidade de seus pecados, mandou o Filho para a cruz, ou seja, a ele mesmo, declarou a própria execução. Para que depois o Filho ressuscitasse, ascendesse aos céus e ocupasse o seu lugar à direita do trono do Pai, isto é, sentasse-se ao lado dele próprio.
Entre os animais, o único caso conhecido de partenogênese - o desenvolvimento do embrião sem que haja fecundação - ocorre entre as abelhas, em que os óvulos não fecundados se desenvolvem e originam os machos da espécie, o zangão. Cristo seria, então, uma espécie de zangão cósmico, um deus-zangão redentor de nossos pecados.
Imagine agora que você estivesse ouvindo as duas histórias pela primeira vez, a da Força, que a todos conecta ao Cosmos, e a do deus-zangão, que a todos nos livrou dos pecados. Qual delas lhe pareceria mais fantasiosa, mais absurda?
Acontece que uma delas, a primeira, chegou-nos quando já tínhamos uma certa idade e, principalmente, nos foi narrada como o que verdadeiramente é, uma ficção, uma fantasia; a segunda, a do deus-zangão, nos foi impingida desde o berço, como fosse uma verdade inquestionável, e se repetido à exaustão, o absurdo adquire ares de possível, ou, pelo menos, a estranheza em relação a ele é perdida, se dilui, volatiza.
Se ao invés da Bíblia, as pessoas tivessem sido criadas, educadas, doutrinadas através da trilogia Star Wars, não tenham dúvidas, elas sentiriam a Força da mesma forma com que sentem a presença de Deus; acreditem, elas rezariam para o Mestre Yoda, ou para Luke Skywalker, com o mesmo fervor com que se ajoelham e rezam para Cristo. Darth Vader seria Lúcifer e George Lucas, o Papa, infalível em suas decisões e pronunciamentos.
Se tivessem sido evangelizadas pela trilogia Star Wars, as pessoas, em lugar de crucifixos pendurados ao pescoço, exibiriam miniaturas dos sabres de luz Jedi. Pãããããta que o pariu!!! Isso é o que eu chamo de ficar entre a cruz e a espada.
Se bem que nem tanto assim. Se eu tivesse de optar entre a cruz (do Cristo) e a espada (de Jedi), minha escolha seria fácil. Sob certas condições, lógico.
Se em meu batismo, eu recebesse um autêntico sabre de luz Jedi e pudesse dar uma metida numa gostosa amazona Jedi vestida de Princesa Leia, eu me converteria à Força. Na hora. Imediatamente.
Não pagaria dízimo, mas me converteria. Seria um cavaleiro Jedi não praticante.
Eu torço pela extinção total das religiões, mas o que vem ocorrendo é, ao contrário, uma profusão desmedida delas - os que se dizem cavaleiros Jedis não estão de brincadeira nem de sarcasmo, eles consideram mesmo a sua crença na Força como uma religião. E se algo de bom pode ser tirado disso, dessa profusão descontrolada, é que as incipientes religiões mostram, a quem estiver disposto a ver, o quão inconsistentes e ridículas são, também, todas as antigas e já consagradas religiões.
Duas amazonas Jedi em trajes típicos de Princesa Leia, prestes a entrarem em comunhão espiritual com a Força. Compensa ou não compensa dar uma espadada?

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