Eu detesto futebol. Xico Sá adora futebol. Logo, eu... gosto pra caralho do Xico Sá.
Xico Sá é jornalista, cronistas dos bons (inclusive de futebol) e escritor. Xico Sá diz que faz subliteratura. Falsa modéstia do cabra. Tá querendo é confete. E serpentina, e Colombina, e lança-perfume, daquele que a Rhodia vendia numas latas douradas. Xico Sá é proseador, e também muito bom em sua prosa, recheada de poesia. Leiam Big Jato ou o seu Modos de macho, modinhas de fêmea & outros chabadabadás e verão do que eu digo.
Ao contrário do outro Chico, o Buarque, que dizem ser um profundo conhecedor da alma feminina, Xico Sá se declara, e a todos nós, os homens, um preguiçoso em entender as mulheres. Mulher não é complicada, professa Xico Sá, o homem é que tem preguiça de entendê-la.
E acho que não tem mesmo essa de entender as mulheres. Fica parecendo coisa de técnico de IML, levar a moça para um laboratório, descrevê-la, classificá-la, dissecá-la etc. Deixemos a autópsia do amor para quando ele se finar, para depois de um eventual pé na bunda.
Xico Sá é engajado na nobre causa pela preservação do macho-jurubeba, sendo ele próprio um dos últimos representantes dessa tão ameaçada espécie, que é o homem-homem, o macho sem frescuras, o macho por excelência, longe, no entanto, de ser machista. Xico Sá é um dos últimos guardiões do cromossomo Y.
Xico Sá é igualmente adepto de uma birita, aprecia uma canjebrina. E sua qualidade mais invejável : Xico Sá nunca se casou (até onde eu sei, pelo menos). Xico Sá consegue se equilibrar na corda bamba sem sombrinha dos relacionamentos e não cair no despenhadeiro do casamento, no grand canyon do matrimônio.
Xico Sá é o bêbado e o equilibrista. Consegue ser um solitário sempre muito bem acompanhado.
O texto de Xico Sá que reproduzirei a seguir, Barbosear, o verbo, tem como mote, diria até como pretexto, o futebol - daí aquele antissilogismo com que abri a postagem -, mas vai muito além das linhas brancas de cal a queimar o verde, o gramado é só o pano de fundo. O texto fala da honradez frente a derrota, da hombridade de assumi-la. Xico fala, como macho-jurubeba que é, da macheza que tanto anda em falta hoje em dia. Aquela da palavra e do fio de barba a valerem mais que qualquer selo ou carimbo de tabelião.
Com vocês, Xico Sá :
Barbosear, o verbo
Amigo torcedor, amigo secador, peço encarecidamente, vamos desbarbosear, enquanto é tempo, o Felipão. Barbosear, o verbo nacional por excelência, caro professor Pasquale, a ação de personificar a catástrofe, maldito objeto indireto brasileiro. Em vez de decifrar as causas do fracasso, sempre encontramos um rosto para um momento trágico.
Então está combinado; eu desbarboseio, tu desbarboseia, nós desbarboseamos.
Evidente que contra o preto Barbosa, o goleiro de 1950, a pena foi sem comparações. Foi perpétua e apagou até a assinatura da Princesa Isabel na Lei Áurea.
Cresço eu, cresces tu, crescemos nós quando aprendemos a desconjugar tal verbo. Felipão tem razão em dizer "que saco", como na volta ao palco da tragédia greco-mineira. Deixemos o homem, além do técnico, trabalhar em paz.
É pedagógico, caro Paulo Freire, lembrar sempre das nossas derrotas. É burro, porém, achar que os erros têm feição única. O católico Felipão está longe de ser um Cristo, mas chega de acoitá-lo. Não vejo a mesma fúria contra Marin/Del Nero e todos os quadros em branco e preto na parede cor de anos de chumbo da CBF, a abominável Casa Bandida do Futebol, como na sigla eternizada pelo caro Juca.
Felipão tem o luxo da coragem. Poderia, qual um monge, ter optado por curar a ferida no silêncio, lá longe dos homens de temperamento sórdido, como me sopra aqui o flamenguista Jorge Benjor. Não. Preferiu curar a dor que deveras sente a céu aberto, com milhares de testemunhas nas arenas, nos estádios. É macho. Não de mchista, no sentido bom do gênero.
Um homem de moral, de enfrentamento, que dá a cara, um homem à prova de mídia-training e outros truques para enfrentar o poder da imprensa.
Acaba sobrando um pouco do verbo barbosear também para Fred. que bobagem. Rolou também parecido em 50. Não ficou apenas no goleiro. O bom é que Fred tem personalidade. Gostei da ideia do atacante de fazer greve, não entrar em campo se a selvageria contra os jogadores do Fluminense continuasse por parte de meia dúzia de destorcedores - vale também, a essa altura das flexões, professor Pasquale, tu que és Juventus nato, o uso e abuso do anti-verbo.
Barbosear é ação típica do subdesenvolvimento atávico, do viralatismo em busca do vilão da novela. É esquecer até, pasme, a velha culpa do sistema. Vejo em Felipão, ao não fugir um pouco do futebol, uma certa teimosia do capitão Ahab do livro homônimo Moby Dick e mais ainda do filme do John Huston.
É o maior livro-filme sobre a arte de continuar vivo mesmo sabendo que a Velha Foice anda à espreita. Como é bonito tal peleja, talvez apenas o futebol o repita como metáfora. O futebol é mesmo a vida em estado permanente de hipérbole.
Xico Sá
Você deveria fazer um livro.
ResponderExcluirImodestamente falando, eu bem que já tenho material para um livro, talvez até para dois ou três.
ExcluirO duro é achar o louco que publique e pior, um monte de loucos que comprem.
abraço.
Como não? Todos os leitores, vários leitores do Marreta do comprariam! Abraços
ResponderExcluirEu compraria.
ResponderExcluirOpa, então já são dois.
ExcluirIdentifiquem-se, porra!!!
Eu compro.
ResponderExcluirHahaha Adorei o texto. Xico Sá faz parte dos seletos representantes da resistência dos machos de respeito (espécie na iminência de extinção) não domesticados (o que o torna um exemplar mais raro ainda, uma vez que os poucos sobreviventes encontram-se em cativeiro rsrs). Cá entre nós, inveja pouca é bobagem.
ResponderExcluirPS: eu tb compraria.