sábado, 2 de dezembro de 2023

Pequeno Conto Noturno (97)

Rubens é de direita. Convicção forjada por fatos da vida real, temperada pelo esforço sempre mal pago e irreconhecido desde os seus 13, 14 anos, quando começou a pegar no batente. Rubens nunca teve tempo para utopias, para participar de passeatas e marchas inócuas e idiotas, para ficar fumando maconha de papo pro ar.

Yrina (pensa que) é de esquerda. Impressão construída por tratados e teóricos vermelhos, urdida por horas e horas a fio (e à toa) em Diretórios Acadêmicos de cursos de "humanas", a discutir o sexo dos anjos. Yrina só trabalhou depois de graduada, e no que se graduou. Engajou-se em muitas causas, levantou muitas bandeiras, fumou muita maconha de papo pro ar.

Rubens se arrasta pela vida com um comedimento e com uma precaução os quais Yrina chama de covardia. Yrina flana pela vida com uma coragem que Rubens chama de inconsequência, descompromisso e egoísmo.

Rubens é o homem branco, o servo do capitalismo opressor; que anda a pé, de tênis furado, bolsa carteiro esfarrapada à tiracolo e toma Antarctica e Brahma no Bar do Renato. Yrina é a mulher oprimida pelo patronato, revolucionária libertária socialista; que não sabe nem pegar um ônibus urbano, calça Arezzo, tem iphone e toma Stella Artois no Outback.

A biblioteca de Yrina é uma falta de respeito para com as árvores mortas para serem tornadas naqueles livros; tem Piaget, Paulo Freire, Márcia Tiburi, Rubem Alves. A de Rubens tem Bukowski, Paulo Francis, Diogo Mainardi e Olavo de Carvalho.

Rubens é feio. Yrina é linda.

Mas, quando se encontram, ele se chafurda e se farta do sorriso "progressista" dela. Ela se lambuza e se embriaga da amargura reacionária dele.

E gozam, gozam, e gozam.

Nus de discursos, de bandeiras, de cartilhas, de malcerzidas e démodés ideologias.

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