O
brasileiro médio, padrão, festivo e festeiro, o bobo alegre, o
brasileiro do carnaval, do funk e do futebol, o do jeitinho, o
eternizado nas figuras do Zé Carioca e da Carmen Miranda, enfim, o
brasileiro que faz o "L", diz que o brasileiro que não exalta, que não
se orgulha, que não se ufana de tão nossos grandiosos valores e
qualidades, tem Complexo de Vira-latas.
Complexo
de Vira-lata é uma expressão cunhada pelo genial Nelson Rodrigues,
inicialmente quando da derrota da seleção brasileira de futebol frente à
uruguaia, em 1958, episódio que teria abalado a autoestima tupiniquim
e, a partir de então, ter levado o brasileiro a considerar melhor tudo o
que vem de fora, tudo o que não é "nosso".
Mas
genial com era, Nelson Rodrigues viu que o Complexo de Vira-lata do
brasileiro não era restrito ao campo futebolístico. Disse Nelson
Rodrigues : "Por 'complexo de vira-lata', entendo eu a inferioridade
em que o
brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O
brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a
verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a
autoestima".
Pra variar, concordo com o mestre Nelson Rodrigues, sobretudo na última frase : "Eis a verdade : não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima."
De
fato. Aqueles que, segundo a turminha do oba-oba, sofrem do tal
complexo, em verdade, não sofrem de nada. Só de uma clareza de ideias e
de uma racionalidade que faz com que enxerguem a realidade, que
constatem que estamos mesmo aquém, em vários aspectos, de muitas outras
nações, mais desenvolvidas, mais civilizadas.
A
rigor, somos mesmo um país de vira-latas. Não éramos. Porém, a partir
da chegada dos "descobridores" fomos nos tornando um amálgama de
inúmeros povos, vindos de todos os confins e rincões do planeta, fomos
nos tornando um pastiche indistinto de diferentes tradições, culturas,
éticas e morais.
Desde
então, não adquirimos ainda (e creio que isso nunca acontecerá) uma
identidade nacional. Não apenas não desenvolvemos um conjunto de
características físicas, uma homogeneidade morfológica que nos tipifique
como brasileiros - o que não tem importância alguma ao meu ver -, como
também não solidificamos uma unidade específica de cultura, de valores,
de aspirações e de feitos, conquistas e realizações coletivos.
Falamos a mesma língua. E só. Não temos um "rosto" que nos distinga de outras nacionalidades.
Tanto
que, no mercado negro de passaportes, que atende principalmente a
criminosos procurados mundialmente, o documento brasileiro é o mais
valorizado, uma vez que o brasileiro não tem "cara". Qualquer um que
coloque sua foto num passaporte brasileiro não despertará a menor
desconfiança ou suspeita de um agente alfandegário, por exemplo. Se o
passaporte diz que um dinamarquês é brazuca, tá tudo certo, nos
conformes. Um chinês, um indiano, um samoano, um esquimó, um inca
venusiano.
Nem
mesmo nos sentimos como "brasileiros". Nem mesmo somos ou sabemos
exatamente o que é ser brasileiro. É extremamente comum vermos o fulano
estufar o peito e dizer de seus avós ou bisavós italianos, alemães,
portugueses, japoneses, africanos. Ainda nos sentimos vinculados muito
mais ao torrão natal de nossos antepassados que ao solo dessa nossa mãe
gentil, pátria amada Brasil.
Neste
aspecto, o de nos faltarem motivos históricos, de civilidade e de real
cidadania para termos uma justificada autoestima, somos, sim, um país de
vira-latas. A não ser que os já citados, o futebol, o carnaval, a nossa
(falsa) cordialidade ("brasileiro é tão bonzinho", já dizia a
gostosíssima Kate Lira) e o nosso famoso jeitinho sejam considerados
valores dignos - não são; antes, sim, o exato e antagônico oposto disso.
Porém,
ainda incrédulo, descobri ontem uma peculiaridade brasileira, uma
característica nossa da qual posso facilmente me orgulhar. A qual,
mareja-me os olhos só de pensar. Descobri-a por acaso, como, muitas
vezes, se dão as descobertas relevantes. Desde que, é claro, o
observador esteja preparado para reconhecê-la e fisgá-la de dentro do
Acaso.
Enfim,
uma qualidade brasileira para eu chamar de minha. Para inflar o peito
raquítico e anunciá-la em um brado retumbante : somos o país da cerveja
boa e barata.
Sim,
meus amigos bebuns, temos uma das cervejas mais baratas do planeta.
Para ser mais exato, temos a décima cerveja mais barata do globo, entre
os 195 países incluídos num estudo da Numbeo e da Statista, conduzido em 2022, e divulgado pela plataforma de desconto CupomValido.com.br.
O custo médio da cerveja no Brasil foi medido em U$ 1,38, o que representa um valor 66% menor que a média mundial. O volume estabelecido como parâmetro foi o meio litro, 500 ml.
Na
época, portanto, meio litro de cerveja aqui saía, em média, nas
capitais brasileiras onde se deu a pesquisa, por coisa de 4 reais. Mas
isso foi no governo do ódio. Hoje, no governo do "amor venceu", tá
saindo por seis reais e pouco. Com amor é mais caro, benzinho.
Na
América Latina, só a Colômbia tem cerveja mais barata que a nossa, U$
1,06. E a cerveja mais barata do mundo é a da Etiópia, U$ 0,75 o meio
litro. Ao lado dos países mais hospitaleiros, os mais hostis ao turista,
os que praticam preços proibitivos do sacrossanto elixir da longa vida.
E como cheguei a tal descoberta?
Bom,
meu amigo, corno e filósofo Fernandão esteve, ou ainda está, na capital
argentina de Buenos Aires. Viajou, especialmente, para participar da
Parada do Orgulho Gay portenho, ocorrida em 02/11, reservou até hotel
bem na avenida em que se deu o alegre e saltitante desfile.
Sempre
que ele se lança a suas viagens internacionais, ele me traz umas boas e
baratas de presente, para eu colocá-las lá no meu canal no You Tube, As Boas e Baratas do Azarão.
Porém, dessa vez, palavras dele, "tá osso, achar cerveja barata na Argentina".
As mais baratas que encontrou, com valores já convertidos do peso
argentino, foram marcas custando entre sete e oito reais o latão de 473
ml. De fato, estão caras. Aqui, latões de mesmo volume de marcas feito a
Lokal, a Crystal, a Kaiser etc são encontrados abaixo dos quatro reais.
Disse-lhe
que poderia até trazê-las, tomaria-as de bom grado, mas não poderia
aproveitá-las para o meu canal no You Tube, pois não eram baratas.
Utilizá-las em vídeos faria o programa perder sua essência, o seu
propósito; e eu, a minha credibilidade frente aos bebuns inscritos no
canal.
Mas
não era assim quando estive em Buenos Aires, nos idos de 2008. Lembro
que tomei alguns litrões da Quilmes por um preço que equivalia, na
época, a uma lata de 350 ml da Skol ou da Brahma no Brasil. Essa
carestia só pode ser por conta do governo anterior da Argentina, governo
esquerdista que jogou o país na merda e que, agora, Javier Milei está
colocando de volta aos eixos.
Se
bem que desconfio que parte do motivo dele não encontrar cerveja barata
por lá seja por pura incompetência em saber procurá-las, em onde
garimpá-las.
Fernandão,
desde que o conheci, ele com 17 para 18 anos e eu com 21 para 22, mesmo
na quebradeira em que andávamos na época, sempre foi fresco, sempre foi
metido a gourmet. Mesmo na pindaíba, nunca se dispôs a treinar e a
aguçar seu faro na busca por boas e baratas.
Não seria agora, portanto, que é eminente e próspero empreendedor do agronegócio, que iria saber como encontrá-las.
De
qualquer forma, os elevados preços portenhos da cerveja despertou minha
curiosidade em saber sobre os preços médios da cerveja por esse mundão
afora. E descobri, como disse, um louvável motivo para ter a minha
autoestima verde e amarela posta nas alturas. E descobri, como disse,
uma razão (pelo menos em um setor) para descartar meu Complexo de
Vira-lata.
Temos
uma das gasolinas mais caras do mundo, uma das energias elétricas mais
caras do mundo, um dos remédios mais caros do mundo, uma das cargas
tributárias mais caras do mundo. Mas numa coisa ninguém me tira o
orgulho de ser brasileiro : temos cervejas das mais baratas do mundo.
Agora, é esperar pra ver o que o Fernandão trará para mim em sua bagagem. Se é que trará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário