domingo, 17 de julho de 2022

Vi-Te

Vi-te hoje
(não deixei que me visses, escondi-me).
Ver-te foi como revisitar um velho e abandonado parque de diversões.
A roda gigante a ranger com artrite e neons manquitolas,
Os carrinhos de trombada com seguros e IPVAs vencidos,
A galeria de tiro de espingarda de rolhas...
(das rolhas de todos os vinhos que tomamos juntos).

Vi-te hoje
(não deixei que me visses, fiz-te um favor).
Ver-me
Seria ver meu cadáver,
Que ainda não pode se deitar,
Entregar-se à doce decomposição e ao aconchegante esquecimento.
Poupei-te da decepção
(e a mim, de vê-la em seus olhos)
E da destruição da tua boa memória de mim.
Poupei-te do constrangimento
De teres de sorrir a um estranho
Da maneira que sorrias para mim
(até com tuas orelhas tu sorris).

9 comentários:

  1. Belo poema, Marreta. Costumo pensar que as pessoas, na maioria das vezes, não querem nos ver quando estamos a muito tempo afastados. Já perdi a conta da quantidade de gente que reencontro e espero alguma reação, mas elas passam direto. Talvez eu seja muito atento e elas não percebam mesmo, pois já questionei algumas vezes se fulano tinha me visto no lugar x e sempre diziam que não. Ou talvez eu não seja memorável suficiente para que alguém olhe pra mim kkk, sempre uma opção. Quanto a mulheres, já vi umas duas por quem tive uma queda quando jovem, mas não fui atrás, só fiquei olhando de longe, admirando. No fim, existem coisas que é melhor não mexer, deixar morrer na tumba exatamente como elas parecem ser em nossas mentes.
    A única que me reconheceu foi certa vez quando estava trabalhando de garçom. Estava atrás do balcão e ela me viu e ficou com uma cara de quem estava vasculhando a cachola por alguma memória distante. Aí ela me parou e questionou se eu conhecia ela de algum lugar. Aí tive que entregar, que tinha feito curso de inglês com ela a cerca de 7 anos numa dessas escolinhas da Wizard. Ela lembrou, o que já era alguma coisa.....
    Abs!!!

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    1. E com o tempo, com a idade, essas situações vão se intensificando ainda mais. Eu também sempre fui meio invisível, Matheus. E até que eu gosto um pouco disso.
      Abraço.

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    2. Quando eu era jovem, gostava muito de ter amigos e amigas em casa, algum parente, um vizinho.
      Hoje eu agradeço quando não tem ninguém para vir. Adoto conversar pessoalmente, só que não gosto mais de ficar enfurnado dentro de casa. Se fosse por no máximo 1 hora, até ok. Mas as pessoas que conheci vinha no almoço e ficavam para o jantar. É foda.

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    3. Mas seu poema trata de histórias vivas entre laços que já não existem mais. Uma lembrança de alguém que se foi e vaga ao redor da pessoa amada, sabendo que aqueles momentos de antigamente não voltam, por nada.
      Muito bom! Um momento vivo de alguém que não existe mais.

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    4. Disse tudo, essas histórias seguem vivas em nós - em carne viva, muitas vezes -, mas os laços, desgraçadamente, há muito foram rompidos. E o pior : não existimos mais aos olhos de quem um dia nos foi tão importante, não existimos mais... mas seguimos vivos, isso é o mais difícil.

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    5. Eu nunca fui muito de turma, de patota. Hoje, então, raramente, me reúno com algum amigo ou parente. Para você ter uma ideia, a última vez que me encontrei com alguém, foi com o GRF, lá no Bar da Eva, como escrevi aqui.
      Não tenho paciência para reuniões prolongadas, de um dia inteiro, não tenho mais estômago para um monte de gente falando em volta.

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    6. Cada vez que vc fala de vc, vejo um Y. Uma curva desse Y é seu caminho que não tem nada a ver comigo. A outra curva mostra as afinidades.

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    7. Temos muitos aspectos em comum, embora sejamos completamente diferentes.

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