Li
uma vez, há muito tempo, e não sei até que ponto realmente procede,
que, embora sejam raras, há certas ocasiões em que acontece de pessoas,
já há anos em estado de coma, vegetativo, pessoas dadas como
"desabitadas" por qualquer junta médica que se preze, que ainda não
viraram ou cinzas ou, como prefere a Natureza, antepasto para vermes,
por pura insistência e teimosia de seus familiares em manterem seus
corpos físicos presentes, por puro e canalha egoísmo daqueles que se
intitulam seus "entes queridos" em não quererem deixá-las verem-se
livres de suas inúteis carcaças, retomarem a consciência, voltarem à
vida, por conta de algum estímulo externo indefinido, um som, um cheiro,
um toque.
Da
mesma forma, pessoas há anos inativas profissionalmente, tranquilas em
suas aposentadorias, num doce e profundo coma laboral, podem, por conta
de algum estímulo externo, de um fato ou acontecimento mais impactante,
sentirem a irracional vontade de voltarem às suas funções, de acharem
que ainda têm muita lenha pra queimar ou muita brasa a ser assoprada,
acharem que a sociedade ainda precisa de seus préstimos, que não lhes
sucederam substitutos à altura.
Em
1986, em Cavaleiro da Trevas, a melhor história do Batman já escrita e
desenhada, o gigante Frank Miller, ao início da trama, apresenta-nos um
Bruce Wayne envelhecido, à beira dos sessenta anos, a cara do Clint
Eastwood, e há dez anos tendo aposentado o manto do morcego. Bruce Wayne
estava lá, a curtir sua tediosa vida de bilionário, dedicando-se a
esportes, tomando um bom vinho à lareira em companhia do prestes a se
aposentar e amigo de todas as horas James "Comissário" Gordon. Tudo na
mais santa paz.
Então,
uma nova e brutal onda de crimes na sempre sem sossego Gotham City
começa a despertar, a tirar da hibernação o morcego que Bruce Wayne
trancafiara e silenciara em seu peito. O caos instalado pela Gangue
Mutante vai se alastrando exponencialmente, não deixando outra opção ao
morcego que habitava as vísceras de Bruce Wayne, que não fosse a de
acordar, a de retomar suas atividades contra o crime.
Assim,
da mesma maneira que, lá na gênese do Batman, o morcego estabacou-se
contra uma vidraça da Mansão Wayne, rompeu-a de fora para dentro, dando a
confirmação e indicando o caminho de como Bruce Wayne deveria seguir em
sua carreira de vigilante, na saga de Frank Miller, o morcego, agora,
rompe e estilhaça, de dentro para fora, uma das vidraças das catacumbas
do peito de Bruce Wayne. E a sombra e o espectro do Morcego voltam a
pairar por sobre os azarados criminosos de Gotham.
Batman
impôs a Wayne a sua necessidade de voltar, de mostrar ao mundo, ao
menos a Gotham, que gigantes já caminharam sobre a Terra.
Em
1995, Marcelo Nova, em carreira solo, aposentado do Camisa de Vênus,
cuja formação inicial durou de 1980 a 1988, recebeu um telefonema de
Karl Franz Hummel, ex-guitarrista do Camisa falecido em 2017. Karl lhe
disse : "Bicho, liguei a televisão e o apresentador falou que a maior sensação atual do rock é o Skank. A gente precisa voltar, bicho".
Marcelo Nova : "O quê, o Rosinha (referindo-se a Samuel Rosa, vocalista do Skank)? O Rosinha é o homem do rock no Brasil?
E
o morcego enclausurado no peito de Marcelo Nova também arrebentou os
seus grilhões. O Camisa voltou e segue até hoje em esporádicos
reencontros e turnês. Mr. Nova e o Camisa retornaram para mostrar ao
mundo que gigantes já caminharam na cena do rock nacional.
Há
cerca de duas semanas, decretei o fim do Marreta e das minhas
atividades, pelo menos públicas, de "escritor". Apesar das ideias
continuarem a me chegar, não via mais sentido algum em registrá-las, em
gastar tempo em pari-las ao papel, digitá-las, revisá-las, corrigi-las
etc. Decretei minha aposentadoria.
Ela não durou, porém, a mesma década da de Bruce Wayne ou a década e meia, quase duas, do Camisa de Vênus. Durou poucos dias.
E o que foi que me levou a desistir dela, a ver que minha escrita capenga ainda se faz necessária?
Simples
: uma postagem sobre cerveja (muito interessante, inclusive) escrita
por... Jotabê, o abstêmio do Blogson Crusoe, o maior expert em Toddynho
do Brasil.
Na hora, Marcelo Nova veio-me à cabeça : "O quê, o fofo Jotabê é o atual homem da cerveja no Brasil?!?!? Pãããããta que o pariu!!!! Preciso voltar, bicho" - decidi. E voltei.
E retomo, agora, a negligenciada, desde dezembro passado, seção Cerveja-Feira.
Vamos a ela.
Quando
escutamos a palavra "santo", ou ouvimos dizer que alguém foi
beatificado, canonizado ou santificado, de pronto nos vêm a imagem
conceitual daquela pessoa caridosa, boníssima, sempre empenhada em
garantir o bem-estar de seu próximo, ainda que em detrimento do próprio,
aquela pessoa que nutre empatia por toda e qualquer criação de Deus.
E
casta. Celibatária e pudica ao extremo. Totalmente desapegada à carne e
aos demais prazeres mundanos. Um ser diáfano, praticamente etéreo,
quase que destituído de matéria. Tão elevado que nos dá a impressão de
nem mesmo ter a necessidade de se alimentar, e que, quando o faz,
nutre-se de brisa, de suspiros de claras em neve, de bolhas de sabão,
asas de libélula, no máximo.
Um
ser que ainda não ascendeu para ficar ao lado do Senhor, mas que também
não mais habita entre nós, sim transita por uma dimensão intermediária.
É este clichê que se nos aferra à mente quando ouvimos falar de santos.
Clichê
dos mais equivocados. Talvez, talvez, muiiiiito talvez, alguns santos e
santas correspondam a ele. São exceções, no entanto. Santos não são,
nunca foram esses seres de pura energia cujo conceito nos foi inculcado
em nossas educação e formação.
Os
santos são (aliás, foram) nada mais nada menos que pessoas que
prestaram valorosos serviços aos interesses da Igreja Católica. Da
Igreja Católica. Interesses, estes, que nem sempre, aliás, quase nunca,
são e foram coincidentes com os das pessoas que a Igreja diz confortar,
que são muito distantes e alheios a realizações que poderiam promover,
de fato, o bem-estar e o alívio das atribulações de seus fiéis; da
humanidade, se assim preferirem.
O
santo nada mais foi que um bom soldado a serviço da Igreja. A
canonização é uma condecoração póstuma, uma honraria, a sua medalha por
bravura na guerra. Inclusive, muitos santos foram, literalmente,
soldados, militares. Alguns, São Jorge, o mais famoso deles, chegaram a
lutar nas Cruzadas. Saquearam, violentaram, trucidaram, degolaram e
esquartejaram muitos filhos de Alá em sua jornada santa.
Assim,
talvez fosse interessante instituir um novo tipo de santidade, uma nova
categoria de santo. Uma categoria desvinculada de quaisquer religiões
ou mesmo fé. Um santo que seja reconhecido não por inestimáveis serviços
prestados unicamente à alta cúpula de uma organização, mas sim
devotados e extensivos a toda a humanidade.
Fosse
criada essa categoria de santo, uma mulher, a abadessa Hildegarda de
Bingen (1098 - 1179), que já é uma santa católica, receberia um upgrade em sua canonização, subiria de patente, ganharia o status de Santa da Humanidade.
Seus milagres em prol do ser humano? A invenção da cerveja nos moldes em que hoje a conhecemos e consumimos.
Os
registros mais antigos da fabricação de cerveja datam de 7.000 anos, na
antiga Mesopotâmia. Porém, somente na Idade Média, dentro dos mosteiros
e abadias europeus, é que a confecção da cerveja passou por uma mudança
substancial, que recebeu um acréscimo fundamental em sua formulação : a
adição de lúpulo, cujas flores conferem ao sacrossanto líquido o seu
típico amargor e também possuem propriedades conservantes. E quem
"descobriu" o lúpulo? Hildegarda de Bingen, que também era botânica, com
tratados científicos publicados que descrevem mais de 200 plantas.
Hildegarda
de Bingen, essa boa mulher, aliou suas funções de teóloga às de
botânica e mestre cervejeira e estabeleceu os parâmetros, até hoje
utilizados, do que deveria ser uma boa cerveja. Ou melhor : definiu os
sagrados cânones da boa cerveja.
Não
bastasse a cerveja, não pararam por aí os milagres de Hildegarda a bem
da humanidade. Além de gostar de entornar, de ser muito chegada a um
gargalo, a santa mostrou que de santa nunca teve nada.
A
abadessa foi muito além das plantinhas em suas pesquisas científicas.
Freira de clausura, Hildegarda legou-nos uma outra sua muito prazerosa
descoberta : é dela a primeira descrição escrita conhecida de um orgasmo
feminino.
Em sua obra Book of Causes and Remedies of Diseases, considerando, provavelmente, o orgasmo como um remédio para os males humanos, Hildegarda escreveu : "Quando
a mulher se une ao homem, o calor do cérebro da mulher, que tem prazer
nele, faz com que ele sinta o prazer da união e ejacule seu sêmen. E
quando o sêmen cai em seu lugar, esse calor muito forte do cérebro o
atrai e o retém consigo mesmo, e imediatamente o rim da mulher se
contrai e fecha todos os membros que, durante a menstruação, estão
prontos para se abrir, assim como um homem forte segura uma coisa em sua
mão".
Invenção
da atual cerveja e o primeiro "catecismo" da História (morda-se de
inveja, Carlos Zéfiro)... até que demorou para essa mulher virar santa,
em 2011, pelas mãos de seu conterrâneo o Papa Bento 16, alemão das
antigas e também muito afeito a uma cerveja.
Cerveja
e orgasmo... que áreas da pesquisa e do conhecimento mais díspares
entre si, alguns poderão pensar. Pois, a esses, digo : porra nenhuma!
Poucas áreas, inclusive têm tanta afinidade, são tão correlatas.
Bebeu
uns copinhos de cerveja - ou, à moda e preferência alemã, uns canecões
-, é inevitável, não dá outra : as perninhas se abrem. Pãããããããta que o
pariu se abrem!!!!
Hildegard
de Bingen, também era conhecida como a Sibila do Reno e a Profetisa
Teutônica: compositora, escritora, filósofa, naturalista, médica,
abadessa, mística e profetisa.
Uma
multitalento, uma espécie de Da Vinci de hábito. Aliás, Da Vinci foi
uma Hildegarda de calças, haja vista que a santa viveu bem antes dele. E
viveu bem, a danada, 81 anos, marca considerada longeva até para os
dias atuais. Pudera... bebendo cerveja e gozando, pressa de morrer para
quê?
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