quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Cicero Decide Morrer

 
O poeta, escritor, letrista, filósofo, crítico literário e imortal da ABL Antonio Cicero, mais conhecido pela maioria (inclusive por mim) como o "irmão da cantora Marina", de quem foi parceiro em vários de seus sucessos, como Fullgás e Pra Começar, morreu hoje, na Suíça, aos 79 anos.
 
Morreu por escolha própria, enquanto ainda conseguia decidir sobre sua vida, ou sobre sua morte, no caso. Optou pela eutanásia, prática médica permitida na Suíça.
 
Diagnosticado com Alzheimer, Cicero já não conseguia mais escrever bons ensaios de filosofia ou poemas que lhe agradassem. Já não se lembrava de fatos recentes e, fora os amigos mais íntimos, de muitas pessoas com quem convivera. 
Então, enquanto ainda lhe restava algum laivo de consciência, alguma nesga de lucidez, optou pela eutanásia.
 
Entendo perfeitamente. E quererei eu ter essa opção caso me pegue em situação similar.
Uma morte a ser lamentada e sentida por amigos e admiradores (não me encaixo em ambas as categorias).
Uma maneira de morrer a ser festejada. Por todos.
 
Aos amigos, deixou uma carta de despedida.

Queridos amigos,

Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem. Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.

Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação. A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los. Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.

Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!

Antonio Cicero
1945 - 2024

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