Por
Dalila, Rubens cumpriu os doze trabalhos de Hércules - desceu ao Hades
sem, no entanto, ascender ao Olimpo; imolou-se em esforços de proporções
bíblicas.
Por
Dalila, Rubens deixou de frequentar sebos de livros e de discos e
passou a ir a shoppings, vernissages e saraus - puta que pariu!
Por
Dalila, Rubens violentou seu estômago, seu paladar, transformou sua
válvula gastroesofágica em dique para represar seus vômitos e se dispôs a
comer no Pizza Hut, no Outback, no Mac Donalds e no rodízio de
"japonês".
Por
Dalila, Rubens começou a beber apenas aos fins de semana - e só marcas e
rótulos aprovados por Dalila, deu adeus às suas boas e baratas. Donos
de lojas de conveniência de postos de combustíveis espalharam cartazes
com a foto de Rubens pelo bairro, pelos postes, pelos pontos de ônibus,
pelos restaurantes self services. "Procura-se. Bêbado desaparecido.
Atende pelo nome de Rubens. Visto pela última vez há três meses, saindo
do posto São Judas Tadeu a carregar um fardo de Lokal. Recompensa-se
generosamente".
Por
Dalila, Rubens passou a dormir e a acordar cedo, branqueou os dentes,
fez a barba, desfez-se das cuecas frouxas, jogou fora as camisetas
puídas, as calças remendadas e o tênis de solas furadas. Renovou o
guarda-roupas. Começou a usar perfumes.
Por
Dalila, Rubens aprendeu a dançar ritmos de salão, passou a fazer
terapia e até a sorrir e ser simpático com os amigos de Dalila -
flagrou-se um habitué de reuniõezinhas, happy hours e churrascos nas casas deles.
Por
Dalila, Rubens traiu os cineclubes enfumaçados e os documentários a
preto-e-branco e passou a trepar com salas Cinemark e reality shows.
Por
Dalila (que buceta, cu e tetas tinha a cortesã), Rubens deixou-se até
ser abandonado, jogado fora por Dalila. Sem ameaçá-la, sem xingá-la, sem
maldizê-la, sem arrastar o nome dela pela lama. Por Dalila, Rubens não
era mais Rubens nem mesmo para chorar desbragadamente, para ter os
cotovelos aos gritos e em agonia, para tomar um porre sentado a uma
sarjeta, os pés descalços numa enxurrada.
Sem
Dalila, o miasma de Rubens, que passara a viver à espreita no velho
apartamento de Rubens, feito alma penada, feito fantasma secular no
aguardo do novo inquilino se mudar, que permanecera escondido de Dalila
no fundo de uma gaveta, por entre as naftalinas e a se distrair com as
poucas revistas de mulher pelada que puderam ser salvas, que se aninhara
no maleiro, bem acomodado em um macio colchão de velhas cartas, que -
gárgula - se encarapitava, nas noites de plenilúnio, no telhado do
prédio para uivar com os gatos, logo voltou.
Sem
Dalila, Rubens logo voltou a ser Rubens. Regeneraram-se-lhe, de pronto,
músculos amputados, tendões, cartilagens, tecidos, a alma. Rubens é um
Wolverine emocional. Ou como diriam Dalila e seus amigos escrotos - e
Rubens logo espanta a palavra da cabeça - Rubens é resiliente. Não
importa quantas vezes seu coração seja lançado ao chão; importa quantas
vezes ele é capaz de voltar a pulsar. Um Rock Balboa, o coração de
Rubens.
Porém...
de todos os estragos, o queloide mais indelével; de tudo, o que mais
dói em Rubens : por Dalila, Rubens deixara que Dalila podasse seu basto
velocino pubiano, que aparasse, com sua afiada e sequiosa tesoura, bem
rentes os seus pentelhos.
03h42. No copo, a sexta, talvez a oitava dose de rum. No toca-CD, o Rei : "se um outro cabeludo aparecer na sua rua...".
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