segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Pequeno Conto Noturno (101)

 
Por Dalila, Rubens cumpriu os doze trabalhos de Hércules - desceu ao Hades sem, no entanto, ascender ao Olimpo; imolou-se em esforços de proporções bíblicas.

Por Dalila, Rubens deixou de frequentar sebos de livros e de discos e passou a ir a shoppings, vernissages e saraus - puta que pariu! 

Por Dalila, Rubens violentou seu estômago, seu paladar, transformou sua válvula gastroesofágica em dique para represar seus vômitos e se dispôs a comer no Pizza Hut, no Outback, no Mac Donalds e no rodízio de "japonês".

Por Dalila, Rubens começou a beber apenas aos fins de semana - e só marcas e rótulos aprovados por Dalila, deu adeus às suas boas e baratas. Donos de lojas de conveniência de postos de combustíveis espalharam cartazes com a foto de Rubens pelo bairro, pelos postes, pelos pontos de ônibus, pelos restaurantes self services. "Procura-se. Bêbado desaparecido. Atende pelo nome de Rubens. Visto pela última vez há três meses, saindo do posto São Judas Tadeu a carregar um fardo de Lokal. Recompensa-se generosamente".

Por Dalila, Rubens passou a dormir e a acordar cedo, branqueou os dentes, fez a barba, desfez-se das cuecas frouxas, jogou fora as camisetas puídas, as calças remendadas e o tênis de solas furadas. Renovou o guarda-roupas. Começou a usar perfumes.

Por Dalila, Rubens aprendeu a dançar ritmos de salão, passou a fazer terapia e até a sorrir e ser simpático com os amigos de Dalila - flagrou-se um habitué de reuniõezinhas, happy hours e churrascos nas casas deles.

Por Dalila, Rubens traiu os cineclubes enfumaçados e os documentários a preto-e-branco e passou a trepar com salas Cinemark e reality shows.

Por Dalila (que buceta, cu e tetas tinha a cortesã), Rubens deixou-se até ser abandonado, jogado fora por Dalila. Sem ameaçá-la, sem xingá-la, sem maldizê-la, sem arrastar o nome dela pela lama. Por Dalila, Rubens não era mais Rubens nem mesmo para chorar desbragadamente, para ter os cotovelos aos gritos e em agonia, para tomar um porre sentado a uma sarjeta, os pés descalços numa enxurrada.

Sem Dalila, o miasma de Rubens, que passara a viver à espreita no velho apartamento de Rubens, feito alma penada, feito fantasma secular no aguardo do novo inquilino se mudar, que permanecera escondido de Dalila no fundo de uma gaveta, por entre as naftalinas e a se distrair com as poucas revistas de mulher pelada que puderam ser salvas, que se aninhara no maleiro, bem acomodado em um macio colchão de velhas cartas, que - gárgula - se encarapitava, nas noites de plenilúnio, no telhado do prédio para uivar com os gatos, logo voltou.

Sem Dalila, Rubens logo voltou a ser Rubens. Regeneraram-se-lhe, de pronto, músculos amputados, tendões, cartilagens, tecidos, a alma. Rubens é um Wolverine emocional. Ou como diriam Dalila e seus amigos escrotos - e Rubens logo espanta a palavra da cabeça - Rubens é resiliente. Não importa quantas vezes seu coração seja lançado ao chão; importa quantas vezes ele é capaz de voltar a pulsar. Um Rock Balboa, o coração de Rubens.

Porém... de todos os estragos, o queloide mais indelével; de tudo, o que mais dói em Rubens : por Dalila, Rubens deixara que Dalila podasse seu basto velocino pubiano, que aparasse, com sua afiada e sequiosa tesoura, bem rentes os seus pentelhos.

03h42. No copo, a sexta, talvez a oitava dose de rum. No toca-CD, o Rei : "se um outro cabeludo aparecer na sua rua...".

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