Spoiler
: texto grande pra caralho. Manuscrito, ocupou quinze páginas de um
caderno universitário. Se você é leitor de curta e média distâncias, nem
se aventure.
Junho
de 1996. Eu, no meio do meu terceiro ano da faculdade de Biologia, a
terceira faculdade em que ingressei - a única que concluí. Um ônibus a
caminho do município paulista de Americana, onde assistiríamos a um
Simpósio de fim de semana sobre vertebrados. Quarenta e poucos
graduandos no ônibus, um pouco de cada um dos anos do curso.
Até
essa ocasião, eu nunca saíra com a turma. Nem mesmo para festas ou
botecos. Não que eu não tivesse amigos na sala, os tinha sim, muitos até
(com alguns, mantenho, ainda que remoto, contato até hoje), dava-me bem
com eles, ajudava-os com as disciplinas que lhes eram menos palatáveis -
matemática, química etc -, sempre fui pródigo em ensinar quem quisesse
verdadeiramente aprender. Mas nuca fora para a farra com eles antes do
tal Simpósio de Vertebrados.
E aqui cabe uma explicação. Que, embora menos breve do que eu imaginei a princípio, foi a mais enxuta que consegui.
Como
dito, Biologia foi minha terceira faculdade. Antes e primeiramente,
ingressei na UFU (Universidade Federal de Uberlândia), no curso de
Medicina Veterinária, em 1985. Cumpri apenas um semestre do curso e
desisti. Por quê? Não sei dizer. Não me lembro claramente dos motivos.Os
seis meses passados em Uberlândia são uma lacuna em minha memória, uma
área de densa e inescrutável bruma. Não me lembro mesmo de quase nada
deste período, apenas raros lampejos. Não estou apenas com preguiça de
escrever sobre ele. Não me lembro, mesmo. Só sei, na verdade, sinto,
suspeito, que minha desistência tenha sido resultado de uma mistura de
imaturidade (fui para lá com 17 anos), de uma certa decepção com o curso
e certa preocupação financeira - meu pai não estava em seus melhores
dias e eu ainda tinha uma irmã e um irmão mais novos. Enfim... desisti.
Voltei
a Ribeirão Preto, cursei seis meses de um semiextensivo e, no fim do
ano, ingressei na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP -
Ribeirão Preto, no curso de Química. Neste, permaneci por mais tempo.
Não por seis meses. Sim por seis anos, quase sete, em um curso que
deveria ter concluído em quatro. Por quê?
Disto,
lembro-me melhor. Quando ingressei, sabia de antemão das dificuldades
que enfrentaria, que elas seriam maiores que as da maioria dos outros
calouros. Era um curso em período integral - na época, não havia cursos
noturnos na USP Ribeirão. Era um curso com programa e grade horária
pensados para quem tem todo o tempo do mundo apenas para se dedicar aos
estudos. Eu, no entanto, não podia deixar de trabalhar, de ter algum
tipo de ganho, e o fazia no período da noite, amiúde nos fins de semana.
A
escassez de tempo, escarnecendo e pondo abaixo os meus esforços
empreendidos no começo do curso, fez com que eu começasse a reprovar em
algumas matérias, a colecionar DPs (e não eram aquelas dos filmes pornô;
antes fossem), a patinar no curso.
Ao
invés de eu me armar de ainda mais tenacidade e mesmo com um tanto de
obstinação, aconteceu comigo algo inédito - e que nunca mais se
repetiria ao longo da minha vida, pelo menos até agora -, algo que
ocorreu só nesse caso, na minha graduação em Química : liguei o foda-se,
chutei o balde geral. Como diz o outro, deixei a vida me levar. E todos
sabemos bem o que se dá com quem deixa que a vida o leve. Dá merda.
Nunca.
Em nenhuma idade. Em nenhuma atividade ou tarefa às quais me propusera,
eu havia antes ligado o foda-se. A nenhuma obrigação ou
responsabilidade, eu havia antes mandado às favas. E nem foi de caso
pensado, proposital. Só aconteceu.
E
eu fui levando. Era aprovado em algumas matérias, reprovado em outras
tantas. Deixava de cursar disciplinas dos semestres subsequentes por
falta das que lhes eram pré-requisitos. Nos buracos que começaram a se
instalar na minha grade horária, eu ficava jogando pingue-pongue no
Centro de
Vivência, lendo gibizões na biblioteca, caminhando pelo campus, dono de uma área verde extensa e exuberante, pensando na vida contemplando o lago etc. E o tempo foi passando. Quase sete anos.
Vivência, lendo gibizões na biblioteca, caminhando pelo campus, dono de uma área verde extensa e exuberante, pensando na vida contemplando o lago etc. E o tempo foi passando. Quase sete anos.
Então,
do mesmo jeito que ele havia começado - ou seja, do nada e sem razão -,
algo em mim decretou o fim do meu período sabático. Precisava retomar o
rumo, tomar tento, vergonha na cara. Ali onde eu estava não havia a
menor possibilidade de concluir o curso. Meu tempo sempre seria
deficitário. Além disso, ao longo deste tempo, eu me indispusera com uma
série de professores. Assim, em alguns setores do departamento, eu era
um cabra marcado para morrer, ou, ao menos, para ser reprovado ad infinitum.
Na
época, quase fim de 1993, eu trabalhava à noite nas Faculdades Barão de
Mauá. Fazia pequenos serviços gráficos, rodava offset de folhas de
prova, de carnês de mensalidades, de apostilas, tirava xerox de livros e
cadernos para alunos.
Resoluto,
conversei com meu chefe, que meio que sabia da minha situação na
faculdade, sobre a possibilidade de eu passar a trabalhar durante o dia e
cursar uma faculdade ali mesmo, na Barão de Mauá. Biologia, que era o
curso mais afim do de Química que a Mauá oferecia.
Ele concordou na hora. E não teria por que não. Eu sempre fora um excelente funcionário.
Então,
em 1994, comecei a cursar Biologia à noite. E por que somente no meio
de 1996 eu saí com a turma pela primeira vez? Simples. Não bastava eu
mudar apenas de curso, de escola, de ambiente. Precisava mudar também
meu comportamento, minha atitude em relação ao estudo. Eu precisava me
redisciplinar. Voltar a ser o CDF que fora até o meu Colegial.
Concentrar-me, livrar-me de quaisquer distrações ou tentações. Passar a
levar uma vida de monge, de seminarista recluso (mas sem dar o cu pro
padre). Daí, os dois anos e meio de curso sem acompanhar a turma em,
digamos assim, atividades extracurriculares.
Então,
em junho de 1996, eu a ver boa parte da turma animada com o tal
Simpósio, decidi que estava de novo forte o suficiente para voltar a
cair na gandaia, dar uma relaxada por uns dias e retornar sem problemas à
minha disciplina espartana. Inscrevi-me para o Simpósio.
Noite
de uma sexta-feira, fim das aulas do dia, embarcamos num ônibus fretado
velho, caindo aos pedaços, o mais barato que achamos, rumo à Americana,
uma viagem de duas horas e meia, três horas de duração. Antes do
embarque, um "esquenta" no Bar do Ali - que Alá o tenha! Dentro do
ônibus, fitas K7 de rock a tocar no tape do motorista (conheci a banda
Velhas Virgens nessa ocasião) e muita bebida a erupcionar das bolsas,
malas e mochilas - cerveja, no geral.
Eu,
no entanto, até por questão das pequenas dimensões de minha mala de
lona, levei um litro de vodka Natasha (boa e barata) e outro de Sukita
sabor laranja. O ônibus ainda nem zarpara, e dá-lhe mé! Natasha com
Sukita goela abaixo.
Mais
animada - é claro - a viagem não poderia ter sido; acho que sobretudo
para mim, em jejum há tanto tempo. Nem vi o tempo passar por mim, aquela
viagem poderia bem ter durado uns dois dias. Não vi a estrada, as
paisagens, as cidades passarem. Estávamos em uma dimensão paralela, uma
bolha de espaço-tempo.
O
que sei é que, nas quase três horas de viagem, eu secara três quartos
do litro da Natasha. Um pouco menos, talvez, haja vista que também servi
algumas doses a uns dois amigos, o Ernesto e o Josemar.
Chegamos
e já era início de madrugada em Americana. Hotel Cacique, onde o tacape
comeria solto. Hotel barato, desses que hoje são chamados de hotéis de
alta rotatividade. Um frio do caralho. Uma neblina nos especialmente
importada das ruelas sombrias de Londres abraçava a cidade.
Entramos,
passamos pela recepção - o que os afrescalhados de plantão chamam de
fazer o check-in hoje em dia - e fomos nos instalar e nos acomodarmos em
nossos quartos.
Todo
o terceiro andar do Cacique havia sido reservado para nós, os
participantes do Simpósio. Sem que soubéssemos, ou mesmo tivéssemos
pedido por isso, o alvará para a bagunça nos fora concedido. Nos
instalamos, acomodamos nossas bagagens e, então, alguém, não me lembro
quem, sugeriu que fôssemos dar uma volta, fazer um reconhecimento da
área, conhecer a cidade. Bêbados, todos topamos. Todos mais se
agasalharam para encarar o frio úmido e a neblina.
Menos
eu. Julgando que só sairíamos do hotel na manhã seguinte rumo ao
Simpósio, já havia me trocado, estava já de bermudas e chinelão de dedo.
E de bermudas e chinelão de dedos, fiquei. Fui daquele jeito, mesmo.
Não obstante, já nas ruas, não senti frio. Não estava sentindo era porra
nenhuma, anestesiado que eu estava pela Natasha.
Caminhamos pelas ruas, àquelas horas, desertas,
falamos besteiras, rimos alto e, uma vez cansados, voltamos ao Cacique.
Até aí, tudo certo, tudo nos conformes. Cada dupla ou trio, então,
recolheu-se aos seus respectivos quartos.
Aí
é que fudeu. Bastou que eu me deitasse. Que eu esticasse o esqueleto no
colchão e aninhasse a cabeça no travesseiro. Imediatamente, o estômago
pôs-se em redemoinho, corcoveou, pinoteou, verteu-se em um gêiser quente
de Natasha com Sukita. Bombeou de volta tudo o que eu bebera no Bar do
Ali e no ônibus. Esôfago, garganta, boca. Um espumante e apoteótico
jorro laranja. Uma golfada de respeito, digna da menina do Exorcista.
Nisso,
acostumado que era aos sintomas pré-vômito, eu já havia saído da cama e
estava ajoelhado no chão do banheiro (a igreja de todos os bêbados), na
boca da privada, a única que eu beijaria naquela noite.
Não
havia muito a ser vomitado. Na sexta, eu apenas almoçara frugalmente, e
mais nada. Do fim do expediente, já fiquei para as aulas e, das aulas,
direto para o Bar do Ali e para o ônibus.
Conteúdo
estomacal esgotado, ergui-me, dei a descarga, fiz um bochecho na pia e
me deitei. Não havia ninguém no quarto. Todos estavam andando e falando
pelo corredor, entrando e saindo uns dos quartos dos outros. Deitei-me
com a cabeça voltada para os pés da cama. Estava naquele estado
intermediário entre a vigília e o sono, naquela modorra boa, quando,
pela porta entreaberta do quarto, ouvi passos pesados se aproximando
pelo corredor acarpetado em azul, e gritos de impropérios e protestos
furiosos. Com certo esforço, levantei e fui olhar.
Divaldo
vinha pelo corredor. Divaldo, um gigante, um massa bruta, o único
sóbrio em toda a comitiva, sempre tem um sóbrio para encher o saco
nessas ocasiões. Divaldo vinha pelo corredor, carregava o pequeno
Ernesto dobrado por cima de seu ombro direito. O pequeno Ernesto aos
berros, com os pés e os tornozelos presos fortemente pelas mãos de
Divaldo junto ao peito e à barriga, e com o tronco, os braços e a cabeça
pendendo e se agitando às costas do leviatã, tentando se soltar.
Ernesto berrava, eu tô bem, caralho, eu tô bem. Bem porra nenhuma, você vai é para um posto de saúde aqui perto tomar uma glicose,
retrucava Divaldo. O pequeno Ernesto se batia, inutilmente, contra as
tenazes que eram as mãos de Divaldo, seu rosto estava transfigurado,
babava, parecia revirar os olhos. Bem que poderia estar na iminência de
uma convulsão, de entrar num coma alcoólico.
O
pequeno Ernesto abria os braços ao limite de sua envergadura, tentava
alcançar as paredes do corredor e se agarrar feito gato a elas numa
tentativa de barrar a marcha do gigante. Em vão. Só lembro do Divaldo
sumindo escadaria abaixo, rumo ao térreo do hotel, com Ernesto dobrado
em seu ombro.
Tem
gente pior que eu, pensei. Mas vai que alguém tivesse presenciado ou
ouvido meu ruidoso vômito e eu me tornasse a próxima vítima de Divaldo?
Resolvi ficar na minha, na encolha, não dar bandeira do meu também
calamitoso estado. Pé ante pé, voltei para a cama e tornei a me deitar.
Adormeci.
Melhor : desmaiei. Acordei sem a menor ideia de quanto tempo dormira.
Aliás, acordei, não; o estômago ainda em rebelião me acordou. Mal fazia
ideia de onde estava, quanto mais de que horas fossem. Tentaria
descobrir isso depois, havia coisa mais urgente a fazer, correr ao
banheiro e vomitar de novo. Ainda alguns resíduos de Natasha com Sukita.
Foi
quando notei, não havia ninguém no quarto, nenhum dos meus dois
companheiros de hospedagem. Sai ao corredor, nenhum movimento. Bati em
três ou quatro outros quartos, nenhuma resposta. Dei-me conta : o sol já
se ia alto, foram todos ao Simpósio e me deixaram lá, semimorto na
cama, mais pra lá do que pra cá.
O
Simpósio, caralho! Eu não podia perder o Simpósio. Não que eu ou algum
de nós tivéssemos ido à Americana para assistirmos seriamente às
palestras, ávidos por conhecimento. O Simpósio, é claro, era só um pano
de fundo, um pretexto para uma boa farra. Acontece que, para obter o
certificado, prova de nossa maturidade acadêmica, tínhamos que estar lá,
para assinar a tão cobiçada lista de presença.
Desci
à recepção para tentar alguma informação. Um atendente diferente do da
hora de nossa chegada. Uma bichinha. Fresquíssima. Falei que viera para
um Simpósio e perguntei se ele sabia onde eu poderia me informar sobre o
local.
-
Huuum, então você é o hóspede do apartamento X, né? Deu um trabalhão
ontem de madrugada, hein? Seus amigos disseram que um de vocês iria
ficar pra trás, que tentaram te acordar, mas desistiram e foram embora - disse ele com um risinho entre o zombeteiro e o malicioso.
A
bichinha tava querendo fazer amizade. Como o tal Simpósio era um evento
de longa data e já tradicional na cidade, ele soube me explicar com
detalhes como chegar ao local.
Agradeci
feito macho à bichinha, engrossei a voz, limpei o pigarro da garganta e
sai pisando duro em direção às escadarias, de volta ao meu quarto, para
me vestir, aprumar-me, colocar-me apresentável o quanto fosse possível e
sair. A alguns degraus de chegar ao segundo andar, o estômago
insubordinou-se novamente. Não imaginava o que pudesse haver ainda nele a
ser expelido. Nada, certamente. Mas meu organismo ainda não superara
aquele estágio da ressaca em que nem água para no estômago. Nem saliva.
Nem ar. Meno male, eu não estava com dor de cabeça, o pior da
ressaca para mim. Fosse o que fosse que meu estômago queria expulsar,
não haveria tempo para chegar ao meu quarto no terceiro andar. Vomitei
ali mesmo, no corredor do segundo andar, num vaso de
comigo-ninguém-pode. A planta, enfim, encontrou um oponente à sua
altura, encontrou alguém que com ela pôde.
Uma
gosma espumosa, amarelada e acre pra cacete. Água e ácido clorídrico
somente, mais nada. É comum o populacho dizer que o sujeito vomitou até a
bile. Nada mais incorreto. A bile é produzida no fígado, armazenada na
vesícula biliar e lançada dela ao intestino com o papel de emulsificar
as gorduras e facilitar sua digestão. Vomitar a bile seria também
vomitar conteúdo intestinal. E todos sabem o que temos nos intestinos.
Vomitamos, quando mais nada temos no estômago, ácido clorídrico.
A
cidade de Americana, pelo menos na parte dela pela qual circulei, é
dotada de extensas e amplas avenidas. Aqueles avenidões em que você
anda, anda e anda e eles nunca acabam. E ainda peguei uma porrada de
subidas. Normalmente aprecio uma boa caminhada, mas nada havia de normal
comigo então. Acho que só mesmo a terrível visão do certificado do
Simpósio batendo asas e fugindo de mim, dava-se forças para seguir. E a
cada restaurante, lanchonete ou padaria pelos quais passava e que
estivessem a exalar algum cheiro de comida, o estômago cabriolava,
queria desertar pela boca.
Enfim,
cheguei, encontrei o local. O Simpósio estava a ser realizado nas
dependências do Colégio Dom Bosco, em um de seus auditórios, do qual fui
informado por uma atendente. Abri a porta do auditório o mais
suavemente possível, para que, se possível, nem dessem pela minha
chegada. As luzes estavam todas apagadas. O único lume saía da fraca luz
de um retroprojetor usado pelo palestrante para jogar imagens, tabelas,
números e gráficos numa tela branca.
Fechei
a porta e esperei um pouco, para que minhas pupilas se dilatassem,
ambientassem-se à pouca luz e eu pudesse achar alguém da minha turma.
Igual a quando éramos crianças e chegávamos ao cinema com os trailers já
passando.
Até o redivivo Ernesto estava lá. Sentei ao lado dele e logo perguntei pela lista de presença. Está com a Fabíola, ele disse, com
muito custo ela conseguiu segurar com ela pra você assinar, inventou lá
uma desculpa qualquer pra organizadora, disse que você estava na
palestra, teve que sair rapidinho, mas que logo voltava.
Fui
até a Fabíola, agradeci-lhe imensamente pelo grande favor, assinei a
lista e fiquei por ali mesmo, tentaria assistir a um pouco da palestra
ao menos. O tema era algo relacionado à vida e aos hábitos alimentares
do lobo-guará. Naquele exato instante, o palestrante discursava sobre a
importância da análise das fezes do animal, como uma das poucas formas
de conhecer sua dieta básica e cotidiana, visto que um animal arisco,
arredio, e de hábitos noturnos.
Não,
definitivamente, não. Aquilo não dava pra mim. Ficar ouvindo sobre
merda do lobo-guará. Eu nunca poderia mesmo ter me lançado e me
estabelecido na carreira acadêmica. De mais a mais, o estômago tornava a
manifestar novos sinais de motim. Saí discretamente do auditório e fui
conhecer os banheiros do Colégio Dom Bosco. De novo, só a mesma gosma de
água e ácido clorídrico. Pensei que pudesse estar a ponto de ficar
desidratado.
Lembrei-me,
então, de que, quando da minha chegada ao Colégio Dom Bosco, vi um
posto de combustíveis quase em frente e com uma loja de conveniência.
Atravessei a rua, entrei na loja, dirigi-me ao balcão e fui bem direto
com o rapaz, falei que tava numa carraspana desgraçada, que nem água
parava no bucho e perguntei se ele tinha algo que pudesse me ajudar. Com
um sorriso de cumplicidade, de quem sabia exatamente pelo que eu estava
passando, me recomendou um Gatorade. É batata - ele disse.
Comprei
um sabor tangerina, saí da loja e fui me sentar em uma das mesinhas que
bordeavam a loja. Comecei a beber em pequenas doses, meio receoso, já
contando com a possibilidade de ter que correr ao banheiro do posto e
vomitar tudo de novo. Mas não. Quase que imediatamente, fui sentindo o
estômago se apaziguar, a ir desfazendo suas feições de poucos amigos,
declarando armistício. Sempre devagar, de pequeno gole em pequeno gole,
ainda duvidando do poder milagroso do Gatorade, ainda esperando por uma
recaída. Acabei com o Gatorade e nada acontecera. Nem sentia mais o
estômago. Eu era outro. Voltara ao normal.
Cerca
de uma hora depois, quando saíram do Colégio Dom Bosco ao fim das
palestras da manhã, meus amigos se juntaram a mim no posto. Eu já ia
pela metade da minha segunda Kaiser. Eu estava de volta.
À noite, decidimos não sair, permanecer mesmo no Cacique, visto que tínhamos todo o terceiro andar ao nosso dispor.
À
noite, talvez como forma do Universo me compensar pelo flagelo do dia,
eu acabei me dando bem, se é que vocês me entendem. Me dando muito bem!
Mas essa história fica para uma outra postagem, para uma outra vez. Ou
não.
Abaixo
uma foto no interior do ônibus que registra um dos momentos em que eu
me servia e servia meu amigo Josemar de uma boa dose de Natasha. À minha
esquerda, com uma Skol na mão, a Elaine, e atrás dela, saído
diretamente da 5ª série, o Júlio.
Uma foto de quando eu não tinha o olhar lacrimoso que hoje eu trago e tenho.
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