quinta-feira, 22 de junho de 2023

Azarão, o Sangue Bom

Sempre tive a clara e plena convicção de que descendo de estirpe nobre, de que, ainda que já em tons e matizes esmaecidos e desbotados, corre boa parcela de sangue azul em minhas veias. E o que eu sempre soube por instinto, a ciência agora confirmou.
Mas, antes, explico, num não tão breve assim parênteses.
Doo sangue desde o ano de 2000. Comecei para impressionar e garfar uma buceta, como já narrado aqui em Doe Sangue, Salve Vidas. Depois de logrado o sucesso, mantive o hábito de três ou quatro doações anuais. Primeiro porque, bem ou mal, acabo mesmo por ajudar algumas pessoas, e segundo porque me ajudo, também. Sendo funcionário público, tenho dispensa de ponto no dia da doação.
Existem vários sistemas de classificação sanguínea. Os dois mais corriqueiros e usuais são o sistema ABO, aquele que diz se nosso sangue é do tipo A, B, AB ou O, e o sistema Rh, que nos informa se ele é positivo ou negativo. 
Classificar o sangue, a grosso modo, nada mais é que o diferenciar a partir de um critério, de uma referência, de um parâmetro baseado em substâncias (proteínas, geralmente) que podemos ter ou não aderidas nas superfícies de nossos glóbulos vermelhos.
O ABO, por exemplo, classifica o sangue humano de acordo com a presença, ou a ausência, das proteínas antígeno A e antígeno B em nossas hemácias. O sujeito cujo corpo produz apenas o antígeno A, é do grupo A; o que produz só o antígeno B, do grupo B; o que produz os dois antígenos, grupo AB; e aquele que não produz nem um nem outro, grupo O.
O sistema Rh é ainda mais simples. Fundamenta-se apenas em uma substância, o antígeno D. Se você tem o gene para sintetizá-lo, você é Rh+; caso contrário, Rh-. Eu, por exemplo, sou O+, o que significa que eu não produzo os antígenos A e B e sintetizo o antígeno D.
O segredo para o troca-troca das transfusões não dar merda é nunca dar ao receptor um sangue que contenha um antígeno que o corpo dele não produza naturalmente, cuja receita não esteja em seu código genético. A exemplo, se uma pessoa do grupo A - que só produz o antígeno A - receber um sangue do tipo B, o seu sistema imunológico vai reconhecer o antígeno B do doador como um corpo estranho, atacá-lo com uma legião de anticorpos e destrui-lo, solidificá-lo, transformá-lo em coágulos, que poderão levar à obstrução de veias e artérias e levar o receptor a óbito.
Porém, existem outros sistemas de classificação sanguínea, menos usados e perigosos em caso de transfusão equivocada. Eu conhecia apenas o sistema MN.
Então, ontem, e aqui termina o parênteses, recebi a seguinte mensagem da unidade do hemocentro em que costumo fazer minhas doações.


Que eu sou especial, também sempre soube, mas, curioso, retornei a mensagem, perguntei o que era exatamente esse sangue especial. Responderam :


Pãããããããta que o pariu!!!! Tenho ou não tenho sangue raro e nobre?!?!?! Sou ou não sou, a despeito de meus detratores, um autêntico sangue bom?
Dei uma pesquisada, que necessito aprofundar, sobre o tal sistema Kell, e ele é complicadíssimo, baseia-se não em um ou dois antígenos, mas em 36 e, em escala mundial, apenas 8% dos caucasianos o possuem.
Porém, como o Universo não é justo, o mundo estará privado dessa preciosidade, desse verdadeiro rubi líquido por tempo indeterminado. Por conta do uso contínuo de medicamentos antidepressivos de que venho fazendo uso, fico impedido de doar sangue enquanto se mantiver a terapêutica.
Agora, só me resta sonhar para que algum bilionário da informática, que algum sheik do petróleo, tenham um problema extremo de saúde, que necessitem de meu agraciado tipo sanguíneo e se disponham a pagar alguns milhões de dólares e petrodoláres por umas bolsas da minha seiva milagrosa.
Aí, eu paro com o tratamento na hora. Até porque, com alguns milhões no bolso, exonero, evito o convívio humano e nunca mais precisarei tomar antidepressivos.

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