quinta-feira, 22 de agosto de 2024

OZZAM! (Ou : o Azarão Também Tem Seus Dias de Páginas Amarelas da Veja)

OZZAM! era o lema e o grito de guerra de uma das turmas em que eu mais tive satisfação e prazer em lecionar. Sim, quem me vê hoje, destruído, amargurado, ateu em relação à chamada Educação brasileira, poderá nem acreditar no que vou dizer : sim, era possível ter satisfação e sentimento de realização na carreira do magistério. 
 
Isso até, mais ou menos, 2012, 2013, 2014. Uma época tão recente e, ao mesmo tempo, já tão esquecida, já tão pouco crível de que tenha de fato existido. A partir daí, a escola pública foi tomada de assalto por uma ralé moral nascida e criada sob o agouro do ECA, da LDB e da Constituição Cidadã. Uma turba planejada e cuidadosamente engendrada pela introdução na educação de ideias, autores e práticas esquerdistas postas em funcionamento a partir de fins da década de 1990.
 
Desde então, desfaçam o conceito que vocês, os acima dos 45, 50 anos, têm do que era a escola. Desde então, a escola pública acabou. Manter-se professor de uns 10 anos para cá ou é ter pendores masoquistas, ser chegado num autoflagelo, ou não ter outra opção de sobrevivência, não ter para onde fugir. Eu era um desses indivíduos da segunda opção.
 
Felizmente, há quatro meses, surgiu-me uma rota de fuga. Nem pestanejei. Dei um pontapé para bem longe nos 28 anos e meio passados no magistério. Mentalmente, estou bem melhor. Suspendi, por conta própria, toda a medicação tarja preta que estava tomando. E não sinto mais nada daquela angústia e daquele pânico desencadeados à simples menção da palavra "escola". Quando autossuspendi a medicação, a esposa chegou a comentar : - não seria melhor falar com a psiaquatra antes? 
Ora, porra, eu preciso ir à psiquiatra para conseguir remédios; para parar de tomá-los, não.

Estou melhor. Nem penso em voltar, um dia, para a sala de aula. Não obstante, não sou de todo ingrato à profissão, que, como eu disse, deu-me alegrias no passado. Não obstante, volta e meia, lembro-me, ou algo me faz lembrar, dos bons alunos que passaram por mim; e eu por eles, claro.

No domingo, precisei dar uma geral no armário e nas gavetas para abrir um espaço. Jogar fora lixo velho para guardar lixo novo. Entre folhas e papéis de toda a sorte e conteúdo, encontrei um presente esquecido. Um agrado ofertado a mim pela turma OZZAM!, citada ao início da postagem. Acompanhei-os - e eles a mim - da sétima série do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio. Na época, eles eram da 8ª série E. E eu contava com 38 anos de idade, apenas. Hoje, com 57 anos, fui arremessado há 19 anos dentro do Túnel do Tempo.

O presente foi uma entrevista que fizeram comigo. Muito criativa, muito bem humorada, sacana e muito respeitosa ao mesmo tempo.
Hoje, aos 57 anos, às vistas da maioria, eu já sou considerado um cara metódico, sistemático, o que, em terras indolentes de Pindorama, sempre foi sinônimo de chato, de cri-cri. Com 38 anos, então, meus caros, eu era de uma disciplina e de uma rotina de hábitos sobrehumanas. Daí, cogitar-se entre a meninada a possibilidade de eu nem ser humano. De eu ter uma origem extraplanetária e estar aqui em missão de observação e reconhecimento.

As perguntas dessa entrevista, todas boladas pelos meninos e com cópias espalhadas pela escola depois de datilografadas, partem desse pressuposto, seguem esse mote, têm um tom investigativo. Pois é, meus caros, o Azarão já teve seus dias de páginas amarelas da revista Veja.
Reproduzo a entrevista logo abaixo, na íntegra, sem nenhuma supressão ou correção (ela é pré-reforma ortográfica). O meu entrevistador foi o Luiz Armando (representado pelas inicias LA), que muitos diziam ser meu filho, só porque o menino era alto, moreno e bonito.
E vos digo : meninos assim não existem mais.

Entrevista Bombástica
Prof. Ricardo Cangemi

Ficha técnica
Idade : 38 anos
Profissão : professor de Biologia
Humor : se insistir até que sai
Probabilidade de partir para a violência :
0%, ele tá sempre com aquela cara feia mas
é só pra manter a sua fama de mau e porque
não tem outra, né?

LA - o que o sr. tem a dizer sobre as suspeitas que alguns alunos têm de que o sr. seja um extraterrestre?
 
RC - Vamos às provas.
 
LA - Pois não. A grande caminhada que o sr. faz diariamente do Jd. Paulista até a escola sem derramar um pingo de suor, enquanto que outros professores mal aguentam subir as escadas pro andar de cima da escola.
 
RC - É verdade, tenho um metabolismo privilegiado.
 
LA - Outra : as suspeitas do sr. não comer (no bom sentido da palavra) porque sempre frisa que os outros docentes comem demais.
 
RC - Verdade, os professores comem em demasia, parecem uma nuvem de gafanhotos.
 
LA - Mais uma : faça frio ou calor, o sr. está sempre de calça jeans e camiseta, nunca foi visto usando um simples moleton.
 
RC - Verdade, sem comentários.
 
LA - Certa vez, o sr. disse estar com medo de tirar aquele seu finado tênis Olympikus porque ele tinha ficado ensopado com uma forte chuva e com o tempo ele tinha secado ainda no pé. O estranho foi que o sr., depois desse fato, ficou afastado três semanas da escola alegando uma suposta fratura no dedinho do pé. Foi um disfarce para esconder uma possível reação desagrádavel de sua pele alienígena com as moléculas de água do nosso planeta?

RC - Quebrei mesmo o dedinho do pé esquerdo. E a reação a que se refere era só chulé, mesmo.

LA - Mudando de assunto, como o sr. explica a má fase do Figueirense no campeonato brasileiro?

RC - O que é Figueirense?

LA - Mudando novamente de assunto, pois futebol não é o seu forte, qual é o seu maior sonho?

RC - Que todas as salas fossem como a 8ª E.

LA - OZZAM!
LA - Qual a cantada mais ridícula que o sr. deu?

RC - Nunca precisei cantar ninguém.

LA - Ohhh!
LA - E que recebeu?

RC - Prefiro não expor a falta de criatividade das mulheres, é uma questão de cavalheirismo.

LA - Quantas notas vermelhas o sr. deu nesta escola, mais de 100 ou menos de 1.000?

RC - Muito mais de 1.000.

LA - Quantos tubos de caneta vermelha o sr. gastou até hoje ao longo de sua carreira?

RC - Se colocados em fila, seriam suficientes para dar duas voltas no planeta.

LA - No seu ou no nosso?

RC - Vocês escolhem.

LA - Sendo o sr. um professor de Biologia, qual seria o nome popular de um transgênico de quero-quero com pica-pau?

RC - Seria um bicho perigosíssimo, assustador, aterrorizante.

LA - O sr. tem algum sentimento de alegria ao colocar um aluno para fora da sala?

RC - Só quando supero o meu recorde do ano anterior.

LA - Quantos alunos já foram "dispensados" nas suas aulas?

RC - Quantos...quantos...afinal, quantas estrelas existem no Universo?

LA - Com seus 38 anos, o sr. teme a chegada do "grosseiro" exame de próstata?

RC - Temo! Tanto quanto ao transgênico do quero-quero com o pica-pau!

LA - Para finalizar : o seu imutável corte de cabelo seria uma característica alienígena?

RC - Sim, representa o clã ao qual pertenço.

LA - O sr. gostaria de fazer algum comentário final?

RC - Não é necessário.

Entrevista feita em : 29/09/2005
Entrevistador chefe : Luiz Armando
Sugestões e idéias : Ismael, Rodrigo, Antônio, Matheus e Michel (Xurék) - atual nº 24 na chamada.
 
OZZAM! 8ª E Foreverrrrrrr
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário