"Eu ando pelas ruas e ninguém me vê...", assim começa a canção Vitrine,
sucesso efêmero (e acho que único) da efêmera carreira de cantor do
compositor, tecladista (ex-Frenéticas) e produtor musical Ruban - a
música é boa, dentro da média do pop dos 80 e 90.
Pois
comigo, dá-se o oposto. Eu ando pelas ruas e não vejo a nada e a
ninguém. Ou muito pouco. E desse muito pouco, menos ainda registro na
lembrança. Não lhes presto atenção, às ruas e às pessoas.
Sempre
fui alheio ao mundo. Sempre tive a percepção, inclusive, desse meu
distanciamento. Tive uma namorada que vivia a dizer que eu era um
sujeito encaramujado, ensimesmado. Ao fim desse relacionamento, junto
com o disco do Pixinguinha (é claro), fiz questão de ficar com essa
palavra para mim, ensimesmado, gostei dela.
Portanto,
nenhum susto ou novidade, esta minha espécie de Asperger existencial.
Porém, nos últimos tempos, tenho me dado conta do quão grande ele sempre
foi e do quão ele está a aumentar; o mundo está virando um grande vulto
difuso para mim.
Há um mês e meio, dois meses, uma velha e querida amiga mandou uma mensagem aqui nos comentários do blog : "ontem, almocei em tal lugar, achei que pudesse te ver".
Não entendi porra nenhuma no início. Primeiro, não sou habitué
de nenhum restaurante a ponto de alguém ir até ele tendo em mente uma
grande probabilidade de me encontrar. Segundo, não sou nem mesmo
frequentador eventual de restaurantes, de nenhum.
Não
vou a restaurantes, lanchonetes, pizzarias, churrascarias. São dos
locais menos prováveis de alguém me encontrar. Não gosto de comer com
gente em volta, não gosto do barulho da fala delas, do barulho de suas
mastigações, de ter essa intimidade, essa promiscuidade até com
desconhecidos. Sim, acho o ato de comer um momento intímo.
Se
eu fosse um homem das cavernas, acenderia minha fogueira própria bem
longe do bando e ali assaria minha caça sozinho; no máximo, na companhia
de mais dois ou três outros esquisitos. Claro que, assim que um
tigre-de-dentes-de-sabre nos atacasse, sem a proteção numérica do bando,
iríamos para o beleléu. Mas mesmo assim, antes uma morte rápida pelas
presas de um felino que uma lenta e sofrida pela convivência com o
bando.
A
depender de mim, todos esses estabelecimentos quebrariam em uma semana,
iriam fácil à bancarrota. Aliás, acho que uns 90% de todo e qualquer
tipo de comércio quebraria se dependesse de mim. Eu, mais que qualquer
um desses idiotas que se dizem comunistas, sou capaz de derrubar o
capitalismo; ou, no minímo, fazer com que ele se repense.
Então, que porra era aquela? Que história era aquela da minha amiga ter ido almoçar em tal lugar e achar que pudesse me ver?
Resolvi
jogar o nome do tal lugar no Google. Não era exatamente um restaurante.
Sim uma dessas padarias gourmet tão em voga hoje em dia, que servem
também refeições.
E,
agora, cenas fortes e chocantes de alheamento : uma padaria localizada
no mesmo lado da rua e a exato meio quarteirão de onde eu trabalho.
Passo em frente a ela todo amaldiçoado dia. Nunca havia lhe notado a
existência, muito menos o nome - sempre encapsulado em meu mundo,
ensimesmado.
O que acabou por explicar um pouco a vã esperança de minha amiga. Creio que ela possa ter pensado algo do tipo : vou
almoçar num lugar ao lado do local de trabalho dele e, quem sabe,
quando ele sair em seu horário de almoço, acabemos por nos ver.
Ledo
erro de cálculo. Raramente, saio no que seria meu horário de almoço, na
verdade, nem almoço. E quando saio, vou na direção oposta à da padaria,
sentar-me aos velhos bancos de uma velha praça meio escondida a umas
sete ou oito quadras dali.
Querem saber o nome da tal padaria em que minha amiga almoçou?
Podem não acreditar : já me esqueci.
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