terça-feira, 17 de abril de 2012

Movido A Álcool

Com a crise do petróleo, em 1973, o mundo começou uma corrida desenfreada na busca de combustíveis alternativos em larga escala. E a solução não veio dos EUA, da Europa ou do Japão. Por incrível que pareça, o mais bem sucedido desses projetos nasceu no Brasil.
Em 14 de novembro de 1975, o governo do general Geisel criou o Pró-Álcool (ou Programa Nacional do Álcool) através do decreto nº 76.593.
Sim, o maior programa mundial de combustível alternativo ao petróleo tem tecnologia 100% nacional, e nasceu pelas mãos dos militares. Esse é mais um belo contraexemplo para calar a boca daqueles que dizem que os militares não investiam em pesquisa, em educação etc.
O Pró-Álcool fez desenvolver também outras tecnologias além da do etanol; a exemplos, a de motores, a de fertilizantes, a de polímeros, a do plástico biodegradável.
O Brasil produziu 600 milhões de litros de etanol entre 1975-76, e deu um salto para 3,4 bilhões de litros entre 1979-80. Os subsídios governamentais praticamente obrigavam os usineiros a produzirem o etanol combustível em detrimento do açúcar e do etanol, digamos assim, potável.
E foi esse cenário que causou um imenso assombro e preocupação em um de nossos maiores e mais emblemáticos músicos, Raul Seixas. Apavorado com a possibilidade de todo álcool ser destinado aos tanques dos automóveis, e nada sobrar para os bebuns, Raul compôs a pouco conhecida (injustamente) Movido A Álcool, de seu LP Por Quem Os Sinos Dobram (1979).
Na letra, Raul se declara confuso com a situação, pergunta : "Por que que o posto anda comprando tanta cana, Se o estoque do boteco, Já está pra terminar? "
E segue protestando, ironizando : "colocar cachaça em automóvel é a coisa mais estranha de que eu já ouvi falar"
Delírios paranoicos de um bebum? Não, nada disso, e sim visões, pré-visões, vaticínios de um autêntico profeta.
A preocupação de Raul frente a um possível racionamento da água que passarinho não bebe era estritamente artística. Lá na letra, ele diz : "veja o poeta inspirado em coca-cola, que poesia mais sem graça ele iria expressar".
É verdade!!! Ninguém escreve nada que preste tomando fanta uva ou chá de camomila.
Não que o álcool dê talento para alguém, de forma alguma. Se o cara nascer um asno, ele pode tomar um tonel de cachaça, só irá se tornar um asno bêbado. Se, no entanto, o sujeito possuir uma certa capacidade criadora, o álcool a potencializa, cataliza-a, torna-a mais patente, mais fluida, libera os poderes do sujeito.
O álcool é o SHAZAM do poeta.
De novo, pergunto, exagero do Raul? Não, definitivamente não.
O cérebro - o bom cérebro - realmente funciona mais rápido e se torna capaz de soluções mais criativas sob a influência de adequadas concentrações alcoólicas.
É o que constatou um estudo realizado na Universidade de Illinois, EUA. Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos : metade deles foi alcoolizada até atingir a concentração de álcool no sangue de 0,075, que é acima do permitido para motoristas na maioria dos Estados norte-americanos; os demais - os azarados - continuaram sóbrios durante o estudo. 
Os dois grupos foram submetidos a testes de livre associação, uma forma simples, rápida e eficiente de avaliar a solução criativa para problemas propostos. Cada participante ainda teve que explicar como chegou na resposta correta, se por algum método de associação ou por mero lampejo espontâneo.
Entre os alcoolizados, o índice de acertos espontâneos atingiu os 58%, contra os 42% alcançados pelos sóbrios. Além do maior índice de acertos, os bebuns também apresentaram as respostas de forma mais rápida - uma média de 12 segundos, contra os 15 segundos dos caretas.
O álcool deixou os cérebros dos participantes mais rápidos e eficientes, o que sugere, segundo os pesquisadores, que o álcool pode, em determinados casos, contribuir para que as pessoas encontrem respostas mais rápidas e de forma mais criativa. Eu não diria de forma mais criativa, diria de forma mais inspirada.
Em suma : o cérebro é movido a álcool. Como já dizia Raul! Há mais de 30 anos, há dez mil anos atrás.
Raul Seixas, como bom poeta e profeta, antecipou-se à nossa claudicante ciência. O álcool nos deixa mais livres, mais imunes à nossa autocensura (muitas vezes inconsciente), põe um pouco mais de penas em nossas vestigiais asas.
E eu aqui, com ainda mais três dias de antibiótico pela frente, tomando minha cervejinha sem álcool, tentando invocar um improvável efeito placebo, cerveja sem álcool é mais sem graça do que dançar com a irmã.
A cerveja sem álcool é a kryptonita do poeta.
E toca Raul!!!!

Movido A Álcool
(Raul Seixas)
Diga, seu dotô as novidades
Já faz tempo que eu espero
Uma chamada do senhor
Eu gastei o pouco que eu tinha
Mas plantei aquela cana
Que o senhor me encomendou
Estou confuso e quero ouvir sua palavra
Sobre tanta coisa estranha acontecendo sem parar
Por que que o posto anda comprando tanta cana
Se o estoque do boteco
Já está pra terminar
Derramar cachaça em automóvel
É a coisa mais sem graça
De que eu já ouvi falar
Por que cortar assim nossa alegria
Já sabendo que o álcool também vai ter que acabar?
Veja, um poeta inspirado em Coca-Cola
Que poesia mais sem graça ele iria expressar?
É triste ver que tudo isso é real
Porque assim como os poetas
Todos temos que sonhar.
É triste ver que tudo isso é real
Porque assim como os poetas
Todos nós temos que sonhar

Fonte : BBC Brasil

2 comentários:

  1. Azarão, vc sempre escreve (meio) bêbado aqui no Marreta??...rs. Abc.

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    1. Meio?
      Infelizmente não.
      Fazia tempo que você não aparecia.
      Por que parou de postar no seu blog?
      abraços.

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