sábado, 28 de abril de 2012

Revés

Era certo que um dia você viria. 
E você veio. 
Ver se de sangue e dor 
Meu peito ainda anda cheio. 
Veio e – estupor! – nem mesmo fóssil de qualquer dor. 
Veio e – quem diria? – nem mesmo resto seco de qualquer sangria. 
Não encontrou nem mesmo mais em meu peito 
Naquele peito, o ninho morno de estrume que lhe acolhia.

Era certo que chegaria o dia em que você surgiria. 
O dia não chegou 
E ainda assim você surgiu. 
Ver se em cadeados e tuberculose 
Meu sorriso se consumiu. 
Surgiu e –decepção! – nem sinal de seu grilhão. 
Surgiu e – nem creu em sua vista – encontrou os tubérculos floridos em tulipas. 
Encontrou meu sorriso, mas ele nem lhe percebeu 
Nem sentiu seu cheiro, o meu sorriso 
Sorriso que era o seu travesseiro e seu esgoto.

Era certo que um dia você voltaria 
E, cão faminto, você voltou 
Ver se meus ossos ainda estavam onde você os enterrou. 
Voltou e – quase caiu das pernas! – estava vazia a sua caverna 
Voltou e – quis seus olhos vazados por espetos – havia saído para passear, o meu esqueleto. 
Não encontrou meu crânio: sua lanterna, 
Meu fêmur: seu amuleto 
Nem mesmo minha caixa torácica: seu escudo e alvo principal de sua traição.

Veio para aumentar minha hemorragia, 
Reforçar minhas amarras, cariar meu sorriso, 
Roubar minhas flores 
E parasitar o último tutano de meus ossos. 
Saiu anêmica, com bolas de ferro nos pés, 
Extirpada de seus molares, 
Sem cor, seiva, nem perfume: 
Totalmente desnutrida.

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